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Revista Forense
CIVIL
CLÁSSICOS FORENSE
REVISTA FORENSE
Da responsabilidade civil do Estado por atos do Ministério Público
Revista Forense
27/07/2022
REVISTA FORENSE – VOLUME 152
MARÇO-ABRIL DE 1954
Semestral
ISSN 0102-8413
FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO
FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto,
Abreviaturas e siglas usadas
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SUMÁRIO REVISTA FORENSE – VOLUME 152
CRÔNICA
DOUTRINA
- Direito de propriedade, sua evolução atual no Brasil – Caio Mário da Silva Pereira
- É de rejeitar-se a tese da soberania nacional? – A. Machado Paupério
- Direito comparado, sua realidade e suas utopias – Paulo Dourado de Gusmão
- Idéias gerais para uma concepção unitária e orgânica do processo fiscal – Rubens Gomes de Sousa
- Do aspecto jurídico-administrativo da concessão de serviço público – Osvaldo Aranha Bandeira de Melo
- Da responsabilidade civil do Estado por atos do Ministério Público – Lafayette Pondé
- A extradição – Anor Butler Maciel
PARECERES
- Serviços públicos – Intervenção na Ordem Econômica – Sociedade de economia mista – Imunidade fiscal – Banco da Amazônia – Aliomar Baleeiro
- Magistrado – Irredutibilidade de vencimentos – Gratificação adicional – Aposentadoria – M. Seabra Fagundes
- Sigilo de correspondência – Telegramas – Exame por agentes fiscais – Carlos Medeiros Silva
- Enfiteuse e arrendamento – Distinção – Temporariedade decorrente de cláusula contratual – Orlando Gomes
- Títulos em branco – Nota promissória – Aval – Falsidade ideológica – João Eunápio Borges
- Compra e venda do parto de animais de cria – Antão de Morais
- Ação de recuperação de títulos ao portador emitidos pela União – Competência – Descumprimento das ordens judiciais pelo Executivo – Jorge Alberto Romeiro
- Ato administrativo – Autorização ou licença – Revogação – J. Guimarães Menegale
NOTAS E COMENTÁRIOS
- A prescritibilidade da ação investigatória de filiação natural – Alcides de Mendonça Lima
- Inviolabilidade do lar – Sanelva de Rohan
- Os aumentos de capital e o direito dos portadores de ações preferenciais – Egberto Lacerda Teixeira
- As sociedade de economia mista e as emprêsas públicas no direito comparado – Arnold Wald
- Locação total e locação parcial – Eduardo Correia
- Conceituação do arrebatamento como crime contra o patrimônio – Valdir de Abreu
- Os quadros de carreira e a equiparação salarial – Mozart Vítor Russomano
- A situação dos parlamentares que se afastam de seus partidos – Nestor Massena
JURISPRUDÊNCIA
LEIA:
SUMÁRIO: Obrigação de reparar o dano. Art. 194 da Constituição. Atos legislativos e judiciários. Órgãos do Ministério Público. Atuação processual. Casos jurisprudenciais.
Sobre o autor
Lafayette Pondé, professor da Fac. de Direito da Universidade da Bahia
DOUTRINA
Da responsabilidade civil do Estado por atos do Ministério Público
A responsabilidade civil do Estado é uma condição de segurança da ordem jurídica em face do serviço público, de cujo funcionamento não deve resultar lesão a nenhum bem jurìdicamente protegido. Êste, aliás, é um princípio conceitual do chamado Estado de direito: as lesões jurídicas provocam sanções correspondentes, entre as quais a indenização equivalente ao dano causado; e, se a lesão é obra do próprio Estado, cujo dever primário é submeter sua atuação e seus órgãos à disciplina da norma jurídica, não escapa êle à obrigação de restaurar a legalidade e reparar os efeitos do seu ato lesivo.
Essa responsabilidade estende-se a todos os atos do Estado, qualquer que seja o seu órgão agente, ou o serviço, em virtude de cuja atividade ou inação resulte o dano; contanto que êste dano se apresente com aquêles caracteres essenciais assentados na doutrina jurídica, – um prejuízo econômicamente avaliável, certo e atual, que importe em deixar a vítima em uma condição especialmente desvantajosa em comparação com outros titulares de situação jurídica idêntica à situação lesada.
Desde que êste prejuízo seja uma conseqüência imediata de um ato imputável ao Estado, isto é, desde que entre êste prejuízo e o ato do Estado exista uma relação de causa e efeito incontestável e demonstrada, de tal modo que aquêle ato seja a causa direta do dano, e não apenas a ocasião dêle (COLLIARD), desde que exista esta relação de causa e efeito, corre ao Estado a obrigação de reparar o dano e, correlatamente, à vítima dêsse dano corresponde o direito público subjetivo de exigir essa reparação.
Não há que se distinguir o órgão emissor do ato lesivo: qualquer que seja êle, – judicial, legislativo, administrativo, – de sua ação pode decorrer aquela obrigação.
O que se há de distinguir, – isto sim, – é o fundamento da responsabilidade: porque esta pode derivar da culpa do serviço público, isto é, da violação de um dever jurídico, ou pode decorrer de um ato lícito, independente portanto da noção de culpa.
