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PROCESSO PENAL
Da presunção de inocência à presunção de culpa: este é o Brasil
Guilherme de Souza Nucci
05/08/2015
Está inscrito na Constituição Federal o estado de inocência. Todos nascem inocentes até prova em contrário, representada pela condenação criminal com trânsito em julgado (art. 5o, LVII, CF). Esse é um preceito aberto e expresso – e mesmo assim não cumprido com exatidão.
Sob outro aspecto, porque num Estado Democrático de Direito seria absolutamente desnecessário, inexiste uma norma similar apontando que o brasileiro é honesto, até prova definitiva em contrário.
Eis a grande contradição sistêmica. O Estado, por meio de suas variadas leis, termina por presumir o cidadão desonesto, até que ele prove o contrário. Por vezes, presume-se que se está morto, até que demonstre estar vivo.
Num país (verdadeiramente) civilizado, tais afirmações seriam aberrações, mas, infelizmente, assim não é em nossas fronteiras. Observe-se alguns exemplos: a) o aposentado deve provar estar vivo, sob pena de ter os seus parcos rendimentos suspensos. Essa é a regra do sistema instalado no Estado de S. Paulo, pela SP Prev. Minha finada mãe foi obrigada a se apresentar em determinado local no mês do seu aniversário, sob pena de ter suspensa a sua aposentadoria, a fim de se mostrar viva. Quando ela não mais tinha condições de se deslocar até onde o Estado determinava, mesmo avisada a respeito, a SP Prev suspendeu o pagamento. Em contato com o referido órgão, disseram que iriam providenciar uma visita onde minha genitora estava, mas poderia levar um tempo. Esse tempo era indefinido da mesma forma como a suspensão de sua parca aposentadoria de professora do ensino fundamental continuava. Soa-me hediondo obrigar uma pessoa idosa a provar que está viva. O Estado lava suas mãos, sob a ridícula alegação de que há fraudes. A fiscalização estatal é pífia, logo, transfere-se ao idoso a prova que não lhe cabe; b) o vendedor de veículo é, por presunção, um desonesto, pois se inventou, para encher os cofres dos cartórios extrajudiciais, o famoso reconhecimento de firma por autenticidade. Noutros termos, o brasileiro honesto, que vende seu carro, deve comparecer pessoalmente ao cartório de notas, recolher um valor de cerca de R$ 12,00, para demonstrar ao Estado a sua existência e o seu ânimo de negociar seu automóvel. Diria algum burocrata estatal: combate-se a transferência fraudulenta de veículos. Em outras singelas palavras: porque o Estado é inoperante para apurar tais fraudes e punir exemplarmente os culpados, é mais simples presumir que todos os vendedores de veículos são desonestos e devem provar que existem de verdade, pagando por isso.
São dois – apenas dois – exemplos de como o brasileiro é tratado pelo Estado, vale dizer, como presumidamente desonesto. Assim vigoram as leis em geral, cheias de carimbos, autenticações, burocracia e verdadeiras chatices, que não impedem os crimes e engordam os cofres públicos.
No cenário criminal, tem-se que evidenciar a mesma cultura. Se a autoridade policial apontar um brasileiro como suspeito (indiciamento), sabendo disso a sociedade, pelo trabalho da mídia, a conclusão é simples: ele é culpado. Se o órgão acusatório ingressar com ação penal contra um brasileiro, a situação se torna ainda mais grave: ele é mesmo culpado. Depois, se ele for absolvido, nada é noticiado – com o mesmo louvor que a mídia apresentou o indiciamento e a ação penal.
O pior quadro possível é ser considerado culpado, antes da hora, pagando um alto preço por isso, pois a prisão preventiva é decretada. É ainda mais difícil provar a inocência estando preso.
Em suma, é fundamental repensar todo o sistema de normas no Brasil, diferente de outros países civilizados e tidos por democráticos, para que não se tenha de provar a inocência e a honestidade. Tais atributos precisam ser presumidos pelo Estado.
Se, porventura, todas essas burocráticas e custosas normas são idealizadas para abarrotar os cofres públicos de dinheiro, a situação torna-se ainda mais hedionda. No entanto, hediondo é o Estado e não o pretenso criminoso.
Somos todos inocentes e honestos, até prova definitiva em contrário, pois é exatamente o que está em harmonia com a dignidade da pessoa humana (art. 1o, III, CF).
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