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Os regimes aduaneiros especiais na Reforma Tributária
Solon Sehn
09/11/2023
Os regimes aduaneiros especiais são procedimentos diferenciados de controle aduaneiro aplicáveis a determinadas operações de entrada ou de saída de produtos no território nacional que são desoneradas do pagamento de tributos. Em alguns casos, também há dispensa do pagamento dos tributos incidentes na aquisição de bens no mercado interno, como é o caso, por exemplo, do drawback-suspensão. Em outras hipóteses, o legislador concede uma subvenção governamental como forma de ressarcimento dos tributos pagos na importação (v.g., o drawback-restituição). Não há cobrança dos créditos tributários que, em outras circunstâncias, seriam devidos nessas operações. Isso ocorre porque a finalidade do instituto não é arrecadatória, mas extrafiscal ou econômica. O seu objetivo primário é a realização das finalidades de interesse público que decorrem de políticas de desenvolvimento econômico definidas pelo Governo Federal ou, em alguns casos, de compromissos assumidos pelo Estado brasileiros em tratados e acordos internacionais[1].
Um exemplo de regime aduaneiro especial vinculado a compromissos internacionais é a admissão temporária, prevista na Convenção de Istambul, incorporada ao direito brasileiro por meio do Decreto-Legislativo nº 563/2010, promulgado pelo Decreto nº 7.545/2011. O regime visa a controlar o ingresso de produtos de origem estrangeira no território nacional, sem o pagamento de tributos, para fins de participação em eventos, realização de ensaios, testes de funcionamento e resistência, de promoção comercial, entre outras finalidades de caráter temporário definidas na legislação aduaneira. Trata-se de uma não incidência que abrange o Imposto de Importação (II), o Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM) e a maior parte dos tributos internos voltados à equiparação da carga tributária entre produtos importados e nacionais, também chamados tributos niveladores pela doutrina: o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), das Contribuições ao PIS/Pasep e da Cofins (PIS-Cofins), e do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação (ICMS).
Outros regimes aduaneiros especiais têm por objetivo a realização de políticas de desenvolvimento econômico nacional. Esse é o caso do drawback-suspensão, que visa ao incentivo das exportações. Nele são controlados o ingresso de produtos estrangeiros no território aduaneiro – sem o pagamento de tributos (II, IPI, PIS-Cofins, AFRMM e ICMS) – para fins de utilização como insumo na fabricação de produto nacional a ser exportado, de forma combinada ou não com outros insumos nacionais igualmente desonerados. Ao incentivar as exportações, além do desenvolvimento industrial e da geração de empregos e renda, o drawback contribui para a obtenção de divisas internacionais, para o equilíbrio da balança de pagamentos e a estabilidade cambial do País[2]. Para ilustrar a relevância do instituto, basta lembrar que, em dezembro de 2022, de acordo com relatório oficial da Secretaria de Comércio Exterior: “Nos últimos 12 meses, as exportações com drawback atingiram US$ 71 bilhões, representando 21,2% do total (US$ 334,1 bilhões) exportado pelo Brasil”[3].
A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 45/2019 (Emenda da Reforma Tributária), aprovada pela Câmara dos Deputados, promove a unificação do IPI, do ICMS, do ISS e do PIS-Cofins em dois novos tributos: a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) da União; e o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Também foi prevista a competência da União para a instituição de um imposto seletivo (IS), incidente sobre a produção, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, que foi ampliada no Parecer do Relator da PEC no Senado Federal, de modo a abranger também as atividades de extração desses mesmos produtos[4].
O regime de incidência e a não cumulatividade da CBS e do IBS ainda serão definidos em lei complementar, observadas algumas características previstas nos arts. 149-B, 156-A e 195, V, § 16: (i) legislação única; (ii) alíquota uniforme; (iii) vedação para a concessão de benefícios fiscais e de tratamentos tributários diferenciados; (iv) base de incidência ampla; (v) cobrança “por fora”, ou seja, sem a inclusão do tributo em sua própria base imponível; (vi) princípio do destino; (vii) pagamento compensatório em dinheiro, vulgarmente denominado cashback, mas que, a rigor, é uma técnica relevante de proteção do mínimo vital e de concretização do princípio constitucional da capacidade contributiva[5]; e (viii) não cumulatividade ampla.
No comércio exterior, a CSB e o IBS incidirão na importação de bens e de serviços por pessoa física ou jurídica. Essa previsão é necessária para a equiparação da carga tributária entre os bens e serviços nacionais e importados, dentro do que prevê a cláusula do tratamento nacional do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio ou General Agreement on Tariffs and Trade (Gatt). A CBS e o IBS, portanto, apresentarão de caráter nivelador, a exemplo do IPI, do PIS-Cofins e do ICMS.
