32
Ínicio
>
Administrativo
>
Clássicos Forense
>
Revista Forense
ADMINISTRATIVO
CLÁSSICOS FORENSE
REVISTA FORENSE
Do aspecto jurídico-administrativo da concessão de serviço público
Revista Forense
26/07/2022
REVISTA FORENSE – VOLUME 152
MARÇO-ABRIL DE 1954
Semestral
ISSN 0102-8413
FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO
FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto,
Abreviaturas e siglas usadas
Conheça outras obras da Editora Forense
SUMÁRIO REVISTA FORENSE – VOLUME 152
CRÔNICA
DOUTRINA
- Direito de propriedade, sua evolução atual no Brasil – Caio Mário da Silva Pereira
- É de rejeitar-se a tese da soberania nacional? – A. Machado Paupério
- Direito comparado, sua realidade e suas utopias – Paulo Dourado de Gusmão
- Idéias gerais para uma concepção unitária e orgânica do processo fiscal – Rubens Gomes de Sousa
- Do aspecto jurídico-administrativo da concessão de serviço público – Osvaldo Aranha Bandeira de Melo
- Da responsabilidade civil do Estado por atos do Ministério Público – Lafayette Pondé
- A extradição – Anor Butler Maciel
PARECERES
- Serviços públicos – Intervenção na Ordem Econômica – Sociedade de economia mista – Imunidade fiscal – Banco da Amazônia – Aliomar Baleeiro
- Magistrado – Irredutibilidade de vencimentos – Gratificação adicional – Aposentadoria – M. Seabra Fagundes
- Sigilo de correspondência – Telegramas – Exame por agentes fiscais – Carlos Medeiros Silva
- Enfiteuse e arrendamento – Distinção – Temporariedade decorrente de cláusula contratual – Orlando Gomes
- Títulos em branco – Nota promissória – Aval – Falsidade ideológica – João Eunápio Borges
- Compra e venda do parto de animais de cria – Antão de Morais
- Ação de recuperação de títulos ao portador emitidos pela União – Competência – Descumprimento das ordens judiciais pelo Executivo – Jorge Alberto Romeiro
- Ato administrativo – Autorização ou licença – Revogação – J. Guimarães Menegale
NOTAS E COMENTÁRIOS
- A prescritibilidade da ação investigatória de filiação natural – Alcides de Mendonça Lima
- Inviolabilidade do lar – Sanelva de Rohan
- Os aumentos de capital e o direito dos portadores de ações preferenciais – Egberto Lacerda Teixeira
- As sociedade de economia mista e as emprêsas públicas no direito comparado – Arnold Wald
- Locação total e locação parcial – Eduardo Correia
- Conceituação do arrebatamento como crime contra o patrimônio – Valdir de Abreu
- Os quadros de carreira e a equiparação salarial – Mozart Vítor Russomano
- A situação dos parlamentares que se afastam de seus partidos – Nestor Massena
JURISPRUDÊNCIA
LEIA:
SUMÁRIO: Fiscalização dos serviços públicos concedidos. O poder de contrôle do concedente sôbre o concessionário. Poder de polícia. Organização e funcionamento do serviço. Fiscalização. Sanções contra o concedente e o concessionário. Órgãos fiscalizadores. Descentralização geográfica e institucional. União, Estados e Municípios. Conclusões.
Sobre o autor
Osvaldo Aranha Bandeira de Melo, professor da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
DOUTRINA
Do aspecto jurídico-administrativo da concessão de serviço público
Fiscalização dos serviços públicos concedidos
A fiscalização dos serviços públicos concedidos é feita pelo Estado tendo em vista o interêsse coletivo, no exercício do seu poder de polícia de ordem pública, isto é, poder de polícia pròpriamente dito, como, também, em atenção ao próprio serviço, no exercício do seu poder de polícia de gestão, isto é, poder de polícia strictu sensu.
Os concessionários de serviço público estão, portanto, sujeitos a fiscalização de duas naturezas: uma, relativa às restrições naturais dos direitos fundamentais das pessoas físicas ou jurídicas por parte de qualquer das entidades de direito público, nos limites da sua competência – fiscalização geral; e outra, referente à organização e funcionamento do serviço por parte do poder concedente – fiscalização especial.
Como exemplo da fiscalização geral, exercida por qualquer das pessoas de direito público, temos, no caso das estradas de ferro, concedidas pelos governos federais ou estaduais, a exigência imposta pelos municípios de terem as suas linhas guarnecidas de cêrcas, ao atravessarem as cidades, bem como de colocarem porteiras nos cruzamentos com vias públicas, medidas que objetivam a segurança da população municipal, com o intuito de prevenir acidentes. Como exemplo de fiscalização especial, exercida pela pessoa de direito público concedente do serviço, temos, no mesmo caso das estradas de ferro, a exigência imposta às companhias de estenderem as suas linhas para outras cidades, dentro do perímetro da concessão, ou então, a de determinar o aumento do número de carros, quando o interêsse da população assim o exige.
Na primeira hipótese, isto é, de fiscalização geral, não cabe, em princípio, ao concessionário de serviço público o direito de pleitear qualquer indenização, pois são prescrições emanadas do poder público, atingindo tôda a população ou tôdas as pessoas que se dedicam a determinada atividade, a fim de resguardar a ordem pública e o bem-estar coletivo, salvo quando causarem danos especiais a êle em proveito da coletividade. Na segunda hipótese, isto é, de fiscalizações especiais, cabe, como regra, ao concessionário do serviço público o direito de pleitear indenização, quando ferirem a estabilidade econômica da emprêsa, pois as prescrições do poder público concedente, aumentando os seus encargos, lhe autorizam a pedir ressarcimento pelos prejuízos acaso sofridos, em virtude dêsses encargos, embora sejam êstes exigidos no interêsse do serviço.
A razão da regulamentação geral, por qualquer das entidades de direito público, nos limites de sua competência, e no cumprimento do seu poder de polícia, está em que a administração deve limitar o exercício dos direitos individuais, a fim de amoldá-los ao interêsse coletivo. Trata-se de uma prerrogativa muito ampla, cujo conceito e extensão ainda não se acham perfeitamente fixados.
