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O crime de latrocínio e a competência para o seu julgamento, de João Didonet Neto

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O crime de latrocínio e a competência para o seu julgamento, de João Didonet Neto

FORENSE 171 - ANO DE 1955

JOÃO DIDONET NETO

LATROCÍNIO

Revista Forense

Revista Forense

16/05/2025

SUMÁRIO: 1. A controvérsia ainda não se acha dirimida. 2. Em que se funda a competência pelo Júri. 3. Se o latrocínio se acha compreendido no art. 121, § 2º, inc. V, do Cód. Penal. A tese de ser preterintencional ou culposo o homicídio no caso do art. 157, § 3º. 4. O latrocínio como crime complexo e classificado como delito contra o patrimônio. Mas a condenação deve assentar em prova plena

1. A controvérsia ainda não se acha dirimida

A jurisprudência tem vacilado muito a respeito da competência para o julgamento do chamado crime de latrocínio.

E valiosas opiniões se enfrentam ainda hoje, umas pugnando pela competência do juiz singular, e outras pela do Júri.

Mas a primeira corrente é hoje a dominante, manifestando-se neste sentido autoridades ilustres, como NÉLSON HUNGRIA, SOUSA NETO e outros, o egrégio Supremo Tribunal Federal, o Tribunal deste Estado e outros tribunais do Pais (vejam-se a “REVISTA FORENSE”, volumes 144, págs. 402-405; 145, págs. 374-376; e 153, págs. 389-392; “Rev. Jurídica”, Pôrto Alegre, vols. 11, págs. 210-214; e 24, págs. 280-283; EDUARDO ESPÍNOLA FILHO, “Código de Processo Penal Brasileiro”, 3ª ed., 1955, vol. II, páginas 119-129; JOSÉ FREDERICO MARQUES, “O Júri no Direito Brasileiro”, 2ª ed., 1955, págs. 98-97; NÉLSON HUNGRIA, “Comentários ao Código Penal”, vol. VII, ed. “REVISTA FORENSE”, 1955, n° 23, págs. 56-58).

A controvérsia, entretanto, ainda não se acha dirimida. E, ainda recentemente, a 1ª e a 2ª Câmaras Criminais do Tribunal de São Paulo, por acórdãos de 17 de fevereiro e de 11 de abril de 1955, declararam, por maioria de votos, competente o Tribunal do Júri para o julgamento do crime de latrocínio.

E, por êsses arestos, se verifica que no mesmo Tribunal lavra ainda grande divergência sôbre esta questão (veja-se a “REVISTA FORENSE”, vols. 161, páginas 377-379; e 162, págs. 327-328);

2. Em que se funda a competência pelo Júri

Pela Constituição, art. 141, § 28, é obrigatòriamente da competência do Júri o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

E diz PONTES DE MIRANDA que essa norma é bastante em si, e não haveria ilegalidade em que, se não existisse lei ordinária explicita que dissesse o mesmo, desde logo se submetessem a julgamento pelo Júri todos os crimes dolosos contra a vida. A lei ordinária não é necessária: a regra de competência do § 28 basta (“Comentários à Constituição de 1946”, 1953, vol. IV, pág. 401).

A lei nº 263, de 23 de fevereiro de 1948, ao estabelecer quais os crimes cujo julgamento compete ao Tribunal do Júri, se ateve à classificação feita no Código Penal, incluindo os crimes dolosos contra a vida previstos nos arts. 121, 1º e 2º, 122, parág. único, 123, 124, 125, 128 e 127 do Cód. Penal, consumados ou tentados.

E na Comissão de Constituição e Justiça, ao ser elaborada a referida lei, foi rejeitada a emenda do senador OLAVO OLIVEIRA pela qual todos os crimes dolosos e dos quais resulta morte seriam levados também ao conhecimento do Júri (OLAVO OLIVEIRA, “O Júri na Terceira República”, 1949, págs. 51-52; EDUARDO ESPÍNOLA FILHO, ob. cit., pág. 121).

Mas o recurso aos materiais legislativos serve para descobrir apenas uma idéia do passado, e o Direito vigente não contém só um pensamento morto, e a exegese pode variar com o tempo (CARLOS MAXIMILIANO, “Hermenêutica e Aplicação do Direito”, nº 151).