Na primeira hipótese, além da culpa do Estado, – porque seu serviço, devendo funcionar, não o tenha feito, ou o tenha feito tardia, ou defeituosamente, – pode cumular-se uma culpa pessoal do funcionário. Nesta última hipótese, culpa pessoal, haverá a responsabilidade solidária do agente e do Estado, cabendo a êste agir regressivamente contra aquêle.
A pedra angular da responsabilidade civil do Estado e do seu servidor, entre nós, é o art. 194 da Constituição federal. Aí, a noção de funcionário ultrapassa a do Estatuto e toma a mesma amplitude do artigo 327 do Cód. Penal: “quem, embora transitòriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprêgo ou função pública” (sic).
Insistindo nessa amplitude, a jurisprudência tem declarado que se incluem naquela expressão, funcionário público, ainda mesmo para efeito da responsabilidade civil do Estado: o extranumerário que, ainda que sem habilitação regular, exercia funções de motorista da Prefeitura (S.T.F., in “Rev. de Direito Administrativo”, vol. 24, pág. 246); os serventuários da justiça, depositários judiciais (Trib. Federal de Recursos, in “REVISTA FORENSE”, volume 121, pág. 465; Trib. de São Paulo, in “REVISTA FORENSE”, vol. 93, pág. 94; S.T.F., in “Rev. de Direito Administrativo”, vol. 13, pág. 123); o depositário judicial, ainda que interino ou ad hoc (S.T.F., in “REVISTA FORENSE”, vol. 108, pág. 295; Trib. de São Paulo, in “Rev. dos Tribunais”, vol. 95, pág. 442); o tabelião interino, ainda que indicado pelo titular efetivo do ofício (Trib. de São Paulo, in “Rev. dos Tribunais”, vols. 166, pág. 71, e 142, página 613); o escrevente de cartório (Trib. de São Paulo, in “Rev. dos Tribunais”, volume 188, pág. 103); o maquinista de estrada-de-ferro sob administração direta do Estado (Trib. de São Paulo, in “Rev. dos Tribunais”, vol. 128, pág. 214); o presidente do Tribunal de Justiça (S.T.F., in “Rev. dos Tribunais”, volume 135, pág. 749), ou o juiz (“Rev. dos Tribunais”, vol. 135, pág. 680).
Conceito de funcionário
Esta amplitude do conceito de funcionário adotada no art. 194 da Constituição envolve todo e qualquer órgão do Estado: ainda que de ordem legislativa ou judiciária.
É certo que, na prática, os atos do Legislativo e os do Judiciário acarretam, menos vêzes do que os da administração, a responsabilidade do Estado: mas isto não significa uma imunidade maior daqueles órgãos, o Legislativo e o Judiciário. Resulta, exclusivamente, da natureza mesma da lei e da sentença, diante das quais, normalmente, é impossível caracterizar-se um dano jurídico.
Proteção dos bens e das pessoas
Da lei, por exemplo, não pode decorrer a responsabilidade do Estado: não porque o legislador esteja acima da ordem jurídica ou dos bens por esta protegidos, mas tão-sòmente porque ela é a própria ordem jurídica e dela é que deriva a proteção dos bens e das pessoas:
a) a lei não pode ser causa de lesão de direito subjetivo, pois tôda a noção de direito subjetivo é dada, modificada ou supressa por ela mesma. Se uma nova lei, vàlidamente emitida, prejudica a situação pessoal, que a lei anterior protegia, não é possível cuidar-se de indenização; porque esta é um processo de proteção do direito subjetivo e, no caso, extinto pela nova lei êste direito, não haverá mais o que se proteger. Os direitos, ou vantagens pessoais, dimanam de lei e sòmente existem enquanto a lei não os suprime;
b) além disto, é muito raro que o dano, que o ato legislativo possa causar, seja um dano especial. Desde que a lei é um ato criador de situações impessoais e genéricas, as desvantagens dela decorrentes serão de índole genérica e, portanto, não terão aquela especialidade, sem a qual não há dano ressarcível. Êste requisito da especialidade do dano é de tamanha importância que a sua falta, mais do que aquela noção conceitual do direito subjetivo, acima referida no item a, tem condicionado os raríssimos casos em que, sob invocação do princípio da igualdade de todos perante os gravames ou encargos públicos, o Conseil d’Etat admitiu a responsabilidade por ato materialmente legislativo. E é também êste mesmo requisito que condiciona a responsabilidade pelos danos resultantes do ato regulamentar, ato êste que substancialmente tem a mesma natureza da lei, mas que é, orgânicamente, um ato administrativo.
Relativamente aos atos judiciários, ninguém pode hoje acobertá-los de imunidade, sob pretexto de serem expressão, de soberania. Êste argumento provaria de mais, porque daria com a irresponsabilidade mesma da administração e do Legislativo, já que o Judiciário não é um super-poder colocado sôbre êstes dois. Aquela argüição é destituída de todo e qualquer fundamento jurídico. O serviço judiciário, é um setor de funcionamento do Estado, como o são todos os demais serviços públicos: distingue-se dêstes tão-só pela função jurisdicional, que preferentemente êle exerce. Isto, porém, não o eleva acima da ordem jurídica, a cuja fiel e exata aplicação êle se destina. E, até mesmo por esta sua destinação específica, os danos que êle cause devem ser mais prontamente reparados, para que não permaneça sem, remédio a violação sofrida pela vítima, que o buscara sedenta de justiça.
