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ESTUDOS E COMENTÁRIOS
REVISTA FORENSE
Revista Forense – Volume 431 – É possível a indenização de natureza extrapatrimonial por abandono afetivo?, Marcelo Chiavassa de Mello Paula Lima
Revista Forense
28/07/2020
Revista Forense – Volume 431 – ANO 116
JANEIRO– JUNHO DE 2020
Semestral
ISSN 0102-8413
FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO
FUNDADORES
Mendes Pimentel
Estevão Pinto
Edmundo Lins
DIRETORES
José Manoel de Arruda Alvim Netto – Livre-Docente e Doutor pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Eduardo Arruda Alvim – Doutor pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/FADISP
SUMÁRIO REVISTA FORENSE – VOLUME 431
Abreviaturas e siglas usadas
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DOUTRINAS
A) DIREITO ADMINISTRATIVO
- EXTINÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO: REVOGAÇÃO DO ATO REVOGADOR – ANA CRISTINA FECURI
- A CADUCIDADE NAS CONCESSÕES RODOVIÁRIAS FEDERAIS: NATUREZA JURÍDICA, EFEITOS E PERSPECTIVA REGULATÓRIA – DIOGO UEHBE LIMA
- DA INDENIZAÇÃO POR LUCROS CESSANTES EM DECORRÊNCIA DE RESCISÃO UNILATERAL DO CONTRATO ADMINISTRATIVO PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – EDUARDO LEVIN
- A REVOGAÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO À LUZ DA TEORIA DA PONDERAÇÃO – MARIA FLAVIA RONCEL DE OLIVEIRA
- VINCULAÇÃO PRINCIPIOLÓGICA NA APLICAÇÃO DE SANÇÕES EM LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS: IMPRESCINDIBILIDADE DE TIPIFICAÇÃO DA CONDUTA IRREGULAR E A RESPECTIVA PENALIDADE – VLADIMIR DA ROCHA FRANÇA E VINÍCIUS AUGUSTO CIPRIANO M. DE SOUZA
B) DIREITO CIVIL
- REVISÃO E RESOLUÇÃO CONTRATUAL E A PANDEMIA DA COVID-19 – JOSÉ AMÉRICO ZAMPAR E JULIANA CAROLINA FRUTUOSO BIZARRIA
- É POSSÍVEL A INDENIZAÇÃO DE NATUREZA EXTRAPATRIMONIAL POR ABANDONO AFETIVO – MARCELO CHIAVASSA
C) DIREITO CONSTITUCIONAL
- OS DEVERES FUNDAMENTAIS E A SUA PREVISÃO CONSTITUCIONAL – ISRAEL MARIA DOS SANTOS SEGUNDO
- LACUNAS DA LEI: A INTERPRETAÇÃO DA LEI À LUZ DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E DE DIREITO – MARIA CLARA DE JESUS MANIÇOBA BALDUINO E WISLLENE Mª NAYANE PEREIRA DA SILVA
- A IDENTIDADE DE GÊNERO COM UM ELEMENTO DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO – PATRÍCIA PRIETO MOREIRA
D) DIREITO EMPRESARIAL
- O PARADOXO DA “PRIVATIZAÇÃO TEMPORÁRIA” E OS DIREITOS DOS PREFERENCIALISTAS SEM DIREITO A VOTO NAS SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA ABERTAS NA FALTA DE PAGAMENTO DE DIVIDENDOS FIXOS OU MÍNIMOS – BRUNO FREIXO NAGEM
E) DIREITO PENAL
- A RECEPÇÃO CONSTITUCIONAL DAS DIRETRIZES MINIMALISTAS DO DIREITO PENAL: O CAMINHO DAS CIÊNCIAS PENAIS DO PONTO DE PARTIDA ONTOLÓGICO À CONSTRUÇÃO DE VALORES CONCRETOS – ALLAN ROVANI E EDSON VIEIRA DA SILVA
- SEGURANÇA PÚBLICA COMO MISSÃO DO ESTADO – WILDE MAXSSUZIANE DA SILVA SOUZA E WALTER NUNES DA SILVA JÚNIOR
F) DIREITO PROCESSUAL CIVIL
- RATIO DECIDENDI: O ELEMENTO VINCULANTE DO PRECEDENTE – CRISTINA MENEZES DA SILVA
- NOÇÕES DO PROCESSO CIVIL ROMANO E A UTILIZAÇÃO DA AEQUITAS COMO FONTE DO DIREITO. UM FOCO NO PROCESSO FORMULÁRIO – MARCIO BELLOCCHI
- COISAS JULGADAS ANTAGÔNICAS E COISAS JULGADAS CONTRADITÓRIAS: DUAS HIPÓTESES DISTINTAS DE CONFLITOS – MICHELLE RIS MOHRER
G) DIREITO TRIBUTÁRIO
- A PRESCRIÇÃO PARA O REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL: AS TESES FIXADAS PELO COLENDO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – SILVIO WANDERLEY DO NASCIMENTO LIMA
H) DIREITO PREVIDENCIÁRIO
- REFORMA PREVIDENCIÁRIA BRASILEIRA: EIXOS CENTRAIS DA EMENDA CONSTITUCIONAL 103/2019 – MARCO AURÉLIO SERAU JÚNIOR
I) CADERNO DE DIREITO E INOVAÇÃO TECNOLÓGICA
- O BLOCKCHAIN COMO INSTRUMENTO DE VALIDAÇÃO DE LEGITIMIDADE EXTRAORDINÁRIA DE ASSOCIAÇÕES – JOÃO MARCOS DE ALMEIDA SENNA
- ESTUDO COMPARATIVO ENTRE A TRAJETÓRIA ECONÔMICA DA COREIA DO SUL E DO BRASIL, À LUZ DAS POLÍTICAS DE INOVAÇÃO – MIGUEL HENRIQUES DUARTE VIEIRA E THIAGO HENRIQUE TRENTINI PENNA
- REGIMES DE RESPONSABILIDADE CIVIL NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR (“CDC”) E NA LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS (“LGPD”) – LUCAS PINTO SIMÃO E PRISCILLA MARTINS DE FREITAS ALMEIDA COSTA
LEIA O ARTIGO:
Resumo: Este estudo tem como ponto de partida analisar o instituto do abandono afetivo e seu eventual cabimento no direito brasileiro. Para tanto, será analisada a formação cultural das famílias e a existência ou não de um dever de afeto no núcleo familiar. No passo seguinte, analisar-se-á a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema para tentar entender se existe dano passível de indenização e, existindo, se ele pode ser indenizado, considerando que as sanções típicas do direito de família são a perda do poder familiar e a deserdação. Serão analisados, ainda, decisões e legislações da Espanha, Itália, Portugal e Argentina, a fim de tentar estabelecer uma conclusão, além da recente alteração nas CIDs por parte da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Palavras-chave: abandono afetivo – dever de cuidar – dano extrapatrimonial.
Riassunto: Questo studio ha come punto di partenza l’analisi dell’istituto del’abbandono affettivo e la sua possibile integrazione con la legge brasiliana. Pertanto, verrà analizzata la formazione culturale delle famiglie e l’esistenza o meno di un dovere di affetto nel nucleo familiare. Dopo, la giurisprudenza dell Superior Tribunal de Justiça (Brasile) in materia sarà analizzata per cercare di capire se esiste un danno che può essere risarcito e, se esiste, se può essere risarcito, considerando che le sanzioni tipiche del diritto di famiglia sono la perdita di potere familiare e diseredazione. Le decisioni e la legislazione di Spagna, Italia, Portogallo e Argentina saranno analizzate anche al fine di cercare di stabilire una conclusione, oltre alla recente modifica degli ICD da parte dell’Organizzazione Mondiale della Sanità (OMS).