Embora se admita a dificuldade de se estabelecerem os contornos do poder de polícia, somos forçados a reconhecer que dêle dependem a segurança da ordem social, a vida e a saúde dos cidadãos, o confôrto da existência em uma comunidade de população densa, o gôzo de uma vida privada e social e o uso benéfico da propriedade. Êle estende a sua proteção à vida, à saúde, ao confôrto e ao sossêgo de tôdas as pessoas, bem como à propriedade particular existente no Estado. Por outro lado, por meio de sua ação, as pessoas e as coisas ficam sujeitas a tôdas as espécies de restrições e encargos, a fim de serem assegurados o confôrto geral, a saúde e a prosperidade do Estado.
O fundamento do contrôle especial, exercido pelo poder concedente sôbre a organização e funcionamento do serviço do concessionário, encontra a sua justificativa no fato de ser serviço público concedido e, por isso mesmo, lhe serem aplicáveis normas idênticas às dos serviços públicos geridos pela própria administração. Os serviços públicos estão, sempre, sujeitos aos processos de direito público e, por conseguinte, subordinados ao seu fim específico: satisfação do interêsse público, sejam êles desempenhados diretamente pela administração ou por particulares, em virtude de delegação.
Aceitando o encargo de substituir o Estado na prestação de um serviço público, na qualidade de seu delegado, o concessionário assume a obrigação de se constituir em servidor do público. Por outro lado, outorgando o Estado a terceiro os direitos que lhe competem de executar serviços públicos e assumindo com êle determinadas obrigações, torna-se, perante a população, fiador do bom desempenho dêsse serviço por seu delegado, e, assim, precisa ficar com todos os poderes de fiscalizar o seu representante no desempenho de tal desideratum.
Portanto, tôdas as vêzes em que o interêsse público impuser alterações na organização e funcionamento do serviço, deverá aquêle ser atendido pela administração, quando esta estiver à testa do serviço, ou pelo concessionário, quando êste se houver incumbido dêle, e, se, por acaso, êste deixar de assim proceder, o poder público deverá fiscalizar a ação do concessionário, a fim de obrigá-lo a satisfazer os reclamos do interêsse coletivo ou, então, substituí-lo, na sua ação.
O poder de contrôle do concedente sôbre o concessionário
O poder de contrôle da concedente sôbre o concessionário existe independente de qualquer disposição expressa, pois decorre da própria natureza do serviço concedido. Um único motivo o autoriza: o concessionário explora serviço público e em virtude de concessão do poder público. Portanto, o desempenho da concessão ou, melhor, o exercício por terceiro de um serviço público, cumpre ser sempre no interêsse coletivo e, assim, ao poder público, por seus órgãos competentes, incumbe, mediante atos jurídicos adequados, adaptá-lo a novas exigências, sem que haja, por isso, alteração na fisionomia do direito do concessionário, uma vez se lhe assegura, a equação econômico-financeira pela qual concordou em desempenhar o serviço público. O fundamento, como se disse, do contrôle é a natureza jurídica do serviço, e êsse contrôle é geral, impessoal e permanente, não podendo, em absoluto, ser abdicado pelo poder público ou restringido o seu âmbito, porque constituiria a negação da sua razão de ser, pois faz parte da sua essência e corresponde a elemento básico para atingir a sua finalidade de realizar o bem comum.
Êsse contrôle diz respeito aos aspectos técnico e econômico do serviço, que devem ser adaptados às épocas em que êste está sendo prestado, sofrendo, por conseguinte, as alterações impostas pelas exigências objetivas do público e as necessidades decorrentes das novas condições e por outras situações de prestação do serviço.
Se prevalecesse orientação diversa, pela qual se entendesse que a organização e funcionamento do serviço, fixados na época da outorga da concessão, não pudessem ser alterados, segundo o bem público, o instituto da concessão como processo de execução de serviço público deveria ser eliminado, pelo fato de constituir sistema contrário ao interêsse coletivo e significando êsse interêsse a razão de ser mesmo do serviço instituído.
As pessoas são livres de aceitar, ou não, a incumbência de desempenhar uma função ou serviço público. Uma vez, entretanto, aceita tal incumbência, ficam obrigadas a executá-la nos moldes previstos pelo poder público como melhor satisfazendo ao interêsse coletivo. Há liberdade de aceitação; porém, ao depois, isso já se não dá. Tôda regulamentação é licita, uma vez não fira a situação patrimonial do concessionário, razão da aceitação de encarregar-se da execução do serviço público.
Executando os concessionários serviços públicos, são conferidas a êles prerrogativas próprias dos entes políticos e, por isso, é indispensável que o poder público fiscalize a sua ação, a fim de evitar que abusem, prevalecendo-se das faculdades que lhes foram conferidas para utilizá-las em determinado fim, desviando-as do seu verdadeiro destino.
As faculdades conferidas aos particulares, em virtude da concessão com privilégio exclusivo para execução de serviço público, devem ser determinadas nos limites previstos no objeto e no fim dêle, e interpretadas em sentido restrito e, no caso de dúvida, contra o concessionário.
Nem por isso os concessionários ficam em posição de desamparo, pois sempre lhes assiste, conforme já salientamos, a faculdade de pedir ressarcimento pelas perturbações econômicas realmente sofridas. O restabelecimento do equilíbrio financeiro, turbado pela fiscalização, deve ser pedido com fundamento nas cláusulas contratuais, que regem as relações de ordem patrimonial entre concedente e concessionário. Ao contrário, os prejuízos advindos em virtude de desrespeito a princípios contratuais devem ser pedidos, a título de reparação de danos, por responsabilidade de quem o praticou, pela culpa havida ou pelo risco ocasionado.
Poder de polícia
O poder de policia das entidades de direito público, seja êle de polícia de ordem pública ou de polícia de gestão, não pode, absolutamente, ser controlado peIas cláusulas da concessão, quando exercido para promoção do seu objeto fundamental de defesa dos interêsses sociais, pois acima dos interêsses dos indivíduos está o bem comum.