E, nos acórdãos de 10 de outubro e 12 de novembro de 1951 do Supremo Tribunal Federal, o ministro ABNER DE VASCONCELOS, como relator, em vigorosa sustentação de voto, declara que a especificação da lei nº 263 não pode prevalecer sôbre a fórmula ampla, compreensiva de tôdas as hipóteses em que houver homicídio doloso.

Entende que o latrocínio deveria ser julgado pelo Júri, por encarar o Tribunal popular em nosso País como elemento social propício ao desenvolvimento da criminalidade, como se verifica em todos os países de origem latina, diz, êle, raça emotiva e sentimental, propensa ao esquecimento, embora suas intermitentes manifestações de vingança, mas que, em face da Constituição, a competência para o julgamento do latrocínio é do Júri, por entender que a fórmula abrange todos os delitos compostos que compreendem a figura do homicídio doloso.

Pouco importa; diz êle, que o Código Penal contemple o latrocínio no capítulo dos delitos contra o patrimônio. Não é a denominação que determina a atribuição de julgar, mas o que na expressão real dos fatos resulta de atentado à existência humana. A lei nº 263, embora visasse regulamentar o preceito constitucional referente ao Júri, ficou aquém de seu objetivo. E diz ainda: “Doutrinàriamente, aplaudo as restrições feitas ao tribunal popular, fonte fecunda de impunidade, mas, como intérprete do texto básico que o estruturou, não posso silenciar tudo quanto nêle se reflete. E onde houver no Cód. Penal um dispositivo que contenha, no seu fato complexo, a figura do homicídio, aí está firmada a competência do Júri para o julgamento” (“REVISTA FORENSE”, vols. 144, págs. 402-403; e 145, pág. 375).

Mas, nos referidos acórdãos do pretório excelso, só os ministros AFRÂNIO COSTA e OROZIMBO NONATO acompanharam o voto do ministro-relator, dissentindo os demais Ministros NÉLSON HUNGRIA, MÁRIO GUIMARÃES, LUÍS GALLOTTI, LAFAYETTE DE ANDRADA, EDGAR COSTA e BARROS BARRETO.

E, anteriormente, se tinham manifestado pela competência do juiz singular os ministros ROCHA LAGOA e HAHNEMANN GUIMARÃES (veja-se EDUARDO ESPÍNOLA FILHO, ob. cit., págs. 123-124).

No Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul se manifestaram pela competência do Júri os desembargadores EURICO LUSTOSA e ELÓI JOSÉ DA ROCHA, dizendo êste último que, na classificarão do Cód. Penal vigente, é situado o latrocínio entre os crimes contra o patrimônio, mas que a mesma orientação é adotada quanto aos crimes dos artigos 158, § 2º, 159, § 3°, 161, § 2º, e 163, parágrafo único, inc. I, entendendo porém que daí não se conclui que no latrocínio, como na extorsão simples ou mediante seqüestro, na usurpação ou no dano, com violência, haja exclusivamente crime contra o patrimônio, e sim a um tempo crime contra a pessoa e contra o patrimônio, e que é perfeitamente decomponível nós dois crimes que estruturam a entidade penal prevista no art. 157, § 3º (“Rev. Jurídica”, nº 15, págs. 284-285).

E diz JOSÉ DE AGUIAR DIAS que, não sendo pacifica a doutrina sôbre a conceituação do crime, se deveria, por isso, atribuir ao Júri a competência para o julgamento do crime de latrocínio, como jurisdição mais favorável (“REVISTA FORENSE”, vol. 115, pág. 242).

E há tratamento desigual, sem motivo razoável, considerar como crime da competência do Júri o homicídio praticado mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe (art. 121, § 2º, inc. I, do Cód. Penal) e excluir o latrocínio.

3. Se o latrocínio se acha compreendido no art. 121, § 2º, inc. V, do Código Penal

A tese de ser preterdoloso ou culposo o homicídio no caso do art. 157, § 3º O Cód. Penal brasileiro considera qualificado o homicídio praticado para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime (art. 121, § 2º, inc. V), com a pena de reclusão de 12 a 30 anos.

Pelos têrmos com que está redigida a lei, se poderia considerar compreendido o crime de latrocínio.

E, se estivesse, a competência para o julgamento seria do Júri, de acôrdo com a Constituição, e a lei nº 263, de 23 de fevereiro de 1948.

Mas há no mesmo Cód. Penal outro dispositivo, o § 3° do art. 157, pelo qual, se da violência, na prática do roubo, resulta morte, a reclusão é de 15 a 30 anos, sem prejuízo de multa.

