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MEDIAÇÃO E ARBITRAGEM
A interrupção da prescrição como efeito da instituição da arbitragem
Rafael Carvalho Rezende Oliveira
26/05/2021
Por Gustavo da Rocha Schmidt[1], Daniel Brantes Ferreira[2] e Rafael Carvalho Rezende Oliveira[3]
Muito se discutiu, antes da reforma da Lei 9.307/1996, promovida pelo Lei 13.129/2015, se a instituição da arbitragem tinha o condão de interromper o prazo prescricional e em que medida[4].
Preocupava, em especial, o risco de uma arbitragem demorar para ser instituída e eventualmente ser decretada a prescrição da pretensão nela deduzida, no meio tempo entre o pedido de instauração da arbitragem e a formação do tribunal arbitral.
Inclusive, em decisão relativamente recente, o STJ posicionou-se no sentido de que, à falta de previsão legal a respeito, antes da Reforma da Lei de Arbitragem, datada de 26 de maio de 2015, o requerimento de instauração do procedimento arbitral não tinha o efeito de interromper o prazo extintivo de direito. Assentou o Min. Gurgel de Faria, na ocasião, que “somente com o advento da Lei n. 13.129/2015, que modificou a Lei de Arbitragem, passou a existir no ordenamento jurídico pátrio expressa previsão acerca da instituição do procedimento arbitral como causa de interrupção da prescrição (art. 19, § 2º, da Lei n. 9.307/1996)”, de sorte que “a notificação para formação de juízo arbitral não serve para interromper o fluxo do prazo prescricional”, “pois, ao tempo da sua apresentação, inexistia regramento legal específico que dispusesse acerca dos efeitos da prescrição no âmbito do processo arbitral, eficácia somente obtida com o novel diploma supracitado” [5].
O § 2º do art. 19 da Lei de Arbitragem, nela incluído pela reforma de 2015, veio para suprir a sobredita lacuna até então existente no microssistema arbitral, geradora de relevante insegurança jurídica. Reza o aludido § 2º:
“§ 2o A instituição da arbitragem interrompe a prescrição, retroagindo à data do requerimento de sua instauração, ainda que extinta a arbitragem por ausência de jurisdição”.
A sobredita alteração legislativa trouxe, sem sombra de dúvida, importante modificação no regime jurídico aplicável à prescrição, nos procedimentos arbitrais. Hoje, uma vez instituída a arbitragem, com a aceitação do encargo pelos árbitros, tem-se a prescrição por interrompida, em caráter retroativo à data da apresentação do requerimento de arbitragem, ainda que eventualmente os árbitros posteriormente acolham eventual objeção de jurisdição.
Por “data do requerimento de sua instauração” entende-se toda e qualquer iniciativa que tenha por objetivo provocar a instauração do procedimento arbitral. Não especificando a lei qualquer formalidade para tal ato, há de se considerar como suficiente qualquer iniciativa inequívoca voltada para provocar o início da arbitragem, tal e qual a correspondência enviada ao requerido, convocando-o para firmar o compromisso arbitral, na forma do art. 6º da Lei[6], ou o mero protocolo do pedido de instauração da arbitragem, no órgão institucional competente. Na dicção de Cahali:
“deverá ser considerada como ato interruptivo da prescrição a inequívoca iniciativa em provocar o início da arbitragem. Ou seja, no exato instante em que a parte, comprovadamente, demonstra seu propósito de materializar o juízo arbitral, deve-se atribuir ao fato a força interruptiva da prescrição. E na diversidade de formas para se dar início a arbitragem, peculiar do sistema arbitral, qualquer delas deve ser aceita. Assim, desde aquela correspondência enviada ao adversário, convocando-o para firmar o compromisso (art. 6º da Lei 9.307/1996), até o protocolo da solicitação de instauração de procedimento arbitral apresentado na entidade eleita pelas partes (ou seja, antes mesmo da aceitação do árbitro, ou da assinatura da ata de missão/ termo de arbitragem), passando pela só assinatura de compromisso arbitral e ainda pela provocação do árbitro de acordo com a convenção, são atos aptos ao fim aqui tratado, pois demonstram a perseguição, pelo interessado, da tutela jurisdicional de seus afirmados direitos, na forma prevista no sistema jurídico próprio” [7].
A interrupção da prescrição – perceba-se – está condicionada à instituição da arbitragem, isto é, ao início da fase arbitral propriamente dita, que ocorre com a aceitação da nomeação pelos árbitros. O fenômeno interruptivo, contudo, retroage à data da apresentação do requerimento de instauração da arbitragem.
O interessado também possui a opção de interromper a prescrição antes da instituição da arbitragem, mediante protesto interruptivo, conforme prescrevem os arts. 202, I e II, do Código Civil[8], combinado com o art. 726, §2º, do Código de Processo Civil[9].
Releva notar que não podem as partes, em razão da natureza cogente das normas que regem a prescrição, convencionar a não observância delas, nos termos dos arts. 191[10] e 192[11] do Código Civil. Na dicção de Thiago Marinho Nunes, “as regras impostas pelo legislador acerca da prescrição têm o caráter de ordem pública, dada a inegociabilidade de instituto prescricional”[12].
Cabe perquirir, no entanto, o que acontece se, antes da instituição da arbitragem, a câmara eleita para administrar o conflito nega prosseguimento ao procedimento arbitral, ante a manifesta inexistência, invalidade ou ineficácia, prima facie, da convenção de arbitragem[13]. A lei diz que a prescrição há de ser tida por interrompida, ainda que a arbitragem seja extinta, por ausência de jurisdição. A interrupção, entretanto, fica condicionada à instituição do juízo arbitral. Se a arbitragem não chegou a ser instaurada, a conclusão automática deveria ser a de que não houve a interrupção do prazo prescricional.