A atividade do Estado, no exercício do poder de polícia, é sempre considerada legítima, quando realizada visando ao interêsse social. Por conseqüência, ela também se justifica com referência à atividade dos próprios concessionários de serviços públicos. Dada a natureza específica da sua função, é razoável se superponha mesmo aos têrmos em que se acha estabelecida a concessão, e êstes não têm fôrça, ainda dispondo expressamente, para eximir os concessionários da sua ação benéfica.
Organização e funcionamento do serviço
Os serviços públicos envolvem problemas de grande importância sôbre a sua organização e funcionamento, dentre os quais se destacam: p aspecto técnico, relativo aos fatôres de produção, a fim de prestar serviço adequado; o aspecto financeiro, referente à posição econômica da emprêsa, compreendendo a obtenção de rendas necessárias, a fim de fazer face às despesas de prestação do serviço, como, também, de ampliação e remodelação do mesmo; e o aspecto comercial, condizente com a formação de clientela e o modo pelo qual é fornecido o serviço, de forma satisfatória, mas assegurados os lucros exigidos pelo capital empatado na emprêsa.
As rendas se conseguem por meio de tarifas razoáveis ou pelo aumento de capital, mediante emissões de títulos, ações e obrigações, os quais são fàcilmente colocados quando a emprêsa desfrute de crédito na praça, proveniente da estabilidade de sua vida financeira.
A formação de clientela não é tarefa difícil, visto ser o serviço, em regra, exercido com exclusividade, constituindo-se, além disso, em comodidade essencial ao público, no estado atual da civilização.
Uma vez a emprêsa possui freguesia certa e os lucros estão garantidos, a fim de evitar abusos, de má prestação de serviços, por parte do concessionário, pelo fato de não ter concorrente, bem como para obstar cobrança de tarifas elevadas, pela razão de oferecer comodidade exigida pelas necessidades públicas, – indispensável é a interferência do poder público, fiscalizando tais emprêsas, quanto à sua organização e funcionamento, para tornar a atividade do concessionário plenamente satisfatória ao público, garantida, sempre, no entanto, a sua equação financeira.
As leis e regulamentos referentes à exploração dos serviços públicos concedidos têm um tríplice objetivo: assegurar os interêsses gerais da comunidade; proteger os interêsses imediatos dos usuários e defender os interêsses próprios da emprêsa. Enfim, a organização e funcionamento do serviço compreende, respectivamente, a sua exploração de modo adequado, o estabelecimento de tarifas razoáveis e a segurança da estabilidade financeira da emprêsa.
Êsses elementos da regulamentação, isto é, a prestação do serviço adequado, o estabelecimento de tarifas razoáveis e a segurança de estabilidade financeira do concessionário, estão ìntimamente ligados e, para que se tornem realidade os objetivos de cada um dêles, impõem-se, funcionem conjugados e em harmonia os respectivos princípios.
Para prestar serviço adequado, o concessionário precisa perceber renda compensatória, e, por conseguinte, necessita que as tarifas sejam estabelecidas em bases razoáveis. Mas, para sarem razoáveis as tarifas, cumpre se atenda, de um lado, à estabilidade financeira da emprêsa, a qual compreende os lucros, decorrentes da cobrança das tarifas como os provenientes, ainda, das suas operações econômicas, e, de outro lado, precisam corresponder às possibilidades financeiras dos usuários do serviço. Afinal, uma emprêsa estável, com lucros moderados, porém certos, deve prestar serviços satisfatórios, sem exigir dos consumidores tarifas muito elevadas, mas apenas as convenientes para se resguardarem as suas condições normais de vida, no fornecimento de serviço adequado.
Para tornar-se efetiva a fiscalização econômico-financeira da emprêsa, e, assim, conseguir-se a sua estabilidade financeira e se fazerem os cálculos reais do capital da companhia, a fim de que ela obtenha juros eqüitativos, dentro de tarifas razoáveis, é aconselhável, como medida fundamental, estender-se a fiscalização não só às emprêsas concessionárias do serviço público, como às companhias que se superpõem a elas e que as dirigem, isto é, as holding-companies.
A ação fiscalizadora do poder público deve estender-se a todos os setores da concessão, não sendo admissível se pretenda limita-la a alguns de tais setores apenas, pois qualquer operação do concessionário, relativa ao serviço, deve estar sujeita à apreciação do concedente.
Fiscalização
A fiscalização, executada nos moldes expostos, pressupõe intensa atividade administrativa, compreendendo atos legislativos, pelos quais se estabelecem as linhas mestras que instituem os seus métodos de ação, e atos executivos, abrangendo a aplicação, devidamente controlada, dêsses dispositivos de ordem geral aos casos concretos. A fiscalização estabelecida no estatuto, por órgão legislativo, é realizada pela entidade encarregada da sua efetivação por meio de órgão executivo. Tanto é órgão do poder público aquêle que estabelece os princípios legislativos, como aquêle que pratica os atos executivos.
A fiscalização compreende os seguintes atos: a) de regulamentação da organização e funcionamento do serviço concedido; b) de autorização ou aprovação das atividades dos concessionários, cujo procedimento, em casos predeterminados, está sujeito à audiência prévia ou posterior dos inspetores fiscais; c) de supervisão sôbre os serviços do concessionário e mesmo de interferência na gestão do próprio serviço, quando assim fôr julgado necessário ao bom desempenho dêle; d) de verificação pura e simples de como vem sendo elevado a efeito o serviço ou cumpridas as determinações da fiscalização.
A fiscalização, que cada vez mais tenderá a crescer em extensão e profundidade, encontra, não obstante, limites à sua ação, isto é, o seu exercício deve verificar-se através de órgão competente e em defesa do interêsse coletivo, sem desnaturar a concessão. Respeitadas essas condições, o seu poder é amplo.
Cumpre, entretanto, ressaltar que o campo de fiscalização se não confunde com o da exploração do serviço. É difícil estabelecer-se, de modo perfeito e de forma absoluta, a linha divisória entre os dois setores, mas, tomadas as cautelas devidas, a fiscalização não fará indébita intromissão no desempenho do serviço, pois não deve vir a ser obstáculo à autonomia industrial dêste. Em regra, ao concessionário cabe a gerência do serviço, ao passo que à fiscalização incumbe, apenas, o contrôle da sua gestão.