E não pode haver, no mesmo Código, dois dispositivos para configurar o mesmo delito.

Diz NÉLSON HUNGRIA que, no caso do art. 121, § 2º, inc. V, o outro crime, em caso algum, forma unidade complexa com o homicídio, que há simples conexidade entre êles, devendo aplicar-se cumulativamente as penas respectivas (art. 51), e não sòmente a do homicídio qualificado, pois que não se trata de crime complexo como no caso do latrocínio (art. 157, § 3°, in fine), em que há unificação de penas (“Comentários ao Código Penal”, 1942, vol. V, pág. 147).

Alguns intérpretes têm entendido que no art. 121, § 2º, inc. V, o Cód. Penal de 1940 prevê o latrocínio, e no art. 157, § 3º, o roubo com homicídio, isto é, roubo qualificado pelo resultado; aquêle homicídio qualificado ou um concurso de delitos, e êste um crime complexo, em que o homicídio é culposo ou preterintencional, o que ocorre, quando o agente, praticando o roubo, causa morte ou lesões corporais, sem ter querido qualquer dêsses resultados, ou assumido o risco de os produzir, como entendeu a 2ª Câmara do Tribunal de São Paulo, em 7 de novembro de 1946, e sustentou o desembargador MANUEL CARLOS, da 1ª Câmara Criminal do mesmo Tribunal de Justiça, em 9 de novembro de 1948 (vejam-se a “Rev. dos Tribunais”, vol. 166, pág. 522; e “REVISTA FORENSE”, vol. 126, páginas 257-261).

Mas, como crime culposo ou preterdoloso, qualificado pelo resultado, o caso do art. 157, § 3º, a pena, de 15 a 30 anos, seria muito elevada.

E daí entender-sé ser mais aceitável admitir que o art. 157, § 3°, prevê o latrocínio como crime doloso.

Pela pena imposta, de oito a 20 anos, no crime do art. 223, parág. único, do Cód. Penal – quando de crime contra os costumes resulta a morte – se pode admitir que se trata de homicídio preterintencional ou culposo (veja-se NÉLSON HUNGRIA e ROMÃO CÔRTES DE LACERDA, “Comentários ao Código Penal”, ed. “REVISTA FORENSE”, 1947, volume VIII, págs. 219-220).

E então, se o homicídio é doloso, não há crime complexo, e sim dois delitos, e as penas são aplicadas cumulativamente, competindo o julgamento ao Júri.

E aqui se defronta tratamento desigual para casos idênticos contrariando-se o princípio “Ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio”. Submete-se a julgamento pelo Júri aquêle que dolosamente mata para saciar um apetite sexual e ao julgamento pelo juiz singular o que mata para roubar.

Parece ser mais justo, por isso, submeter-se sempre ao julgamento pelo Júri o homicídio doloso, embora em crime complexo.

Na hipótese do art. 121, § 2°, inc. V, o agente incorre nas penas cominadas ao homicídio qualificado, reclusão de 12 a 30 anos; e ao roubo, com reclusão de quatro a 10 anos e Multa de Cr$ 3.000,00 a Cr$ 15.000,00.

E na hipótese prevista no art. 157, § 3°, o agente fica sujeito à pena de 15 a 30 anos de reclusão, sem prejuízo de multa.

Não se pode afirmar que o agente que mata para roubar revela, em regra, menor temibilidade do que aquêle que mata, para praticar outro delito.

No latrocínio, como delito complexo, se despreza a gravidade objetiva do homicídio para ter em vista a objetividade final: a lesão ao patrimônio.

E a gravidade de um delito se aquilata não só pelo exame do escopo final colimado pelo agente, mas também pelos meios por êle empregados para alcançar o objetivo visado, e muitas vêzes é pelo meio empregado para delinqüir que se revela a sua temibilidade.

E, na figura do roubo com homicídio, como delito completo, não se leva na devida conta o meio empregado pelo agente para praticar o delito.

Não vemos assim suficientes razões para favorecer o que mata para roubar com a configuração de um crime de natureza complexa e a unificação das penas.

O latrocínio constitui forma criminosa que, desde as mais antigas legislações, tem sido punida com rigor, atendendo à gravidade que assume, à requintada perversidade e cupidez reveladas pelo agente (GALDINO SIQUEIRA, “Direito Penal Brasileiro”, 1924, n° 550).