O que acontece, com relação à responsabilidade do Estada» é que a sentença judiciária é um ato que declara investido, de modo concreto e pessoal, na situação jurídica abstratamente enunciada pela lei, o litigante-vencedor. Seu conteúdo é o conteúdo mesmo da lei, a que ela dá aplicação imediata. A lei e a sentença não são senão dois momentos ou fases sucessivas de realização do direito, ou “de proteção jurídica dos interêsses”, como o diria KELSEN. Diz-se por isto que sententia facit ius inter partes.
Então, se o que decide a sentença está legalmente certo, não pode ela cometer lesão jurídica, ou dela não pode derivar um dano ilegal.
Como poderia alguém dizer-se vítima da violação de um bem jurídico, se o Judiciário, único órgão competente para decidir em definitivo os litígios e definir, em função da lei, es bens individuais, declarar que êsse alguém não é titular daquilo que êla supôs seu, e que portanto não lhe cabe a proteção legal?
Mas se o ato do Judiciário não se toma dessa fôrça inerente à coisa julgada, ou se esta fôrça se desfaz, já pela ação rescisória, já pela revisão criminal, então, dêle poderá resultar a responsabilidade do Estado, sem que o juiz se alce a um plano de imunidade de todo desconhecida de qualquer autoridade pública. Neste sentido, o acórdão do Tribunal de São Paulo, de 18 de setembro de 1941, enuncia uma verdade certa:
“Quando o ato é dos que se compreendem no exercício da jurisdição graciosa ou administrativa, sem a roupagem da res judicata, nada impede que se chame a contas o poder público, quando o seu representante (a autoridade, judiciária) exorbite de suas funções, abuse do seu poder, proceda contra o direito, ou falte a dever prescrito por lei” (“Rev. dos Tribunais”, vol. 135, pág. 680).
Art. 194 da Constituição federal
O art. 194 da Constituição federal tem, portanto, a mais vasta aplicação e compreende os atos de qualquer órgão, ou serviço do Estado, inclusive os do Ministério Público, órgão de atuação na órbita judiciária, nada importando que seus atos se impregnem, muita vez, do prestígio e dos efeitos dos atos judiciais.
Esta proximidade do Ministério Público em relação aos órgãos judiciários, todavia, tem tornado algumas vêzes difícil a apuração da responsabilidade, e, outras vêzes, difícil a apuração da responsabilidade, e, outras vêzes, esta responsabilidade mesma tem sido negada, como o fêz, por exemplo, o eminente relator do acórdão de 19 de abril de 1943, do Supremo Tribunal Federal, que pretendeu ressuscitar aquela falsa imunidade dos órgãos judiciários:
“O Estado não é responsável pelos danos decorrentes de atos judiciais, ainda que exercidos na jurisdição graciosa ou contenciosa. Esta irresponsabilidade se estende aos atos do Ministério Público, quando cobertos pela decisão judicial” (S.T.F., ac. de 19-4-1943, in “Jurisprudência do S.T.F.”, 1944, vol. 18, pág. 123; também in “Arq. Judiciário”, vol. 69, pág. 89, e “Revista dos Tribunais”, vol. 150, pág. 363).
Órgãos do Ministério Público
Em que pêse ao alto, valor dêsse voto, não nos deve esquecer que contraria o nosso direito escrito, no qual se declara expressamente (art. 21 do dec.-lei federal nº 9.608, de 19 de agôsto de 1946, que organiza o Ministério Público da União):
“Os órgãos do Ministério Público são solidàriamente responsáveis com a Fazenda Nacional, por quaisquer prejuízos decorrentes de negligência, omissão ou abuso no exercício de suas funções, devidamente apurados”.
Êsse preceito já vigorava à data daquele acórdão, sob a forma do art. 19 do dec.-lei nº 986, de 27 de dezembro de 1938. E exatamente igual é o art. 149 da vigente lei baiana nº 160, de 21 de janeiro de 1949.
Tais dispositivos da lei escrita, declarando os agentes do Ministério Público “solidàriamente responsáveis com o Estado”, pressupõem às claras a responsabilidade mesma dêste pelos atos daquele, uma responsabilidade primária, e independente, ela própria, da noção de culpa.
Ninguém pode, portanto, saltar sôbre a literal disposição dessas leis para erguer acima delas aquela imaginária imunidade.
É certo, porém, que essas leis não destoam nem desmontam a teoria geral da responsabilidade do Estado, construção fundamental da doutrina jurídica. O que é preciso então é aferir por essa teoria geral os atos do Ministério Público, aferição esta muita vez difícil dada a natureza mesma dêstes atos.
Atividades do Ministério público
É uma atividade altamente complexa a do Ministério Público. Exerce-se dentro da relação processual e também fora de qualquer jurisdição: exemplos daquela são a acusação penal, a intervenção em favor dos menores e incapazes, a defesa da validade do matrimônio ou dos testamentos; são exemplos de atividade extrajudicial a fiscalização das fundações (Cód. Civil, art. 26), a dos institutos de assistência ou reforma de menores, das casas de diversões ou quaisquer estabelecimentos em que deva o Ministério Público preservar os interêsses dos menores e incapazes (Lei do Ministério Público, da Bahia, art. 136, nº 12), bem como a intervenção nas investigações policiais (lei baiana cit., artigos 131, nº 2, 136, nº 16, etc.).