Compete aos órgãos legislativos prover às diretrizes da fiscalização. Os textos legais que as enfeixam constituem o estatuto dos serviços públicos concedidos. Devem estabelecer os princípios gerais de organização e funcionamento dêstes e planificar os órgãos a que ficarão afetas as funções fiscalizadoras e as atribuições de outorgar concessões.
Assim, as bases da fiscalização serão fornecidas pelo estatuto, cabendo os pormenores aos regulamentos e determinações dos órgãos fiscais. Atendendo a que nesse terreno a evolução técnico-econômica é muito rápida, torna-se indispensável fiquem os órgãos executivos da fiscalização com latitude e elasticidade de ação, mesmo porque êsses predicados, indispensáveis para bom contrôle de serviço, faltam aos órgãos legislativos, de ação mais lenta, e cujos textos são, de certo modo, rígidos.
A lei apenas deve prescrever quais os órgãos da fiscalização, a forma de levá-la a efeito e quem terá competência para outorgar concessões.
Compete aos órgãos executivos desenvolver êsses princípios, prescrevendo normas complementares de aplicação dos preceitos legais, mediante instruções e ordens de serviço, aos dirigentes das emprêsas, e processar inquéritos e investigações quanto à situação dos concessionários, a fim de cumprirem as exigências efetivas da fiscalização do serviço público, relativas à organização e funcionamento, nos moldes e com a amplitude anteriormente esboçados. As suas determinações têm caráter executório, e, portanto, sujeitam a penalidades os seus infratores, podendo ser levadas a efeito diretamente pela administração, quando não cumpridas. Os recursos aos tribunais só serão admissíveis a posteriori.
Sanções contra o concedente e o concessionário
O concedente pelos excessos praticados está sujeito a duas ordens de sanções, apuradas perante o Poder Judiciário e de natureza civil, a saber: perdas e danos e rescisão da concessão. O concessionário, pelos abusos cometidos, está sujeito a sanções criminais, civis e disciplinares. As duas primeiras são aplicadas pelo Judiciário e as últimas pela administração.
As sanções criminais podem ser contra atos delituosos praticados pelo concessionário na infração dos seus deveres como qualquer pessoa simplesmente, ou podem ser contra atos delituosos praticados por êle na infração dos seus deveres como titular da concessão. No primeiro caso, trata-se de crimes comuns, cuja pena, entretanto, pode ser agravada pela situação do agente; no segundo, trata-se de crimes especiais, sujeitos às penas peculiares.
As sanções civis são as de perdas e danos e de rescisão.
As sanções disciplinares, ou administrativas, são corretivas ou expulsivas. As primeiras compreendem as penas de advertência ou repreensão, de multa ou castigo pecuniário, tais como a perda da caução, a paralisação da subvenção ou da garantia de juros e a interrupção de outras vantagens; e, ainda, de suspensões ou substituições temporárias, com apossamento de todo o material da emprêsa, senão dela própria. As segundas são as penas de caducidade com a rescisão administrativa da concessão e com apossamento do acervo da emprêsa.
As penas corretivas são para as infrações menores e as penas expulsivas para as maiores. Quando não existe determinada ordem preestabelecendo a forma de se aplicarem as penas, cabe a da caducidade, antes mesmo de haver sofrido qualquer outra, em virtude de falta cometida, havida como de suma gravidade. Qualquer dessas penas disciplinares independe de decretação judicial, o que, certamente, não impede recorra o concessionário ao Judiciário, fundado em alegação de lesão de direito.
A multa e o castigo pecuniário ao concessionário não se equiparam à cláusula penal dos contratos privados, pois aquêles têm caráter disciplinar e esta é equivalente a perdas e danos e, portanto, de caráter patrimonial.
A suspensão consiste na proibição da exploração do serviço público durante certo tempo. Constitui medida de raro uso e sempre em caráter especial, pois a penalidade pode vir a prejudicar, se não mais ou menos igualmente, os interêsses do público como os do concessionário. Ela é empregada, por exemplo, na suspensão de certas linhas, como seja, nos serviços de ônibus e bonde, que dão lucros ao concessionário, em virtude de irregularidades no serviço, uma vez a ausência desse serviço possa ser suprida por outro de natureza semelhante. Às vêzes a suspensão é só de certo número de carros. Ela pode ter caráter punitivo ou outras causas de interêsse coletivo, como seja a economia de combustível em épocas anormais. Com êsse último objetivo, aliás, tal medida é, especialmente, utilizada.
A substituição consiste no apossamento temporário e provisório da emprêsa pelo poder público ou seu delegado, para impor o funcionamento do serviço como entenda melhor ao interêsse coletivo, e não, como vinha sendo, prejudicial a tal interêsse. Pode ser parcial ou total e visa assegurar de forma eficiente a continuidade do serviço. Durante êsse período os riscos do negócio correm por conta do concessionário julgado relapso. A substituição do concedente ao concessionário se dá quando há deficiência ou falta do serviço, seja ou não por culpa dêste, pois incumbe à administração prestar os serviços públicos, diretamente ou mediante delegação, dando ao público a prestação da comodidade de que êle necessita.
Ao concedente incumbe a fixação do prazo da suspensão ou da substituição.
A rescisão pode ser levada a efeito por acôrdo de ambas as partes, desde que entendam não mais convir a continuação do serviço, ou, ainda, pode ocorrer por provocação de uma delas, mesmo quando não haja infração do contrato, mas surge alteração superveniente na equação econômica do concessionário ou nos processos técnicos de exploração dos serviços previstos pelo contrato, não em caráter transitório, mas de ordem definitiva. Em tal circunstância, é possível não convir a continuação do serviço para o poder público, uma vez tenha de entrar com as indenizações necessárias para cobrir os prejuízos da emprêsa, quando não mais comporte o serviço aumento de tarifas e as possibilidades máximas dos usuários já tenham sido atingidas ou quando razões de utilidade pública que induziram o serviço não mais o justifiquem, por causa de novo inventos que permitem a sua exploração por outros meios mais aperfeiçoados, econômicamente preferíveis ou tècnicamente aconselháveis. Assim, com a modificação fundamental do estado das coisas, desaparecem os motivos que levaram o poder público à outorga da concessão e, por outro lado, não mais interessa o serviço ao concessionário, por não lhe oferecer vantagens econômicas ou não lhe convir fazer as transformações na sua exploração reclamadas pelas novas formas de prestação dêle, graças aos progressos da ciência e da técnica. Daí a rescisão, ou por renúncia dêste ou revogação daquele.