Como diz o desembargador MANUEL CARLOS, repugna admitir que o legislador houvesse querido aliviar a pena cominada ao latrocínio, sendo êste, como efetivamente é, uma das modalidades mais bárbaras e ferozes da criminalidade.

E, na verdade, excluindo-se do artigo 121, § 2º, inc. V, do Cód. Penal, o crime de latrocínio, o legislador estabeleceu para êste uma pena atenuada.

É esta, entretanto, a tendência das legislações que adotaram a figura do roubo com homicídio como delito complexo.

Mas já no Cód. Penal brasileiro de 1890 o crime de latrocínio, embora classificado como delito contra a pessoa e a propriedade, era previsto no art. 359, com a pena de prisão celular de 12 a 30 anos.

Ao comentar êsse Código, observava GALDINO SIQUEIRA que eram censurados os nossos Códigos, quanto à classificação do crime de latrocínio, por isso que deviam incluir o crime na classe dos homicídios, atenta, a relevância e prevalência de crime-meio (homicídio) sôbre o crime-fim (roubo).

Mas nem todos os Códigos adotaram a figura do roubo com homicídio como delito complexo.

Diz CUELLO CALÓN que essa figura é estranha à maioria dos Códigos, adotando-a, além dos Códigos espanhol e das ilipinas, um grande número de legislações hispano-americanas, entre as quais, de Cuba, Chile, Argentina, Honduras, Costa Rica e Salvador (“Derecho Penal”, Barcelona, 1942, págs. 785-786).

O art. 165 do Cód. Penal argentino (de 1921) prevê o crime complexo do latrocínio, com a pena de reclusão ou prisão de 10 a 25 anos.

E assim o crime previsto no art. 121, § 2º, inc. V, do Cód. Penal brasileiro, corresponde ao delito de que trata o artigo 80, § 3°, do Código argentino, e neste a pena é de reclusão ou prisão perpétua.

4. O latrocínio como crime complexo e classificado como delito contra o patrimônio. Mas a condenação deve assentar em prova plena

Em voto proferido no acórdão de 10 de outubro de 1951, do egrégio Supremo Tribunal Federal, diz o ministro NÉLSON HUNGRIA:

“Entendo que o preceito constitucional proibitivo da competência do Júri, usando da expressão “crimes dolosos contra a vida” não pode deixar de ser interpretado no sentido técnico-jurídico. Não é admissível que a Constituição haja empregado têrmos ou expressões, imprimindo-lhes sentido que não seja o do idioma jurídico. A expressão “crimes contra a vida” tem significado restrito em nosso direito penal positivo: indica os crimes que o Cód. Penal prevê no capítulo sob a rubrica “Dos crimes contra a vida”. O próprio legislador ordinário, ao regular o preceito, constitucional, adotou êsse entendimento. A nova Lei do Júri não incluiu entre os crimes atribuídos ao julgamento do Júri o “latrocínio”. É êste um crime complexo, uma entidade criminal complexa, a que a lei comina pena autônoma unitária, e que a lei classifica entre os “crimes contra o patrimônio”, dando prevalência, entre os crimes-meio, ao que representa o crime-fim” (“REVISTA FORENSE”, vol. 144, págs. 403-404).

E a mesma interpretação sustenta o insigne jurista era seus “Comentários ao Código Penal”, ed. “REVISTA FORENSE”, 1955, vol. VII, pág. 58, nota.

E diz EDGAR MAGALHÃES NORONHA:

“É bem certo que no latrocínio há de fato, duas lesões jurídicas; são dois os direitos subjetivos ofendidos, o direito à vida e o direito ao bem patrimonial. A lesão jurídica dêsse delito é, portanto, dupla. E nêle ninguém pode contestar que o primeiro bem, a vida, prepondera sôbre o segundo, o bem patrimonial, e, conseqüentemente, a lesão daquele deve também preponderar sôbre ofensa a êste”.

“Entretanto, não classificou nosso diploma êsse crime como delito contra a pessoa. A razão é que a maior ou menor gravidade da ação física do delito, por si, não o desnatura. Desde o furto simples até o latrocínio, isto é, desde a forma menos grave do crime até a mais qualificada, todos êsses crimes são patrimoniais. Êles constituem uma escala, cujos graus são dados pela gravidade crescente da ação do delinqüente, e pela cano; porém, na sua essência, constituem sempre o mesmo delito: furto, isto é, a subtração da coisa alheia móvel. Esta é a finalidade do criminoso, é o fim a que êle se propõe”.