A complexidade mesma de tais atividades, notadamente aquelas exercidas na ordem judicial, tem levado a supor-se o Ministério Público, ora reduzido a uma posição secundária, senão subalterna, em relação aos órgãos judiciários, ora a identificá-lo com êstes órgãos mesmos.
A primeira suposição tem sabor de disparate, que atingiria no mesmo jato os advogados e as próprias partes litigantes.
Ao juiz cumpre dirigir o processo (Código de Processo Civil, art. 112), cujo ato final lhe incumbe. Mas esta direção não implica em gradação funcional sôbre os advogados e agentes do Ministério Público: basta ver-se que a êles não pode o juiz dar ordens, o que seria a primeira manifestação de poder hierárquico, nem instruções, e êles próprios, advogados e Ministério Público, detêm não só uma constante e autônoma iniciativa processual, como o poder legal e insubmisso de fiscalizar e impugnar os atos dos juízes.
Quanto a ser o Ministério Público havido como um setor mesmo do Poder Judiciário, o debate não é novo. Seus membros foram tidos pelo Conseil d’Etat como verdadeiros magistrados, uma chamada magistratura de pé, funcionários da ordem judiciária, embora administrativamente subordinados ao ministro da Justiça.
Ainda hoje, para CARNELUTTI, o Ministério Público entra na noção de órgão judicial: uma figura ambígua, que atua como parte mas tem a estrutura de julgador, uma figura que êle próprio expressa na fórmula contraditória de parte imparcial (CARNELUTTI, “Sistema de Direito Processual”, II, ns. 144 e 198). ZANOBINI entende que o Ministério Público sòmente pode ser tido como “representante do Poder Executivo”, quando exerça função realmente administrativa, como aquelas atividades extrajudiciais, ou, – como êle próprio exemplifica, – nos casos de fiscalização das pessoas jurídicas, ou dos serviços relativos ao estado civil, estatística judiciária, etc. (cf. “Le Sanzioni Amministrative”, 1924, pág. 45). Mas, segundo êle, as funções que o Ministério Público exerce nos processos, civil ou penal, são funções de ordem judiciária, e o seu agente, no exercício destas funções, representa um interêsse estatal Igual ao do juiz, e êle próprio, o Ministério Público, é “um órgão do Poder Judiciário no exercício de uma função de justiça integradora da função do juiz” (pág. 47). SABATINI e SATTA argúem o mesmo piso, aquêle tomando a função do Ministério Público como um quid medium entre as funções administrativas e as judiciais, e o último qualificando o próprio Ministério Público como “um órgão estritamente jurisdicional” (cf. J. GUARNERI, “Las Partes en el Proceso Penal”, tradução publicada pela Universidade de Puebla, México, págs. 177 e 165).
J. GUARNERI todavia demonstra que, “no direito italiano vigente, o Ministério Público não pode aspirar à qualificação de órgão de justiça e, muito menos, de “órgão jurisdicional”. Êle exerce uma atividade que, “embora opere na ordem judicial, tem natureza administrativa, e não jurisdicional” (ob. cit., págs. 165, 168 e 169).
Entre nós, êle não figura entre os órgãos constitutivos do Poder Judiciário, nem exerce a função judicante dêste: coopera tão-só para a dinâmica do processo e para o efetivo exercício da atividade judicial, mas êle próprio não exerce a função jurisdicional, cuja característica é realizar num caso prático o direito objetivo, mediante a solução definitiva da controvérsia, real ou formal, solução que se expressa pela emissão de um ato decisório final. Não basta promover, ou pleitear, esta decisão definitiva: é necessário proferi-la, e nenhum membro do Ministério Público a profere.
É verdade que o Ministério Público e o Judiciário têm sido submetidos à mesma lei orgânica: assim sucedeu entre nós, por exemplo, com as velhas leis baianas número 1.119, de 1915, e a nº 2.225, de 1929, como com o atual Cód. de Organização Judiciária do Distrito Federal, decreto-lei federal nº 8.527, de 31 de dezembro de 1945. E a Constituição da Bahia de 1929 fundiu-os também no mesmo Título, IV, comum a ambos. Mas nenhuma dessas leis identificou-os, orgânica ou funcionalmente.
O Ministério Público não é, pois, ume órgão judicial, mas um órgão da Administração, à qual interessa direta e imediatamente prover sôbre a ordem pública e executar ela própria as medidas convenientes a preservá-la, prevenindo ou remediando as intranqüilidades sociais ou a insegurança jurídica resultantes da sua, violação; ou, no sistema da divisão dos poderes, obter do órgão especìficamente incumbido de exercer a função jurisdicional (entre nós, o Judiciário) a execução mesma daquelas medidas, ou das sanções legais adequadas.
Órgão administrativo, seus atos devem ser considerados em correlação com a teoria geral da responsabilidade civil do Estado, considerada a natureza de cada qual dêles. Relativamente aos atos praticados fora de qualquer relação judicial-processual, a responsabilidade obedece, sem maiores dificuldades, aos princípios que são comuns à atividade dos órgãos que operam na órbita administrativa. Mas os atos processuais podem tocar-se dos efeitos dos atos judiciais e transferir para os órgãos judiciários mesmos a imputabilidade do dano causado ou, o que é mais, beneficiar-se daquela fôrça da coisa julgada, que ilide a noção de dano jurídico, tal como acima ficou dito. Então, para darmos com a responsabilidade do Estado, é-nos preciso examinar a posição processual dêsse ato do Ministério Público e apurar a sua relação com o dano, que se pretende ressarcir, do qual êle deve ser a causa imediata e direta.