Em regra, aplica-se a pena de caducidade nos seguintes casos: a) demora injustificada em promover a instalação do aparelhamento; b) retardamento indevido de início do serviço concedido; c) interrupção ou irregularidade do serviço sem motivo plausível; d) suspensão, abandono do serviço, ou sua transferência a terceiros sem aquiescência do poder público concedente; e) falência do concessionário; f) morte, ou dissolução da sociedade.
A caducidade pode implicar ainda outras sanções como multas e penas pecuniárias ou apossamento do aparelhamento do concessionário, com ou sem indenização, segundo o caso.
Para a suspensão ou substituição do serviço não há necessidade de prévia advertência, tomando-se tal providência quando o concessionário persistir na falta. Mas, ao contrário, impõe-se a sua exigência no caso de caducidade; salvo se o ato da concessão dispuser de forma diferente, isto é, estabelecer a condição de advertência para o primeiro caso e dispensá-la para o segundo. Em conclusão, nos casos de suspensão ou má distribuição do serviço, não se impõe a colocação do concessionário em mora, como processo preliminar daquela providência disciplinar; enquanto tal notificação é indispensável para posterior declaração da caducidade.
Na concessão de serviço público há direitos e obrigações de ambas as partes, e a violação destas permite que os detentores daqueles exijam a aplicação de sanção aos que as deixaram de cumprir, ainda quando não prevista, por ocasião do ato jurídico em que se acordou instituir a concessão. Em tais hipóteses, serão empregadas as sanções legais previstas para casos análogos. Estas, entretanto, não podem ser utilizadas antes e em substituição a penalidades previstas em textos da concessão, salvo quando admita, expressamente, a alteração de sanções ou nas hipóteses em que se impõe a medida, de forma insofismável, para evitar-se se comprometa o bom funcionamento do serviço, na sua continuidade e regularidade.
As penalidades disciplinares são de ordem regulamentar, de modo que não precisam haver sido previstas por ocasião da outorga da concessão.
Órgãos fiscalizadores
A ação fiscalizadora, caberá às Inspetorias dos Serviços Públicos, órgãos do govêrno, cujos membros, com poderes decisórios, devem ser pessoas experimentadas na administração, possuidoras, de aptidões gerais relativas aos negócios comerciais e industriais, com conhecimentos especializados e técnicos. Os inspetores precisam ser auxiliados, no desempenho das suas atribuições, por consultores jurídicos, técnicos e contabilísticos, a fim de alicerçarem as suas deliberações em dados rigorosos, controlados por princípios científicos e sob espírito de justiça, para bem defenderem o interêsse público. A ação das Inspetorias de Serviços Públicos deve ser espontânea, independente de qualquer provocação particular, embora se imponha, também, nessa hipótese, a sua intervenção, resolvendo qualquer reclamação do público contra as emprêsas.
A fixação do número de inspetores não se faz a priori e varia segundo as necessidades do serviço, impostas pelo âmbito de suas atividades e extensão dos seus poderes. Entretanto, uma regra existe: o número deverá ser o mais reduzido possível. É sempre preferível que fique afeta a poucas pessoas a incumbência de decidir na fiscalização dos serviços concedidos, para se estabelecer mais pronta ação e precisar melhor a responsabilidade dos fiscais. O volume de serviço, de certo modo, não prejudica, guardadas as proporções convenientes, o reconhecimento de tal princípio, pois as funções verificadoras serão desempenhadas por auxiliares em porção tanto maior quanto mais exigir a quantidade de serviço, porém as funções deliberativas devem ser de competência dê reduzido número de pessoas. Aquêles são os consultores e assistentes jurídicos, técnicos e contabilísticos, êstes são os inspetores.
A ação regulamentar cumpre ser tomada, em conjunto, por todos os Inspetore, quando mais de um cidadão exerça êsse cargo. A verificação pode ser feita individualmente pelos assistentes. Qualquer deliberação, desde que envolva matéria especializada, deve ser precedida de audiência dos órgãos consultivos competentes.
As admissões dos inspetores aos cargos se dão em virtude de nomeação do órgão competente, sendo que a escolha precisa recair em pessoas de notável saber, demonstrada a sua capacidade em provas ou títulos, e de comprovada idoneidade moral. Dada a importância das funções, só mesmo personalidades de escol podem receber a distinção de serem elevadas ao cargo. E, para exercê-lo com absoluta independência, cumpre se lhes assegure estabilidade nêle e lhes sejam satisfatórios os vencimentos. Só mediante processo administrativo regular se lhes despojará daquele, assegurando-se, enquanto bem servirem, a irredutibilidade destes.
Aos inspetores, é dispensável dizer-se, veda-se qualquer intromissão na política, e o acesso ao cargo é proibido aos que exercerem determinadas atividades ou tiverem certos interêsses, julgados ambos incompatíveis com as funções que lhes são próprias.
Assim, não será de admitir-se aqueles que já se acharem ligados por laços de dependência e interêsse, ou parentesco e amizade com as emprêsas ou seus diretores, aos quais incumbe fiscalizar. Por outro lado, o cargo é daqueles que exigem tempo integral e impedem qualquer outra atividade em exercício de emprêgo ou função.
