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A necessidade da ação de resolução judicial do compromisso de compra e venda
Luiz Antônio Scavone Júnior
23/06/2015
Mesmo diante do o art. 1º do Decreto-lei 745/1969, com a redação dada pela Lei 13.097/2015
No âmbito contratual, notadamente nos contratos bilaterais nos quais a prestação de uma parte tem como causa, como motivo da sua existência, a prestação da outra, ao contratante inocente é deferida a possibilidade de pedir a resolução do contrato ao se deparar com o descumprimento das obrigações do outro.
Essa faculdade decorre de cláusula contratual ou, se não houver, da própria lei.
Se as partes convencionarem expressamente a resolução do contrato por descumprimento, a cláusula neste sentido denomina-se “cláusula resolutiva expressa” (Código Civil, art. 474).
Todavia, ainda que não o façam, a possibilidade de resolução do contrato por inadimplemento decorre da lei (Código Civil, art. 475), denominada, assim, “cláusula resolutiva tácita”.
Eis os mencionados dispositivos do Código Civil:
“Art. 474. A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial.”
“Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.”
Havendo ou não cláusula resolutiva expressa, os seus efeitos, no caso de contrato de compromisso de compra e venda, para a constituição em mora do promitente comprador, dependem, sempre, de prévia notificação.
Se se tratar de imóvel loteado e vendido pelo loteador, o promitente vendedor requer, ao oficial do Registro de Imóveis em que está registrado o loteamento ou através do oficial de Títulos e Documentos, a intimação do devedor para pagar a prestação em atraso mais as que se vencerem até a data do pagamento, além dos acessórios da dívida.
Esse pagamento é feito em cartório, no prazo de trinta dias.
Purgada a mora, o contrato convalesce, ou seja, continua em vigor com as obrigações originais.
Todavia, se o promitente comprador não pagar, o credor requererá o cancelamento do registro do contrato.
Se o devedor não for encontrado, a intimação far-se-á por edital.
Nos demais casos, em que não se trate de imóvel vendido pelo loteador, mister se faz a notificação, judicial ou extrajudicial, com fundamento, em regra, no Decreto-Lei 745/1969 (regra geral) e, também, para as incorporações, com fundamento no art. 63 da Lei 4.591/1964 e na Lei 4.864/1965; nos loteamentos se a opção for pela resolução judicial, nos termos do art. 32 da Lei 6.766/1979.
De qualquer forma a notificação é pressuposto processual, e a sua ausência representa vício insanável nos termos da Súmula 76 do STJ.
A questão fundamental, aqui, é a de saber se o promitente vendedor, depois da notificação, precisa pedir judicialmente a resolução do contrato ou se essa resolução se opera de pleno direito, após o escoamento do prazo, independentemente de ação que a reconheça, se não for purgada a mora.
A interpretação literal da lei (Decreto-Lei 58/1937, no seu art. 14 e Lei 6.766/1979, art. 32), bem como a natureza da cláusula resolutiva expressa (pacto comissório – art. 474, do Código Civil e art. 1º do Decreto-Lei 745/1969) podem levar equivocadamente a esta última conclusão.
Em alguns casos isto é possível.
Sendo assim, por exemplo, nos imóveis loteados, a resolução, após a notificação, se opera no âmbito do Oficial de Registro de Imóveis, com exigência, nos termos em que regula, de devolução de parte do que foi pago pelo promitente comprador.
Nos demais casos, havendo cláusula resolutiva expressa, com a redação do art. 1º do Decreto Lei 745/1969 dado pela Lei 13.097/2015, após a simples notificação e decurso in albis do prazo para purgação da mora, haverá mesmo a resolução do contrato.
Contudo, mesmo com a cláusula resolutiva expressa no contrato, o fato é que há necessidade de pronunciamento jurisdicional.
Para maior clareza, eis o art. 1º do Decreto-lei 745/1969, com a redação dada pela Lei 13.097/2015:
“Art. 1º Nos contratos a que se refere o art. 22 do Decreto-Lei no 58, de 10 de dezembro de 1937, ainda que não tenham sido registrados junto ao Cartório de Registro de Imóveis competente, o inadimplemento absoluto do promissário comprador só se caracterizará se, interpelado por via judicial ou por intermédio de cartório de Registro de Títulos e Documentos, deixar de purgar a mora, no prazo de 15 (quinze) dias contados do recebimento da interpelação.
Parágrafo único. Nos contratos nos quais conste cláusula resolutiva expressa, a resolução por inadimplemento do promissário comprador se operará de pleno direito (art. 474 do Código Civil), desde que decorrido o prazo previsto na interpelação referida no caput, sem purga da mora.”
Mesmo com a alteração do Decreto-lei 745/1969 pela Lei 13.097/2015, a resolução contratual jamais poderá ser apreciada sumariamente por um oficial de registro ou prescindir da declaração jurisdicional apta à verificação dos seus pressupostos, quais sejam: a mora na modalidade do retardamento no cumprimento da obrigação (elemento objetivo) e a culpa (elemento subjetivo) para eficácia da condição resolutiva expressa.
Pensar o contrário seria afronta grave ao princípio da ampla defesa, do contraditório (Constituição Federal art. 5º, LIV e LV) e da inafastabilidade da tutela jurisdicional pelo Poder Judiciário (Constituição Federal, art. 5º, XXXV).