Êsse exame é indispensável, não sòmente para que se discriminem os atos acobertados pela sentença e absorvidos, portanto, pelos efeitos desta, mas também para que se isolem os que possam envolver a culpa pessoal do órgão do Ministério Público, destacando-os dos que impliquem em culpa do juiz, distinção esta necessária para o fim de usar o Estado o direito regressivo assegurado pelo parágrafo único do art. 194 da Constituição federal, combinado, conforme o caso, com o art. 121 do Cód. de Proc. Civil ou com aquêles preceitos da lei orgânica do Ministério Público a que já nos referimos.
Na relação processual, o Ministério Público atua como parte, no sentido formal. A posição por êle aí ocupada, aliás, provocou as mais agudas divergências: porque salta à vista que êle não é o titular da relação em litígio. No crime, não, é êle o sujeito do direito de punir; no cível, não é seu o direito dos menores, ou dos incapazes, que êle defende.
C. MAYER colocou êsse problema nos seguintes têrmos: no processo penal, o Ministério Público, embora exerça todos os direitos de co-participação processual, isto é, embora tenha o papel de parte, êle próprio não é uma parte, pois a justiça criminal é uma justiça de parte única – o acusado. Para MAYER, é essencial à justiça, apenas, a existência de uma só parte, isto é, uma pessoa, cuja posição, ou relação, deve ser determinada pela sentença, e relativamente à qual esta sentença produzirá seu efeito de coisa julgada. De certo, no processo civil, pode haver várias partes com interêsses opostos, tôdas elas colocadas simultâneamente perante a autoridade pública, da qual cada uma obterá o reconhecimento de seu direito, em oposição à parte adversa. Mas no processo criminal só há uma parte, cuja situação jurídica será objeto de sentença: esta parte é ùnicamente o acusado, e não o Ministério Público. A justiça de parte única pode tomar a forma processual contraditória: é o que sucede com a justiça criminal. “Considera-se como uma garantia especial para o acêrto do resultado que o juiz não seja influenciado sòmente por um lado, pelo qual poderá êle talvez ter simpatias: é preciso que êle se mantenha em equilíbrio por uma influência contrária, que lhe faça pesar o outro lado da questão” (MAYER, “Le Droit Administratif Allemand”, vol. 2, pág. 234). Esta é a missão do Ministério Público, em face do acusado: êle exerce o papel de parte no processo, embora realmente não o seja, pois a justiça penal é uma justiça de parte única.
Embora a obra de MAYER não seja recente, o poder de sua extraordinária autoridade projeta ainda hoje com vigor o seu pensamento, que tem influenciado fortemente a doutrina contemporânea.
No mesmo sentido, à lição do MANZINI: “O processo penal, como o processo da chamada justiça administrativa, é, se assim se pode dizer, um processo de parte única (o imputado), porque o acusador só é parte no sentido formal, isto é, enquanto se contrapõe ao acusado na atividade processual”. MANZINI acrescenta que o Ministério Público é um órgão do Estado “imparcial por natureza”, que promove a atuação do direito objetivo por um interêsse público superior, e não de parte: não se pode admitir, sem contradição, uma parte imparcial” (“Tratado”, I, 75).
JOHN vai mais longe: não só o Ministério Público não é parte, como também não o é o acusado. “O acusado não é parte, porque êle é apenas um meio de prova, e o procurador do Estado também não o é, porque, segundo a lei, deve intervir, conforme o caso, em favor do próprio acusado” (apud J. GUARNERI, obra cit., pág. 25).
A discussão, todavia, parece hoje reduzida à metade: há um acôrdo geral em reconhecer-se ao Ministério Público a posição de parte no sentido formal, isto é, a condição, não de sujeito do litígio, mas, de sujeito da ação, quando êle exerce uma função-agente, isto é, quando êle procede por via de ação. Mas, quando êle exerce uma atividade meramente consultiva (Ministério Público concludente), seja de caráter facultativo, seja obrigatório, aí perduram as divergências, e á sua posição varia, ora como interventor adesivo, ora como consultor, ora, ainda aí, como parte formal.
Escusado lembrar que está superada a objeção de que se o Ministério Público é parte, o Estado de que êle e o juiz são órgãos estará sendo juiz e parte na mesma causa. A objeção atingiria a sua fôrça máxima nos casos em que o próprio Estado, fôsse autor ou réu, nos processos contenciosos, isto é, quando a contraposição processual fôsse, não apenas entre dois órgãos, mas entre a própria entidade e um órgão seu. Trata-se de órgãos diversos e separados, entre os quais ocorrem relações jurídicas internas, relações reflexivas, nas quais o Estado se opõe a si mesmo em momentos diferentes de atuação jurídica e em diferentes esferas de competência.
Êsse problema não nos interessa demoradamente, porque êle diz antes à intimidade da relação processual do que aos pressupostos da responsabilidade civil. Mas se é certo que, qualquer que seja a sua posição no processo, o Ministério Público atuará sempre como órgão do Estado e, como tal, seus atos são sempre imputados a êste, que por êles há de responder, também é certo que o conhecimento daquela posição facilita distingui-los dos atos do Judiciário, para aquêles fins a que acima nos referimos.