A atividade dos inspetores é complexa, pois exige estudo e experiência, bem como completa dedicação, integrando-se, por conseguinte, de forma absoluta nela. De preferência, os engenheiros, advogados, economistas e financistas são as pessoas sôbre as quais deve recair a escolha para exercício de tais funções, sem fixação, entretanto, de qualquer desses títulos e predicados prèviamente, sendo que, em muitas vêzes, se poderá reunir essa plêiade de especialistas, ao passo que noutras convém sejam apenas alguns dêles escolhidos, pois o contrôle dos serviços concedidos enfeixa problemas técnicos, econômicos e jurídicos.
A fiscalização tenderá a crescer cada vez mais, em extensão e profundidade, à medida que se organizem os elementos capazes de levá-la a efeito e se verifiquem as vantagens advindas. Cumpre seja feita prévia e concomitantemente ao funcionamento da emprêsa.
Sendo a Inspetoria de Serviços Públicos provida de membros hábeis sob os aspectos moral, intelectual e cultural, auxiliada por consultores e assistentes capazes, exercendo todos as suas funções com garantia de independência, de estabilidade e de situação econômica, dentro de uma organização político-administrativa do país em forma solidarista – os resultados da sua ação serão magníficos e os objetivos da fiscalização serão ampla e extensamente atingidos, para o bem da coletividade, salvaguardados, entretanto, os interêsses particulares da emprêsa.
As Inspetorias de Serviços Públicos subdividem-se em comissões especializadas, a fim de superintenderem serviços diferentes. Colegial para deliberar e singular para executar.
Anualmente, a Inspetoria de Serviços Públicos deve elaborar relatório, o qual merece ampla publicidade para o público poder bem apreciar as suas atividades e compreender o seu elevado alcance. Demais, qualquer informação por êste solicitada àquela sôbre os serviços concedidos, deve ser fornecida, verbalmente, quando possível, ou mediante certidão, pagos os emolumentos devidos. O fiscal, por excelência, do serviço concedido, deve ser o público. Por isso, precisa tomar conhecimento dêle através das informações prestadas pelo órgão incumbido da fiscalização imediata e contínua.
Os atos da Inspetoria de Serviços Públicos são executórios, isto é, são auto-executáveis. Uma vez não cumpridas pelos concessionários as suas determinações, ficam êles sujeitos a penas severas e à própria execução compulsiva pela fôrça pública.
Descentralização geográfica e institucional
A descentralização geográfica consiste em destacar do govêrno central para outra entidade poderes relativos ao exercício de uma multiplicidade de funções e serviços em determinada região, cujo provimento interessa diretamente a ela e apenas, indiretamente, ao país. A descentralização institucional consiste em destacar, do govêrno central para outra entidade, poderes sôbre um serviço especial, exercido em todo território onde atua o poder central ou em zonas determinadas, com intuito de dar ao seu desempenho maior elasticidade. Na primeira hipótese, o território e a população nêle existente são o objeto do direito, ao passo que, na segunda, simples delimitadores do âmbito de determinado serviço.
Sendo genérica a atividade dos entes territoriais menores, êles podem destacar certas atribuições da sua ação direta para delegar a terceiros, ao passo que, sendo específica a atividade dos entes institucionais, descentralização por serviços, êles não podem delegar a terceiros. No primeiro caso, a complexa personalidade dos entes continuaria igual nos seus múltiplos aspectos, ao passo que, no segundo, desapareceria, uma vez foi criada para tal fim específico.
Há, no Estado de forma federal, pelo menos três unidades geográficas de governo: federal, estadual e municipal. Em tais países, o regime dos serviços públicos concedidos deve ser estabelecido em linhas gerais pela legislação federal, e completado, segundo as necessidades locais, pelas legislações estaduais e municipais. A fiscalização de tais serviços deve incumbir, especialmente, a órgãos federais, estaduais e municipais, segundo a concessão seja de alçada federal, estadual ou municipal, sendo lícito, entretanto, aos órgãos fiscalizadores das entidades superiores, verificarem se os textos emanados dos seus órgãos legislativos, obrigatórios a tôdas as concessões, vêm sendo respeitados pelos concessionários de serviços das entidades inferiores.
A fiscalização dos serviços concedidos pode ser feita por tôdas as unidades da federação, segundo a natureza do serviço e as possibilidades dos entes políticos. É possível estabelecer-se entrosamento em tais atividades, de forma que, agindo cada um em campo diferente e próprio, se consiga harmonizá-los, na satisfação de interêsses comuns.
Em regra, os municípios são aptos para fiscalizar número reduzido de serviços, em virtude de lhes faltarem os necessários elementos, salvo as capitais, cuja posição especial exige sistema peculiar. Demais, os serviços concedidos, prestados pela mesma emprêsa, em geral, se estendem para mais de um Município, de forma que cada um daqueles fica com contrôle parcial sôbre as atividades desta. Finalmente, salvo as capitais, os Municípios não têm, como norma, gente e dinheiro para organizar fiscalização adequada às emprêsas.
Os Municípios, uma vez hajam leis federais e estaduais e mesmo municipais dispondo sôbre o regime de serviços concedidos, podem, apreciando as necessidades locais, ficar com a competência de outorgas as concessões de serviços do seu peculiar interêsse, reservando-se ao Estado a atribuição de avocar tal prerrogativa quando se estenda o serviço a mais de um Município ou, ao menos, a atribuição de fiscalizar o serviço nos vários Municípios, quando o concessionário transponha fronteiras municipais, fiscalização essa que deverá compreender não só o serviço intermunicipal como até o próprio municipal, se ligado um ao outro. Cada Município, não obstante, ficará sempre com competência supletiva e complementar, com referência aos últimos.
Em algumas hipóteses, os serviços concedidos tomam grande amplitude e são de real importância nacional. Assim, as emprêsas que os exploram assumem uma posição de tamanha proeminência no país que a fiscalização estadual ou provincial passa, naturalmente, a ser feita pelo govêrno federal ou nacional. Êste está mais isento das influências de interêsses locais e têm mais capacidade econômica e política para enfrentar o problema da fiscalização. Assim, coordenará o regime de serviços concedidos, em todo o país.