Parole Chiave: abbandono affettuoso – obbligo di cura – danno non patrimoniale.
Sumário: 1. Introdução; 2. Considerações sobre o dever de afeto nas relações familiares; 3. Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – Acordão Paradigma; 4. Análise dos Projetos de Lei sobre a temática no Brasil; 5. Análise da questão na Itália; 6. Abandono afetivo por parte do herdeiro necessário e os impactos sucessórios; 7.Conclusão; 8.Referências Bibliográficas.
Introdução
Muito se tem discutido na última década sobre a obrigação de reparar o dano causado pelo abandono afetivo do familiar. Por esse tema, entende-se a falta de apoio afetivo por um ente familiar com o outro, especialmente nas relações paternas/maternas.
A questão passa pelo enfrentamento dos seguintes pontos: (i) o afeto é um dever jurídico?; (ii) quem deve prestar/receber afeto?; (iii) quais os danos causados pela falta de afeto, se este for um dever jurídico?
A correta e adequada resposta a essas questões permitirá a compreensão do tema e a fixação de seus limites. Para tanto, a pesquisa levará em consideração a análise jurisprudencial brasileira, especialmente nos Tribunais Superiores, a legislação vigente e os projetos de lei em trâmite no Congresso Nacional.
Considerações sobre o dever de afeto nas relações familiares
a) Existe o dever de afeto? Se sim, em qual grau/intensidade?
As relações sociais tradicionalmente são vistas com a finalidade de autopreservação, de sorte que membros do mesmo grupo social se reuniam a fim de se auxiliarem reciprocamente nas guerras, na caça, no plantio e no suporte material em geral (forma de organização política). Essa é, inclusive, a base das nossas organizações sociais atuais, aqui incluído o Estado, as cidades, e a família.
A origem, portanto, não está no afeto, mas na necessidade de sobrevivência. O homem, sozinho, pouco consegue dominar a natureza, outros homens e seus próprios impulsos. Apenas a união coletiva permitiu a evolução da sociedade até os dias atuais.
Fustel de Coulanges pontua, ainda, um outro fator de união entre os indivíduos: a adoração dos mesmos deuses, o que, mais tarde, faria com que este Deus fosse alçado a guardião da unidade coletiva familiar (lares/penates) e das cidades, como os exemplos de Athena (Grécia), Roma (Rômulo), Esparta (Ares).
Com o aumento dos grupos (tribos) e sua fixação em um mesmo local (graças à agricultura), foram surgindo subgrupos, que tinham em comum o laço da consanguinidade e do nome. Nesse cenário, a ideia de autopreservação se intensifica, agora inclusive em relação aos demais membros das tribos/cidades. A proteção da tribo/cidade era proteção de todos, mas dentro da tribo/cidade, os membros dos subgrupos se protegiam inclusive dos outros subgrupos.
É nesse cenário que se desenvolvem com mais força os vínculos afetivos. Entre casais, pais e filhos, irmãos e assim por diante. O afeto não é uma condição necessária da unidade familiar, muito embora, em regra, esteja presente.
Estabelecida a família, no direito romano, competia ao pater prover o sustento e proteger todos os membros[1], o que mais tarde veio a ser também partilhado com a mulher (sec. XX). A família é ainda, por excelência, mecanismo de manutenção de poder econômico e da riqueza[2], sendo certo que institutos, como a sucessão, apenas existem para essa finalidade. Pouco se falava do “afeto” no sistema antigo. A lei, inclusive, permitia que o pai vendesse seu filho (o que veio a ser a origem do instituto da emancipação).
O desenvolvimento dos direitos da personalidade nos dois últimos séculos (XIX e XX) veio a alterar as relações sociais e o próprio direito. Ao lado dos deveres patrimoniais – estabelecidos pelos romanos –, surgiram os chamados deveres morais, que acabaram positivados pelo legislador[3]. No Ocidente, esses deveres morais estão impregnados pela moral cristã e pela história europeia. É nessa conjuntura que se enquadra a discussão do dever de afeto/dever de amar, este último bem delineado na doutrina italiana por conta dos art. 315, bis[4], e 337, ter[5], adicionados ao Código Civil nas recentes reformas do Direito de Família na Itália, e bem desenvolvidos por Bianca[6] (um dos principais responsáveis pela nova lei) e por Stéfano Rodotà[7], em obra de mesmo nome.
A questão mais complexa, todavia, diz respeito à intensidade do afeto. Quão afetuoso deve ser um marido em relação à mulher ou um pai em relação a um filho? Como mensurar isso? É possível estabelecer, do ponto de vista qualitativo, graus de afeto? Sem dúvida, não. A análise não pode ser tão subjetiva assim.
A questão a ser encarada não parece envolver o afeto propriamente dito, e sim a convivência familiar e o dever de cuidado. A nomenclatura é infeliz e não permite compreender adequadamente a temática aqui tratada.
Essa questão foi bem analisada em julgado paradigma do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema (e que será mais bem analisado em item seguinte), quando restou decidido que:
“Alçando-se, no entanto, o cuidado à categoria de obrigação legal, supera-se o grande empeço sempre declinado quando se discute o abandono afetivo – a impossibilidade de se obrigar a amar. Aqui não se fala ou se discute o amar e, sim, a imposição biológica e legal de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerarem ou adotarem filhos. O amor diz respeito à motivação, questão que refoge os lindes legais, situando-se, pela sua subjetividade e impossibilidade de precisa materialização, no universo metajurídico da filosofia, da psicologia ou da religião. O cuidado, distintamente, é tisnado por elementos objetivos, distinguindo-se do amar pela possibilidade de verificação e comprovação de seu cumprimento, que exsurge da avaliação de ações concretas: presença; contatos, mesmo que não presenciais; ações voluntárias em favor da prole; comparações entre o tratamento dado aos demais filhos – quando existirem –, entre outras fórmulas possíveis que serão trazidas à apreciação do julgador pelas partes. Em suma, amar é faculdade, cuidar é dever.”[8]
Exsurge, portanto, a toda evidência, que a questão do abandono afetivo não diz respeito à falta de amor, mas, sim, à violação do dever de cuidado que os pais devem ter perante os filhos e os filhos perante os pais, quando estes forem idosos[9].
A análise do chamado “dever de afeto” está umbilicalmente ligada ao art. 227 da Constituição Federal brasileira, que estabelece que “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
Decorre, portanto, do texto constitucional o dever dos pais de conviverem com a criança/adolescente, a fim de explorar e incentivar seu pleno desenvolvimento. Também por isso a preocupação do Estado em saber se a criança/adolescente está sendo bem cuidado pelos genitores[10], sob pena de perda do poder familiar e da transferência da guarda da criança para quem puder efetivamente garantir o pleno desenvolvimento dela.
Esse dever, contudo, não é exclusivo dos pais em relação aos filhos, mas também dos filhos em relação aos pais. É uma via de mão dupla. Os pais devem conviver com os filhos na infância, quando eles estão vulneráveis, e os filhos devem conviver com os pais na velhice, quando igualmente estão mais vulneráveis. A Constituição Federal brasileira estabelece que os deveres familiares entre pais e filhos são recíprocos, nos termos do art. 229 (“Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar a amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”).
A assistência familiar recíproca, para além dos reflexos da moral católica ocidental, tem como base o dever de solidariedade[11]–[12] familiar, “que obriga os parentes a atender às necessidades vitais que qualquer um dos familiares tenha e não possa satisfazer por si só”[13].