“A lei, portanto, na classificação dêsses crimes, desprezou a gravidade objetiva dêles, para ter em vista sua objetividade jurídica final: a lesão ao patrimônio. E, desde que essa lesão-fim é patrimonial, patrimonial também deve ser o crime. O legislador, para a classificação, deu, assim, relevância jurídica à lesão patrimonial. E é inegável que a primeira ofensa, no complexo do crime, é apenas o meio de que se vale o agente para chegar ao fim, à meta que visa.” (“Crimes Contra o Patrimônio”, 1948, págs. 164-165).

O Cód. Penal italiano (de 1930), no art. 84, considera haver crime complexo, quando são elementos constitutivos ou circunstâncias agravantes de um só crime fatos que, por si mesmos, constituem crime.

E o Cód. Penal brasileiro, no art. 103, prevê o crime complexo assim definido.

E é de notar-se que, quando não se configura crime complexo, o Cód. Penal consigna as ressalvas “além da pena correspondente à violência”, “sem prejuízo da pena correspondente à violência”, ou outra, como ocorre nos arts. 140, 150, 197 a 200, 203, 204, 208, 209, 227, 228, 230, 231, 307, 308, 314, 322, 344, 345, 351 a 354 e 358.

Para a classificação do crime de estrutura complexa, indivisível, deve ter-se em conta o bem ou interesse cuja lesão representa o escopo final do agente, perdendo então os crimesmembros sua autonomia para, aglutinados, formarem uma entidade criminal unitária, como diz NÉLSON HUNGRIA (ob. e loc. cits.).

É necessário, pois, que a prática do homicídio, no latrocínio, não seja o fim colimado pelo agente, mas o meio do qual êle usou para chegar ao seu objetivo, que é o furto, praticando assim o homicídio para furtar.

Como diz CARRARA, no crime de latrocínio, o lucro deve ser a fim e o homicídio o meio (“Programma”, parte especial, vol. I, págs 295-298).

O evento morte, no latrocínio, é mera circunstância, não é o fim da ação, ocorrendo o ataque à pessoa como simples meio de afastar obstáculos possíveis ou reais à consumação do roubo.

A eliminação da vida é um mero acidente. O criminoso não tem a intenção direta de matar, porque o que visa primordialmente é apoderar-se da coisa alheia.

Tôda a atenção do agente trabalha em rumo diverso, visando furtar. Aceita a morte para atingir o fim pretendido.

“Entre la violencia y el apoderamiento”, escreve JOSÉ IRURETA GOYENA, grande jurista uruguaio, em seu livro “El delito de hurto”, pág. 320, “debe existir una relación de medio á fin, para que se pueda hablar juridicamente de rapina. Si el propósito de hurto es posterior á las violencias ejercidas sobre una persona con una intención original enteramente distinta, no habrá rapina”.

“En ese caso existiran dos delitos: amenazas o ataque á la libertad personal por un lado, y hurto por otro, cuya penalidad se ripe por los principios generales de la concurrencia” (BENTO DE FARIA, “Código Penal Brasileiro”, vol. IV, 1943, págs. 54-55).

Pelo Cód. Penal espanhol (art. 501, 1°), se comete êste delito “cuando con motivo o con ocasión del robo resultare homicidio”.

Mas na jurisprudência do Tribunal Supremo da Espanha encontramos os seguintes arestos:

“O homicídio deve ser perpetrado com o fim de alcançar o apoderamento”, 3 de julho de 1945. “Sempre o ataque à propriedade deve ser a idéia geradora do “crime”, 8 de janeiro de 1944. “Qualquer que seja a intenção do culpado ao penetrar em uma casa para roubar, se incidentalmente surge uma pessoa a quem êle mata, existe êste delito”, 1º de março de 1929 (EUGÊNIO CUELLO CALÓN, “Derecho Penal”, conforme al Código Penal, texto refundido de 1944, t. II, parte especial, ob. e loc. cits., págs. 785-788 e notas).

É necessário, pois, que se verifique o nexo de causalidade entre a violência ou ameaça e a subtração e o conseqüente apoderamento da coisa (BENTO DE FARIA, ob. e loc. cits.).

Inexistente o nexo teleológico de meio e fim, a que se refere o art. 157 caput do Cód. Penal, não se caracteriza o crime de latrocínio (São Paulo, 19-4-945, na “Rev. dos Tribunais”, vol. 157, pág. 828; in “Brasil-Acórdãos”, vol. IV, nova série, 1948, pág. 354).