Como norma, entretanto, a fiscalização deve ser estadual, a qual é preferível à centralização sufocante da fiscalização federal e à descentralização exagerada da fiscalização municipal. Só as capitais, dada a sua importância especial no terreno político-econômico, é que, como regra, devem ter fiscalização própria, dos seus serviços concedidos, mesmo porque os seus problemas diferem dos problemas de cada Município, como dos Municípios mesmo em conjunto. Demais, não lhes faltam elementos para levar a bom têrmo a fiscalização.
As autoridades estaduais são preferíveis às federais porque estão em contato direto com as condições municipais e mais de perto lhes interessa a vida dos Municípios e, por isso, têm conhecimento imediato das necessidades dêstes e se acham mais habilitadas para desenvolver as condições melhor adaptáveis de serviço segundo a zona, podendo, ainda, prever as conveniências futuras de cada região.
União, Estados e Municípios
Os atos dos inspetores, ouvindo as ponderações dos representantes das emprêsas, pesando os argumentos pró ou contra qualquer das suas deliberações, com intuito de, ao zelar pela perfeita execução do serviço público, fazer também justiça aos interêsses do concessionário, são administrativos e não judiciais, pois não há resolução de qualquer situação contenciosa, pela declaração do direito controvertido na espécie e conseqüentemente estabelecimento de coisa julgada sôbre a discussão jurídica surgida.
O juiz interpreta o direito para dirimir uma dúvida jurídica, a fim de reintegrar na sua posse o que dêle fôra espoliado ou ameaçado de o ser. O administrador interpreta o direito para bem realizar a sua missão integradora dos princípios do bem comum, protegendo e impondo os direitos do povo. Na aparência, a função administrativa, por vêzes, toma o aspecto de função judicial, mas, examinadas na sua essência, se verifica serem bem distintas.
A sua função é a de fiscal. Como um chefe de departamento da administração pública fiscaliza a execução dos serviços dos funcionários que lhes estão hieràrquicamente subordinados e determina a forma de sua melhor execução, e, ainda, aprova ou autoriza ou toma providências, assim os inspetores controlam a ação dos concessionários.
É possível, entretanto, que os órgãos da administração exorbitem, no exercício das suas atribuições fiscalizadoras dos concessionários de serviços públicos e, daí, o recurso, por parte dêstes, aos tribunais do país, para dizerem se os atos legislativos não estão em contraposição com os princípios constitucionais vigentes e se os atos executivos não foram praticados em desacôrdo com as normas legais prescritas, ou melhor, se não há êrro de direito.
A atividade administrativa é positiva, diretiva e construtiva. A atividade judicial é negativa, restritiva, resolutiva e limitativa.
Os concessionários podem recorrer aos tribunais não só para discussão da legitimidade de determinadas medidas regulamentares, como, também, para o debate do quantum da indenização a que se julgam com direito, pelas repercussões econômicas no seu patrimônio das normas unilaterais, objetivas, impessoais e abstratas no seu entender prejudiciais a situações contratuais, subjetivas, pessoais e concretas.
As decisões sôbre matéria de fato competem, no entanto, aos órgãos da função administrativa, mas os assuntos de ordem jurídica devem ficar sujeitos à apreciação dos tribunais.
Nestes últimos tempos, se têm levantado muitos autores contra a intromissão dos tribunais na apreciação da atividade fiscalizadora do poder público à exploração da concessão.
Argumentam que a matéria é de ordem técnico-econômica e, por essa razão, deve ela ficar sujeita à ação discricionária da administração, por faltar aos tribunais conhecimentos especializados a respeito, sendo que a sua intromissão só servirá para pôr entraves à marcha da ação governamental.
Não nos convencem os argumentos apresentados.
Isso seria voltarmos ao regime do contencioso-administrativo, em que a administração ficaria na posição injustificável de juiz e parte, pois os litígios em que ela é interessada e as ações entre os particulares são da mesma natureza. Os assuntos a serem discutidos pelos juízes são, estritamente, de ordem jurídica, competindo-lhes, exclusivamente, dizer da violação, ou não, de direitos dos concessionários por ato fiscal do poder público e, portanto, dirimir controvérsia em terreno que lhes é próprio. Êles, em absoluto, não decidem sôbre o mérito da ação administrativa, pois sòmente se pronunciam quanto aos efeitos desta, em relação ao caso concreto objeto de julgamento, não envolvendo a sua sentença o exame, em tese, da validade dos atos da administração.
A atividade dos inspetores dos serviços públicos concedidos não poderá ficar coarctada pelo fato de saberem que ela poderá ser objeto de discussão perante os tribunais. Sustentar o contrário será admitir que, para bem cumprirem os seus deveres, necessitam de desrespeitar os textos constitucionais e legais vigentes no país, sôbre a matéria. Sem dúvida, os interêsses da coletividade devem superar os interêsses dos indivíduos, porém aquêles interêsses não podem prevalecer em detrimento dos direitos dêstes. Aliás, nas demandas, a administração não exerce função própria, mas litiga sôbre direitos, como qualquer particular.
Não há dúvida que, de certo modo, o recurso ao Judiciário entrava a ação da Inspetoria de Serviços Públicos, mas é inegável que a sua proibição acarretaria prejuízos maiores. A solução está em harmonizarem-se as posições. Assim, estabelecer-se-á que as determinações das Inspetorias de Serviços Públicos serão auto-executáveis e utilizando-se de coerção, se preciso for, e que o recurso aos tribunais será dado apenas para compor prejuízos, nos casos em que essas determinações causem realmente dano ao patrimônio das emprêsas.
As decisões dos tribunais não poderão pretender a revisão das deliberações das Inspetorias de Serviços Públicos e examinarão sòmente as questões de direito, suspendendo excepcionalmente a efetivação daquelas, como condição para se proceder á composição dos danos, a fim de evitar que os direitos lesados não mais possam ser ressarcidos.
É verdade que a matéria tem relação com questões de ordem técnico-econômica e, por essa razão, pede conhecimentos especializados, porém êsses conhecimentos especializados, verdadeiramente exigidos, são apenas os de direito público administrativo.