Ocorre que, em relação aos regimes aduaneiros especiais, o texto da PEC aprovado pela Câmara contém uma previsão inadequada no § 5º do art. 156-A. De acordo com esse dispositivo, caberá ao legislador complementar dispor sobre: “IX – as hipóteses de diferimento do imposto aplicáveis aos regimes aduaneiros especiais e às zonas de processamento de exportação”. Assim, ao invés da desoneração da CBS e do IBS, foi prevista a simples postergação (diferimento) do pagamento do crédito tributário, o que, sem dúvida alguma, pode criar uma série de inconvenientes ao País. Em razão disso, no estudo “Primeiras reflexões sobre a Reforma Tributária: CBS-IBS (PEC nº45/2019)”, foi apontada a necessidade de sua alteração no Senado Federal:
O problema também foi percebido pelo Senador Mecias de Jesus, que apresentou emenda para permitir que a lei complementar possa estabelecer hipóteses de desoneração do IBS aos regimes aduaneiros especiais e às ZPEs além do diferimento que consta no texto atual. A proposta foi acatada pelo Relator da PEC, Senador Eduardo Braga, que sugeriu a seguinte redação no Parecer disponibilizado no dia 25 de outubro de 2023:
“Art. 156-A. Lei complementar instituirá imposto sobre bens e serviços de competência compartilhada entre Estados, Distrito Federal e Municípios.
[…]
§ 5º Lei complementar disporá sobre:
[…]
VI – as hipóteses de diferimento e desoneração do imposto aplicáveis aos regimes aduaneiros especiais e às zonas de processamento de exportação;”
O novo texto do art. 156, § 5º, VI, também será aplicável à CBS, conforme o disposto no art. 195, § 16, da PEC-45/2009:
“Art. 195. […]
V – sobre bens e serviços, nos termos de lei complementar.
[…]
§ 16. Aplica-se à contribuição prevista no inciso V o disposto no art. 156-A, § 1º, I a VI, VIII, X a XII, § 3º, § 5º, II a VI e VIII, e §§ 6º a 11.”
A alteração é necessária e relevante. Sem a desoneração do IBS e da CBS, o Estado brasileiro descumprirá acordos e convenções internacionais, a exemplo da Convenção Relativa à Admissão Temporária, conhecida como Convenção de Istambul, citada anteriormente. Além disso, haverá prejuízos aos exportadores e empresas de outros segmentos que realizaram investimentos em atividades econômicas vinculadas a determinados regimes aduaneiros especiais. É o caso, v.g., do entreposto industrial (Recof-Sistema e Recof-Sped), do regime aduaneiro especial de exportação e de importação de bens destinados às atividades de pesquisa e de lavra das jazidas de petróleo e gás natural (Repetro), da admissão temporária para utilização econômica, entre outros mais. Dessa forma, espera-se a aprovação da nova redação pelo Senado Federal e, por ocasião da nova votação da Emenda da Reforma Tributária, também pela Câmara dos Deputados.
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[1] Sobre os regimes aduaneiros especiais, cf.: SEHN, Solon. Curso de direito aduaneiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022. p. 327.
[2] SEHN, Solon. Curso de direito aduaneiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022. p. 348.
[3] De acordo com relatório oficial da Secretaria de Comércio Exterior, em dezembro de 2022: “Nos últimos 12 meses, as exportações com drawback atingiram US$ 71 bilhões, representando 21,2% do total (US$ 334,1 bilhões) exportado pelo Brasil”. Disponível em: https://www.gov.br/siscomex/pt-br/informacoes/perguntas-frequentes/arquivo-faq-drawback/draw_2022.zip. Acesso: 14/08/2020.
[4] Sobre a reforma tributária e as fases de sua implementação, ver: SEHN, Solon. Primeiras reflexões sobre a Reforma Tributária: CBS-IBS (PEC nº45/2019). Disponível em: https://blog.grupogen.com.br/juridico/areas-de-interesse/tributario/primeiras-reflexoes-sobre-a-reforma-tributaria-cbd-ibs-pec-no45-2019. Acesso em: 29.10.2023.
[5] TIPKE, Klaus; LANG, Joachim. Direito tributário. Trad. Elisete Antoniuk. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2013, p. 203; MOLINA, Pedro M. Herrera. Capacidad económica y sistema fiscal: análisis del ordenamento español a luz del Derecho alemán. Madrid: Marcial Pons, 1998, p. 126.
[6] De acordo com relatório do Ministério da Economia, em março de 2020, “nos últimos 12 meses, as exportações com drawback atingiram US$ 46,9 bilhões, representando 21% do total exportado”. Disponível em: http://www.siscomex.gov.br/wp-content/uploads/2020/07/202003.pdf. Acesso: 14/08/2020.
[7] Convênio Confaz nº 27/1990.
[8] SEHN, Solon. Primeiras reflexões sobre a Reforma Tributária: CBS-IBS (PEC nº45/2019). Disponível em: https://blog.grupogen.com.br/juridico/areas-de-interesse/tributario/primeiras-reflexoes-sobre-a-reforma-tributaria-cbd-ibs-pec-no45-2019. Acesso em: 29.10.2023.