
32
Ínicio
>
Artigos
>
Clássicos Forense
>
Revista Forense
ARTIGOS
CLÁSSICOS FORENSE
REVISTA FORENSE
Do enriquecimento sem causa, de Agostinho Alvim

Revista Forense
21/08/2025
SUMÁRIO: Caracterização do enriquecimento sem causa. O sistema clássico e as idéias inovadoras. Do fundamento da condenação do enriquecimento injustificado. Da “actio de in rem verso”. Do fundamento da ação. Objeções contra a ação de enriquecimento. Dos requisitos da ação de enriquecimento: enriquecimento, empobrecimento, nexo de causalidade, justa causa, caráter subsidiário da ação. Outros requisitos. Conclusão.
Caracterização do enriquecimento sem causa
1. A ação de enriquecimento, ou actiodeinremverso1 não é de largo uso entre nós.
Isto deve-se, em parte, ao sistema do nosso Direito vigente, que permite até mesmo se negue a existência da ação de enriquecimento; e os que a admitem hão de concordar em que sòmente podem fundamentá-la em fonte subsidiária do direito objetivo, e na mais remota de tôdas: princípios gerais de Direito.
Em muitos outros países, ainda quando não regulada por dispositivos especiais a condenação do enriquecimento injustificado, a literatura e a jurisprudência são mais abundantes, e a respectiva ação tem maior desenvolvimento. Todavia, pondera um civilista, esta teoria, “apparemmentsiprometteuse“, não é panacéia para todos os casos.2
2. Além do obstáculo, relativo ao nosso sistema, outro ainda existe a dificultar o desenvolvimento da ação de inremverso, o qual reside na própria natureza da condenação do enriquecimento, pois os casos típicos, os casos legítimos, que autorizam a respectiva ação, não são freqüentes, suposta a imprescindibilidade de vários requisitos exigidos pela disciplina dessa instituição.3
E muitas das hipóteses, havidas como de enriquecimento, na realidade não o são e resolvem-se por outras regras.
3. A instituição, porém, considerada em si mesma, revela-se profundamente justa e cristã,4 porque visa a impedir o enriquecimento de alguém à custa de outrem, sem justa causa, enriquecimentoêste que constituirá uma fonte de opressão na ordem privada, se a lei não remediar os casos. Acrescente-se que esta instituição não apresenta a contrapartida existente no instituto da lesão, o qual é debilitador do contrato.5
4. O assunto relativo ao enriquecimento vem despertando interêsse entre os juristas modernos. Não porque a condenação do locupletamento injustificado seja só dos nossos dias, certo, como é, que ela consta de muitos textos do Direito Romano6 largamente discutidos pelos monografistas,7 não sendo menos exato que o assunto preocupou filósofos e legisladores ainda mais antigos.8
Todavia, a caracterização perfeita do enriquecimentosemcausa, e, bem assim, a sua ampliação, o aproveitamento de tôda a sua energia, cujo resultado prático é a ação, isto está sendo obra dos juristas modernos, assim no campo da elaboração da (teoria, como no das suas aplicações.
DEMOGUE, ao prefaciar a obra de ilustre monografista sôbre o assunto,9 refere-se aos estudos dos juristas, neste setor, de 25 anos para cá, o que vale dizer, a partir do comêço dêste século, levando em consideração que a obra é de 1925.
O mesmo observa outro insigne civilista.10
A fase moderna, porém, que se caracteriza pela condenação do enriquecimento sem causa, mediante um preceito legal de ordem genérica, começou um pouco antes, a saber, com o Cód. Federal das Obrigações, de 1881.
O Cód. Civil alemão, promulgado em 1896, deu ao assunto grande importância e desenvolvimento. Daí o ser muito citado a respeito. Mas é posterior, de 15 anos, àquele Código suíço, de 1881, que, no art. 70, rompera com a tradição, estatuindo, em fórmula genérica, a condenação formal do enriquecimento sem causa, com a conseqüente obrigação de restituir.
Já se observou que, diploma muito antigo, a Lei das Sete Partidas, previra e condenara o locupletamento injustificado.11
Realmente, há isso na referida lei, mas tal principio figura entre as 37 regras de Direito, que constituem uma parte da sétima partida, regras essas em sua maioria reproduzidas do “Digesto”, Deregulisiuris.
O texto é êste: “E aun dixeron que ninguno non deve enriquecerse tortizeramente con daño do otro“.12
Estas regras tinham, é verdade, fôrça de lei, como está dito no início do Título XXXIV, salvo no caso de conflito, porque então “deve ser guardado lo que la ley manda, e non lo que la regla dice“.
De qualquer modo, porém, o movimento renovador não derivou daquela regra, ali consignada entre as demais de Direito.
Ela não deu origem a nenhum movimento nesse sentido, ao qual se prenda a ação de ira rem verso, como é entendida no Direito moderno.
Nem mesmo na extensa obra de SANCHEZ ROMAN,13 onde tão de espaço, êsse insigne jurista-historiador ocupa-se daquele monumento legislativo do século XIII e de outros diplomas antigos que regeram o seu Pais, nem mesmo aí se encontra qualquer dissertação no sentido de considerar aquela regra como o marco inicial do movimento renovador.
O sistema clássico e as idéias inovadoras
5. O sistema clássico, ainda vigente na maioria dos países, inclusive no nosso, também condena o enriquecimento injustificado, porém o faz casuisticamente, ou seja, procurando impedi-lo, onde quer que possa manifestar-se.
Ao sistema moderno filia-se o Código das Obrigações (suíço) promulgado em 1911, como complemento do Código Civil (Livro quinto). O art. 62 mantém, com as mesmas palavras, o art. 70 do Cód. Federal das Obrigações, de 1881.
E ainda outros Códigos, como o alemão, arts. 812 e segs., o soviético, consagrando a regra no art. 399, o japonês, o mexicano (único, queremos crer, na América do Sul e Central).
Ao sistema moderno pertencem, também, o nosso Anteprojeto de Cód. de obrigações, arts. 143 e segs., o Projeto de reforma do Cód. Civil argentino,14 e o Projeto franco-italiano de Cód. de Obrigações, anterior à guerra, e hoje abandonado.15
6. Os Códigos que seguem o sistema tradicional procuram coibir o enriquecimento sem causa, onde quer que se apresente. Donde se poder dizer que tal proibição informa todo o sistema.
Exemplificam os civilistas, em geral, com os textos referentes a êsses casos, dos quais podemos apontar alguns, tendo em vista o nosso Código.
O possuidor, ainda que de má-fé, tem direito às despesas de produção e custeio, o que impede o enriquecimento do proprietário reivindicante (Cód. Civil, artigo 513). A solução contrária só se justificaria como pena imposta ao possuidor de má-fé, o que escaparia às atribuições normais do Direito Civil, entre as quais não se conta a de punir.
O possuidor, ainda que de má-fé, não responde pela perda da coisa, quando prove que ela do mesmo modo se perderia se estivesse em mãos do reivindicante (Cód. Civil, art. 515). A solução contrária produziria enriquecimento injustificado para êste. Caso semelhante nos depara o art. 1.332, relativo à responsabilidade do gestor.
Idêntico é o ponto de vista do legislador ao estatuir sôbre o pagamento indevido (Cód. Civil, arts. 964 e segs.), sôbre a indenização por avulsão (Código Civil, art. 541), sôbre a atribuição da propriedade ao especificador, em certos casos de especificação irredutível, a fim de evitar que, com a espécie nova, se enriqueça o dono da matéria-prima (Código Civil, art. 613). A lei aqui justifica a deslocação do direito, que passa do proprietário para o especificados; mas não justifica a deslocação patrimonial, uma vez que obriga êste último a indenizar.16
Ainda: o reembolso das despesas feitas pelo gestor (Cód. Civil, art. 1.339), as medidas contra o enriquecimento do incapaz (Cód. Civil, art. 157, parte final), e inúmeros outros casos esparsos no Código Civil.17
Lembraremos, ainda, no Direito Comercial, a hipótese prevista no art. 48 da lei n. 2.044, de 31 de dezembro de 1908: locupletamento relacionado com a desoneração da responsabilidade cambial.
Outro exemplo, muito típico, encontramos no dec. n. 24.150, de 20 de abril de 1934 (Lei de Luvas), que, em seus considerandos preliminares, terceiro, quarto e quinto, faz referência expressa ao enriquecimento injustificado, que essa lei visa a coibir.
7. Afora as hipóteses que a lei preveniu, onde o enriquecimento é vedado, os sistemas tradicionais regulam também a repetição do que foi pago, sem que o devesse ser, sendo esta a mais ampla defesa contra o enriquecimento injustificado, conquanto incompleta, aos olhos dos juristas modernos.
A repetição do indevido ramifica-se nas condictiones, correspondendo, cada uma delas, a uma hipótese diferente, mas unificadas por um elemento comum, que é a ausência de justa causa.18
Assim, a condictiocausadatacausanonsecuta, tendo em vista a repetição do que se deu para um fim lícito, que não se realizou.19
A condictioobturpemvelinjustamcausam, quando o fim visado é ilícito ou imoral. Esta condictio não se entende com o disposto no art. 971 do Cód. Civil, que assim reza:
“Não tem direito à repetição aquêle que deu alguma coisa para obter fim ilícito, imoral, ou proibido por lei”.
Aqui, a torpeza é de ambos: enquanto que aquela condictio remediava a situação do solvens inocente, contra a torpeza do accipiens, como na hipótese em que êste recebesse dinheiro para não matar ou difamar o solvens, ou recebesse juros usurários.20
A condictioindebiti, que se dá quando, sendo voluntário o pagamento, houve êrro por parte do solvens.
A respeito dispõe o Cód. Civil no artigo 665:
“Ao que voluntàriamente pagou o indevida incumbe a prova de havê-lo feito por êrro”.
O êrro pode ser de direito ou de fato. A alegação da ignorância, da lei, que o direito repele, é a de quem visa subtrair-se à sua sanção, sob o fundamento de que ignorava a lei. Aquêle que, na suposição de existir lei, ou, interpretando-a erradamente, paga o que não deve, está visto que pode repetir.21
Quanto à voluntariedade “ao que voluntàriamente pagou”, deve ela ser entendida em têrmos. A coação torna involuntário o pagamento, mas nem todo pagamento involuntário está viciado de coação.22
8. O Cód. Civil alemão chegou à fórmula do art. 812 (infra, nota 25), após uma evolução através das condictiones, que constavam do Projeto.
Tratava êste das várias condictiones, do Direito Romano, terminando por uma regra geral.
Eram elas a condictioobrem da qual a condictioindebiti era uma aplicação, – condictioobcausamfinitam; a condictioobturpemcausa e, finalmente, a condictiosinecausa.
O Código contentou-se com esta, porque, sinecausa, querendo dizer sem causa que justifique, tal condictio dispensava as demais.23
Aliás, à condictiosinecausa já se assinalava esta mesma função no Direito Romano.24
O Cód. Civil alemão aceitou a condictiosinecausa no seu sentido mais desenvolvido de modo a que correspondesse à fórmula desejável para a condenação do enriquecimento sem causa.25
A expressão dequalqueroutromodo é muito compreensiva e ampla, pois abrange qualquer enriquecimento, abstração feita de um fato do empobrecido.
Quando fala na restituição, o Código evita a palavra coisa, cujo sentido é mais restrito.
Finalmente, emprega a locução à custa de, para o fim de alargar a compreensão do texto, porque, uma coisa é alguém enriquecer-se por fato de outrem (idéia estreita); outra, é enriquecer-se à custa de outrem, o que pode prescindir de um fato do empobrecido.
Esta é precisamente a razão por que a locução à custa de, que não constava do Projeto, teve ingresso no Código.26
Tal expressão está hoje consagrada: Cód. das Obrigações (suíço); art. 62, nosso
Anteprojeto de Cód. de Obrigações, artigo 143, e outros diplomas.
Em França, sempre que se cogita de enriquecimento, é essa a expressão corrente: “audépensde“, a começar pela tradução do texto de POMPÔNIO (“Digesto”, 50, 17.206), que nos oferece antigo autor.27
9. É interessante notar que tem havido sempre ampliação no que concerne à condenação do enriquecimento sem causa.
A condictiosine causa já tinha, no Direito Romano, sentido muito amplo.
Os civilistas, porém, nas fórmulas de que usam, ligam muitas vêzes o enriquecimento à aquisição de uma coisa.28
M. I. CARVALHO DE MENDONÇA, que aliás pouco se ocupou do enriquecimento sem causa, alvitrou uma fórmula, que lhe pareceu muito larga.29
Todavia, ela reporta-se a qualquer fato do homem, que traga enriquecimento a outrem.
Atualmente, porém, a fórmula desejável já não é essa, uma vez que o enriquecimento de alguém pode prescindir de umfatodeoutrem, razão por que os Códigos evitam de falar em fato de outrem, em suas fórmulas.
Do fundamento da condenação do enriquecimento injustificado
10. Grande número de autores fundam na eqüidade a condenação do enriquecimento injustificado.30
Outros há que se reportam à idéia de causa; outros aproximam o instituto do enriquecimento do instituto da reparação do dano; outros prendem-se à idéia de equilíbrio dos patrimônios; ainda há outros pontos de vista.