Se isto não bastasse, havendo relação de consumo, mister se faz, em razão da resolução, que as partes retornem ao status quo ante com a devolução de valores pagos pelo promitente comprador, o que somente será possível, não havendo acordo, mediante intervenção jurisdicional.
Pode haver, inclusive, fatos impeditivos da resolução, como a exceção do contrato não cumprido ou o adimplemento substancial.
Além disso, mora é, principalmente, o retardamento culposo da obrigação. O Código Civil trata da mora no art. 374 e da culpa nos arts. 392 e 396. Vejamos este último:
“Art. 396. Não havendo fato ou omissão imputável ao devedor, não incorre este em mora.”
E a apreciação da culpa somente pode ser feita pelo juiz.
Nesse sentido a sempre clara lição de Carlos Roberto Gonçalves ao comentar o pacto comissório, ou seja, a cláusula resolutiva expressa do art. 474, do Código Civil, que permite ao promitente vendedor a resolução do contrato por inadimplemento do promitente comprador:
“Em ambos os casos, tanto no de cláusula resolutiva expressa ou convencional, como no caso de cláusula resolutiva tácita, a resolução deve ser judicial, ou seja, precisa ser judicialmente pronunciada. No primeiro, a sentença tem efeito meramente declaratório e ‘ex tunc’, pois a resolução dá-se automaticamente, no momento do inadimplemento; no segundo, tem efeito desconstitutivo, dependendo de interpelação judicial. Havendo demanda, será possível aferir a ocorrência dos requisitos exigidos para a resolução e inclusive examinar a validade da cláusula, bem como avaliar a importância do inadimplemento, pois a cláusula resolutiva, ‘apesar de representar manifestação de vontade das partes, não fica excluída da obediência aos princípios da boa-fé e das exigências da justiça comutativa (Ruy Rosado de Aguiar Júnior. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor. 2ª. Ed. Rio de Janeiro: Aide, 2003, p. 183)” (Carlos Roberto Gonçalves. Direito Civil brasileiro. Contratos e atos unilaterais. 9ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 183.).
“Apesar da expressão de pleno direito, têm os Tribunais entendido ser necessária a intervenção judicial, sendo a sentença, neste caso, de natureza meramente declaratória. Por essa razão, e porque há uma cláusula resolutiva tácita em todo contrato bilateral (cf. art. 1.092, parágrafo único – atual art. 475 do novo Código Civil), não se vislumbra utilidade em tal pacto” (Carlos Roberto Gonçalves, Direito das obrigações – parte especial, São Paulo: Saraiva, 1999, p. 75).
Certo é, então, que a cláusula resolutiva expressa produz efeitos extintivos do contrato, independentemente de sentença desconstitutiva (Enunciado n. 436 do Conselho da Justiça Federal, aprovado na V Jornada de Direito Civil), mas a sentença declaratória é imprescindível como forma de controlar os pressupostos que a autorizam.
Referindo-se especificamente ao compromisso de compra e venda, ensina Orlando Gomes que, sem qualquer distinção, pelas peculiaridades do negócio, a condição resolutiva, mesmo tácita, não se opera sem pronunciamento judicial:
“Não se rompe unilateralmente sem a intervenção judicial. Nenhuma das partes pode considera-lo “rescindido”, havendo inexecução da outra. Há de Pedir a resolução. Sem sentença resolutória, o contrato não se dissolve” (Orlando Gomes. Contratos. 18ª. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 252).
Não discrepa José Osório de Azevedo Junior:
“Haja ou não cláusula resolutiva expressa, impõe-se a manifestação judicial para resolução do contrato” (José Osório de Azevedo Junior. Compromisso de Compra e Venda. 2ª. Ed. São Paulo: Malheiros, 1983, p. 16).
De fato, José Osório de Azevedo Junior discorre sobre as diferenças entre as cláusulas resolutiva expressa e tácita, sendo categórico ao afirmar, conforme pensamos, que em qualquer delas a resolução do contrato depende de pronunciamento judicial, ressalvando que há, de fato, no caso de cláusula expressa, alguma divergência doutrinária, que ele, no entanto, repele (José Osório de Azevedo Junior. Cit., p. 164).
Assim, em conclusão, a necessidade de pronunciamento judicial, em que pese vozes contrárias e a par da redação do parágrafo único do art. 1º do Decreto-lei 745/1969 dado pela Lei 13.097/2015, encontra justificativas diversas, suficientes, no meu entendimento, para sua exigência, e, a título exemplificativo e em resumo, enumero os seguintes:
a) Eventual adimplemento substancial que impede seus efeitos em razão da cláusula geral da boa-fé;
b) Exceção do contrato não cumprido que pode ser deduzido como defesa, mormente nesta espécie contratual;
c) Cessão válida do contrato apta a tornar ineficaz a necessária notificação premonitória;
d) Pagamento;
e) Onerosidade excessiva no curso do cumprimento do contrato, sendo necessário o restabelecimento do equilíbrio e conseguinte inexigibilidade da obrigação original;
f) Renúncia expressa ou tácita por parte do credor; mora do credor, suficiente para afastar a culpa do devedor;
g) Ausência de culpa do devedor; e,
h) Necessidade de restituir as partes ao status quo ante, com a devolução total ou parcial das parcelas pagas, além da posse do imóvel prometido.
Veja também:
- Chancela do Contraditório e Precedentes
- Contestação por Negativa Geral no Novo CPC
- Informativo de Legislação Federal: resumo diário das principais movimentações legislativas.
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