Em sentido análogo, “convencidos de que a família, como grupo fundamental da sociedade e ambiente natural para o crescimento e o bem-estar de todos os seus membros e, em particular, das crianças, deve receber a proteção e a assistência necessárias para poder assumir plenamente suas responsabilidades dentro da comunidade” e “reconhecendo que a criança, para o pleno e harmonioso desenvolvimento de sua personalidade, deve crescer no seio da família, em um ambiente de felicidade, amor e compreensão”[14], a ONU proclamou a Convenção sobre os Direitos das Crianças no início dos anos 1990.
b)Premissa metodológica – os chamados danos extrapatrimoniais
Antes de mais nada, deve ser delineada a premissa metodológica. Entendemos que os danos extrapatrimoniais é categoria plúrima, os quais, por essa razão, não podem ser confundidos com o dano moral.
Assim sendo, a classificação que ora se adota é baseada na natureza da lesão sofrida. Dessa forma, cinco serão as possibilidades[15]: (i) o dano moral puro; (ii) o dano estético; (iii) o dano biológico (ou à saúde); (iv) o dano existencial; e (v) o dano da morte.
Não se trata de apenas criar etiquetas distintas. O cerne está na individualização desses danos na medida em que são substancialmente distintos um do outro[16], embora todos sejam danos à pessoa de origem não econômica. Judith Martins-Costa, a esse respeito, pontua que a singela utilização da expressão “dano moral”, tradicionalmente ligada ao pretium doloris, “tem impedido (…) a adequada apreensão, pela jurisprudência, de novas fattispecies que poderiam ser mais livremente desenvolvidas, não fossem as amarras pré-compreensivas”[17] que a própria ideia de dano moral traduz.
A vantagem da adoção dessa classificação se dá pela sua simplicidade. Não é necessário analisar qual a natureza do direito subjetivo/potestativo violado e não é necessário saber se o dano foi a uma coisa ou a um bem imaterial.
Basta – repita-se – observar qual foi a lesão sofrida. Se houve lesão à saúde, então será dano biológico; se deixou marcas indeléveis no corpo da vítima, estar-se-á diante de dano estético; se houver lesão à rotina da pessoa, falar-se-á em dano existencial; se houver lesão à vida, será dano da morte, e, por fim, se houver lesão anímica que não impacte severamente na rotina da pessoa, aplicar-se-ão as regras já conhecidas do dano moral puro (subjetivo).
c) Se existe o dever de afeto/cuidado, o que ocorre diante da violação desse dever? Qual é o prejuízo causado? Como mensurá-lo?
A Constituição Federal brasileira, como demonstrado, prescreve o dever de assistência moral e material familiar[18]. “No âmbito jurídico, o tema afeto tornou-se bastante recorrente e polêmico, sendo necessário analisar o caso concreto de forma prudente e cautelosa. Embora o Princípio da Afetividade não esteja expresso em nosso ordenamento jurídico, encontra-se implícito em inúmeras disposições positivadas em nossa Constituição Federal: na igualdade de filhos, independentemente de origem (artigo 227, § 6º), na adoção; no reconhecimento da união estável (artigo 226, § 3º), na família homoafetiva (artigo 2º da Lei 11.340/2006), na liberdade de decisão sobre o planejamento familiar (artigo 226, § 7º), dentre outros”[19].
A questão passa a ser, portanto, em compreender as consequências da violação da norma constitucional.
Para alguns[20], a violação implica indenização por danos morais, na medida em que o filho teria seu desenvolvimento pessoal prejudicado pela privação da relação familiar. Para outros[21], isso não seria admissível, na medida em que “afeto, carinho, amor, atenção são valores espirituais, dedicados a outrem por absoluta e exclusiva vontade pessoal, não por imposição jurídica”[22]–[23]. Nesse caso, a sanção seria a perda do poder familiar, o que não passa ao largo de crítica[24].
É o mesmo raciocínio que afasta a indenização por danos morais ao cônjuge vítima de traição[25], e espelha a célebre expressão de Arturo Carlo Jemolo, na qual la famiglia è una isola che il mare del diritto deve solo lambire[26].
Parece-nos, todavia, que a divergência se dá pela compreensão da expressão “dever de afeto”. Já foi pontuado que o dever de afeto corresponde ao dever de convivência familiar e do cuidado, e não com a questão do amor e do afeto per si.
Com efeito, a privação do afeto – convivência familiar – pode sim ser prejudicial para o desenvolvimento da criança e até mesmo no final da vida dos pais. Nesse sentido, “para a configuração do dano moral à integridade psíquica de filho, será preciso que tenha havido o abandono por parte do pai (ou da mãe) e a ausência de uma figura substituta”, na medida em que, havendo a substituição, “não há dano a ser reparado, não obstante o comportamento moralmente condenável do genitor biológico”[27].
A Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu a alienação parental como doença (CID11) enquadrada no QE52.0, sob o título de “problemas relacionais da criança com o cuidador”. Ainda nessa categoria, estão enquadradas questões como perda de relação afetiva muito próxima na infância (QE52.1).
Problemas relacionais com o cuidador podem levar a criança a desenvolver problemas psicológicos e de dificuldade de relacionamento social, mormente quando não encontrado um substituto que faça o papel de mãe/pai.
É o típico caso da criança que não obtém o convívio e o auxílio material de seu genitor[28], ou, ainda, vive em um ambiente insalubre, onde os genitores se atacam reciprocamente (alienação parental). Uma vez reconhecida a paternidade, existem remédios jurídico-processuais para garantir o pagamento da pensão alimentícia a fim de permitir condição de vida semelhante à de seus irmãos, observado o binômio necessidade/possibilidade. A questão do convívio social – abandono afetivo –, por sua vez, não pode ser reparado por dinheiro.
Esse dano à saúde tem natureza extrapatrimonial, na medida em que não se volta apenas ao pagamento das despesas materiais com tratamento médico/psicológico, mas também com a lesão à convivência social, segundo definição da Organização Mundial da Saúde.
Como referendado pela OMS[29], a saúde engloba três aspectos: (i) aspecto físico; (ii) aspecto psíquico; e (iii) aspecto social[30]. Por aspecto físico, deve-se compreender a integridade física do ser humano; por aspecto psíquico, a integridade psíquica[31] e por aspecto social, a integridade social, isto é, a manutenção da perfeita vida social da pessoa humana. Todos esses três aspectos devem ser aceitos na doutrina e na jurisprudência dentro do conceito de dano à saúde.
Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – Acordão Paradigma
O Superior Tribunal de Justiça, a propósito, já teve oportunidade de se manifestar sobre a questão do abandono afetivo[32]. Entendeu o STJ, em voto da relatoria da Ministra Nancy Andrighi, que “o cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88”.
Nessa linha, o Superior Tribunal de Justiça assentou o entendimento de que a violação dessas regras constitucionais “implica reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão”, na medida em que “o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de cuidado –, importa em vulneração da imposição legal”, surgindo daí o dever de indenizar os danos morais causados[33].
Análise dos Projetos de Lei sobre a temática no Brasil
Atualmente, o Brasil possui dois projetos de lei sobre o tema. O primeiro deles, PLS nº 4.229/2019, do Senado Federal, pretende modificar o Estatuto do Idoso a fim de prever o abandono afetivo do idoso. O segundo, PLS 6.218/2019, também do Senado Federal, tipifica o crime de abandono afetivo de incapaz e prevê expressamente a indenização por danos morais com a tipificação da reparabilidade no Código Civil.
O PLS nº 4.229/2019, do Senado Federal, prevê a modificação do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003), a fim de criar o capítulo XI (do direito à convivência familiar e comunitária), com a inserção dos arts. 42-A e 42-B.
O artigo 42-A prevê que “a pessoa idosa tem direito à manutenção dos vínculos afetivos com a família e dos vínculos sociais com a comunidade, em ambientes que garantam o envelhecimento saudável”. A redação é assaz desnecessária, seguindo a tendência do legislador pátrio em tentar prever, expressamente, todos os direitos possíveis de uma pessoa. O idoso é uma pessoa, e, como tal, possui o direito óbvio de ir e vir e de se relacionar com familiares e amigos.
O art. 42-B, mais interessante (embora parcialmente redundante com o próprio texto constitucional), prevê, no caput, que “aos filhos incumbe o dever de cuidado, amparo e proteção da pessoa idosa”, o que vai ao encontro do já mencionado art. 229 da Constituição Federal brasileira. O art. 42-B, parágrafo único, sedimenta a tese de que “a violação do dever previsto no caput deste artigo constitui ato ilícito e sujeita o infrator à responsabilização civil por abandono afetivo, nos termos do art. 927 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil)”.
Na justificativa para a propositura do projeto de lei, o Senador Lasier Martins deixa clara a relação com o art. 229 da Constituição Federal, além de pontuar que a responsabilidade civil decorrente do art. 42-B é subjetiva (baseada na culpa), de sorte que “a alusão ao art. 927 do Código Civil tem por finalidade permitir que os juízes apreciem, no caso concreto, os pressupostos que configuram a responsabilidade civil subjetiva, a saber, o descumprimento do dever de cuidado, o dano gerado no idoso (sentimento de isolamento, de solidão, quadros depressivos, entre outros), o nexo de causalidade e a existência de excludentes de ilicitude)”.
O PLS nº 6.218/2019, do Senado Federal, pretende modificar o art. 133 do Código Penal brasileiro, para inserir o art. 133-A, cuja conduta típica seria “deixar de prestar assistência afetiva, moral, psíquica ou social a pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade”, estipulando a pena de detenção de seis meses a dois anos.
Esse projeto ainda prevê a criação do art. 954-A do Código Civil brasileiro, a fim de tipificar a indenização extrapatrimonial, ao prever que “a indenização por deixar de prestar assistência afetiva, moral, psíquica ou social a pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade consistirá na reparação do dano moral que resulte ao ofendido”.
Na justificativa do Projeto de Lei (Senadora Daniela Ribeiro), está a preocupação com o desenvolvimento da criança, notadamente na medida em que “a falta dessa atenção ou desses cuidados desenvolvem na criança ou na pessoa incapaz sentimentos de impotência, perda, desvalorização como pessoa e vulnerabilidade, transformando-os em cicatrizes que jamais serão esquecidas”.
A proposta legislativa traz, a nosso sentir, preocupação no que concerne ao tipo penal e parece ser desnecessária no que diz respeito à modificação do Código Civil. Preocupa pelas razões já expostas neste estudo, mormente a compreensão do vocábulo “assistência afetiva”. Entendemos não existir esse dever jurídico, principalmente porque sua comprovação talvez seja impossível. As pessoas são diferentes entre si, de sorte que a criação de um filho é notavelmente distinta entre as famílias. Assim sendo, ainda que se admita esse dever jurídico, como demonstrar que de fato faltou afeto? E mais do que isso, qual seria a intensidade desse afeto?
Quanto à tipificação penal apenas do abandono afetivo de incapaz, vale notar que é este grupo que realmente é mais violentado, especialmente crianças (cujo desenvolvimento pode ser afetado) e idosos.
Análise da questão na Itália
A discussão sobre o dano existencial na jurisprudência italiana se debruçou em caso bastante semelhante, com procedência da demanda para o fim de condenar o genitor. O caso é relatado por Amaro Alves de Almeida Netto, a respeito da Sentenza 7713/2000[34]. A Corte de Cassazione entendeu que houve ofensa a um direito fundamental do menor, especificamente o direito de ser tratado com dignidade. Apesar de a sentença fazer confusão com a terminologia do dano, ora chamando de dano existencial e ora chamando de dano biológico, trata-se de ótimo exemplo e paradigma da compreensão sobre o abandono afetivo.
“La violazione dei diritti del minore può dar luogo al risarcimento del danno non patrimoniale, trattandosi di diritti fondamentale della personalità. Ciò stato ammesso dalla giurisprudenza, che ha riconosciuto la rissarcibilità del danno esistenziale sofferto dal minore per la mancata assistenza morale da parte del padre. La tutela risarcitoria è per altro inadeguata quando né i genitori né la famiglia si prendono cura del minore. Si rende allora necessario ricorrere all’affidamento familiare o all’adozione.”[35]
A Corte de Cassação italiana entendeu pela admissibilidade do pleito indenizatório, ressaltando, ainda, que a indenização é inadmissível quando os genitores e as famílias não dão assistência ao menor, hipótese na qual a sanção possível seria a perda do poder familiar.
Em outro interessante julgado, a Corte de Cassação[36] reconheceu que os filhos também possuem o dever de assistência moral em relação aos pais idosos, pontuando que a hipótese se enquadra na regra do art. 29 da Constituição Federal italiana, especialmente na ideia de a família ser uma sociedade natural[37], e também na regra do art. 30 da Constituição (na qual se espelha o também mencionado art. 433 do Código Civil italiano), que prevê o dever de assistência dos pais em relação aos filhos e vice-versa[38]. Para além disso, a Corte de Cassação pontuou que a falta de assistência moral ao genitor pode caracterizar tipo penal de abandono de incapaz previsto no art. 591 do Código Penal italiano, quando colocar em risco a vida do incapaz (elemento objetivo do tipo penal).
Por fim, vale mencionar, ainda, a Sentença nº 1365 (08.02.2000), também da Corte de Cassação italiana[39], que reconheceu que o direito de visita é um dever do genitor que não possui a guarda e que a violação contumaz desse dever pode acarretar ato ilícito, de onde nasce a obrigação de reparar o dano causado.
Abandono afetivo por parte do herdeiro necessário e os impactos sucessórios
Importante questão diz respeito aos impactos sucessórios por parte do herdeiro necessário que abandona o ascendente, descendente ou cônjuge. Com efeito, prevê o Código Civil brasileiro a possibilidade da deserdação do descendente/ascendente que deixar de prover assistência ao ascendente/descendente em alienação mental ou grave enfermidade, ex vi arts. 1.962, IV, e 1.963, IV, ambos do Código Civil.
A redação foi pensada e dedicada à assistência financeira e pessoal, aqui incluído medicamentos, alimentos, entre outros. Entretanto, parece-nos também estar caracterizada a hipótese da falta do dever de cuidar (dever de afeto), não apenas materialmente, mas também emocionalmente, ex vi art. 229 da Constituição Federal brasileira[40].
Infelizmente, perdeu o legislador a ótima oportunidade de elencar também o cônjuge/companheiro(a) como alvo da deserdação, tal qual acontece em outros países, notadamente Argentina (art. 2281 do Código Civil argentino) e Espanha (art. 855 do Código Civil espanhol). Dessa forma, o cônjuge/companheiro apenas não receberá a herança nas hipóteses de indignidade previstas no art. 1814 do Código Civil. Por ser uma inovação do Código Civil de 2002 (cônjuge se tornar herdeiro necessário), a questão não foi satisfatoriamente regulamentada, embora, racionalmente, as causas de deserdação também devessem abarcar o cônjuge/companheiro que incida em alguma das hipóteses tipificas da deserdação.
Vem da Espanha, a propósito, interessante julgado sobre o tema. O Tribunal Supremo julgou, em 2003, a eventual nulidade da cláusula testamentária de deserdação de uma mulher por violação dos deveres conjugais. O marido, idoso e enfermo (câncer), vivia na Venezuela com sua mulher. Após o surgimento da doença, ela decidiu se mudar para a Espanha e deixar o marido na Venezuela[41].
Entendeu o Tribunal Supremo que a mulher havia violado seus deveres conjugais, abandonando o marido na Venezuela em situação de doença grave, e que, portanto, a deserdação obedecia à previsão do art. 855 do Código Civil espanhol[42].
A questão aqui colocada é se a deserdação já funcionaria como sanção jurídica para o abandono do ascendente/descendente em alienação mental ou grave enfermidade ou se, além da deserdação, ainda faria jus à indenização por abandono afetivo.
A nosso sentir, a sanção de deserdação não tem o condão de afastar eventual direito à indenização por abandono afetivo (falta do dever de cuidado). As causas são distintas, de sorte que não se pode falar em bin in idem.
Com efeito, a sanção de deserdação faz que o herdeiro necessário perca esse status, nada vindo a receber da herança do de cujus. É uma sanção a um comportamento jurídico e moralmente reprovável, que permite ao testador excluir o autor do ato ilícito do rol de herdeiros. A sanção ataca o eventual direito que o autor do dano teria sobre o monte partilhável. Portanto, não recai sobre o patrimônio do autor do dano, mas sobre a expectativa da herança (condicionada a um evento futuro).
Coisa bastante diferente é a indenização por abandono afetivo, titularizada pelo ascendente/descendente em razão da violação do dever de cuidado por parte, in casu, de um dos herdeiros necessários. Aqui se vê a violação de um direito da vítima, por omissão; a violação do princípio da solidariedade entre familiares. A sanção agora recai sobre o patrimônio do autor do ato ilícito, o qual deverá reparar o dano causado à vítima (os efeitos não são post mortem).
Há também de se considerar que nem sempre o patrimônio do de cujus será positivo, a fim de permitir que os herdeiros recebam algo, o que, per si, já demonstra o equívoco do intérprete que defenda a impossibilidade de cumulação da deserdação com a reparação do abandono afetivo.
Conclusão
O abandono afeito, apesar do nome, deve ser entendido como violação do dever de cuidado dentro da relação familiar, seja entre ascendentes/descendentes, seja entre cônjuges.
Vale ressaltar que o instituto não guarda nenhuma relação com o dever de amar. Amor é fato que não figura no mundo jurídico, aparecendo, no máximo, no campo da moral. Assim, não é possível obrigar alguém a amar outra pessoa, mas é perfeitamente possível estabelecer regras de solidariedade e dever de cuidado recíproco entre os membros da família.
A questão principal passa pela possibilidade ou não da reparação do dano de natureza extrapatrimonial, haja vista que as sanções previstas tradicionalmente no direito de família consistem na perda do poder familiar (dos ascendentes em relação aos descendentes) e a deserdação (dos descendentes em relação aos ascendentes ou aos cônjuges, estes últimos especificamente na tradição espanhola).
Entendemos, todavia, que a resposta para essa questão é positiva, na medida em que são sanções que figuram em planos distintos. Para isso, é necessário entender que o dano causado pelo abandono afetivo deve ser acertado por um médico (a OMS agora listou o abandono afetivo como uma lesão psíquica causada pelo abandono moral do ente familiar). Portanto, a reparação possui natureza de dano biológico, e não de dano moral stricto sensu, o que significa dizer que não é qualquer dor na alma que enseja a reparação por abandono afetivo, mas tão somente aquela que realmente cause um dano passível de acertamento médico.
Assim, a indenização por abandono afetivo guarda relação com o dano à saúde, sendo completamente diversa de sanções como a perda do poder familiar e a deserdação – institutos que visam punir o detentor do poder familiar que não auxilia material e moralmente o menor e aqueles que agem de modo nocivo à pessoa do testador, respectivamente.
Ademais, o dever de solidariedade e auxílio familiar é recíproco; vale dizer, dos ascendentes em relação aos descendentes, notadamente na infância, e dos descendentes em relação aos ascendentes, agora notadamente na velhice. A regra também se aplica aos cônjuges, na medida em que eles, por opção, decidiram se juntar para constituir família e cuidar um do outro.
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[1] DÍEZ-PICAZO, Luis; GULLÓN, Antonio. Sistema de derecho civil. Madrid: Tecnos, 2013, p. 25.
[2]Ibid., p. 26.
[3] “La familia es el cauce con el que lograr la satisfacción de las necesidades primarias del individuo, sobre todo en aquellos casos en que, por su corta edad o por cualquier otra causa similar, no puede alcanzar ese resultado por sí solo. (…). Así se establece que los menores deben obtener dentro del marco familiar una formación integral, de modo que la familia es el ámbito dentro del cual se lleva a cabo lo que la Constitución llama el desarrollo de la personalidade” (Ibid., p. 27).
[4] “Il figlio ha diritto di essere mantenuto, educato, istruito e assistito moralmente dai genitori, nel rispetto delle sue capacità, delle sue inclinazioni naturali e delle sue aspirazioni. Il figlio ha diritto di crescere in famiglia e di mantenere rapporti significativi con i parenti. Il figlio minore che abbia compiuto gli anni dodici, e anche di età inferiore ove capace di discernimento, ha diritto di essere ascoltato in tutte le questioni e le procedure che lo riguardano. Il figlio deve rispettare i genitori e deve contribuire, in relazione alle proprie capacità, alle proprie sostanze e al proprio reddito, al mantenimento della famiglia finché convive con essa.”
[5] “Il figlio minore ha il diritto di mantenere un rapporto equilibrato e continuativo con ciascuno dei genitori, di ricevere cura, educazione, istruzione e assistenza morale da entrambi e di conservare rapporti significativi con gli ascendenti e con i parenti di ciascun ramo genitoriale. Per realizzare la finalità indicata dal primo comma, nei procedimenti di cui all’articolo 337-bis, il giudice adotta i provvedimenti relativi alla prole con esclusivo riferimento all’interesse morale e materiale di essa. Valuta prioritariamente la possibilità che i figli minori restino affidati a entrambi i genitori oppure stabilisce a quale di essi i figli sono affidati, determina i tempi e le modalità della loro presenza presso ciascun genitore, fissando altresì la misura e il modo con cui ciascuno di essi deve contribuire al mantenimento, alla cura, all’istruzione e all’educazione dei figli. Prende atto, se non contrari all’interesse dei figli, degli accordi intervenuti tra i genitori. Adotta ogni altro provvedimento relativo alla prole, ivi compreso, in caso di temporanea impossibilità di affidare il minore ad uno dei genitori, l’affidamento familiare. All’attuazione dei provvedimenti relativi all’affidamento della prole provvede il giudice del merito e, nel caso di affidamento familiare, anche d’ufficio. A tal fine copia del provvedimento di affidamento è trasmessa, a cura del pubblico ministero, al giudice tutelare. La responsabilità genitoriale è esercitata da entrambi i genitori. Le decisioni di maggiore interesse per i figli relative all’istruzione, all’educazione, alla salute e alla scelta della residenza abituale del minore sono assunte di comune accordo tenendo conto delle capacità, dell’inclinazione naturale e delle aspirazioni dei figli. In caso di disaccordo la decisione è rimessa al giudice. Limitatamente alle decisioni su questioni di ordinaria amministrazione, il giudice può stabilire che i genitori esercitino la responsabilità genitoriale separatamente. Qualora il genitore non si attenga alle condizioni dettate, il giudice valuterà detto comportamento anche al fine della modifica delle modalità di affidamento. Salvo accordi diversi liberamente sottoscritti dalle parti, ciascuno dei genitori provvede al mantenimento dei figli in misura proporzionale al proprio reddito; il giudice stabilisce, ove necessario, la corresponsione di un assegno periodico al fine di realizzare il principio di proporzionalità, da determinare considerando:
1) le attuali esigenze del figlio.
2) il tenore di vita goduto dal figlio in costanza di convivenza con entrambi i genitori.
3) i tempi di permanenza presso ciascun genitore.
4) le risorse economiche di entrambi i genitori.
5) la valenza economica dei compiti domestici e di cura assunti da ciascun genitore.
L’assegno è automaticamente adeguato agli indici ISTAT in difetto di altro parametro indicato dalle parti o dal giudice. Ove le informazioni di carattere economico fornite dai genitori non risultino sufficientemente documentate, il giudice dispone un accertamento della polizia tributaria sui redditi e sui beni oggetto della contestazione, anche se intestati a soggetti diversi.”
[6] “La Riforma della filiazione ha enunciato il diritto del figlio all’assistenza morale. Con l’enunciazione di tale diritto la Riforma ha inteso sancire il diritto del figlio ad essere amato dai suoi genitori. Assistere moralmente il figlio significa infatti averne cura amorevole. Il diritto all’amore dei genitori è un diritto fondamentale dal minore. Tra gli interessi essenziali del minore si pone infatti in primo piano l’interesse a ricevere quella carica affettiva di cui l’essere umano non può fare a meno nel tempo della sua formazione” (BIANCA, C. Massimo. Diritto Civile. La Famiglia. Milano: Giuffrè Editore, 2014, p. 335).
[7] RODOTÀ, Stéfano. Diritto d’amore. Bari: Editori Laterza, 2016.
[8] STJ. Recurso Especial nº 1.159.242/SP. Terceira Turma. Min. Rel. Nancy Andrighi. Julgado em 24.04.2012. DJe 10.05.2012.
[9] “Uma pessoa, seguramente, não é obrigada a gostar de outra, dando-lhe carinho e afeto. O que nos parece exigível, em toda e qualquer família, é o cuidado necessário, que se apresenta como uma feição muito mais material e objetiva, do que o subjetivismo decorrente das emoções (muitas vezes, inexplicáveis)” (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Sucessões. São Paulo: Atlas, 2015, p. 144. v. 7).
[10] “Parece-nos, inclusive, ser esse o ponto crucial para o estabelecimento da condição de pai: a constante assistência ao filho, atendendo à perspectiva de realização pessoal e desenvolvimento da personalidade” (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Famílias, São Paulo: Atlas, 2015, p. 553. v. 6).
[11] “A solidariedade, entretanto, é vertente social da caridade e, por isso, condicionante de maior responsabilidade para o atuar do ser humano, principalmente na experiência da família, onde se encontram os maiores desafios para a doação desinteressada e para o dom da entrega. Principalmente com relação à família, esses princípios importam consequências culturais que não podem ser desconhecidas do legislador infraconstitucional, tampouco do julgador de família. Pela cultura, revela-se, também e primordialmente, a tradição moral e religiosa do povo, que empresa ao princípio da dignidade da pessoa humana, valores que a Ciência do Direito se obriga a respeitar em favor da pessoa, sujeito de direito” (ANDRADE NERY, Rosa Maria Barreto Borriello de. Instituições de Direito Civil. Família. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 13-14. v. V).
[12] “As tendências das relações familiares e sociais, todavia, já vinham apontando para esta diretriz, fomentadas pelo princípio da solidariedade e influenciadas pela Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (art. 30)” (BODIN, Maria Celina de Moraes; TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Comentários ao artigo 229 da CF. In: CANOTINHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (Org.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 2.141).
[13] DÍEZ-PICAZO, Luis; GULLÓN, Antonio. Sistema de derecho civil. Madrid: Tecnos, 2013, p. 40.
[14] ONU/UNICEF. Preâmbulo da Convenção sobre os Direitos das Crianças.
[15] “Um dos aspectos mais importantes da responsabilidade civil é constituído pelos danos à pessoa. À medida que o conceito de pessoa se transforma, novos danos são a ele acrescidos, em decorrência mesma de uma visão mais integral desse conceito” (COUTO E SILVA, Clóvis V. do. O conceito de dano no direito brasileiro e comparado. Revista dos Tribunais, v. 667, p. 7-16, São Paulo: Revista dos Tribunais, maio/1991).
[16] MARIOTTI, Paolo; ZOJA, Riccardo. La sorte del danno esistenziale. Medicina e diritto: Il nuovo danno non patrimoniale (a cura di Antonio Farneti, Monica Cucci e Sonia Scarpati). Milano: Giuffrè Editore, 2005, p. 49.
[17] MARTINS-COSTA, Judith. Os danos à pessoa no direito brasileiro e a natureza da sua reparação. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 19, p. 194, março/2001.
[18] “O art. 229 da Constituição de 1988 é expressão do princípio da solidariedade no âmbito das relações parentais, através do estabelecimento de deveres recíprocos entre pais e filhos. Aos pais incumbe o cuidado com os filhos na infância e na juventude, quando ainda não têm seu discernimento totalmente formados; aos filhos é atribuído o dever de cuidado dos pais na velhice, carência ou doença, ou seja, nos momentos em que necessitarem do apoio, material e moral, daqueles de quem cuidaram do passado. A propósito, a moderna sociologia considera que o ser humano existe apenas enquanto integrante de uma espécie que precisa de outro(s) para existir (rectius, coexistir). A pessoa, então, existe na medida em que se encontra em relação com os outros, vindo em primeiro lugar os outros familiares, os quais proporcionam, entre si, a experiência de alteridade. Para tanto, é essencial a observância da regra da reciprocidade (…). Neste sentido, já se sustentou que os deveres impostos pelo princípio da solidariedade têm em vista que ‘nos ajudemos, mutuamente, a conservar a nossa humanidade, porque a construção de uma sociedade livre, justa e solidária cabe a todos e a cada um de nós’. Assim, a atenção com os filhos menores e os pais idosos traduz, por determinação do legislador constituinte, conduta comissiva e recíproca que possa suavizar a posição de fragilidade em que se encontrem, conforme a fase da vida e suas condições psicofísicas. Os deveres de cuidado claramente envolvem não apenas aspectos materiais, mas também morais, uma vez que o núcleo familiar não se limita a abandonar a representar uma estrutura formal, sendo, ao contrário, instrumental ao desenvolvimento da personalidade de seus membros. Em relação aos filhos menores, o ordenamento criou um vínculo jurídico, um múnus de direito privado em prol exclusivamente do melhor interesse dos filhos” (BODIN, Maria Celina de Moraes; TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Comentários ao artigo 229 da CF. In: CANOTINHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (org.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 2.141).
[19] VIEGAS, Cláudia Mara de Almeida Rabelo; BARROS, Marília Ferreira de. Abandono afetivo inverso: o abandono do idoso e a violação do dever de cuidado por parte da prole. Cadernos do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFRGS, v. 11, p. 184, 2016.
[20] Nesse sentido, Massimo Bianca.
[21] Nesse sentido, Diez-Picazo e Luis Gullón.
[22] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Famílias. São Paulo: Atlas, 2015, p. 554.
[23] “Neste sentido, até se pode admitir a ideia de que família seja locus de afeto, jamais, porém, no sentido coloquial, em que afeto é sinônimo de amor, de carinho. Não é só amor e carinho o que se vê no ambiente familiar. Há que tomar cuidado com esse modismo bem intencionado, mas meio infantil, principalmente nas adoções, mas não só nelas, por óbvio. Hoje em dia, por exemplo, com base nessa pieguice romântica, fala-se em indenização por abandono afetivo, o que não se justifica, por nenhum prisma” (FIUZA, César; POLI, Luciana Costa. Famílias: para além dos ditames dos Tribunais. Revista de Direito Civil Contemporâneo – RDCC, v. 6, 2016).
[24] “Ocorre que, nesses casos, a supressão da autoridade parental não funciona como sanção para os pais negligentes. Ao contrário, na prática, a lógica impõe que se admita o teor de recompensa para aquele que se torna eximido, agora de maneira legítima, justamente do dever que descumpriu. Mais do que isto: ao perder o poder familiar, o pai é gratificado não apenas com a desobrigação permanente de assistência moral, mas a qualquer conduta no interesse do filho, inclusive com a desobrigação da assistência material. Assim, destituí-lo do poder familiar representa a mais grata resposta à incúria de um genitor” (BODIN, Maria Celina de Moraes; TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Comentários ao artigo 229 da CF. In: CANOTINHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (org.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 2.143).
[25] “Su contenido ético, señalado ya por Ruggiero, al decir que en ningún otro campo jurídico influyen como en éste la religión y la moral, hasta el punto de que el derecho se apropria muchas veces de preceptos éticos para convertirlos en preceptos jurídicos. Así se explica que haya en el derecho de familia numerosos preceptos sin sanción o con sanción atenuada y obligaciones incoercibles. El contenido ético se puede destacar, desde otro aspecto, señalando que, no obstante la regulación jurídica, los comportamientos reales se producen al margen del derecho y por otro tipo de impulsos y de motivaciones. Así, se ha podido decir con razón que el derecho sólo entra a funcionar cuando existen graves crisis en la convivencia espontánea o cuando ésta se ha hecho ya imposible.” ( DÍEZ-PICAZO, Luis; GULLÓN, Antonio. Sistema de derecho civil. Madrid: Tecnos, 2013, p. 34-35).
[26]La famiglia e il diritto. Annali del seminario giuridico dell’Università di Catania, II, nº 38, 1948.
[27] BODIN, Maria Celina de Moraes; TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Comentários ao artigo 229 da CF. In: CANOTINHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (org.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 2.142.
[28] “d) criança que, gerada de um relacionamento de moça solteira e pobre com homem adúltero, de posses, casado com outra, não é reconhecida pelo genitor, que a abandona tão logo encerrado o relacionamento extraconjugal. Passa sua infância e juventude de forma humilde sob os cuidados da mãe, necessitada. O pai, embora sabendo que aquela criança é sua filha, simplesmente a ignora e se omite em qualquer espécie de auxílio. Aquela menina passa sua infância e juventude com enormes dificuldades, mal alimentada e sem chance de estudar e adquirir capacitação técnica, chegando à fase adulta com graves problemas de saúde, enquanto seus irmãos, filhos de seu pai biológico e mulher legítima, têm direito a uma infância e juventude abastada, com direito aos melhores colégios, férias as mais divertidas possíveis, bem assim assistência médica do melhor nível. É claro que aquela criança foi vítima de um perverso dano existencial por parte de seu pai biológico, um prejuízo de monta à sua dignidade humana. Obtendo o reconhecimento judicial da paternidade por meio da ação de investigação, terá também o direito a uma justa indenização por dano existencial, com que a Justiça procurará da melhor forma possível mitigar o deficit existencial da ofendida, apurado entre aquilo que teve e o que merecia ter, condenando o pai biológico a lhe entregar uma justa e compensatória soma em dinheiro” (ALMEIDA NETO, Amaro Alves de. Dano existencial a tutela da dignidade da pessoa humana. Doutrinas Essenciais de Dano Moral, v. 1, p. 1.055/1.093. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 1.085/1.089).
[29] “Ma qual è, exatamente, l’oggetto di questo diritto? (…) Il significato di salute che a noi interessa è quello medico (…). Per la semantica la (buona) salute è dunque il correto funzionamento dell’organismo umano. (…) A livello sovranazionale, il Preambulo dello Statuto dell’Organizzazione Mondiale della Sanità dichiara essere la salute (…) uno stato di completo benessere fisico, mentale e sociale, e non soltanto l’assenza di invalidità o malattia” (ROSSETTI, Marco. Il danno alla salute. Milano: CEDAM, 2017, p. 121/122).
[30] “Tem-se, pois, por superada a velha dicotomia que segrega em um dualismo estanque a mente e o corpo, a impor o reconhecimento de que o bem-estar pessoal deve envolver a conjugação entre os elementos físico e psíquico, por mais complexa e controvertida que possa vir a demonstrar-se esta ideia, aprioristicamente. A negligência a um desses elementos conduzirá a uma inexorável lesão na saúde global do indivíduo, passando o dano a configurar-se com a alteração, diminuição ou anulação de suas funcionalidades psicofísicas” (BARROSO, Lucas Abreu; DIAS, Eini Rovena. O dano psíquico nas relações civis e de consumo. Revista de Direito do Consumidor, v. 94, p. 87-112, São Paulo: Revista dos Tribunais, jul.-ago./2014).
[31] “Cuida-se aqui do dano psíquico, intimamente relacionado à integridade psicofísica da pessoa humana.” (BARROSO, Lucas Abreu; DIAS, Eini Rovena. O dano psíquico nas relações civis e de consumo. Revista de Direito do Consumidor, v. 94, jul.-ago.2014, p. 87-112, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014).
[32] STJ. REsp nº 1.159.242/SP. Terceira Turma. Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 24.04.2012.
[33] “(…) Sob esse aspecto, indiscutível o vínculo não apenas afetivo, mas também legal que une pais e filhos, sendo monótono o entendimento doutrinário de que, entre os deveres inerentes ao poder familiar, destacam-se o dever de convívio, de cuidado, de criação e educação dos filhos, vetores que, por óbvio, envolvem a necessária transmissão de atenção e o acompanhamento do desenvolvimento sócio-psicológico da criança. E é esse vínculo que deve ser buscado e mensurado, para garantir a proteção do filho quando o sentimento for tão tênue a ponto de não sustentarem, por si só, a manutenção física e psíquica do filho, por seus pais – biológicos ou não. (…). Colhe-se tanto da manifestação da autora quanto do próprio senso comum que o desvelo e atenção à prole não podem mais ser tratadas como acessórios no processo de criação, porque, há muito, deixou de ser intuitivo que o cuidado, vislumbrado em suas diversas manifestações psicológicas, não é apenas uma fator importante, mas essencial à criação e formação de um adulto que tenha integridade física e psicológica e seja capaz de conviver, em sociedade, respeitando seus limites, buscando seus direitos, exercendo plenamente sua cidadania. Nesse sentido, cita-se, o estudo do psicanalista Winnicott, relativo à formação da criança: ‘(…) do lado psicológico, um bebê privado de algumas coisas correntes, mas necessárias, como um contato afetivo, está voltado, até certo ponto, a perturbações no seu desenvolvimento emocional que se revelarão através de dificuldades pessoais, à medida que crescer. Por outras palavras: a medida que a criança cresce e transita de fase para fase do complexo de desenvolvimento interno, até seguir finalmente uma capacidade de relacionação, os pais poderão verificar que a sua boa assistência constitui um ingrediente essencial’ (WINNICOTT, D. W. A criança e o seu mundo. 6. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2008). (…). Forma simples de verificar a ocorrência desses elementos é a existência de laudo formulado por especialista, que aponte a existência de uma determinada patologia psicológica e a vincule, no todo ou em parte, ao descuidado por parte de um dos pais. Porém, não se deve limitar a possibilidade de compensação por dano moral a situações símeis aos exemplos, porquanto inúmeras outras circunstâncias dão azo à compensação, como bem exemplificam os fatos declinados pelo Tribunal de origem. Aqui, não obstante o desmazelo do pai em relação a sua filha, constado desde o forçado reconhecimento da paternidade – apesar da evidente presunção de sua paternidade –, passando pela ausência quase que completa de contato com a filha e coroado com o evidente descompasso de tratamento outorgado aos filhos posteriores, a recorrida logrou superar essas vicissitudes e crescer com razoável aprumo, a ponto de conseguir inserção profissional, constituir família, ter filhos, enfim, conduzir sua vida apesar da negligência paterna. Entretanto, mesmo assim, não se pode negar que tenha havido sofrimento, mágoa e tristeza, e que esses sentimentos ainda persistam, por ser considerada filha de segunda classe. Esse sentimento íntimo que a recorrida levará, ad perpetuam, é perfeitamente apreensível e exsurge, inexoravelmente, das omissões do recorrente no exercício de seu dever de cuidado em relação à recorrida e também de suas ações, que privilegiaram parte de sua prole em detrimento dela, caracterizando o dano in re ipsa e traduzindo-se, assim, em causa eficiente à compensação” (STJ. REsp nº 1.159.242/SP. Terceira Turma. Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 24.04.2012).