Aquêles pressupostos fundamentais da responsabilidade devem ser buscados na distinção material dos atos processuais. A atividade meramente consultiva não acarreta a responsabilidade, porque é próprio dessa atuação esgotar o seu efeito no ato deliberativo subseqüente, a cuja emissão se destina. O parecer, só por si, não causa dano certo e atual: êle é todo absorvido pelo ato terminativo do processo, isto é, por um ato do juiz, e não do Ministério Público. Se algum prejuízo de terceiro resultar dêste ato do juízo, o parecer poderá talvez ser apontado como causa remota, insuficiente por isto mesmo para determinar a responsabilidade. Para que esta possa, ocorrer, é sempre necessário que o ato seja causa direta, e não apenas mediata.
No caso de exercício da função ativa, a responsabilidade pode vincular-se ao que CARNELUTTI denomina “risco processual”, o risco a que estão sujeitas as partes do processo: um risco a que estas partes estão ligadas, já pela sua inércia, ou negligência, já pela sua presteza, pela atividade vigilante, já pela sua precipitação intempestiva mesma, “de modo que elas se sintam estimuladas a agir oportuna e cautelosamente, criando-se assim um sistema de estímulos e contra-estímulos aptos para solicitar e para corrigir sua ação” (ob. e vol. cits., nº 157). Os efeitos processuais úteis dependem da atividade da parte, e isto lhe vale como um estímulo para agir. Por outro lado, hão de pesar-lhe como contra-estímulo os efeitos perniciosos da ação intempestiva ou infundada, e isto lhe obriga a agir cautelosamente (ib.).
Parte no processo, o Ministério Público também corre êsse risco processual: e, de sua inércia, de sua ineficiência, ou de sua temeridade, pode resultar dano para o sujeito do litígio, seja aquêle cujo interêsse jurídico lhe cumpre defender, seja aquêle a que o próprio Ministério Público se opõe na relação processual. Imputado êsse dano ao ato do Ministério Público, responde o Estado de que êste é órgão, assegurado à Fazenda o direito regressivo no caso da culpa pessoal.
É sempre necessário que o dano tenha aquêles caracteres da teoria geral. É preciso que êle seja certo e atual e decorra diretamente da ação, ou da inação, do Ministério Público. Se isto não ocorre, certamente, não se poderá cuidar de responsabilizar o Estado.
No caso, por exemplo, do art. 68 do Cód. de Proc. Penal, que assim dispõe:
“Quando o titular do direito à reparação do dano fôr pobre, a execução da sentença condenatória ou a ação civil será promovida, a seu requerimento, pelo Ministério Público”.
A atuação do Ministério Público está ai vinculada a um interêsse pessoal determinado, isto é, a posição jurídica de uma determinada pessoa, a quem a sua inação pode atribuir um prejuízo certo. O dispositivo isoladamente considerado, permitiria supor-se que êste dano resultaria diretamente da inércia do Ministério Público, porque, impossibilitado o titular pobre de promover êle próprio a ação civil para execução do seu direito, aquela inércia do órgão do Estado implicaria no sacrifício mesmo dêste direito.
Tem sido, todavia, entendido, como o fêz o Tribunal de Minas em acórdão de 20 de janeiro de 1944, que êsse art. 68 do Cód. de Proc. Penal deve ser interpretado em consonância com o art. 68 do Código de Proc. Civil, preceito êste que assegura às pessoas pobres o benefício da justiça gratuita, e que aquêle dispositivo do processo penal “apenas concedeu ao ofendido, quando pobre, o direito de reclamar a assistência do Ministério Público, para promover em seu nome a ação de reparação de dano ex delicto, sem o impedir, por isto mesmo, de optar por outro defensor e de solicitar com êste escopo o benefício da justiça gratuita, visto como êle foi inspirado pela preocupação de amparar mais eficientemente ao litigante desprovido de recurso e não de entravar a defesa dos direitos dêste em juízo, com a imposição, ao mesmo feita, de um assistente judiciário que não fôr da sua escolha e confiança” (in “Rev. dos Tribunais”, vol. 149, págs. 709-711).
Assim entendida a lei, resulta dai que o dano pela não-propositura da ação civil referida naquele citado art. 68 do Cód. de Proc. Penal não provirá imediatamente da inação do Ministério Público, senão na hipótese de não ser absolutamente possível a obtenção da assistência judiciária gratuita a que se refere o Cód. de Proc. Civil. Porque, sempre que esta fôr possível, concorrerá para o dano a inércia mesma da vítima, e isto implica em tornar indireto o nexo causal entre a omissão do Ministério Público e o prejuízo, desde que intercala entre êste prejuízo e o não-funcionamento do serviço público um fato da própria vítima. A inércia do agente do Ministério Público poderá, todavia, dar com a sua responsabilidade disciplinar, ou até mesmo com a sua responsabilidade penal.
A situação é análoga à que H. PETEL examinou e comentou, a respeito dos artigos 112 e 114 do Cód. Civil francês, relativos às medidas de conservação dos bens de ausentes, que podem ser promovidas “a requerimento das partes interessadas ou do Ministério Público”: “Nestes e em muitos outros casos, as partes interessadas têm elas próprias o direito de agir e não podem portanto dizer-se lesadas pela inação do Ministério Público, senão pela sua própria negligência. Êle não é responsável perante elas: com que direito pretenderiam compeli-lo a agir, quando elas próprias disto se abstiveram? Sem dúvida, a qualidade de defensor da ordem pública exige que o Ministério Público intervenha: não é, porém, a essas pessoas que êle deve responder, mas à sociedade, e é perante seus superiores que êle é responsável” (“De la Responsabilité du Minist. Public tant au civil qu’au criminel, et des Off. de Police Judiciaire”, 1901, pág. 29).