De modo que a solução não está em voltar-se ao regime do contencioso administrativo, mas em se instituírem nos tribunais câmaras especializadas de direito público, como já existem as de direito civil, comercial e criminal. As controvérsias relativas aos assuntos de fiscalização de serviços públicos deverão ser dirimidas pelas câmaras administrativas, a quem deverão ficar afetos todos os pleitos judiciais sôbre direito público administrativo.
Certamente, às questões de direito se prendem, muitas vêzes, questões de fato. De forma que ambas se entrosam, sendo o juiz, ao resolver a primeira, obrigado a se pronunciar sôbre a segunda. Mas com referência a esta o faz com fundamento em laudo pericial, elaborado por especialista competente, que se cingirá, no seu trabalho, aos métodos e processos legais prescritos para exame de tais questões de fato.
Assim, a mistura de questões de fato e de direito, que existe em muitas demandas judiciais, será evitada, uma vez os pontos nucleares de cada uma venham hàbilmente regulamentados no estatuto geral, que fixa o regime dos serviços públicos concedidos. Precisar-se-ia, por exemplo, o sistema de avaliação do capital, a respeito do qual a divergência entre os doutrinadores, permitida, aliás, pela falta de texto legal, tem ocasionado sirva êle, em alguns países, de tema de decisões judiciais, com soluções contraditórias e destoantes da realidade econômica e conveniência dos serviços concedidos.
Uma vez que as Inspetorias de Serviços Públicos não têm funções judiciais, mas, simplesmente, administrativas, agem com maior energia e como verdadeiros órgãos do poder público, na defesa dos interêsses coletivos. A sua preocupação máxima será acautelar os interêsses da população. Por sua vez, os excessos delas serão julgados por juízes togados, com tôdas as garantias para os concessionários sujeitos à sua jurisdição, e especializados na matéria, isto é, versados nos ramos jurídicos a que se refere a atividade da fiscalização – direito administrativo.
A fiscalização dos serviços públicos concedidos não tem por objetivo desconhecer os direitos das emprêsas concessionárias, porém o de assegurar os interêsses da coletividade contra os abusos daquelas. As portas dos tribunais, por conseguinte, devem estar abertas a todos os que se julgarem feridos nas suas legítimas pretensões.
_________
Notas:
* N. da R.: A primeira parte dêste trabalho foi publicada na “REVISTA FORENSE”, vol. 140, págs. 22-31.
LEIA TAMBÉM O PRIMEIRO VOLUME DA REVISTA FORENSE
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 1
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 2
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 3
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 4
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 5
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 6
NORMAS DE SUBMISSÃO DE ARTIGOS
I) Normas técnicas para apresentação do trabalho:
- Os originais devem ser digitados em Word (Windows). A fonte deverá ser Times New Roman, corpo 12, espaço 1,5 cm entre linhas, em formato A4, com margens de 2,0 cm;
- Os trabalhos podem ser submetidos em português, inglês, francês, italiano e espanhol;
- Devem apresentar o título, o resumo e as palavras-chave, obrigatoriamente em português (ou inglês, francês, italiano e espanhol) e inglês, com o objetivo de permitir a divulgação dos trabalhos em indexadores e base de dados estrangeiros;
- A folha de rosto do arquivo deve conter o título do trabalho (em português – ou inglês, francês, italiano e espanhol) e os dados do(s) autor(es): nome completo, formação acadêmica, vínculo institucional, telefone e endereço eletrônico;
- O(s) nome(s) do(s) autor(es) e sua qualificação devem estar no arquivo do texto, abaixo do título;
- As notas de rodapé devem ser colocadas no corpo do texto.
II) Normas Editoriais
Todas as colaborações devem ser enviadas, exclusivamente por meio eletrônico, para o endereço: revista.forense@grupogen.com.br
Os artigos devem ser inéditos (os artigos submetidos não podem ter sido publicados em nenhum outro lugar). Não devem ser submetidos, simultaneamente, a mais do que uma publicação.
Devem ser originais (qualquer trabalho ou palavras provenientes de outros autores ou fontes devem ter sido devidamente acreditados e referenciados).
Serão aceitos artigos em português, inglês, francês, italiano e espanhol.
Os textos serão avaliados previamente pela Comissão Editorial da Revista Forense, que verificará a compatibilidade do conteúdo com a proposta da publicação, bem como a adequação quanto às normas técnicas para a formatação do trabalho. Os artigos que não estiverem de acordo com o regulamento serão devolvidos, com possibilidade de reapresentação nas próximas edições.
Os artigos aprovados na primeira etapa serão apreciados pelos membros da Equipe Editorial da Revista Forense, com sistema de avaliação Double Blind Peer Review, preservando a identidade de autores e avaliadores e garantindo a impessoalidade e o rigor científico necessários para a avaliação de um artigo.
Os membros da Equipe Editorial opinarão pela aceitação, com ou sem ressalvas, ou rejeição do artigo e observarão os seguintes critérios:
- adequação à linha editorial;
- contribuição do trabalho para o conhecimento científico;
- qualidade da abordagem;
- qualidade do texto;
- qualidade da pesquisa;
- consistência dos resultados e conclusões apresentadas no artigo;
- caráter inovador do artigo científico apresentado.
Observações gerais:
- A Revista Forense se reserva o direito de efetuar, nos originais, alterações de ordem normativa, ortográfica e gramatical, com vistas a manter o padrão culto da língua, respeitando, porém, o estilo dos autores.
- Os autores assumem a responsabilidade das informações e dos dados apresentados nos manuscritos.
- As opiniões emitidas pelos autores dos artigos são de sua exclusiva responsabilidade.
- Uma vez aprovados os artigos, a Revista Forense fica autorizada a proceder à publicação. Para tanto, os autores cedem, a título gratuito e em caráter definitivo, os direitos autorais patrimoniais decorrentes da publicação.
- Em caso de negativa de publicação, a Revista Forense enviará uma carta aos autores, explicando os motivos da rejeição.
- A Comissão Editorial da Revista Forense não se compromete a devolver as colaborações recebidas.
III) Política de Privacidade
Os nomes e endereços informados nesta revista serão usados exclusivamente para os serviços prestados por esta publicação, não sendo disponibilizados para outras finalidades ou a terceiros.
LEIA TAMBÉM: