
32
Ínicio
>
Artigos
>
Atualidades
>
Civil
>
Uncategorized
ARTIGOS
ATUALIDADES
CIVIL
UNCATEGORIZED
A atualização do Código Civil no Brasil

Luis Felipe Salomão
04/11/2025
Por Luis Felipe Salomão, Marco Aurélio Bellizze, João Otávio de Noronha,
Maria Isabel Diniz Gallotti Rodrigues e Marco Buzzi
Há uma antiga metáfora indígena que é muito significativa para os momentos atuais: “Se o morcego não enxerga a luz, a culpa não é do sol”.
Com efeito, no início da denominada revolução tecnológica (termo cunhado pelo filósofo Yuval Harari), na transição para os novos processos de produção a partir de 1760, alguns trabalhadores — temendo perder seus empregos — se revoltaram e destruíram máquinas, como se essa ação pudesse deter o avanço que ali se iniciou e até hoje ainda está em curso. Basta verificar o que vem ocorrendo com a nanotecnologia, com a biologia sintética e com as mudanças tecnológicas disruptivas, como se percebe pelas fases de desenvolvimento da inteligência artificial.
As intensas transformações na sociedade experimentadas ao longo do século 20, com modelos negociais e contratuais inovadores, passando pela engenharia genética, por novos arranjos familiares e respectivos impactos no plano sucessório, bem como pela comunicação em tempo real proporcionada pela internet — agora disponível na palma da mão —, são fatos incontroversos a indicar a necessidade de atualização das regras que regem as relações jurídicas no campo civil, o que vem acontecendo em vários países do mundo.
Diante desse cenário, é inevitável concluir que algumas matérias estão sendo julgadas no Judiciário brasileiro sem regulação, gerando imprevisibilidade e insegurança jurídica. Apenas para ficar em alguns poucos exemplos noticiados recentemente, as demandas que decorrem da chamada “economia de compartilhamento” (aluguéis de imóveis por curtíssima temporada e locação de trabalho/bens), contratos e obrigações no ambiente digital e os meios de prova quanto à sua existência, desafios da responsabilidade civil para prevenção, e não só relativamente à reparação do ato ilícito, direito autoral e inteligência artificial, o tema da reprodução assistida e filiação, sucessão de criptoativos e de bens digitais.
O texto atual do Código Civil, que substituiu o Código de 1916, é fruto do trabalho de uma comissão de juristas de nomeada, reunida no distante ano de 1969. No contexto seguinte de abertura política e da Assembleia Nacional Constituinte, o projeto tramitou por mais de 30 anos no Congresso Nacional até ser aprovado e, por fim, sancionado em 2002.
Não obstante a plasticidade do Código Civil, bem como os reconhecidos e inovadores princípios da eticidade, operabilidade e boa-fé objetiva, o diploma já foi alterado por 64 normas, havendo ainda mais de 50 propostas de modificação pendentes de apreciação.
Algumas matérias estão sendo julgadas no Judiciário brasileiro sem regulação, gerando imprevisibilidade e insegurança jurídica
Depois de analisar centenas de sugestões e promover audiências públicas nos quatro cantos do País, a comissão de juristas constituída pelo Senado para elaborar anteprojeto de lei visando a atualizar o Código Civil entregou o texto ao então presidente, senador Rodrigo Pacheco, que posteriormente o apresentou como Projeto de Lei (PL) n.º 4/2025.
Até ser encaminhado ao Senado, foram oito meses de trabalho em que a comissão (composta por 37 membros e seis consultores voluntários) enviou cerca de 400 ofícios a entidades representativas da sociedade civil, faculdades de Direito, órgãos públicos e associações, com o objetivo de comunicar a abertura de prazo para sugestões.
Como bem descreveu o senador Rodrigo Pacheco no texto de justificação do PL, a proposição legislativa chega como uma bússola, o alicerce a partir do qual as paredes de um Código Civil atual e moderno serão edificadas.
O Parlamento recebeu proposta que agrega a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), além dos enunciados aprovados em jornadas do Conselho de Justiça Federal (CJF), bem como sólidas posições na doutrina sobre interpretação de institutos jurídicos no campo do Direito Civil.
Alguns vetores orientaram as propostas de atualização: 1) assegurar maior autonomia de vontade das pessoas; 2) promover a desjudicialização de vários atos e procedimentos; 3) estímulo ao empreendedorismo e facilitação do ambiente de negócios; e 4) garantir as alterações necessárias para atualização do texto, mas observado sempre o princípio da segurança jurídica.
O PL n.º 4/2025 é fruto de amplo debate no meio jurídico e na sociedade civil, contando com árduo trabalho de uma plêiade composta pelos mais renomados civilistas da atualidade, mas somente agora, com a tramitação no Congresso, irá obter as melhores soluções e receber as legítimas contribuições de quem representa a sociedade brasileira. Como toda obra humana, necessita de ajustes e aprimoramentos, assim como toda proposta legislativa que teve antes o trabalho de uma comissão de juristas certamente não agrada a todos. Basta verificar as críticas contundentes que sofreu o código em vigor, durante toda a sua longa tramitação.
A comissão de senadores, certamente com olhar meticuloso e atento, irá avançar com segurança nas mais diversas áreas do Direito Civil, aprovando um texto à altura dos desafios atuais e futuros da sociedade brasileira.
Opinião por Luis Felipe Salomão
Ministro do Superior Tribunal de Justiça integrante da comissão de juristas constituída pelo Senado Federal para atualização do Código Civil
Marco Aurélio Bellizze
Ministro do Superior Tribunal de Justiça integrante da comissão de juristas constituída pelo Senado Federal para atualização do Código Civil
João Otávio de Noronha
Ministro do Superior Tribunal de Justiça integrante da comissão de juristas constituída pelo Senado Federal para atualização do Código Civil
Maria Isabel Diniz Gallotti Rodrigues
Ministro do Superior Tribunal de Justiça integrante da comissão de juristas constituída pelo Senado Federal para atualização do Código Civil
Marco Buzzi
Ministro do Superior Tribunal de Justiça integrante da comissão de juristas constituída pelo Senado Federal para atualização do Código Civil
31/10/2025 | O ESTADO DE S. PAULO