G. RIPERT ET TEISSERIE ensaiaram um fundamento relacionado com a teoria do risco criado, fundamento êsse que RIPERT mais tarde abandonou.31
O fundamento, por êle ùltimamente proposto, é a Moral.32
BARASSI prefere apoiar-se nos princípios gerais, rejeitando, expressamente, a eqüidade.33
Também se invoca a Justiça, pròpriamente tal. Falando da devolução daquilo com que alguém se enriqueceu, observa um autor: “O direito cria uma obrigação; de outro modo, não asseguraria verdadeira justiça”.34
Aludem outros à razão: “Il notissimo principio di razione…”35 TRABUCCHI prende-se à idéia de causa, cuja importância êle acentua na teoria das obrigações.36
HENRI DE PAGE, concordando em que o fundamento ordinàriamente aceito pela doutrina e jurisprudência é a eqüidade natural, segue, entretanto, a opinião de DÉMOGUE, que se prende à necessidade da segurança estática das fortunas.37
COLIN ET CAPITANT, depois de examinarem e repelirem outros fundamentos, preferem dizer, com POTHIER, que a obrigação de restituir, criada pelo enriquecimento sem causa, é uma regra de eqüidade, de origem e de alcance costumeiros. O seu fundamento, pois, vem a ser o costume, “c’est-à-dire la jurisprudence“.38
11. Nós não pensamos que o costume possa ser fundamento da condenação do enriquecimento, no sentido da nossa indagação, que vem a ser o fundamento último da norma. O costume pode ser fundamento no sentido de esteio do pedido. Costume como parte integrante do ordenamento.
Mas não é o fundamento último.
Assim como indagaríamos do fundamento da lei, necessário seria fazer o mesmo com relação ao fundamento também do costume.39
Nós entendemos que as indagações, neste caso, para o fim de esclarecer se o fundamento remoto da condenação do enriquecimento injustificado está na moral, ou está na eqüidade, ou no direito natural etc., nós julgamos que tais indagações acusam o suplício de que padecem os juristas filósofos, preocupados em emprestar a uma ciência metafísica o grau de precisão de uma ciência física.
Mesmo nas ciências físicas, nem sempre a certeza se adquire sem demoradas investigações, bastando considerar que os próprios reinos da natureza, nos seus confins, onde um delimita com outro, oferecem dificuldades para o classificador empenhado em os estremar.
Ora, ainda que haja noções diversas para a moral, a eqüidade, o direito natural e os princípios gerais, o certo é que, nos seus extremos, a confusão aparece, sempre que se trata de descobrir o fundamento último de um instituto, ou, mais particularmente, de uma regra social.
Acresce que o fato de ter um fundamento não impede que tenha outro, podendo uma só e mesma regra originar-se de um daqueles princípios, sem excluir outro.40
12. Para nós, o fundamento mais diretamente relacionado com a condenação do enriquecimento, esteja ela expressa, ou simplesmente latente no ordenamento, é a Moral.41
Quanto ao fundamento próximo, ou seja, o fundamento do pedido, êste entende-se com: o enriquecimento sem causa emsentidoestrito, ou seja, com a ação de enriquecimento, e dêle nos ocuparemos a seguir.
DA “ACTIO DE IN REM VERSO”
Do fundamento da ação
13. Começaremos por examinar o fundamento da ação de enriquecimento, já agora em face do Direito Positivo.
Diante dos sistemas que, através de uma regra geral, condenam, de modo explícito, o enriquecimento injustificado, como o suíço e outros, não há problema, neste particular.
Supostos os fatos que autorizam o pedido, o seu fundamento está no texto de lei, expresso a respeito.
Mas, qual o fundamento, quando não há texto, como sói acontecer, aliás, na grande maioria dos sistemas vigentes?
Esta questão separa os juristas em dois campos: uns, levados justamente por esta ausência de texto, negam a possibilidade de obter alguém aquilo com que outrem se tenha enriquecido à sua custa.
Negam a ação de enriquecimento, de caráter subsidiário.
E defendem o seu ponto de vista dizendo que o legislador, por meio de dispositivos expressos, fechou a porta ao enriquecimento, sempre que o quis impedir, tendo, assim, esgotado os casos que entendeu de repudiar.
Certamente, o enriquecimento se manifestará, aqui ou ali, além dos casos previstos; mas, se não estiver condenado de modo explícito, estará, só por isso justificado.
Poderá haver obrigação moral de devolver; outros falam em obrigação natural; não obrigação jurídica, e, por isso mesmo, não haverá ação.
Aludindo a êste ponto de vista, usa RIPERT de uma imagem, figurando a condenação do enriquecimento como um rio subterrâneo, que ninguém vê, e cuja função é alimentar aquêles casos de enriquecimento, previstos pelo legislador.
E passa a examinar a tese.
São escassas as hipóteses previstas? Criem-se novas regras. Fora dai, a devolução será cumprimento de obrigação natural.42
14. Os que negam que possa alguém reclamar com fundamenta no enriquecimento alheia o fazem por entender que os casos de locupletamento encontram sempre remédio na lei, através dêstes ou daqueles institutos, destas ou daquelas normas explícitas. Se o caso não está previsto em lugar nenhum, é que o legislador o quis tolerar.
15. Em França, a doutrina dos antigos escritores sôbre o enriquecimento injustificado era escassa e, segundo PLANIOL, foram AUBRY ET RAU os primeiros que procuraram sistematizar o assunto.43
Quanto à jurisprudência, a ação era negada, até o célebre acórdão de 15 de junho de 1892 (Cassação), ao qual todos os civilistas se reportam, decisão essa que foi o ponto de partida da mudança de orientação.44
16. Na Itália, a questão não era pacifica, sob o Código de 1865.
Por ocasião dos trabalhos preparatórios do Código de 1942, PIOLA CASELLI, da Comissão da Assembléia Legislativa, falou de uma larguíssima corrente orientada no sentido da possibilidade da ação,45 o que deixa supor opiniões em contrário, às quais, aliás, se refere UGOLINO ANICHINI, em trabalho posterior ao Código (ob. cit., pág. 204).
Igualmente, um notável professor da Universidade Católica de Milão, escrevendo depois que o Projeto, no art. 73, havia recomendado a ação de enriquecimento, ainda se manifestava contrário a considerar o enriquecimento injustificado como fonte autônoma de obrigação: “O noi andiamo erratti o la contraria opinione sovverte tutto il sistema delle fonte delle obbligazioni“.46
17. Entre nós, não obstante os precedentes dos Códigos suíço e alemão, seguidos tão de perto pelo Projeto CLÓVIS, não quis o seu autor os imitar, neste ponto.
E nessa idéia êle se manteve, pois continuou sempre contrário a uma fórmula geral acêrca do enriquecimento, por julgar isso desnecessário, como se vê da sua explanação sôbre o assunto, em época bem posterior.47
Em sua dissertação para concurso, à mesma conclusão chegou o Prof. JORGE AMERICANO.48
18. Todavia, o ponto de vista da existência da ação de inremverso, com caráter subsidiário, é hoje, inquestionàvelmente, o vencedor, ainda na ausência de texto expresso.
Assim é na França, na Espanha, na Argentina, e em outros países, entre os quais se inclui o nosso.
Vimos que, por ocasião dos trabalhos em tôrno do novo Cód. Civil italiano, pesou muito a larguíssima corrente doutrinária e jurisprudencial, favorável ao uso da ação de enriquecimento.
E quando foi promulgado o Cód. Civil, em 1942, o exercício daquela ação era tão largo, que se apregoava a eficácia retroativa do novo Código, nesse ponto, visto como as disposições a respeito deviam ser consideradas de caráter declarativo.49
Objeções contra a ação de enriquecimento
19. Nenhuma objeção plausível existe contra a existência da ação de inremverso em nosso sistema.
Dizer que o número de casos, que exigiria a ação, é exíguo, porque, em regra, há outras soluções, é fazer afirmação verdadeira, mas que redundará em negar remédio para êsses casos, embora raros. Será o inverso do lex dat semper remedium.
Por outro lado, o sentimento elementar de justiça reclama a condictiosine causa em têrmos amplos.
Não admiti-la, seria emperrar o progresso do Direito no remediar as injustiças, e daí o reconhecê-la a doutrina e a jurisprudência, nos países onde não há texto expresso a respeito;
20. Também não haveria argumentar com a falta de fundamento para a ação, visto como a inexistência de fonte principal (a lei) é suprida, normalmente, pelas fontes subsidiárias integrantes: a analogia, o costume e os princípios gerais.
21. Para pedir é indispensável mostrar que o direito subjetivo, de quem pede, tem assento no direito objetivo, seja a lei, seja uma fonte subsidiária.
Nos sistemas em que há dispositivo expresso, o fundamento é a própria disposição de lei.
Onde não há, como entre nós, é fôrça recorrer às fontes supletivas; de acôrdo com a Lei de Introd. ao Cód. Civil.50
22. A analogia pode servir de fundamento ao pedido, quando o caso que surgir guarde semelhança com um daqueles previstos na lei.
Mas, em sua infinita variedade, dificilmente êle guardará a necessária similitude, com outro, especialmente previsto.
Mais difícil, ainda, seria encontrar um costume, com todos os requisitos que a doutrina exige para o seu aperfeiçoamento, de modo a ter a fôrça de regra obrigatória: longo uso e opinião de que se obedece a uma regra de Direito.
A falta, porém, de caso análogo ou de costume não subtrairá ao interessado o fundamento, de que depende, pois os princípios gerais de Direito o socorrem (citado art. 4° da Lei de Introd. ao Código Civil).
Por outro lado, é inquestionável que a condenação do enriquecimento injustificado é principio geral de Direito, porque, com maior ou menor extensão, ela tem sido recomendada por todos os sistemas, no tempo e no espaço.
Efetivamente, ainda quando não conste de lei, de modo expresso e genérico, aquela condenação tem sempre lugar importante, como fonte de obrigação, nos sistemas dos países adiantados, donde ser um princípio geral de Direito.51
23. Argumentam os adversários do instituto com a sua desnecessidade, afirmando ser prescindível a ação subsidiária de enriquecimento, uma vez que os casos sempre se resolvem por outro modo.
E quando nenhuma solução houver, será porque o legislador não quis providenciar a respeito.
Concordamos em que os casos típicos, que não se resolvem por outros modos, mas requerem a ação de enriquecimento, são mais raros do que possa parecer à primeira vista.
Com efeito, o legislador coíbe o locupletamento injustificado, sempre que o pode fazer. E, em tais casos, a ação será a que na hipótese couber.
Também é certo existir uma grande válvula, que é a repetição do pagamento indevido.
Não há dúvida que isso tudo reduz os casos de ação de enriquecimento.
24. Outras vêzes, a figura não se aperfeiçoa, por falta de um requisito, mais freqüentemente, por falta de injusta causa, o que torna lícito o enriquecimento, ficando, também aqui, afastada a possibilidade de ação.
Exemplo de um caso desta natureza: o recebimento de pena convencional superior ao montante do prejuízo.
Ora, nenhuma ação de enriquecimento seria admissível aqui, uma vez que teria havido justa causa para reter (Cód. Civil, art. 927).
Suponhamos o caso do locatário de prédio rural que planta, depois de condenado a entregar.
Já se decidiu que, empossado o proprietário, contra êle não cabe ação de enriquecimento, pelo beneficio que retire daquelas plantações.52
Aliás, em nosso Direito, o enriquecimento do proprietário, em tal caso, encontraria fácil justificativa nos arts. 547, última parte, e 491 do Cód. Civil,53 pelo que o proprietário nada teria que restituir, ainda que enriquecido. A lei tolera o enriquecimento.
Como se vê, a ação subsidiária mostra-se, ainda aqui, desnecessária.
25. Também inútil será ela na hipótese inversa do último exemplo, isto é, quando a lei, prevendo o enriquecimento, conjura-o, impede-o, não o tolera.
Como exemplo, serve o do possuidor que, ainda no caso de má-fé, tem direito às despesas de custeio (Cód. Civil, art. 513).
Também aqui desnecessária se mostra a ação de enriquecimento, bastando a que decorre daquele texto.
26. Outras vêzes, o rigor na apreciação de seus requisitos faz desconfiar da sua utilidade, porque lhe rareia os casos de aplicação, como no exemplo seguinte.
Certo hoteleiro costumava levar seus hóspedes turistas, mediante paga, a passear num sitio aprazível, onde penetravam por um rio particular, pertencente, portanto, aos proprietários ribeirinhos.
Tempos depois movem êstes ação de enriquecimento contra o hoteleiro.
O enriquecimento era evidente. Todavia, o hoteleiro foi absolvido, porque se entendeu que êle se amparava em justa causa, a qual teria consistido na tolerância dos proprietários ribeirinhos.54
Como se vê, ora é o fato de existir ação para o caso, ora é o rigor dos princípios a impedir o uso da ação de enriquecimento.
27. Todavia, a ação, embora de âmbito reduzido, não pode ser dispensada.
Êste último caso, como vimos, naufragou pela tolerância; teria havido (ao nosso parecer) manifestação da vontade pelo silêncio, ou consentimento tácito, porém, de qualquer forma, consentimento, o que exclui o requisito da injusta causa.
Mas suponhamos que os proprietários ignorassem o fato, por estarem ausentes, ou por não residirem no local, e já então a justificativa da tolerância desapareceria, e o caso passaria a comportar a ação subsidiária, por falta de outra.55
O médico que acode, numa estrada, alguém que sofreu acidente e se acha impossibilitado de manifestar a sua vontade, não poderá cobrar honorários com base em contrato.
E de que ação se valerá?
Há os que entendem que o caso caberia na gestão.56 Mas, tal ponto de vista não é pacifico.
28. Acresce que, para acolher um instituto, não é preciso que êle seja indispensável; basta que se revele útil.
Até ontem nos arranjávamos sem o mandado de segurança; já agora ninguém o dispensa.
Do mesmo modo, os que se batem pela posse dos direitos pessoais fundam-se em que não só a posse das coisas deve ter defesa, abstração feita do direito do titular (juspossessionis e não juspossidendi), mas também devem ter defesa as demais situações de fato, abstração feita do Direito. Defesa pronta e rápida, de modo a que a situação de fato se mantenha, ainda que provisòriamente.
Por outras palavras: o possuidor de coisa ou de direito real discute o seu pretendido direito, mantido provisoriamente na posse; pela mesma razão, o titular de um direito pessoal impugnado deverá poder discutir o seu pretendido direito, mantido, a título provisório, na situação em que se acha.57
Ora, ainda os partidários desta teoria terão que argumentar mais com a utilidade do instituto, do que com a sua imprescindibilidade.
A objeção, pois, de que poderíamos passar sem a ação de inremverso, por não ser imprescindível, não é de acolher-se, bastando que seja útil.58
É certo que a ação de enriquecimento não era admitida em França, até 1882, quando surgiu o acórdão revolucionário, q que os civilistas em geral se reportam.
Mas a prova da falta que fazia está n. fato de que era utilizado como sucedâneo o instituto da gestão59 para êsse fim deformado, de modo a abranger os casos de enriquecimento, que transbordavam da gestão.
Tal como se fazia entre nós, com o habeascorpus, antes de haver o mandado de segurança.
Para justificar a ação de enriquecimento, basta ponderar que, sem ela, muitos casos ficariam sem solução.
29. É de se observar que os que a combatem são, via de regra, aquêles que entendem que fora dos casos expressamente reprimidos o enriquecimento não é injustificado, e, portanto, a ação não caberia, por falta do requisito injustacausa.
E para os casos expressamente previstos, a ação de enriquecimento seria inútil, pois o interessado demandaria pela ação que na hipótese coubesse. Dêste modo, nunca haveria lugar para a ação subsidiária.
Mas o raciocínio, é falso.
Não há dúvida que há casos de enriquecimento que a lei expressamente justifica (por exemplo, o que resulta de contrato aleatório).
Outros há, que a lei expressamente repudia (por exemplo, enriquecimento do incapaz que tirou proveito do pagamento a êle feito).
Finalmente, há os outros casos, não tolerados, nem repudiados, de modo explícito.
Ora, por que havemos de raciocinar que êstes casos são de enriquecimento tolerado, pelo fato de não terem sido repudiados?
Nós preferimos raciocinar às avessas: “êstes casos são repudiados, porque a lei não declarou que os tolerava”.
No silêncio da lei não podemos favorecer o enriquecimento sem justificativa, e isso por uma série de motivos, com base no nosso sistema e nos princípios cardeais do direito universal, que vêm orientando, nesse sentido, as legislações dos povos cultos.
DOS REQUISITOS DA AÇÃO DE ENRIQUECIMENTO
30. Os civilistas enumeram os requisitos indispensáveis ao exercício da ação de enriquecimento, não havendo perfeita uniformidade de opiniões.
Alguns autores são mais sintéticos, por entenderem que êstes ou aquêles requisitos não merecem destaque, visto já se acharem compreendidos em outra categoria. O requisito relativo ao caráter subsidiário da ação é bastante discutido.
Ocorre, ainda, que algum requisito merece contemplado, por dizer respeito à quase totalidade dos casos; mas não se poderia considerar como essencial, ou elementar, visto dêle se poder prescindir em algumas hipóteses especiais.
O mesmo se dá com o dano indenizável, que; exigindo três requisitos: o prejuízo, a culpa e o nexo causal, só êste último é indispensável, em todos os casos, pois o prejuízo pode falhar (cláusula penal), idem a culpa (responsabilidade pelo risco).
31. Tendo em vista o enriquecimento, os requisitos a que se reportam os civilistas, em sua maioria, com algumas variantes, são os seguintes: a) enriquecimento; b) empobrecimento; c) nexo causal entre aquêle e êste; d) ausência de justa causa;60 e) caráter subsidiário da ação, que outros autores, com razão, exigem.61
Passemos a examinar cada um dêstes requisitos.
32. O enriquecimento é requisito essencial, tomada aquela expressão em seu sentido amplo.
Poderá consistir, e é o mais freqüente, na deslocação de um valor, de um para outro patrimônio; num dano evitado; na inutilização da coisa própria; numa diminuição de despesa; na transmissão da posse (condictiopossessionis); numa remissão de dívida; em serviços prestados; em algum benefício moral com valor pecuniário; enfim, na incorporação ao patrimônio de um elemento material ou imaterial.62
O enriquecimento tem o mais amplo sentido, compreendendo qualquer aumento do patrimônio, ou diminuição evitada, e até vantagens não patrimoniais, desde que estimáveis em dinheiro.
33. Como se trata de devolução por enriquecimento, e não de indenização por dano, deve aquêle existir no momento da ação.
Se existiu, mas cessou, em regra, não há o que devolver. Não confundir esta hipótese com a substituição da coisa, pois, se ela não existe, por ter sido alienada, será êste um caso de sub-rogação no preço.63
Também a boa-fé e a culpa exercem influência na restituição da coisa, segundo consta dos Códigos e da exposição dos doutrinadores.
34. No que toca à estimativa, para o efeito da restituição, em regra há correspondência de valor entre o enriquecimento e o empobrecimento.
Quando não há, ensinam alguns mestres que a devolução não pode ser superior ao enriquecimento,64 ao contrário do que se passa no caso de dano, onde a medida é o desfalque.
Por essa razão, se o empobrecimento fôr superior ao enriquecimento, perde o empobrecido.
Êste ponto de vista é exato mas não é completo.
Com efeito, se o enriquecimento for superior ao empobrecimento, que acontece? Suponha-se: enriquecimento doze e empobrecimento dez.
A medida será então o empobrecimento, porque, de outra maneira, o empobrecido passaria a enriquecido, recebendo além do necessário para o reequilíbrio do seu patrimônio.
O ponto de vista que nos parece acertado é o dos autores que mandam que se considere o menorvalor.65
35. E qual o momento em que se fixa o montante do enriquecimento?
O enriquecimento pode crescer ou decrescer, com o tempo; os fatôres boa e má-fé, culpa ou ausência de culpa podem intervir e, conforme o caso, poderá ter desaparecido o enriquecimento.
Ensinam muitos autores que o momento da fixação do valor é o da propositura da ação,66 tendo a sentença efeito retroativo, conforme conhecido princípio de processo.67
Há quem pense que o momento é o do início do enriquecimento.68
Quer nos parecer que as hipóteses comportam soluções várias, dependendo isso de certos fatôres, nomeadamente a culpa e a boa ou má-fé do enriquecido.
Finalpag. 57
O Cód. Civil alemão fixa o momento da litiscontestação (art. 818). Mas abre exceção para o caso de conhecimento inicial, por parte do enriquecido, da ausência de justa causa, ou quando êle contrarie prescrição legal ou os bons costumes.
O Cód. Civil soviético determina, no art. 400: “Aquêle que enriqueceu indevidamente é obrigado a reembolsar ou indenizar por todos os proveitos que tirou – ou que devia tirar dos bens recebidos indevidamente, a partir do momento em que conheceu ou devia conhecer o defeito da causa do enriquecimento, ficando responsável pela deterioração do bem, culposa ou causal, desde a data em que teve conhecimento do defeito de sua posse, ficando, porém, com o direito de exigir o reembôlso das despesas necessárias, a datar do momento em que é obrigado a restituir os produtos” (NONATO CRUZ, “Códigos Civis dos Sovietes”).
Estas regras são mais adequadas ao nosso sistema.
A perda da coisa, os frutos que produziu, a dissipação do enriquecimento por imaginar o enriquecido que gastava o que era seu, essas e outras circunstâncias que envolvem cada caso, modificam a solução a ser dada, de acôrdo com as regras analógicas e o sistema.
36. O requisito do empobrecimento é exigido pelos doutrinadores, em geral.69
Querem alguns que haja uma deslocação patrimonial, isto é, a transferência de um valor econômico de um patrimônio para outro. Neste sentido PLANIOL, que defende empenhadamente êste ponto de vista.70
Outros há que fazem referência a essa deslocação de valor, de um patrimônio para outro, mas sem lhe dar um sentido ao pé da letra.
Assim, por exemplo, REZZÓNICO, que alude ao desplazamiento, admitindo, todavia, que possa êle consistir num fato do homem,71 sem o rigor, portanto, que lhe empresta PLANIOL.
O empobrecimento pode consistir numa diminuição efetiva do patrimônio, ou no fato de ter sido impedido o seu aumento, em simetria com o dano emergente e o lucro cessante.
Empobrece quem pagou, indevidamente, como empobrece o médico ou o advogado, que nada recebeu, pelos serviços prestados.
Falando do empobrecimento, isso mesmo observam os irmãos MAZEAUD, em recente livro.72
Como o conceito de enriquecimento é muito vasto, em correspondência com isto é também extenso o de empobrecimento, segundo se vê dos exemplos com que os autores ilustram as suas dissertações.73
37. Não é necessário que o patrimônio do empobrecido registre propriamente uma baixa de valor, que pode não existir, por exemplo, no caso de serviços prestados.
Vem daí o dizer-se que o empobrecimento é requisito que excepcionalmente pode faltar; ou então devemos dar ao têrmo um sentido que foge ao conceito que êle tem na teoria do patrimônio.
Êste é o caso de quem deu uma preciosa informação, ou prestou um serviço de grande valia para o enriquecimento, mas que nada custou a quem o fêz, a não ser uma mínima perda de tempo.
Suponhamos alguém que remete a certa pessoa informações acêrca de um parentesco, permitindo, a quem a recebeu, candidatar-se a uma herança, ou mesmo investigar a paternidade; suponhamos informações positivas acêrca de se haver realizado uma condição da qual dependia certo ato jurídico para produzir efeitos, ou sôbre a existência, em certo lugar, de um tesouro, ou a revelação de um segrêdo, com reflexos patrimoniais.
Em qualquer dêstes casos o enriquecimento poderá dar-se, sem que se possa falar em empobrecimento, no sentido patrimonial.
E, a não ser na hipótese de espírito de liberalidade, terá havido enriquecimento à custa alheia, e portanto, sem causa justa para reter.
Aliás, a questão do empobrecimento por vêzes não se mostra muito nítida.74
Mais ainda: é idéia corrente na doutrina a de que não é indispensável que o patrimônio do que reclama registre uma baixa.75
O primeiro Projeto do Cód. Civil alemão falava no enriquecimento “que resulta do patrimônio de outrem”, enquanto que o Código, como já se viu, deu preferência à expressão “à custa de outrem”, expressão esta que permite não se considerar essencial o desequilíbrio entre dois patrimônios.76
Também haverá enriquecimento sem empobrecimento, quando alguém, trabalhando para si, beneficie a outrem.
É verdade que tais casos não têm sido considerados como de enriquecimento, por se entender que não há injusta causa para reter.
Do assunto nos ocuparemos adiante.
38. O nexo de causalidade, essencial para a existência do dano indenizável, o é, também, para o aperfeiçoamento da figura do enriquecimento sem causa.
Em regra, tendo em vista o que ocorre na maioria dos casos, há inseparabilidade entre o enriquecimento e o empobrecimento, mesmo porque, nas hipóteses ordinárias, existe a deslocação patrimonial.
Assim sendo, o enriquecimento de um explica o empobrecimento do outro, e viceversa.
E como os autores, ordinàriamente, apresentam esta correlação.77
39. Todavia, a matéria não deixa de propiciar problemas e pontos de vista, que não se conciliam.78
Ocorre às vêzes, como já se acentuou, que o empobrecimento, no sentido patrimonial, não existe (informação, revelação útil).
Em casos desta natureza, há quem pense (BONNECASE) que, para explicar o empobrecimento, seria preciso encarar o patrimônio como “lapuissanceéconomiqued’unepersonnalité“; e GORÉ, que o cita, entende não ser preciso alterar a concepção de patrimônio, admitindo, em tais casos, o empobrecimento extrapecuniário.
Tem-se entendido, também, que, se o enriquecimento tiver tido por origem o trabalho de outrem, agindo êste no seu próprio interêsse, não terá havido empobrecimento.
Ora, admitida a falta de empobrecimento, aí surge uma dificuldade para a explicação do nexo, que supõe, necessàriamente, dois têrmos.
40. Não aceita FRANÇOIS GORÉ a relação de causa e efeito, entre o enriquecimento e o empobrecimento, entre um e outro patrimônio, como quer DEMOGUE, Pelo menos, não aceita como fórmula, já que não compreenderia todos os casos. Para êle, a correlação-é entre o enriquecimento e um fato. O fato é que diz respeito ao enriquecimento e empobrecimento, ao mesmo tempo.
41. Também assim entendemos nós. Via de regra, a correlação é entre o enriquecimento e o empobrecimento.
Mais restritamente ainda: aumento de um patrimônio à custa de outro (GRAZIANI e outros autores, sem esquecer a velha teoria de AUBRY ET RAU sôbre a condenação do enriquecimento injustificado, a qual, segundo DÉMOGUE, tem sido interpretada como baseada na necessidade da segurança estática das fortunas).
Mas, de modo preciso e rigoroso, a correlação há de se considerar entre o enriquecimento e um fato que se ligue à outra parte.
É a teoria chamada da indivisibilidade de origem.79
Explicando a expressão a expensas de outro, do Cód. Civil alemão, diz ENNECCERUS significar isso que o lucro e a perda devem derivar de uma só e mesma circunstância.80
O indispensável é que exista uma interdependência. Se o enriquecimento de alguém não se relacionar com o empobrecimento de outra pessoa, nem com fato seu, nem com alguma circunstância que de qualquer modo lhe diga respeito, ainda que negativamente, o requisito do nexo terá falhado.
Será então um caso de enriquecimentooriginário.
4-1. A justa causa é o requisito que demanda maiores considerações e acêrca do qual já se disse ter sido mal estudado por juristas, assim antigos como modernos.81
Que é causa, na teoria das obrigações?
A teoria da causa é muito discutida no Direito francês, pois o Código a considera um dos elementos do contrato.82
Em mais de um sentido pode ser tomada a palavra causa: no de motivo determinante do ato, e no de causa final, fim imediato, que as partes têm em vista.
43. No sentido de motivo, ela é a razão íntima que leva alguém a contratar.83
Vejamos, agora, o sentido de razão explicativa da prestação. Cada uma das partes, ao contratar, objetiva algo: o vendedor quer o preço; o comprador, a coisa. O preço e a coisa são, respectivamente, a causa para um e outro. Causa, aqui, é objeto.
Vem a ser a contraprestação. Na doação, a causa, para o donatário, é a coisa; para o doador, a vontade de beneficiar e a correspondente satisfação de o fazer, e assim de outros contratos.
Esta a doutrina que em França se considera tradicional, defendida pelos causalistas, que assim explicam a causa como o quarto elemento do contrato.84
A causa é indispensável, no sentido de contraprestação.
É possível, na frase dos canonistas, prescindir das solenidades, não da causa:
“pactum nudum a solemnitate sed non nudum a causa” (LA GARDE, loc. cit.).
44. Em face do nosso Direito, causa, tomada como motivo determinante do ato, não exerce nenhuma influência no ato jurídico, exceto na hipótese prevista no art. 90 do Cód. Civil, onde o têrmo causa tem êsse sentido de motivo, ou razão que levou o agente a praticar o ato.
Só na acepção de objeto, ou fim imediato, ela desempenha papel em nosso Direito.
A não ser nos contratos abstratos ou formais, ensina LACERDA DE ALMEIDA, a causa ou contraprestação é essencial. Não existindo a causa, falta o objeto, o que afeta o próprio consentimento. E acrescenta o emérito civilista que só neste sentido se justifica a doutrina da causa nos contratos e atos. jurídicos.85
Aliás, ainda mesmo nos negócios formais, ou abstratos, tem que existir a causa, tomada nesta acepção. Apenas ela permanece oculta.86
Todavia, a defesa, fundada na sua falta, é inadmissível, nos negócios formais, como a letra de câmbio, pois o contrário lhe emperraria a circulação. Dai, não ser alegável, no âmbito da ação cambial.
Mas, ainda aqui, entende-se assim da defesa contra terceiros.87
Dissemos que no sentido de contraprestação (e não no de motivo psicológico) a causa desempenha papel e é mesmo elementar no negócio jurídico.
Ponderaremos, todavia, que nem por isso a julgamos um elemento autônomo, eis que se confunde com o objeto, essencial no ato jurídico (Cód. Civil, art. 82).88
Esta é a razão principal da insubmissão dos anticausalistas à teoria tradicional da causa. Não que a julguem desnecessária, mas compreendida em alguma das outras condições de validade dos contratos.89
45. Examinemos, agora, o sentido de causa em face da teoria do enriquecimento.
Os negócios abstratos ganharam grande impulso em face do Cód. Civil alemão, em cujo sistema, a maior parte dos títulos de aquisição, em matéria de direitos reais ou pessoais, apresentam o caráter de atos abstratos.90
Não obstante, ao disciplinar o enriquecimento injustificado, o Código, abandonando a teoria da versioinrem e a do arbítrio do juiz, cingiu-se à noção de causa (LEVY-ULMANN, loc. cit.).
Dentro da teoria do enriquecimento injustificado, a palavra causa, no sentir dos autores, tem, exatamente, a acepção que lhe empresta a doutrina clássica francesa, ou seja, a de contraprestação.91
Causa, portanto, é aquilo que pode explicar o enriquecimento; é a contrapartida. Se não há causa, ou se a causa não é justa, o enriquecimento está condenado.92
46. E quando é que a causa é justa?
Assunto essencial à teoria do enriquecimento é o que se prende a ser ou não justa a causa, o qual encerra muitas dificuldades, como se tem ponderado.93
A justa causa pode ter apoio em lei que autorize o enriquecimento; ou, num contrato, mais precisamente, num ato jurídico; ou ainda poderá justificar-se num fato originado da outra parte, hipóteses estas que merecem estudadas destacadamente.
47. Consideremos, primeiramente, a lei.
Se ela justifica o locupletamento, há causajusta, e a ação de enriquecimento deixa de ser viável.
A lei, em atenção a poderosas razões, deixa de fechar a porta ao enriquecimento, em numerosos casos.
Vejamos alguns exemplos:
a) A prescrição extintiva, e também a aquisitiva, chamada em nosso Direito usucapião.
Se, sob a alegação de enriquecimento, fôsse possível cobrar dívida prescrita ou reivindicar, depois de consumado o usucapião, tais institutos, o da prescrição e o do usucapião deixariam de existir.
b) A impossibilidade de anulação do ato por lesão, instituto que o nosso Código Civil desconhece, acusa outro caso de enriquecimento tolerado pela lei, sendo a razão a mesma: admitida que fôsse a ação de enriquecimento, por causa de lesão, ai estaria a lesão introduzida indiretamente no ordenamento.94
c) O rigor da forma acarreta essas mesmas conseqüências, quando a lei exige, por exemplo, prova documental para a demonstração da existência de certos atos: dívida acima de Cr$ 10.000,00, ordem dada ao construtor (Cód. Civil, artigo 1.246, infine). dispositivo êste último cujo rigor a jurisprudência tem procurado atenuar.
Nestes e em casos semelhantes, o enriquecimento ampara-se na lei, e aí está a justa causa.
d) Centras vêzes, não há essas razões imperiosas que se prendem à economia, deste ou daquele instituto.
Todavia, o legislador, por motivos vários, e às vêzes em caráter de emergência, o enriquecimento, que por isso mesmo não é sem causa.
É o que tem sucedido entre nós, com os inquilinos, que se enriquecem à custa dos proprietários (tomada a palavra “enriquecem” em seu sentido puramente econômico), sem que se possa, entretanto, ver nessas hipóteses o enriquecimento sem causa, certo como é, que, tolerado pela lei, o enriquecimento encontra nela, a sua justa causa.
O mesmo se diz dos juros da mora, taxados a 6%, alando os usuais são hoje muitíssimo superiores.
O mesmo, ainda, e com mais forte razão, se pode dizer do enriquecimento da, Fazenda Pública que sòmente paga juros depois que a decisão transita em julgado, por fôrça do iníquo decreto n. 22.785, de 31 de maio de 1933, artigo 3°.
Nestes e noutros casos, o enriquecimento encontra na lei a sua justa causa, ainda quando aquela é iníqua, o que é outro problema, já da esfera política (reforma da lei, direito a constituir-se).
48. Pode, também, o enriquecimento derivar do contrato, encontrando nele a sua justificativa.
a) Neste caso então os contratos aleatórios, como o de seguro, o de renda, etc., os quais, pela sua própria natureza, sòmente podem existir dentro de um ambiente propício ao enriquecimento de uma das partes.
b) A cláusula penal pode ensejar indenização superior ao prejuízo, e, mais ainda, indenização sem dano, uma vez que a cobrança da multa independe de prova de prejuízo, e até mesmo da simples alegação (Cód. Civil, art. 927).
E a razão está em que, se a discussão, em tôrno do prejuízo, fôsse possível, a cláusula penal, como instituto, perderia a sua razão de ser.
O mesmo pode dizer-se das arras.
c) Ainda que o contrato não propicie o enriquecimento, por sua natureza, porte produzir êsse resultado pelo desequilíbrio das prestações. Contra êste desequilíbrio o corretivo não estaria na condenação do enriquecimento e sim na lesão ou nos princípios que informam a teoria da imprevisão, quando o sistema permita usar dêsses remédios.95
49. Finalmente, há casos em que o enriquecimento encontra justificativa num fato de outrem.
Assim, quando alguém se aproveita das idéias e opiniões de um engenheiro; de um jurista, ou quando, por via, reflexa, vê aumentado o seu patrimônio por trabalhos de outra pessoa que agia no seu próprio interêsse. Nestes casos há, em regra (verinfra, ns. 51 e segs.), justa causa, que permite a retenção, ou, talvez melhor, não há injusta causa, que obrigue a devolver.
50. Há um caso em nosso Direito em que o enriquecimento permanece, muito embora sem causa justa. É quando alguém dá alguma coisa. vara obter fim ilícito, imoral ou proibido por lei (Cód. Civil, art. 971).
A repetição, aqui, não se poderia fundar na condictio ob turpem causa, que supõe a inocência do solvens (supra, n. 7).
Na hipótese do art. 971, a razão de não poder ser repetida a coisa dada consiste em não se admitir que alguém alegue a sua própria torpeza.96
O Cód. Civil português deu outra solução, impedindo, a um tempo, a alegação da própria torpeza e o enriquecimento de uma das partes.97
51. Um ponto que muito se destaca no estudo da justa causa, e, de um modo mais geral, nas especulações em tôrno da teoria do enriquecimento injustificado, pelo maior relêvo que lhe dá, é o que diz respeito ao enriquecimento que se origina de um fato de outrem, que o praticou no seu próprio interêsse.
Os autores, em regra, resolvem que, em tal caso, não cabe a ação de enriquecimento, uma vez que a pessoa trabalhou para si, e pois não há falar em empobrecimento.98
Uns argumentam com a ausência de empobrecimento; outros, com a ausência de injusta causa, uma vez que há causa justa para retermos aquilo que nos adveio obliquamente, em virtude de fato de outrem que, trabalhando para si próprio, acarretou-nos enriquecimento.
52. Nós pensamos do seguinte modo:
De um modo geral, admitimos, nestes casos, a justa causa para reter, comprometida ficando, por isso mesmo, a ação de enriquecimento.
Se alguém, para beneficiar-se, beneficia também a outrem, êste último gozará de uma situação parasitária, mas lícita.
A vantagem, de que êle passará a gozar, tem a mesma natureza da riqueza adquirida originàriamente, o que só por si exclui a ação de enriquecimento contra êle.
Ela adveio do acaso, da sorte, da boa fortuna. Mas há exceções.
Por, que, na divisão, os revéis aquinhoados não pagarão honorários ao advogado do promovente ? E nos inventários ? E na dissolução de sociedade ?
53. Situações destas existem, que parecem autorizar a ação de enriquecimento, cuja finalidade é justamente remediar certas injustiças, que escapariam à alçada de qualquer outro instituto.
Recorda DÉMOGUE o caso daquele que, construindo um dique, granjeou proveito para si e para outros.
E Dor que negar-lhe a ação de enriquecimento pelo menos naquilo em que a despesa que fêz exceda ao lucro ?99
Façamos, agora, outra suposição.
Dois proprietários de um só prédio querem vendê-lo por um certo preço, mas um dêles não se dispõe a pagar corretor, dificultando a venda.
O outro, não obstante, contrata corretor, e êste, logo após, descobre comprador, que vem a pagar um preço muito superior àquele que os donos ambicionavam, sendo o imóvel vendido com satisfação de ambos seus proprietários.
Sòmente o que contratou o corretor está obrigado para com êle, e não há como reembolsar-se, perante o outro condômino, nem pelo mandato, que não houve, nem pela gestão, inadmissível entre presentes, e mormente quando o dono do negócio já se manifestara contrário.
Ora, pensamos caber aqui a ação de enriquecimento.
O caso não se enquadraria na gestão de negócios. Mas o progresso que a ação de enriquecimento assinala é justamente êsse de ir além daqueles casos remediados pelas condictiones e pela, ação que compete ao gestor, contra o dono do negócio.
Voltando ao exemplo, por que motivo aquêle que se contentaria obter uma vantagem X, e acabou obtendo muito mais, não deverá contribuir para remunerar a pessoa que foi a causa direta da operação naquela base ?
Notam os civilistas que, em tal caso, não teria havido o empobrecimento.
Mas, é certo que o empobrecimento, aqui ou ali, pode faltar, sem comprometer a figura do enriquecimento injustificado, ou, pelo menos, pode não existir no sentido de diminuição do patrimônio (ver, supra, n. 37).
Todavia, nem é bem exato que, neste caso, falte o empobrecimento.
Com efeito, em face do direito justo (com o qual conflita muitas vêzes o direito positivo), aquela despesa deveria ter corrido por conta dos dois donos, suposto o inegável aproveitamento de ambos e a ausência de ânimo de liberalidade daquele que pagou.
Assim sendo, se uma das partes, por egoísmo, furta-se ao pagamento, êsse seu enriquecimento não terá sido à custa da outra parte? É pois uma forma de empobrecimento, se aquêle que pagou não puder recuperar o que não devera ter pago sòzinho.
Dir-se-á que não há como lhe dar razão, em face do direito positivo.
Se esta objeção pudesse valer, de pouco adiantaria edificar a teoria do enriquecimento sem causa sôbre o terreno da eqüidade, do Direito Natural ou da Moral, ou dos princípios eternos do Direito.
Observa BEVILÁQUA que aquêle que obtém do Poder Judiciário ume, sentença anulatória de ordem administrativa, ofensiva do seu direito e de idêntico direito de outros, não é gestor, nem pode exigir que, na proporção das vantagens, o indenizem das despesas feitas, com o movimento da ação proposta, aquêles que lucraram com a anulação do ato prejudicial aos seus interêsses (“Código Civil”, obs. n. 3 ao art. 1.345).
De pleno acôrdo que a hipótese não caberia dentro da gestão de negócios, de que aí se cogita.
Por outro lado, não afirmamos, também, em tese, que todos os casos dessa natureza comportem ação de enriquecimento.
Mas entendemos que, conforme a feição com que se apresentem, podem ensejar uma tal ação.
É muito freqüente achar-se alguém na contingência de efetuar um negócio que aproveitará a outros que têm idêntico interêsse.
E é, de igual modo, muito comum encontrarem-se pessoas egoístas, despidas de espírito de solidariedade, que procuram sempre para si a situação de parasitas.
DÉMOGUE, criticando a jurisprudência contrária a êste ponto de vista mais avançado, observa que ela pertence a um tempo em que as idéias de solidariedade quase não existiam.100
Ora, de lá para cá mais de 30 anos decorreram101 e tais idéias têm se desenvolvido sempre mais.