Não nos parece, todavia, seja esta a melhor orientação. As entidades arbitrais, ainda que exerçam função predominantemente administrativa, podem também ser provocadas a, excepcionalmente e prima facie, praticar algum ato de cunho jurisdicional. É o que ocorre quando a instituição acolhe eventual objeção de jurisdição e impede o prosseguimento da arbitragem. Neste caso, há de se reconhecer a interrupção da prescrição, retroagindo-se à data da apresentação do pedido de instauração da arbitragem.
Por fim, vale mencionar que a instauração da arbitragem produz ainda outros importantes efeitos. Inaugura a jurisdição dos árbitros e, por consequência, transfere do Judiciário para o painel arbitral (ou ao árbitro único, se for o caso) a competência para decidir medidas de cunho cautelar. Além disso, a instituição do juízo arbitral estabelece o termo inicial para contagem do prazo para prolação da sentença, nos termos do art. 23[14] da Lei de Arbitragem. Também torna litigiosa a coisa e induz litispendência.
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[1] Professor da FGV Direito Rio. Presidente do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem – CBMA e da Revista Brasileira de Alternative Dispute Resolution – RBADR. Doutorando em Direito da Regulação pela FGV Direito Rio. Master of Laws pela New York University of Law. Mestre em Direito da Regulação pela FGV Direito Rio. Advogado. Sócio fundador de Schmidt, Lourenço & Kingston – Advogados Associados. Procurador do Município do Rio de Janeiro. É, ainda, Presidente da Comissão de Arbitragem dos BRICS da OAB Federal.
[2] Doutor e Mestre em Direito Constitucional e Teoria do Estado pela PUC-Rio. Pós-Doutor em Direito Processual pela UERJ. Vice-Presidente de Assuntos Acadêmicos do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem – CBMA. Professor da Universidade Cândido Mendes, da EMERJ e do Mestrado da Ambra University. Research Fellow no The Baldy Center for Law & Social Policy da SUNY Buffalo Law School. É ainda Editor-Chefe da Revista Brasileira de Alternative Dispute Resolution – RBADR e Fellow do Chartered Institute of Arbitrators – CIArb
[3] Visiting Scholar pela Fordham University School of Law (Nova York). Doutor em Direito pela UVA/RJ. Mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC/RJ. Professor Titular de Direito Administrativo do IBMEC. Professor do PPGD/UVA. Professor de Direito Administrativo da EMERJ. Professor dos cursos de pós-graduação da FGV e da Universidade Candido Mendes. Membro do Instituto de Direito Administrativo do Estado do Rio de Janeiro – IDAERJ. Presidente do Conselho Editorial da Revista Brasileira de Alternative Dispute Resolution – RBADR. Procurador do Município do Rio de Janeiro. Sócio fundador de Rafael Oliveira Advogados Associados.
[4] O assunto era extremamente controvertido antes da Reforma da Lei de Arbitragem, de 2015. Vide, para uma análise detida das diversas orientações que existiam a respeito do tema: NUNES, Thiago Marinho. Arbitragem e prescrição. São Paulo: Atlas, 2014, p. 209-223.
[5] STJ, AREsp 640.815/PR, Primeira Turma, Min. Rel. Gurgel de Faria, DJe 20.02.2018.
[6] SCAVONE JR., Luiz Antonio. Manual de Arbitragem, Mediação e Conciliação. 8ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2018, p. 150.
[7] CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem, Mediação, Conciliação, Tribunal Multiportas. 7ª ed. São Paulo: Thompson Reuters Brasil, 2018, p. 297.
[8] “Art. 202. A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez, dar-se-á: I – por despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o interessado a promover no prazo e na forma da lei processual; II – por protesto, nas condições do inciso antecedente”.
[9] “Art. 726. Quem tiver interesse em manifestar formalmente sua vontade a outrem sobre assunto juridicamente relevante poderá notificar pessoas participantes da mesma relação jurídica para dar-lhes ciência de seu propósito. § 1º Se a pretensão for a de dar conhecimento geral ao público, mediante edital, o juiz só a deferirá se a tiver por fundada e necessária ao resguardo de direito. § 2º Aplica-se o disposto nesta Seção, no que couber, ao protesto judicial.”
[10] “Art. 191. A renúncia da prescrição pode ser expressa ou tácita, e só valerá, sendo feita, sem prejuízo de terceiro, depois que a prescrição se consumar; tácita é a renúncia quando se presume de fatos do interessado, incompatíveis com a prescrição.”
[11] “Art. 192. Os prazos de prescrição não podem ser alterados por acordo das partes.”
[12] NUNES, Thiago Marinho, op. cit., p. 105.
[13] É comum e frequente que os regulamentos das câmaras de arbitragem contemplem previsão de tal natureza, permitindo, em nome da celeridade processual, a extinção do procedimento, pela própria instituição, sempre que for manifesta a inexistência, invalidade ou ineficácia da cláusula compromissória. Nesse sentido, por todos, vale mencionar o item 4.1 do regulamento do CBMA: “4.1. Questionada a existência, validade ou eficácia da convenção de arbitragem, o Centro deverá dar prosseguimento à arbitragem, exceto quando entender ser a convenção de arbitragem manifestamente inexistente, inválida ou ineficaz”. Disponível em: ?http://www.cbma.com.br/regulamento_1?. Acesso em: 21.04.2021.
[14] “Art. 23. A sentença arbitral será proferida no prazo estipulado pelas partes. Nada tendo sido convencionado, o prazo para a apresentação da sentença é de seis meses, contado da instituição da arbitragem ou da substituição do árbitro”.