[34] “A questão jurídica que justificou a sentença 7.713 assim se desenvolveu, em resumo: certo indivíduo foi processado criminalmente por abandono material do filho menor (o delito correspondente, em italiano, é de violação das obrigações de assistência familiar –artigo 570, n. 2, Código Penal (LGL\1940\2). Foi absolvido do delito sob o fundamento de que a criança nunca esteve realmente necessitada, eis que sustentada todo o tempo pela mãe. A vítima, paralelamente, ingressou com uma ação civil indenizatória contra o pai, pedindo ressarcimento pelos danos pessoais sofridos, ‘sia sotto il profilo affettivo che economico’ [‘quer sob o aspecto afetivo como econômico’], em consequência do comportamento ‘intenzionalmente e pervicacemente defatigatorio del padre naturale’ [‘intencionalmente e obstinadamente desgastante do pai natural’]. Julgada procedente a ação, foi o réu condenado pelo tribunal de Veneza a pagar significativa soma em dinheiro ao filho, ‘em consequência do seu injusto comportamento’, que violou um direito fundamental da vítima, particularmente inerente à condição de filho e de menor. O genitor recorreu à Corte de Cassação sustentando, em resumo, ter pago toda a dívida alimentar durante o processo, bem como ter sido absolvido do crime de ‘violação das obrigações de assistência familiar’ que lhe fora imputado, não havendo justo motivo para ser condenado civilmente à indenização, eis que não caracterizadas as hipóteses de dano patrimonial ou de dano moral. Aquela Corte Superior rejeitou o recurso e manteve a condenação ao argumento de que o autor da ação era vítima de um dano causado pelo comportamento injusto do genitor, que obstinadamente retardou o adimplemento da obrigação alimentar enquanto pode. Essa ação caracterizou, segundo os magistrados, uma ofensa a um direito fundamental da pessoa, o direito do autor de ser tratado com dignidade, quer por sua condição de filho quer por se tratar de menor. Foi ainda invocado no julgamento o precedente criado pela sentença 184 de 1986, da Corte constitucional, combinando o disposto nos artigos 2.043 do Código Civil (LGL\2002\400) italiano e 2.º da Constituição da República (LGL\1988\3), para decretar finalmente que: ‘O que já foi, aliás, bem exposto pela Corte constitucional com a conhecida sentença n. 184 de 1986, relativo ao dano-evento da lesão do direito à saúde (chamado dano biológico), é aplicável – pela abrangência dos seus enunciados – a qualquer análoga lesão de direitos igualmente fundamentais da pessoa, configurando um dano existencial e à vida de relação” (ALMEIDA NETO, Amaro Alves de. Dano existencial a tutela da dignidade da pessoa humana. Doutrinas essenciais de dano moral, v. 1, p. 1.055/1.093, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 1.081/1.083).
[35] BIANCA, C. Massimo. Diritto Civile. La Famiglia. Milano: Giuffrè Editore, 2014. p. 352.
[36] Sentenza nº 44098/2016 de 18 ottobre 2016. Sezione V Penale. Relatore De Gregorio.
[37] “Art. 29. La Repubblica riconosce i diritti della famiglia come società naturale fondata sul matrimonio. Il matrimonio è ordinato sull’egualianza morale e giuridica dei coniugi, con i limiti stabiliti dalla legge a garanzia dell’unità familiare.”
[38] “Art. 30. dovere e diritto dei genitori mantenere, istruire ed educare i figli, anche se nati fuori del matrimonio. Nei casi di incapacità dei genitori, la legge provvede a che siano assolti i loro compiti. La legge assicura ai figli nati fuori del matrimonio ogni tutela giuridica e sociale, compatibile con i diritti dei membri della famiglia legittima. La legge detta le norme e i limiti per la ricerca della paternità.”
[39] No mesmo sentido Tribunale di Brindissi (30.10.2001) e Tribunale di Venezia (30.06.2004), como aponta Immaculada Vivas Tesón (La responsabilidad aquiliana por daños endofamiliares: comentario a la STS de 14 de julio de 2010. Revista Aranzadi de Derecho Patrimonial, nº 26, 2011, p. 335-347).
[40] “É certo que o desamparo punível não é somente de índole material, mas também de ordem imaterial, alcançando o herdeiro necessário que abandona o parente enfermo em estabelecimento sem qualquer visita ou preocupação pessoal, sequer em datas comemorativas como aniversários, Natal etc. Trata-se da violação do cuidado necessário que deve existir entre os membros de uma família” (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Sucessões. São Paulo: Atlas, 2015, p. 144. v. 7).
[41] “Procede examinar si se da el supuesto legal de desheredación previsto en el número 1º del artículo 855, que contempla el incumplimiento grave y reiterado de los deberes conyugales. La sentencia de apelación atendió básicamente al relato fáctico contenido en la demanda de separación que planteó el esposo-testador en fecha 1994 y no como debía a las pruebas obrantes en las actuaciones, no habiendo recaído sentencia de separación y sólo auto de 1 de octubre de 1994 de medidas provisionales. No obstante, respetando el ‘factum’ que se establece como demostrado, quedaron acreditadas que las relaciones del matrimonio no eran buenas, pero esto no es relevante a efectos de concurrir incumplimiento grave y reiterado de los deberes conyugales y sí ha de tenerse en cuenta que se sentó como demostrado que la demandante regresó a España en el año 1992, dejando a su marido en Venezuela, el que sufría una grave enfermedad diagnosticada como cáncer maligno, que precisó de dos intervenciones quirúrgicas practicadas el 31 de mayo de 1993 y mayo de 1994, regresando posteriormente a España donde falleció en casa de sus hijos el 29 de enero de 1995” (Recurso de Casación nº 881/2003, de 25.09.2003. Tribunal Supremo, Sala Primera, de lo Civil).
[42] “Dicha enfermedad hubo de afrontarla solo el referido testador y no consta acreditado que la esposa se hubiera trasladado a Venezuela en algún momento para atenderlo. No cabe aceptar los razonamientos que contiene la sentencia en recurso de que no pudo la demandante socorrer y ayudar a su marido, por habérselo impedido los hijos de éste, pues se presenta razonamiento ilógico ya que residían en España y su padre se encontraba en Venezuela, contando la actora con toda la libre disponibilidad para trasladarse a dicho país, si esa hubiera sido su voluntad, que no lo fue y prestar en momentos tan graves asistencia cumplida – moral, física, apoyo, comprensión y demás – a lo que estaba obligada conforme disponen los artículos 67 del Código Civil – ‘ayudarse mútuamente’ – y 68 – ‘socorrerse mútuamente’. Se trata de efectivo incumplimiento grave y reiterado, no desvirtuado por el hecho de haberse promovido demanda de separación, que precisaba sentencia y los derechos sucesorios del cónyuge viudo se mantienen en conformidad al artículo 83.” (Recurso de Casación nº 881/2003 de 25.09.2003. Tribunal Supremo, Sala Primera, de lo Civil).
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