Alguns admitem que, em casos desta natureza, haverá uma obrigação de devolver, por parte do enriquecido, mas “uma obrigação natural ou um dever da consciência”.102
É possível obtemperar, todavia, que o Direito, em seu progresso, vai absorvendo os deveres de consciência e os vai transformando em jurídicos, sempre que a regra moral se mostre madura para essa metamorfose.
A regulamentação do próprio instituto do enriquecimento não acusará uma dessas transformações?
54. Aliás, a possibilidade de demandar por enriquecimento, por parte de quem agiu no seu próprio interêsse, vai sendo consagrada pelo próprio legislador.
DÉMOGUE cita a êsse respeito a já antiga lei de 21 de abril de 1810 (loc. cit.).
E os próprios civilistas que negam a ação de enriquecimento, a quem agiu em proveito próprio, fazem referência a diplomas modernos, por onde se vê que o Direito evolui nesse sentido.103
Principalmente duas leis, citadas por êsses e outros autores, têm correspondência em nosso País, e vêm a ser, pelos nomes mais conhecidos: a Lei de Luvas e as que dispõem sôbre a taxa de melhoria, cujo fundamento é o art. 30 da Constituição da República.
55. Com efeito, entre nós, o Poder Público, quando realiza obras, está autorizado a cobrar taxa de melhoria, dos que se beneficiaram mais diretamente.
Ora. a lei, neste caso, está informada na condenação do enriquecimento.104
As obras o Poder Público as fêz no seu interêsse (interêsse da coletividade). Mas como aproveitam de modo muito especial a algumas pessoas, tem entendido o legislador ser justo que tais obras não enriqueçam particularmente a êstes ou aquêles, o que, aliás, não constitui novidade em Direito Administrativo, como se vê de investigação levada a efeito por um especialista no assunto.105
Ainda mesmo que nenhuma lei permitisse a cobrança da contribuição de melhoria, o Poder Público, ao nosso parecer, não estaria desarmado, no caso de enriquecimento, e poderia intentar a ação subsidiária de inremverso.
56. O mesmo se passa com o inquilino, nas locações para fins comerciais e industriais: dec. n. 24.150, de 20 de abril de 1934.
Se êle, com o seu trabalho, aumentou o valor do prédio, tem direito a ser indenizado, com fundamento no enriquecimento que haveria para o proprietário (4° considerando do referido decreto).
E não é exato que o inquilino trabalhava para si próprio?
Já afirmamos que, de certo modo, até mesmo o empobrecimento existe em alguns casos desta natureza (o que geralmente se nega).
E o dec. n. 24.150 o confirma, quando, no considerando citado, admite que seria êste um caso de “empobrecimento do inquilino” (textual).
57. Por tudo isso dissemos que o assunto interessa não só ao requisito da justa causa, mas à teoria do enriquecimento, de modo geral, pela maior amplitude que lhe proporciona esta concepção.
Se nessas soluções há justiça, e se as leis enveredam por êsse caminho, parece que a jurisprudência poderia acoroçoar a expansão do instituto nesse sentido, o qual, aliás, não está de nenhum modo prêso às regras e restrições de outros institutos, como já observou PLANIOL, fundado em jurisprudência.106
Ninguém desconhecerá as dificuldades que o problema possa apresentar, a exigir cautelas e precauções daqueles que deverão penetrar por caminhos novos, sem uma regra que se adapte a todos os casos.
Aliás, não só com referência a esta particularidade da teoria, mas tendo em vista o enriquecimento injustificado em sua generalidade, é certo que ninguém seria capaz de abarcar todos os casos, por meio de uma fórmula.107
Assim sendo, e no que toca a admitir-se como caso de enriquecimento injustificado o fruto do trabalho de outrem, agindo em seu próprio interêsse, sòmente a apreciação dos casos concretos (eqüidade individualizadora) oferecerá solução ao problema, pelo menos no comêço, quando o método indutivo é mais aconselhálvel, e às vêzes o único possível.
58. Segundo a maioria dos doutôres, diz um monografista, a ação de enriquecimento sem causa não é subsidiária, podendo funcionar em concurso com outra do Direito comum, ou e eu lugar, quando esta se tenha torna impossível por causa de obstáculo não contrário a direito.108
Realmente, muitos civilistas contestam tal requisito109 e outros muitos abstêm-se de o mencionar como indispensável, deixando de fazer qualquer referência.110
Queremos crer, todavia, que os civilistas, em sua maioria, exigem o requisito que diz respeito ao caráter subsidiário da ação.111
Nós entendemos que a ação tem caráter subsidiário, pois que o tem o próprio enriquecimento, como fonte de obrigação.112
Basta atentar que, se a lei justifica certo enriquecimento, não haverá ação nenhuma.
E se, pelo contrário, repudia, a ação terá que ser aquela que no caso couber, como, verbigratia, se o possuidor, ainda que de má-fé, tendo entregue o imóvel, quiser haver o que despendeu com benfeitorias necessárias.
Em qualquer das duas hipóteses, não há um caso típico de enriquecimento, que interesse à teoria.
Quando a lei não cogita do caso, nem de um modo nem de outro, e a figura do enriquecimento se aperfeiçoa, então é que surge a ação de enriquecimento, por isso mesmo com caráter subsidiário.
Isto não quer dizer que se alguém, dispondo de outra ação, propuser a de enriquecimento, deva ser repelido.
No exemplo do possuidor, que acabamos de figurar, êle encontra na lei a condenação do enriquecimento, por isso mesmo injusto.
Mas se êle, abandonando a ação do Direito comum, propusesse a subsidiária, tomando sôbre si o ônus de provar os seus requisitos, inclusive o injustificado do enriquecimento, não deveria ser repelido, só por isso.
Por essa razão, DÉMOGUE, que nega de modo atenuado o caráter subsidiário, entende que, em casos tais, é de se evitar a ação de enriquecimento, uma vez que se dispõe de uma via mais simples (ob. cit., n. 175).
59. O que sobretudo se procura impedir é que, negado o caráter subsidiário, intente-se ação de enriquecimento, num caso em que o Direito comum não a admitiria.
O raciocínio falso seria êste: não se deve emprestar à ação o caráter subsidiário, porque, neste caso, em não havendo ação no Direito comum, haverá sempre a subsidiária de enriquecimento.
Não é exato. Haverá ação subsidiária, quando o Direito comum não proporcione ação, por ser omisso, e não no caso em que a ação deixe de ter existência, por não existir o próprio direito.
Quem perdeu a propriedade por usucapião de outrem, êsse não mais tem ação, parque não mais tem direito.
Não é nesse sentido, evidentemente, que se apregoa o caráter subsidiário da ação de enriquecimento.
Como exemplo (tirado da jurisprudência francesa) lembraremos o que se passou com uma môça, que tinha um contrato, em virtude do qual o seu direito de cobrança de salários não era atual, de acôrdo, aliás, com a lei (contrat de scalaire différé).
Em vista disso, e julgando que haveria prejuízo se aguardasse a ocasião oportuna, move ela ação de enriquecimento, contra a outra parte, ação essa que tinha que ser repelida, como o foi.
E comentou-se: “La jurisprudence a dú poser une barrière à la théorie de l’enrichissement sans cause, sous peine de voir tout le droit s’absorber en elle“.113
60. Alguns autores fazem alusão a não poder a ação de enriquecimento ter por fim iludir uma disposição de ordem pública, conforme o têrmo corrente na doutrina, ou disposição absoluta da lei, locução esta de que usa o Cód. Civil, com êsse sentido, no art. 257, n. II.
Disposição de ordem pública vem a ser aquela que, situada embora no direito privado, tem a fôrça de direito público.114
São aquelas normas que os particulares não podem alterar,115 e como acentua SERPA LOPES, cujos benefícios êles não podem renunciar (ob. cit., I, n. 10).
JOSSERAND menciona, como requisito da ação de enriquecimento, êste de não poder ela ofender norma de ordem pública.116
A razão que levou aquêle civilista a referir-se a êste requisito consiste em que, dado o caráter amplo desta espécie de ação, e a sua finalidade de evitar o enriquecimento de um, à custa de outro, seria possível supor a sua persistência, naqueles casos em que o rigor da lei desse motivo ao enriquecimento.
Todavia, tal não é possível. Ninguém, com base no enriquecimento de outro, poderá, verbigratia, contornar as exigências das leis relativas à forma do ato, ao instituto da prescrição, e assim por diante.
Se o enriquecido está acobertado por uma lei, ainda que sem aquêle caráter, contra êle não vingará a ação.
61. Há, também, quem mencione como requisito da ação, êste não ter por causa o empobrecimento um ato ilícito do empobrecido.117
Realmente, estabelecido um nexo entre o empobrecido e um ato ilícito, a jurisprudência costuma desprezar o pedido.118
Todavia, DÉMOGUE, levando mais longe a investigação, mantém reservas a respeito, e entende que pelo menos haverá obrigação natural de pagar, e que a ilicitude do ato apenas diminui os efeitos do enriquecimento.119
A. nós quer nos parecer, com efeito, que não existe, em tais casos, causa justa para, reter.
Rigorosamente, a ilicitude do ato, no exemplo examinado, deveria provocar outras reações (perdas e danos, penalidade na esfera criminal, etc.), mas nem por isso, justificaria o enriquecimento do genro.
A ação de enriquecimento, em tais casos, deve falhar, mas, ao nosso ver, por outro motivo, que se entende, não com o enriquecimento, mas com a situação do autor, semelhante à do que pagou para obter fim ilícito ou imoral.
Com efeito, se o ilícito é de ambos, não tem cabimento o pedido (Cód. Civil, art. 971). Se o ilícito é só do enriquecido, cabe a condictio ob turpem vel iniustam causam. Mas se o ilícito é do empobrecido, autor na demanda, deve prevalecer a regra que informa o art. 971: nemoauditurpropriamturpitudinemallegans.
Ainda que o ato do empobrecido não seja pròpriamente torpe, ou infame, é bastante que seja contrário à lei, ou, de modo mais amplo, contrário a direito (Cód. Civil, art. 159), para que não possa fundamentar uma pretensão perante a Justiça.120
62. Dificílimo é o problema do sujeito ativo da indenização, no caso de dano moral, questão esta versada com muita erudição por um monografista moderno, que aprofundou o assunto.121
Tal dificuldade não existe em se tratando da ação de enriquecimento. De um modo geral, o sujeito ativo, ou autor, é o empobrecido, ou seus herdeiros, porque a ação não é personalíssima.
O sujeito passivo, ou réu, é o enriquecido, ou seus herdeiros.
Mas com esta diferença: na ação de indenização, os herdeiros respondem sempre, dentro das fôrças da herança; na ação de inremverso só respondem se o enriquecimento lhes houver sido transmitido, o que é diferente.
Nem há argumentar com a perda dolosa, por parte do decujus, daquilo que tiver sido objeto do enriquecimento.
certo que, em tal caso, os herdeiros teriam que responder. Mas não pela actiodeinremverso, ação de enriquecimento, e sim pela de indenização, dentro das fôrças da herança.
Finalmente, afirmação que nos parece incontestável é a de que o empobrecido dispõe de ação e exceção,122 observadas as disposições do Direito formal.
________________________
Notas:
1 Como observa GIUSEPPE BRUNO, há aqui uma elipse: “actio qua repetitur id quod in patrimoniam vel in rem doinini versum est” (cf. “l’actio de in rem verso” Milão, 1900, n. 1). Esta designação é criticada por muitos civilistas sob o fundamento de que não corresponde bem ao sentido que tinha no Direito Romano. Mas, como é fácil notar, os mesmos que a criticam a empregam.
2 HENRI DE PAGE, “Traité élémentaire de droit civil belge”, III, segunda paute, n. 25.
3 O Prof. JORGE AMERICANO censura a ALVES MOREIRA, por falar em instituto de Direito, ao se referir à condenação do enriquecimento sem causa (“Ensaio sôbre o enriquecimento sem causa”, pág. 112). Essa crítica se coaduna com o ponto de vista defendido em sua tese de concurso por aquêle professor, segundo o qual o nosso sistema não comporta a ação subsidiária de enriquecimento (n. 59). Dêste modo, a condenação do enriquecimento sem causa será um princípio, não um instituto. Todavia, para os que sustentam o contrário, com fundamento nas fontes do Direito objetivo, ainda que fonte supletiva, a condenação do enriquecimento injustificado é uma instituição, ou instituto de Direito, e não simples princípio informativo, como são os da Moral, ou da Eqüidade. Uma vez que o homem regulou, há uma instituição (E. LITTRÉ, “Dictionnaire de la langue française”, IV, palavra iustitution, 2ª acepção).
Justamente neste sentido emprega DEL VECCHIO o têrmo instituto: “Lições de Filosofia do Direito”, I, pág. 2.
4 ALEXANDRE CORREIA e GAETANO SCIACIA, “Manual de Direito Romano”, São Paulo, 1949, vol. I, § 102: “Por influência da moral cristã se proíbe o enriquecimento ilícito e se admitem outras espécies de condictiones…”
5 Não obstante, o instituto da lesão conta com muitos simpatizantes, e figura, numa forma atenuada, no Anteprojeto de Código de Obrigações, da lavra dos eminentes juristas OROZIMBO NONATO, FILADELFO AZEVEDO e HAHNEMANN GUIMARÃES (Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1941).
Há, também, os que entendem que êle tem existência em nosso Direito atual (SERPA LOPES, “Curso de Direito Civil”, 1954, vol. III, parte primeira, n. 28). (Ver sôbre a lesão a nota 94, infra.)
6 Com especial menção êste “iure naturae aequum est neminem cum alterinus detrimento et iniuria fieri locupletiorem” (POMPÔNIO, “Dig.” – 50, 17, 206).