O mesmo sucede quando o Ministério Público deixa de promover a ação penal para a apuração de delito, do qual pode resultar para a parte lesada um direito à reparação civil. Não ocorra a responsabilidade do Estado, porque, sôbre não ser a vítima a titular do direito de punir, ela própria é sempre livre de iniciar, mediante queixa, a ação criminal ou, independente desta, promover de logo a ação civil.
Quanto à atuação infundada ou temerária dela, pode resultar dano direto e com êste a responsabilidade do Estado. Nenhuma razão jurídica, notadamente se se admite a distribuição solidária dos encargos e proveitos sociais, pode justificar que se imponha ao particular o dever de responder civilmente pelo seu abuso do direito de demandar (Cód. de Proc. Civil, artigo 3°), ou, o que é mais, pelo seu abuso do direito de defender-se (art. cit., parágrafo único), e se queira imunizar dêsse dever o Estado, a cujos órgãos corre mais forte a missão de resguardar a ordem jurídica, senão a de se esgotar na fiel execução desta.
Não deu com êsse dever do Estado o Supremo Tribunal Federal, quando assim decidiu:
“O Estado não é responsável pelos danos que derivam de uma prisão arbitrária ou de uma acusação intentada sem fundamento pelo Ministério Público, embora tendo o acusado sofrido injustamente a prisão preventiva. Sòmente haverá indenização quando, em conseqüência da revisão, se der a reabilitação do condenado” (“Rev. do Supremo Tribunal Federal”, vol. 51, págs. 123 e segs)..
O caso, dos de mais gritante iniqüidade, foi assim exposto pelo próprio relator:
“J. M. N., cidadão português, residente nesta Capital, seguia para a Europa no vapor inglês Nile, em visita à sua família e a negócios da casa comercial de que é interessado, quando, ao tocar no pôrto de Recife, em 2 de maio de 1909, se viu prêso pelas autoridades policiais e obrigado a desembarcar, em conseqüência de requisição telegráfica do juiz de direito da comarca de Santos, por intermédio do delegado de polícia e dirigido ao delegado de polícia da Bahia, e dêste ao de Recife, na qual se pedia a prisão de J. N., a bordo do vapor inglês Nile, por estar pronunciado no artigo 267 do Cód. Penal, pelo juiz de direito de Santos”.
“Conservado prêso, protestou contra a falsa imputação que se lhe fazia, tanto mais quanto nunca fôra processado por qualquer crime e há mais de 13 anos que não ia ao Estado de São Paulo”.
“Não sendo atendidos os seus protestos, e considerando-se vítima de uma violência sem nome, requereu uma ordem de habeas corpus ao juiz de direito da 1ª circunscrição criminal de Recife, que se declarou incompetente”.
“Recorreu então ao juiz federal; mas êste protelou a concessão do remédio, de sua natureza urgente e que, no caso, se impunha, atento à manifesta incompetência da autoridade que requisitara a prisão”.
“Assim continuou prêso, até que, passados dias, o juiz de Santos, convencendo-se de que estava em equívoco, quanto à pessoa do prêso, telegrafou ao governador do Estado de Pernambuco, declarando sem efeito a requisição”.
“Com estas alegações e mais com as de que lhe resultaram vexames e prejuízos, de tamanha arbitrariedade propôs o apelante e apelado, no Juízo Federal do Estado de São Paulo, contra a Fazenda do mesmo Estado, a presente ação ordinária em que lhe pede a indenização de Cr$ 100.000,00, visto ser o Estado responsável pelos atos determinados por autoridades suas, no exercício de funções públicas” (id.).
O egrégio Tribunal Supremo reformou a sentença da primeira instância e julgou a ação improcedente, levantando a tese da imunidade do Ministério Público, requerente daquela prisão arbitrária e ilegal, determinada por êrro de pessoa, como o próprio Tribunal o reconheceu. É verdade que, para chegar a essa imunidade, o Tribunal derivou para o Ministério Público a intangibilidade da sentença, cujos erros sòmente poderiam ser averiguados mediante o processo especial da revisão e a conseqüente reabilitação do condenado.
Mas é evidente a impropriedade de tal fundamento: porque a vítima não fôra condenada, nem contra ela houvera qualquer sentença, cuja revisão se pudesse processar.
Em 1941, o Tribunal de São Paulo seguiu a mesma trilha:
“A queixa dada às autoridades policiais, para apuração de determinado ato lesivo ao queixoso, instaurando o Ministério Público o respectivo procedimento criminal, não constitui ato ilícito, suscetível de indenização civil” (ac. de 25 de julho de 1941, in “Arq. Judiciário”, vol. 61, pág. 47).
O relator dêsse acórdão acentuou:
“Quem efetuou a prisão em flagrante do autor-apelante, movendo-lhe o processo, foram as autoridades policiais; quem o denunciou como incurso no artigo 562, § 1º, da Consolidação das Leis Penais, foi o Ministério Público”.
É certo que a ação civil foi instaurada contra o particular, em virtude de cuja queixa atuou o Ministério Público. Mas a imunidade dêste está infiltrada no acórdão.