E a 2ª Câmara Criminal do mesmo Tribunal, por acórdão unânime, em 5 de maio de 1947, decidiu que não se caracteriza o crime de latrocínio o simples fato de seguir-se ao homicídio a prática do crime de furto, embora devam processar-se juntamente e ser ambos julgados pelo Júri (“REVISTA FORENSE”, vol. 125, página 271).

Como diz NORONHA, a morte pode ocorrer tanto para se praticar a subtração, como ao praticá-la, ou como ocorrer depois, agindo o delinqüente para assegurar a detenção da coisa ou para garantir a impunidade (ob. cit., pág. 187).

O homicídio deve ser perpetrado com o fim de obter o apoderamento, sempre o ataque à propriedade há de ser a idéia geradora do crime.

É neste sentido que se deve entender o art. 157 (caput) do Cód. Penai, para a definição de latrocínio, e para que este delito possa ser submetido a julgamento pelo juiz singular, como delito contra o patrimônio, porque, como crime doloso contra a vida, deve ser julgado pelo Júri, sob pena de nulidade, para não violar a Constituição.

Se o réu furtou para garantir a Impunidade do homicídio; não se caracteriza o latrocínio, porque então o furto não seria o fim, mas o meio para garantir a impunidade do homicídio.

E se tem entendido que, doloso, preterdoloso ou simplesmente culposo o evento morte, não se desfigura o latrocínio.

É necessário, porém, que o evento possa ser imputado ao agente, a título de dolo ou culpa, não podendo ser levado à conta do delinqüente, quando o resultado é oriundo de caso fortuito (EDGAR MAGALHÃES NORONHA, ob. cit., página 185).

E, como vimos, a jurisprudência dominante em nosso País admite que o artigo 157, § 3°, do Cód. Penal, prevê o crime complexo do latrocínio, da competência do juiz singular, como crime contra o patrimônio.

Mas, sendo culposo ou preterdoloso o homicídio, não é o Júri o competente para o julgamento. Para a competência do Júri, o homicídio deve ser doloso.

E se deverá ainda submeter ao Júri o julgamento, quando há dúvida sôbre se o agente matou para roubar, ao praticar esta infração, para assegurar a detenção da coisa, ou para garantir a impunidade, porque, de outra maneira, haver uma condenação sem prova completa, e ainda porque o homicídio, como crime doloso contra a vida, e não contra o patrimônio, deve ser julgado pelo Júri, como manda a Constituição.

E temos prova plena, em que se pode assentar a condenação, quando o raciocínio forma a convicção, e não se pode, lògicamente, admitir conclusão diferente.

A consciência do juiz se declara satisfeita, e o raciocínio forma a convicção, se a relação entre o fato primitivo e o fato conseqüente desconhecido se acha plenamente justificada, e não se pode admitir, de modo algum, outra conclusão ou outra interpretação (MITTERMAYER, “Tratado da Prova em Matéria Criminal”, tradução, Rio, 1917, pág. 497).

As provas da acusação, diz MALATESTA, para terem conseqüências jurídicas, devem conduzir à certeza da criminalidade, e as provas da defesa produzem o seu efeito, quando alcançam simplesmente abalar aquela certeza (“A Lógica das Provas em Matéria Criminal”, tradução, Lisboa, 1927, pág. 142).

E assim, por qualquer dúvida, a solução que se impõe é esta: em lugar de. admitir-se como configurado o crime complexo, indivisível, do latrocínio, para ser julgado pelo juiz singular, se deve considerar conexos os dois crimes, o de homicídio e o de furto ou de roubo, para serem julgados pelo Júri, pois que a sentença condenatória deve assentar em prova plena e estreme de dúvidas.

E, no caso em apreço, a dúvida envolve a própria competência para o julgamento, que é o do Júri, quando se trata de crime doloso contra a vida, de acôrdo com a Constituição.

E, pois, uma dúvida, uma falta de prova concludente deve levar o magistrado a concluir pela competência do Tribunal do Júri.

E, submetendo-se o julgamento ao Júri, além de observar-se o preceito constitucional, se alcança maior uniformidade de tratamento para casos semelhantes, sendo então julgado pelo Júri tanto o que mata por paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe, como o que mata para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime, o que furta para garantir a impunidade de um homicídio, e aquêle que, além de praticar um homicídio doloso, também furta ou rouba.

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