7 GIUSEPPE BRUNO, ob. cit. Sob o aspecto histórico: CUQ, “Les institutions juridiques des romains”, II, pág. 50.
8 FRANÇOIS GORÉ, “L’enrichissement aux dépens d’autrui”, Grénoble, 1948, cap. I.
9 DÉMÈTRE GROTA, “La théorie de l’enrichissement sans cause dans le Code Civil allemand”.
10 GEORGES RIPERT, “La règle morale dans les obligations caviles”, 2ª ed., Paris, 1927, n. 136.
11 SALVAT, “Tratado de derecho civil argentino”, VII, n. 3.008.
12 “Las siete Partidas del sabio Rey don Afonso”, Salamanca, 1576, “Setena partida d las reglas del derecho”, Tít. XXXIV. Regla XVII.
13 SÁNCHEZ ROMÁN, “Derecho civil español, común y foral”, Madri, 1899.
14 Apresentado à Comissão Reformadora do Cód. Civil, em 1938, elaborado por vários juristas, que tomaram por base o Anteprojeto de BABILONI (apud REZZÓNICO, “Estudio de las obligaciones”, Buenos Aires, 7ª ed., 1956, Apêndice).
15 O dispositivo é êste, em sua versão francesa: Quiconques’enrichitsanscausealidétrimrentd’uneautrepersonne, esttenudel’indemniser, danslamesuredesoupropreenrichissement, de ce dont elle s’est appauvrie“.
16 WINDSCHEID, “Pandette”, II, § 422 e nota 2; ENNECCERUS, “Tratado de derecho civil”, torno II, parte 2ª, § 218, texto e nota 18.
17 ALVES MOREIRA menciona alguns, em face do Cód. Civil português, “Instituições do Direito Civil Português”, II, n. 273. Relato mais completo faz UGOLINO ANICHINI, em face do Cód. Civil Italiano de 1865 (cf. “Codice Civile”. Libro delle obligazioni, sôbre a direção de D’AMELIO e FINZI, Firenze, 1949, vol. III, 204.
18 DERNBURG, “Pandette”, II, § 143. Sôbre o sentido do Cód. Civil alemão, no que toca à unificação das condictiones, ver LEVY-ULMANN, in “Code Civil allemand publié par le Comité de législation étrangère”, Paris, Imprensa Nacional, 1904, comentários aos arts. 812 e segs. Observa êle que a tentativa de unificação das condictiones tornou o Cód. Civil alemão superior a tôdas as legislações européias.
19 VAN WETTER, “Pandectes”, 2ª ed., IV, pág. 336.
20 VAN WETTER, ob. cit., IV, pág. 336; SCHNEIDER ET FICK, “Commentaire du Code Fédéral des Obligations”, II, nota 3 ao art. 66; SALEILLES, “Etude sur la théorie générale de l’obligation d’après le premier Projet de Code Civil pour l’empire allemand”, Paris, 1914, número 348; ESPÍNOLA, “Garantia e extinção das obrigações”, 1ª ed., 1951, pág. 136; DERNBURG, ob. cit., II, § 140, com a observação de não haver sinonímia entre a condictioobturpemcausam e a condictioobinjustamcausam, o que não é livre de discussão (ver a nota n. 2 do § 140 da referida obra; ver também a nota número 120, infra).
21 M. I. CARVALHO DE MENDONÇA, “Doutrina e prática das obrigações”, I, n. 275; ESPÍNOLA, “Sistema do Direito Civil Brasileiro”, I, 3ª ed., págs. 554 e 555, e ùltimamente, na sua obra “Garantia e extinção das obrigações”, página 125; JOSÉ AUGUSTO CÉSAR, “Ensaio sôbre os atos jurídicos”, 1ª ed., pág. 66: “Assim a equiparação do êrro de direito ao êrro de fato, no tocante aos efeitos das declarações de vontade, pode erigir-se em cânone da moderna teoria do Direito Civil”; LACERDA DE ALMEIDA “Efeitos das Obrigações”, pág. 184; MARTINHO GARCÊS, “Nulidade dos atos jurídicos”, I, número 119; SERPA LOPES, “Curso de Direito Civil”, ed. de 1957, I, n. 217; acórdão In “Rev. dos Tribunais”, vol. 252, pág. 316: Limitamo-nos a citar autores nacionais, porque tem se contestado regra em face do nosso Direito. Contra: BEVILÁQUA, “Código Civil”, obs. n. 3 ao art. 86; PONTES DE MIRANDA, “Tratado de Direito Privado”, IV, pág. 281. Estes últimos autores, porém, não esclarecem qual a situação do solvens que pagou por êrro de direito, em face do accipiens enriquecido.
Esta situação não passou despercebida a CORREIA TELES, “Digesto português”, I, artigos 28 e 39.
22 ESPÍNOLA, “Garantia e extinção das obrigações”, 1ª ed., 1951, pág. 114, nota 188; OROZIMBO NONATO, “Da coação como defeito do ato jurídico”, 1957, n. 61.
23 SALEILLES, ob. cit., pág. 452, nota 1; LEVY-ULMANN, ob. e loc. cits.
24 DERNBURG, ob. cit., § 143; MAYNZ, “Cours de Droit Romain” II, § 362; PUIG PEÑA, “Tratado de Derecho Civil Español”, Madri, 1951, tomo IV, vol. II, pág. 506: condictio sine causa, estabelecida com caráter supletório por JUSTINIANO, a qual constituía uma espécie de “tipo general para todos aquellos casos en que se hubiera realizado un enriquecimento eis existir causa legitima para el desplazamiento patrimonial, no comprendidos exactamente en las figuras anteriores“. LACERDA DE ALMEIDA, “Efeitos das obrigações”, 1934, pág. 181.
25 O Cód. Civil alemão, no art. 812, dispõe assim: “Quem quer que, em virtude de prestação feita por outra pessoa ou de qualquer outro modo, faz uma aquisição sem causa jurídica à custa desta outra pessoa, fica obrigado a restituir. Esta obrigação existe, igualmente, quando a causa jurídica desaparece ulteriormente, ou quando o resultado visado no momento da prestação, tal como êle resulta do conteúdo do ato jurídico, não se realiza.
“Considera-se, igualmente, prestação o reconhecimento contratual da existência, ou não, de uma relação obrigacional”.
26 ENNECCERUS, ob. cit., II, parte segunda.
27 HULOT, “Digeste”, vol. VII (1805). Antes dêle a empregava POTHIER, na sua dissertação, aliás exaustiva, sôbre a condictio indebití (cf. “Oeuvres”, ed. Bugnet, V, n. 140).
28 CORREIA TELES, “Doutrina das ações”, onde trata da condictiosinecausa, § 106 da edição anotada por TEIXEIRA DE FREITAS, ou, § 253, da edição anotada por PONTES DE MIRANDA. Mais compreensiva é a fórmula que adotou para a ação de reclamação de prejuízo, §102 da edição anotada por TEIXEIRA DE FREITAS, ou § 239 da anotada por PONTES DE MIRANDA, figurando sob a denominação de ação infactum, e prescriptisverbis. Tal ação “compete àquele a quem o espírito da lei ou a eqüidade natural favorece, contra qualquer outro que com o seu prejuízo sem justa causa se locupleta; pede que êste o indenize”. Como se vê, é a fórmula ampla do enriquecimento. Mas tal ação, embora, como diz TEIXEIRA DE FREITAS, tivesse a maior amplitude, abrangendo o “doutdes, doutfacias, facioutdes, facioutfacias“, o certo é que se circunscrevia às obrigações oriundas de contratos, como se vê dos textos e notas citados.
Os Códigos modernos evitam falar em coisa. Assim o japonês, art. 703:
“Celui qui, sans canse légale, a retiré un profit du bien ou desservicesd’autruiaupréjudicedecelui–ci, esttenude l’indemniserdans la mesure do profit existant actuellement” (segundo a tradução aceita por BAUDRY-LACANTINERIE ET BARDE); e o nosso Anteprojeto de Cód. de Obrigações, do mesmo modo, no art. 143: “Quem se enriquece indevidamente, à custa de outrem, fica obrigado a restituir, na medida do seu lucro, o que não lhe era devido, embora a causa venha a faltar depois de obtido o proveito”.
Igualmente o Projeto franco-italiano (ver, supra, nota 15). Do mesmo modo o Cód. Civil alemão citado na nota 25.
29 Ob. cit., I, n. 292-bis.
30 ENNECCERUS, ob cit., § 217; BAUDRY-LACANTINERIE ET BARDE, “Traité théorique et pratique de droit civil”, XIII-bis, n. 2.826; UGOLINO ANICHINI, ob. cit., pág. 206. SALVAT, ob. cit., VII, n. 3.014. Já era êste o fundamenta invocado por POTHIER, a eqüidade natural, tendo em vista a condictioindebiti (ob. e loc. cits.).
31 Cf. G. RIPERT, ob. cit., ns. 138 e segs. RIPERT defendeu êsse ponto de vista com entusiasmo, e desejoso de dar à teoria do enriquecimento a amplitude que tem a da responsabilidade. No n. 141 da ob. cit. êle confessa haver abandonado aquela teoria, engendrada havia 20 anos, e o faz com palavras repassadas de grande amor à justiça, que não nos furtamos ao prazer de transcrever: “Le sentiment profond qui nous animait c’était de désir d’attribuer à chaque homme les conséquences bonnes ou mauvaises de ses actes, de ramener l’attention sur la personne qui s’est appauvrie, de montrer que la personne enrichie ne doit pas profiter d’une situation qu’elle n’a pas créé“. GAUDEMET lastima que RIPERT haja abandonado êsse seu primeiro ponto de vista, substituindo-o por “considérationsd’ordremoralmoinasprécises” (“Théorie générale des obligations”, Paris, 1927, pág. 293.
32 “La règle morale dans les obligations, civiles”, n. 142.
33 BARASSI, “Istituzioni di Diritto Privato”; Milão, 1939, § 83.
34 THEO GUHL, “Le droit fédéral des obligations”, Zurich, 1947, § 27.
35 GIORGI, “Teoria delle obbligazione”, VI, n. 9.
36 ALBERTO TRABUCCHI, “Istituzioni di diritto civile”, Padova, 1947, pág. 582.
37 HENRI DE PAGE, ob. cit., n. 28. Esta concepção teria sido de AUBRY ET RAU, antes de DÉMOGUE. Ver o próprio DÉMOGUE, “Traité des obligations en général”, III, n. 79.
38 COLIN ET CAPITANT, “Cotas élémentaire de droit civil français”, vol. II, n. 239; POTHIER, ob. cit., V, n. 140; também JOSSE-RAND, “Cours de droit civil positif français”, II, n. 566. Sôbre o costume de formação jurisprudencial, ver FRANÇOIS GÉNY, “Méthode d’interpretation et sourees en droit privé positif”, Paris, 1932, tomos I, n. 123, e 11, 454, e outros lugares.
39 FRANÇOIS GÉNY, ob. cit., I, n. 114.
40 SAVATIER, por exemplo, dá como fundamento a eqüidade, e acrescenta, ou os princípios gerais, não distinguindo, como se vê, as duas figuras (“Cours de droit civil”, II, pág. 205).
41 G. RIPERT, ob. cit., n. 142: “Celui qui s’est ainsi enrichi a le devoir moral d’indemniser celui qui s’est appouvri. Le problème juridique consiste tout simplement à préciser suffisamment le devoir moral pour qu’on puísse lui donner figure d’obligation civile“; PUIG PEÑA, ob. cit., tomo, IV, segunda parte, pág. 559: “Porque es de observar que el derecho, en progresión ascendente, quiere ir poco a poco arrancando pedazos a la moral incorporándolos a su seno para revestidos de una eficacia jurídica“; HENRI, LÉON ET JEAN MAZEAUD: “Le quase-contrat d’enricbisserrrent sans cause, opération juridíque qui, comme ces institutions, mais plus directement et plus immediatement, repose sur cette idée morale, n’en est pas moins une sourre autonome d’obligations” (“Leçons de droit civil”, II, Paris, 1956, tomo 11, n. 715).
42 G. RIPERT, ob. cit., pág. 250.
43 PLANIOL, “Traité élémentaire de droit civil”, II, n. 933; AUBRY ET RAU, aí mesmo citados.
44 GAUDEMET, ob. cit., pág. 291: “Pais, um revirement se produisit…”; PLANIOL, loc. cit.
45 “Trabalhos de comissão ministerial”, volume VI, pág. 674; “Relatório ao Rei Imperador” n. 262.
46 MARIO ROTONDI, “Istituzioni di diritto privato”, Milão, 1937, n. 186.
47 CLÓVIS BEVILÁQUA, “Direito das Obrigações”, 4ª ed., 1936, § 37.
48 “Ensaio sôbre o enriquecimento sem causa”, particularmente n. 59.
49 UGOLINO ANICHINI, ob. cit., pág. 203.
50 Art. 4°: “Quando a lei fôr omissa, o juiz decidirá o caso de acôrdo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.
51 DÉMOGUE, prefácio à obra de DÉMÈTRE GEROTA, já citada; ROTONDI, embora em campo oposto, concorda que o fundamento, geralmente invocado, são os princípios gerais de direito (ob. cit., n. 168); CUNHA GONÇALVES, “Tratado de Direito Civil Português”, IV, n. 616; UGOLINO ANICHINI, ob. cit., III, pág. 204; BEVILÁQUA reporta-se a consciência jurídica de todos os povos, “Direito das Obrigações”, pág. 116; BARASSI aceita os princípios gerais (ob. cit., § 83). É a êsses princípios que ALVES MOREIRA se reporta quando fala em analogia, ob. cit., II, n. 218. Aliás, a distinção doutrinária entre analogialegis, analogiaiuris e princípios gerais não é assunto perfeitamente esclarecido em doutrina.
52 “Revue trimestrielle de droit civil”, ano 1954, pág. 527. O Tribunal decidiu que o locatário agiu à ses risques et perils.