Não sei por que se há de dizer responsável o Estado, na hipótese prevista no art. 630 do Cód. de Proc. Penal, que assim dispõe:
“O tribunal, se o interessado o requerer, poderá reconhecer o direito a uma justa indenização pelos prejuízos sofridos.
§ 1° Por essa indenização, que será liquidada no juízo cível, responderá a União, se a condenação tiver sido proferida pela Justiça do Distrito Federal ou de Território, ou o Estado, se o tiver sido pela respectiva Justiça.
§ 2º A indenização não será devida:
a) se o êrro ou a injustiça da condenação proceder de ato ou falta imputável ao próprio impetrante, como a confissão ou a ocultação de prova em seu poder;
b) se a acusação houver sido meramente privada”.
Não sei por que, nesse caso, se há de reconhecer a responsabilidade do Estado, quando, mediante a revisão da sentença condenatória, se demonstrar o êrro ou a injustiça a que foi levado o juiz, em virtude do procedimento oficial do Ministério Público (cf. art. 630 cit., § 2°, letra b), e não se há de reconhecer a mesma obrigação de reparar o dano infringido pelo mesmo êrro e injustiça ao acusado, cuja manifesta inocência é de logo proclamada de primeira mão pela sentença absolutória.
A responsabilidade decorrerá independente de culpa pessoal do órgão do Ministério Público acusador. Terá havido, independente de qualquer procedimento culposo dêsse órgão acusador, que poderá ter agido de inteira boa-fé e pessoalmente convencido mesmo da procedência da acusação, a culpa anônima do serviço expressa na deficiência dêste, que não pôde evitar ou prevenir o processo penal, declarado afinal injusto e danoso para o acusado. Quando não, haveria aquêle risco processual acima apontado, no qual se poderá fundar a responsabilidade.
Aquelas decisões, portanto, não me parecem bem fundadas.
Aliás, já o Tribunal Federal de Recursos, em decisão de 15 de julho de 1952, afastou aquela imunidade; “quando se negar, na jurisdição criminal, a existência mesma do fato, ou de que o absolvido tenha sido o seu autor” (sic, voto do relator).
“A absolvição de indigitado autor de crime não significa o seu automático direito de haver perdas e danos contra a Fazenda: apenas quando se nega o fato ou se nega essa autoria expressamente, é que tal ocorre” (cf. “Rev. dos Tribunais”, vol. 211, pág. 619).
Aliás, o Supremo Tribunal Federal, êle próprio, já proclamou a ressarcibilidade do dano resultante da prisão ilegal:
“No caso de reparação de danos resultantes de prisão ilegal, não é apenas a autoridade, que a ordenou, a responsável: a Fazenda Pública responde igualmente pelos mesmos danos, em virtude do princípio geral fixado no art. 194 da Constituição federal e pelo qual aquela é civilmente responsável pelos danos que os seus funcionários, nesta qualidade, causem a terceiros” (“Rev. dos Tribunais”, vol. 209, pág. 482; “Rev. de Direito Administrativo”, vol. 31, pág. 282).
É verdade que, nesse caso, a prisão fôra ordenada pela autoridade policial, e nela não interferira o Ministério Público, ou o Poder Judiciário. Mas eu não sei por que se hão de excluir da aplicação daquele mesmíssimo art. 194 da Constituição os órgãos judiciais, ou os do Ministério Público, se de ato seu resultar diretamente aquêle mesmíssimo dano, que o Tribunal Supremo reconhece e proclama ressarcível.
Em outro caso de ação infundada, ou precipitada, do Ministério Público, já agora em matéria cível (arrecadação e alienação de bens a requerimento do curador de ausentes), o Supremo Tribunal Federal declarou improcedente a ação de indenização proposta pelo prejudicado contra a Fazenda Pública. A ementa dêste acórdão, a que já nos referimos, foi assim redigida:
“O Estado não é responsável pelos danos decorrentes de atos judiciais, ainda que exercidos na jurisdição graciosa ou contenciosa. Essa irresponsabilidade estende-se aos atos do Ministério Público, quando cobertos pela decisão judicial” (ac. de 19-4-1943, in “Rev. dos Tribunais”, vol. 150, pág. 363; “Arq. Judiciário”, vol. 69, pág. 89; “Jurisprudência do S.T.F.”, 1944, vol. 18, pág. 123).
Esta ementa corresponde antes ao voto pessoal do relator do que ao que ficou assentado pelos demais julgadores. Êstes concordaram com a conclusão daquele voto, que deu pela improcedência da demanda, mas declararam que assim o faziam, não porque admitissem aquela imunidade, mas porque “não ficou provado o nexo de causalidade entre o comportamento do juiz e do curador de ausentes e o prejuízo do Banco” (sic, voto do Sr. ministro FILADELFO AZEVEDO, com o qual concordou o Sr. ministro GOULART DE OLIVEIRA), ou porque para êste prejuízo teria ocorrido “manifesta negligência do Banco-autor” (ministros BARROS BARRETO e VALDEMAR FALCÃO). Pela procedência do pedido votou, todavia, o Sr. ministro OROZIMBO NONATO, declarando que “o Banco procedeu sem culpa e os atos judiciais que lhe trouxeram o prejuízo revestiram patente irregularidade, não se achando escudados na inviolabilidade da res judicata” (sic).
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- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 1
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