53 “Art. 547. Aquêle que semeia, planta ou edifica em terreno alheio, perde, em proveito do proprietário, as sementes, plantas e construções, mas tem direito à Indenização. Não o terá, porém, se procedeu de má-fé, caso em que poderá ser constrangido a repor as coisas no estado anterior e a pagar os prejuízos”.
“Art. 491. A posse de boa-fé só perde este caráter no caso e desde o momento em que as circunstâncias façam presumir que o possuidor não ignora que possui indevidamente”.
54 “Revue trimestrielle de droit civil”, 1953, pág. 545.
55 Muitos casos de ação subsidiária, julga dos procedentes, constam da “Revue trimestrielle de droit civil”, de há anos para cá. Também SCHNEIDER ET FICK relacionam farta jurisprudência (cf. “Le droit fédéral des obligations”, I, comentários aos arts. 62 e segs.); vejam-se, ainda, DALLOZ, “Nouveau repertoire”, enrichissement, e FUZIER HERMANN, “Code Civil Annoté”, IV, art. 1.375).
56 JORGE AMERICANO (ob. cit., pág. 57), e autores aí invocados.
57 Sôbre a matéria, há a clássica dissertação de RUI BARBOSA, “Posse de direitos pessoais”. E interessante notar que tal assunto está despertando interêsse em França, agora, por ocasião das discussões em tôrno da reforma do Código Civil. Êles dão a isto a denominação de théoriegénéralede la protection de l’apparence (cf. “Travaux de la Commission de reforme du Code Civil”, volume correspondente aos anos 1946-1947, págs. 933 e segs.).
58 O argumento de que a utilidade é suficiente não poderia ser aproveitado para a admissão e regulamentação da posse dos direitos pessoais. Sem debater esta questão, estranha ao nosso trabalho, poremos, entretanto, o reparo de que as situações são diversas.
Com efeito, a ação de enriquecimento é útil e não perturba outras relações de direito. Enquanto que a regulamentação da posse dos direitos pessoais, com a amplitude que alguns lhe emprestam, é acusada de trazer sérias apreensões pelas conseqüências que possa produzir no campo do Direito.
59 SAVATIER, ob. cit., II, n. 204; LABORDE-LACOSTE, “Précis élémentaire de droit civil”, II, n. 319; BAUDRY-LACANTINERIE ET BARDE tratam do assunto como apêndice à gestão de negócios.
60 ALEXANDRO GRAZIANI, no “Dizionario pratico di diritto privato”, de SCIALOJA, III, parte segunda, palavra locupletazione; G. GIORGI, ob. cit., VI, n. 10; DÉMOGUE, ob. cit., III, n. 142; VENZI, “Diritto civile italiano”, n. 413; ESPÍNOLA, “Garantia e extinção das obrigações”, págs. 95 e segs.
61 COLIN ET CAPITANT, ob. cit., n. 540; TOSSERAND, ob. cit., n. 568; SAVATIER, ob. cit., 11.0 206; LABORDE-LACOSTE, ob. cit., II, ns. 321-324; SALVAT, ob. cit., VII, n. 3.016; REZZÓNICO ob. cit., pág. 738; DALLOZ ob. cit., II, págs. 341 e segs.; FUZIER – HERMANN, ob. cit., IV, pág. 507, ns. 91-92.
62 WINDSCHEID, ob. cit., II, § 422 e nota 10; ENNECCERUS, ob. cit., § 217; LEVY-ULMANN, ob. cit., comentários ao art. 812; GIORGI ob. cit., VI, n. 11; CUNHA GONÇALVES, ob. cit., n. 607; UGOLINO ANICHINI, ob. cit., pág. 206; GIUSEPPE BRUNO, ob. cit., n. 30; SALVAT, ob. cit., VII, n. 3.017; PLANIOL, RIPERT ET ESMEIN, “Traité pratique de droit civil français”, VII, n. 753; DÉMÈTRE GEROTA, ob. cit., págs. 103 e segs.; FRANÇOIS GORÉ, ob. cit., ns. 68 e 69; AURÉLIO CANDIAN, “Nozioni istituzionali di diritto civile”, Milão, 1946, n. 183; ESPÍNOLA, “Garantia e extinção das obrigações”, pág. 96.
63 WINDSCHEID, ob. cit., § 424; VON TUHR, “Tratado de las obligaciones”, I, n. 52; THEO GUHL, ob. cit., §§ 27 e 28; SCHNEIDER ET FICK, ob: cit., I, pág. 181; GIORGI, ob. cit., n. 13; UGOLINO ANICHINI, ob. cit., pág. 206; ROSSEL, Manuel de droit général des obligations”, n. 96; BAUDRY-LACANTINERIE ET BARDE, ob. cit., n. 2.827; DÉMÈTRE GEROTA, ob. cit., pág. 86. Tais princípios, com algumas variantes, estão nos Códigos que dispõem sôbre o assunto: Cód. Civil alemão, art. 818; Cód. das Obrigações, suíço, artigo 64; Cód. Civil italiano, art. 2.041; Cód. Civil japonês, art. 703; soviético, art. 400, muito minucioso.
64 WINDSCHEID ob. cit., II, § 424; BAUDRY-LACANTINERIE ET BARDE, ob. cit., XIII-bis, n. 2.827.
65 DÉMOGUE, ob. cit., III, n. 170; COLIN ET CAPITANT, ob. cit., II, n. 241; LABORDE-LACOSTE, ob. cit., II, ns. 326-327; G. GIORGI, ob. cit., VI, n. 16; “la quale (la misura) è invece determinata dal “quid minus” frail danno stesso, e la locupletazione“.
66 GIORGI, ob. cit., VI, n. 12; BAUDRY-LACANTINERIE ET BARDE, ob. cit., XIII-bis, n. 2.827; LABORDE-LACOSTE, ob. cit., II, número 328; DÉMOGUE, ob. cit., III, n. 170.
67 BAUDRY-LACANTINERIE ET BARDE, DEMOGUE e HENRI DE PAGE, locs. cits.
68 HENRI DE PAGE, ob. cit., III, n. 170.
69 WINDSCHEID, ob, cit., § 421; ENNECCERUS ob. cit., pág. 571; JOSSERAND, ob. cit., n. 541; HENRI, LÉON ET JEAN MAZEAUD, ob. cit., n. 699; PUIG PEÑA, ob. cit., pág. 562; BOUREL Y SOLER, “Derecho civil español”, Barcelona, 1955, III, § 350, nota I.
70 PLANIOL, ob. cit., n. 936.
71 REZZÓNICO, “Estudio de las obligaciones”, págs. 738 e 739.
72 Ob. cit., n. 699: “Peu importe la nature do l’appauvrissement: les fatigues intellectuelles et la perto de temps d’un Instituteur enseignant dos enfants eu déhors de tout contrat, constituent un appauvrissement“.
73 JOSSERAND, ob. cit., n. 571; DÉMOGUE, ob. cit., ns. 152 e 153; PUIG PEÑA, ob. cit., pág. 562.
74 Citando um aresto, observa JOSSERAND: “Dans l’espèce, une conduite d’eau avait été utilisée par un voisin; l’enrichissement était certalo; l’appauvrissement apparaissait moins nettement” (ob. cit., II, n. 571, nota 1).
75 DÉMÈTRE GEROTA, ob. cit., n 123; G.RIPERT, ob. cit., n. 148.
76 ENNECCERUS, ob. cit., § 128. Observa reste autor haver ficado bem claro que por esta emenda é possível prescindir da idéia de diminuição de patrimônio. Ver, também, DÉMÈTRE GEROTA, ob. cit., n. 124. É verdade que os autores, ordinàriamente, não separam a idéia de enriquecimento da de desequilíbrio entre dois patrimônios (cf. GRAZIANI in “Dizionario di diritto privato”, de SCIALÓJA, palavra locupletazione; UGOLINO ANICHINI, ob. cit., 206, o que não deixa de estar certo na generalidade dos casos; mas o contrário pode se dar excepcionalmente).
77 FRANÇOIS GORÉ, ob. cit., ns. 68 e 69. Outros civilistas, justamente por haver esta correlação, tratam conjuntamente do enriquecimento e do empobrecimento (ENNECCERUS, COLIN ET CAPITANT, etc.).
78 A teoria do nexo causal apresenta dificuldades, levando os civilistas a conclusões que nem sempre se harmonizam. Assim, HENRI DE PAGE (o b. cit., n 39) não aceita o ponto de vista de COLIN ET CAPITANT. Ver, ainda, FRANÇOIS GORÉ, ob. cit., n. 70, e DÉMÈTRE GEROTA, ob. cit., n. 86, onde vêm expostas as complicações da teoria.
79 Neste sentido G. RIPERT: “Eu réalité ce n’est pas l’appanvrissement qui est la cause de l’enrichissement ou tout au moins la cause unique. M. BARTIN remarque três justement qu’il vandrait mienx parler – d’nne indivisibilité d’origine” (ob. cit., n. 148).
80 Ob cit., § 218. Circunstância parece-nos melhor do que fato.
81 G. GIORGI, ob. cit., VI, n. 14.
82 Cód. Civil francês, art. 1.108: “Quatre couditions sont essentielles pour la validité d’une convention: … une canse licite dans l’obligations“.
83 WINDSCHEID, ob. cit., II, pág. 238; SCUTO, “L’obbligazione cambiaria e il suo rapporto fondamentale”: Questo motivo, che bene si direbbe causa determinante individuale, costi tuisceuna necessità psicologica inqualsiasialtoumano e pereciòanche nei negozi giuridice; onde da tale, punto de vista, è esatto affermare che non c’è negozio senza causa” (grifos do original).
84 PLANIOL, ob. cit., II, n. 1.033; COLIN ET CAPITANT, ob. cit., II, n. 57; JOSSERAND, ob. cit., II, n. 128; GAUDEMET, ob. cit., pág. 112; G. RIPERT, ob. cit., n. 32; LA GARDE no “Cours de droit civil”, de BEUDANT, VIII, n. 196.
85 LACERDA DE ALMEIDA, “Obrigações”, § 64.
86 SAVIGNY, “Le droit des obligations”, II, § 78; BORREL Y SOLER, ob. cit., pág. 577. A causa tem que existir e nem está na vontade das partes o eliminá-la, como pondera SALEILLES, em comentários ao Cód. Civil alemão, onde se ocupa do seu caráter fatal, rematando assim as suas considerações: “Pour reprende une formule dèjá indiquée, toute la théorie de la cause tient dans cette idée que la délimitation du contenu d’unacte juridique échappe à l’autonomie de la volonté privée” (“De la déclaration de volonté”, nota 4 ao art. 138).
87 PAULO DE LACERDA, “A Cambial”, n. 436. THEO GUHL conclui que a diferença entre a causa, nos negócios causais e nos abstratos está só no ônus da prova da causa, do qual está dispensado o credor no negócio formal. Acentua, porém, a importância da distinção em face do terceiro de boa-fé, ao qual é estranha a idéia de causa nos negócios abstratos (ob. cit., n. 79).
88 Acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, in “Rev. dos Tribunais”, vol. 133, pág. 233.
89 LA GARDE, ob. cit., VIII, n. 198. A concepção anticausalista foi exposta e criticada, recentemente, por SERPA LOPES, em seu “Curso de direito civil”, 1957, vol. I, ns. 330 e segs.
90 LEVY-ULMÀNN, ob. cit., II, pág. 366.
91 LEVY-ULMANN, com referência ao Código Civil alemão, loc. cit.; LABORDE-LACOSTE, “Précis élémentaire de droit civil”, Paris, 1948, II, 316. Como membro da subcomissão dos trabalhos da reforma do Cód. Civil francês, NIBOYET, discorrendo sôbre a causa, num dos dois sentidos consagrados pela doutrina e pela jurisprudência, assim se exprime: “la cause de l’obligation contractuelle est inexécution de la contreprestation: c’est en ce sens également qu’il est possible de parler d’enrichissement sans cause“. A discussão sôbre a causa recrudesceu, em França, por ocasião, agora, dos trabalhos relativos à reforma do Código. E o presidente da subcomissão, LA MORANDIÈRE, ponderou o desencontro de opiniões, sôbre o conceito de causa: “Le sens donné à ce mot variant selon chacun des membres de la Sous-Commission…” (“Travaux de la Comission de réforme du Code Civil”, anos 1947-1948, pág. 48). Ver, ainda, o vol. 1946-1947, pág. 131; ESPÍNOLA, “Garantia e extinção das obrigações”: “O que, efetivamente, em matéria de enriquecimento indevido, na melhor doutrina, se entende por causa é o título que justifica a vantagem ou proveito patrimonial que uma parte obtém numa relação jurídica como prestação da outra parte” (nota 172).
92 VON TUHR, estudando o negócio abstrato, tendo em vista o direito francês e o alemão, conclui que em face dêste último êle tem conseqüências mais profundas. Não obstante, cabe a ação de enriquecimento se, em última análise, vem a faltar a causa (ob. cit., I, § 37, item III). Tão grande é a necessidade da justa causa, que alguns pensam que, se ela faltar, originàriamente, está comprometido até mesmo o enriquecimento acobertado pela lei. Exemplo: alguém completa com a posse prolongada a aquisição a nondomino que havia feito. Não ha enriquecimento para o usucapiente, porque o usucapião é justa causa, reconhecida pela lei. Todavia, se a aquisição tivesse sido realizada não sòmente a nondomino, mas também sem causa, o proprietário despojado contaria com a condictiopossessionis (cf. ENNECCERUS, ob. cit., II, 2ª parte, pág. 587, texto e notas).
93 “Il conecto esatto de justificazione e di inancanza de justificazione cé il punto più tormentatodi tutta la teoria dell’arricchimento injustificatto“, GRAZIANI, “Locupletazione”, no “Dizionario pratico di diritto privato”, de SCIALOJA, III, 2ª parte, n. 4.
94 O Direito tem por objeto o justo e o injusto, e por isso, ao contrário do que outros afirmam é ciência autônoma, porque nenhuma outra há que tenha êste objeto. Mas o justo e o injusto não constituem o seu único objeto, porque, no caso de lesão, como ainda em outros, o Direito, por vêzes, abandona a idéia de Justiça, por amor à paz, à estabilidade das convenções, á boa organização dos negócios jurídicos.
A jurisprudência tem admitido, em certos casos, a lesão, disfarçada em coação. Em França, nas discussões em tôrno da reforma do Cód, Civil, pretende-se introduzir a lesão (“Travaux de la Commission de réforme du Code Civil”, volume correspondente a 1947-1948). A fórmula está à pág. 32 e é mais apertada do que aquela que consta do art. 31 do Anteprojeto de Cód. de Obrigações. Fala-se em coação, inexperiência, etc., e até em gêne, confissão pela tortura, o que tornará mais rara a sua aplicação. MAZEAUD combate o instituto, por entender que é de uso escasso e também porque os casos podem caber no instituto da coação, adaptado a êsse fim. O instituto da lesão existia nas legislações; depois, foi sendo banido; hoje, pretende-se que retorne, embora regulado de outro modo, o que assinala bem lemouvement de va–et–vien, que existe no Direito (JOSSERAND). (Ver sôbre a lesão a nota 5, supra.)
95 Há, evidentemente, um parentesco, entre a lesão, a condenação do enriquecimento e a imprevisão. Discorrendo sôbre um caso de imprecisão, argumenta FRANCISCO CAMPOS com o enriquecimento sem justa causa (“Direito Civil”, pág. 6). Mas a justa causa, nessa hipótese. estaria no contrato. A ação de enriquecimento seria incabível. Todavia, e por fôrça dessa relação estreita existente entre a lesão, a condenação do enriquecimento e a imprevisão, que os autistas os assimilam daquela maneira.
Aliás, há os que procuram fundar a teoria da imprevisão na do enriquecimento, assunto êste de que se ocupa ARNOLDO MEDEIROS DA FONSECA, em sua monografia “Caso fortuito e teoria da imprevisão”, ns. 163 e 169.
96 Esta explicação encontra-se em todos os autores, sendo escusado citar. Lembraremos, todavia, opiniões em contrário admitindo a repetição, sustentadas por antigos autores franceses, nos quais se referem AUBRY ET RAU, in ob. cit., IV, § 442-bis, nota 8.
97 Art. 602, parág. único: “Na hipótese da primeira parte dêste artigo, e sendo a causa ou o fim do contrato um fato, qualquer recompensa dada ou prometida será perdida em favor dos estabelecimentos de beneficência popular”. A solução é excelente.
Note-se que o antigo Direito português, no caso de venda de coisa alheia com ciência de ambas as partes, já determinava que o preço se perdesse para os cativos (“Ordenações”, 3, 45, 5).
98 COLIN ET CAPITANT, ob. cit., II, número 240; HENRI, LEON ET JEAN MAZEAUD, “Leçons de droit civil”, 11, n. 701; RENÉ SAVATIER,”Cours de droit civil”, II, n. 207; CUNHA GONÇALVES, ob. cit., n. 608; UGOLINO ANICHINI, ob cit., pág. 207; GRAZIANI, ob. cit., palavra locupletazione.
99 DÉMOGUE, ob. cit., III, n. 152.
100 DÉMOGUE, ob. cit., III, n. 152.
101 O seu tratado é de 1923, única edição.
102 CUNHA GONÇALVES, ob. cit., n. 608, com apoio em outros civilistas.
103 RENÉ SAVATIER, ob. cit., II, n. 207; G. RIPERT ob. cit., pág. 274; HENRI LÉON ET JEAN MAZEAUD, ob. cit., n. 701: “Le législateur moderne, notament en matière de baux à ferme, tend au contraire à indentmiser l’appauvri, même lrosque celui-ci a fait les travaux dans son intérêt, et qu’il en a effectivement tiré profit. De même le Droit Administratif a essayé de parvenir – sans grand succès d’ailleurs – à la récuperation sur les particuliers dans l’intérêt général“.
104 É o fundamento apresentado por todos os autores franceses. E, entre nós, pelo professor MEIRELES TEIXEIRA: “… não é justo que a coletividade responda pelo custeio total de uma obra que enriquece, de modo especial, a alguns de seus membros”, in “Rev. do Arquivo Municipal”, vol. 43, pág. 396; ESPÍNOLA, “Garantia e extinção das obrigações”, pág. 154.
105 OSVALDO ARANHA BANDEIRA DE MELO, “A contribuição de melhoria e a autonomia municipal”, publicação da Prefeitura do Município de São Paulo, 1952, pág. 20.
106 PLANIOL, ob. cit., n. 936: “Un premier point, purement négatif, est acquis: l’action “de in rem verso” derivam d’un principe d’équité et n’ètant pas réglementée par la loi, axe peut ètre soumise il aucune condition déterminée, empruntée à une autre matière comme la gestion d’affairo ou le paiement de l’indu”.
107 WINDSCHEID, ob. cit., II, § 422: “Quando é che l’arricchimento sol patrimonio altrui è indebito? Si dovrà renunziare a respondero a questa domanda con una formola, che comprenda tuti i casi…”
108 DÉMÈTRE GEROTA, ob. cit., pág. 220.
109 DÉMOGUE, ob. cit., n. 175: DALLOZ, “Nouveau répertoire”, palavra enrichissement, menciona o requisito, com apoio na jurisprudência, mas acrescenta que êste caráter estcontesté (n. 32).
110 ESPÍNOLA, “Garantia e extinção das obrigações”, págs. 101 e segs.; ENNECCERUS, cb. cit., §§ 218 e 219.
111 GIUSEPPE BRUNO, ob. cit., ns. 39 e segs.; JOSSERAND, ob. cit., n. 574; COLIN ET CAPITANT, ob. cit., n. 240; CUNHA GONÇALVES, ob, cit., IV, n. 607; HENRI, LÊON ET JEAN MAZEAUD, ob. cit., n. 642, os quais recordam, a respeito, os ensinamentos de AUBRY ET RAU; GAUDEVIET, ob. cit., pág. 293; G. RIPERT, ob. cit., n. 135; FUZIER-HERMANN, ob. cit., IV, pág. 506 e n. 99; THEO GUHL, ob. cit., § 27.
112 “La doctrine qualifie souvent de subsidiaire cette cause des obligatións. Une telle opinion est justifiée, parce que, d’après les conditions mêmes de l’enrichissement illégitime, il ne se produit pas aussi lonátemps que l’intèressé posséde une créance en vertu d’un rapport juridique contractuel ou quasi-contractuel (gestion d’affaires) ou en raison de son droit de propriété” (cf. THEO GUHL, ob. cit., § 27).
Na Itália, a questão foge a qualquer controvérsia, diante do que dispõe o Cód. Civil no artigo 2.042: “L’azione d’arricchimento non è pronibile quando il danneggiato può esercitare una altra ozione per farsi indennizzare del pregiudizio do súbito.
113 “Revue Trimestrielle de Droit Civil”, ano 1952, pág. 314.
114 Êste conceito não pode ser tomado ao pé da letra, mesmo porque certos autores admitem graduações, pretendendo que tais normas podem ter maior ou menor fôrça.
115 “Ius publicum privatorum pactas mutari non potest” (“Digesto”, 2, 14, 38). A expressão iuspublicum, neste lugar, parece referir-se à norma de ordem pública, mesmo porque não seria preciso dizer que os particulares não podem alterar o direitopúblico. A Insuficiência de ter minologia explica que iuspublicum, neste texto, queira dizer norma de ordem pública (dentro do direito privado). Vemos, em outro texto, a mesma locução, no sentido de direito público, pròpriamente tal: “Huius studii duae sunt positiones: publicum et privatum. Publicum ins est quod ad statum rei romanae spectat; privatum quod ad singulorum utilitatem” (“Inst. Just.”, I, 1, 4).
116 Ob. cit., II, n. 568.
177 COLIN ET CAPITANT, com base em reiterada Jurisprudência, ob. cit., II, n. 240; LABORDE-LACOSTE, ob. cit., n 322.
118 Certa sogra criava os netos e os mantinha em sua companhia, contra a vontade do genro, que se esforçava para, recuperar os filhos, até que o conseguiu. Em seguida, move-lhe a sogra uma ação de enriquecimento, sem êxito, justamente por se prender o seu empobrecimento a um ato ilícito da sua parte (“Revue Trimestrielle de Droit Civil”, ano 1954, pág. 110).
119 DÉMOGUE, ob. cit., III, n. 154.
120 DERNBURG, tratando da condictioobturpem vel iniustam cansam, em face do Direito Romano, aventa a questão de não haver sinonímia (ver, supra, a citação dêste autor, na nota 20). No Direito moderno, não temos dúvida em admitir êsse ponto de vista. O Cód. Civil, no art. 371, refere-se a fim que vá de encontro á lei, ou à moral, situações estas que não se equivalem. O Cód. Civil português, no art. 632, reza assim: “Se o contrato tiver por causa ou fim algum fato criminoso, ou reprovado, em que ambos os contraentes sejam coniventes, nenhum dêles será ouvido em Juízo acêrca de tal contrato; mas se só um dos contraentes fôr de má-fé, não será o outro obrigado a cumprir e que houver prometido, nem a restituir o que houver recebido, e poderá exigir o que houver prestado”. E DIAS FERREIRA assinala duas situações distintas, previstas e amparadas ambas pelo mesmo cânone (“Código Civil Português Anotado”, II, pág. 38). Assim sendo, e voltando ao exemplo debatido no texto, o empobrecido não poderá comparecer ao pretório, fundado num empobrecimento que teve por causa um ato ilícito, latosensu.
121 WILSON MELO DA SILVA, “O dana moral e a sua reparação”, 1955, cap. XXVI.
122 ESPÍNOLA, “Garantia e extinção das obrigações”, pág. 146.
LEIA TAMBÉM O PRIMEIRO VOLUME DA REVISTA FORENSE
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 1
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 2
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 3
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 4
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 5
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 6
NORMAS DE SUBMISSÃO DE ARTIGOS

I) Normas técnicas para apresentação do trabalho:
- Os originais devem ser digitados em Word (Windows). A fonte deverá ser Times New Roman, corpo 12, espaço 1,5 cm entre linhas, em formato A4, com margens de 2,0 cm;
- Os trabalhos podem ser submetidos em português, inglês, francês, italiano e espanhol;
- Devem apresentar o título, o resumo e as palavras-chave, obrigatoriamente em português (ou inglês, francês, italiano e espanhol) e inglês, com o objetivo de permitir a divulgação dos trabalhos em indexadores e base de dados estrangeiros;
- A folha de rosto do arquivo deve conter o título do trabalho (em português – ou inglês, francês, italiano e espanhol) e os dados do(s) autor(es): nome completo, formação acadêmica, vínculo institucional, telefone e endereço eletrônico;
- O(s) nome(s) do(s) autor(es) e sua qualificação devem estar no arquivo do texto, abaixo do título;
- As notas de rodapé devem ser colocadas no corpo do texto.
II) Normas Editoriais
Todas as colaborações devem ser enviadas, exclusivamente por meio eletrônico, para o endereço: revista.forense@grupogen.com.br
Os artigos devem ser inéditos (os artigos submetidos não podem ter sido publicados em nenhum outro lugar). Não devem ser submetidos, simultaneamente, a mais do que uma publicação.
Devem ser originais (qualquer trabalho ou palavras provenientes de outros autores ou fontes devem ter sido devidamente acreditados e referenciados).
Serão aceitos artigos em português, inglês, francês, italiano e espanhol.
Os textos serão avaliados previamente pela Comissão Editorial da Revista Forense, que verificará a compatibilidade do conteúdo com a proposta da publicação, bem como a adequação quanto às normas técnicas para a formatação do trabalho. Os artigos que não estiverem de acordo com o regulamento serão devolvidos, com possibilidade de reapresentação nas próximas edições.
Os artigos aprovados na primeira etapa serão apreciados pelos membros da Equipe Editorial da Revista Forense, com sistema de avaliação Double Blind Peer Review, preservando a identidade de autores e avaliadores e garantindo a impessoalidade e o rigor científico necessários para a avaliação de um artigo.
Os membros da Equipe Editorial opinarão pela aceitação, com ou sem ressalvas, ou rejeição do artigo e observarão os seguintes critérios:
- adequação à linha editorial;
- contribuição do trabalho para o conhecimento científico;
- qualidade da abordagem;
- qualidade do texto;
- qualidade da pesquisa;
- consistência dos resultados e conclusões apresentadas no artigo;
- caráter inovador do artigo científico apresentado.
Observações gerais:
- A Revista Forense se reserva o direito de efetuar, nos originais, alterações de ordem normativa, ortográfica e gramatical, com vistas a manter o padrão culto da língua, respeitando, porém, o estilo dos autores.
- Os autores assumem a responsabilidade das informações e dos dados apresentados nos manuscritos.
- As opiniões emitidas pelos autores dos artigos são de sua exclusiva responsabilidade.
- Uma vez aprovados os artigos, a Revista Forense fica autorizada a proceder à publicação. Para tanto, os autores cedem, a título gratuito e em caráter definitivo, os direitos autorais patrimoniais decorrentes da publicação.
- Em caso de negativa de publicação, a Revista Forense enviará uma carta aos autores, explicando os motivos da rejeição.
- A Comissão Editorial da Revista Forense não se compromete a devolver as colaborações recebidas.
III) Política de Privacidade
Os nomes e endereços informados nesta revista serão usados exclusivamente para os serviços prestados por esta publicação, não sendo disponibilizados para outras finalidades ou a terceiros.
LEIA TAMBÉM: