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Suspensão da executoriedade das leis inconstitucionais no Brasil, de Rosah Russomano De Mendonça Lima

Revista Forense
22/09/2025
SUMÁRIO: Supremacia da Constituição. Contrôle da constitucionalidade das leis. Sistema norte-americano. Poder Judiciário. Declaração de inconstitucionalidade. A Constituição de 1934. Carta de 1937. Constituição vigente. Art. 101, n. III. Art. 200. Conclusão.
*Dentre os princípios gerais, que norteiam a organização constitucional moderna, distingue-se o da SupremaciadaConstituição. Êste princípio, no entanto – influenciando embora nos países de Constituição costumeira e flexível, pela circunstância inelutável de que sempre existirá uma certa estrutura legal, reflexo eloqüente da consciência coletiva, que tenderá a uma durabilidade e a uma estabilidade mais acentuadas – êste princípio, dizíamos, alcança desusada relevância precisamente nos Estados que, à semelhança do nosso, consagram as Constituições escritas e rígidas. Estabelece-se, assim, correlatamente, a hierarquia das leis; no sentido de prevalência, de superioridade da norma constitucional, em face da norma ordinária. E as regras jurídicas, obedecendo aos preceitos dessa hierarquia, situam-se em distintos planos de validade e de importância, fazendo com que vislumbremos, no edifício jurídico, aquela “estrutura escalonada do Direito”, a que se referem MERKL e KELSEN.
A Supremacia da Constituição e Sua Relevância
Se, portanto, a norma ordinária apresenta incompatibilidade, frente ao preceito constitucional; se o infringe; se fere as suas determinações, estará, ipsofacto, eivada pelo vício indelével da inconstitucionalidade e, para a segurança das relações jurídicas e firmeza da organização estatal, não poderá prevalecer.
O princípio da inconstitucionalidade das leis, no entanto, relevante pela sua simples formulação, precisa ser devidamente apurado. E, para que o seja, necessita ter a sua observância assegurada com eficácia, outorgando-se, v.g., a um determinado órgão, competência especifica, para exercitar a relevante atribuição.
Daí, a incisiva interrogação de RUI BARBOSA: “Não séria, em verdade, estulto declarar teòricamente a improcedência das leis inconstitucionais, se elas, “não obstante, houvessem de vigorar como válidas, por não se encerrar, no organismo político, uma instituição destinada a reconhecer a inconstitucionalidade, pronunciá-la e neutraliza-la?” (“Comentários à Constituição Federal Brasileira”, 4° vol., pág. 127).
Além da atribuição dessa competência, no entanto, a um órgão determinado, algo mais se torna indispensável. É, assim, preciso que se fixe o alcance de seu pronunciamento, estabelecendo-se se, por êle, a lei inconstitucional será declarada nula, desaparecendo em definitivo da legislação, ou se, apenas, deixará de ter aplicação ao caso concreto.
Por isso, assim acentua ALEJANDRO CHIGLIANI: “El derecho positivo, sín embargo, es el llamado a investir de esa competencia a un órgano distinto y determinar el alcance del examen y de lá decisión, y establecer, también, si la invalidez de la “norma ordinaria” ha de pronunciarla con carácter general, es decir, declarar su nulidad erga omnes, y borrarla, por así decirlo, de la legislación, o simplesmente prescindir de aplicarla en el caso dentro del cual ha sido impugnada su legitimidad, y mantener, por este procedimiento, la supremacia de la “norma constitucional” (“Del control jurisdicional de constitucionalidad”, págs. 2 e 3).
Doutrinadores e sistemas constitucionais, porém, partindo embora do um ponto comum, no instante em que assentiram em atribuir a um organismo, fora do Poder Legislativo, o exercício da expressiva função pertinente à declaração da inconstitucionalidade das leis, discordaram em dois pontos capitais.
Diferenças Entre os Sistemas Europeu e Norte-Americano
Assim, em primeiro lugar, não foram unânimes em confiar o contrôle da constitucionalidade a um determinado e único órgão. Enquanto, pois, na Europa, prevaleceu o sistema de entregar aquela missão a órgãos especiais, denominados “Tribunais de Inconstitucionalidade”, na América, exceção feita a Cuba, predominou, incisivamente, o regime de outorgar a prerrogativa ao Poder Judiciário, que se pronunciaria por meio de seus próprios órgãos.
Em segundo lugar, não houve uniformidade, quanto à fixação do alcance da declaração de inconstitucionalidade. Dêste modo, enquanto, em alguns Estados, a decisão fere mortalmente a lei, anulando-a, excluindo-a definitivamente da legislação, o que caracteriza a organização européia, noutros, a caracterizar a organização americana, a lei declarada inconstitucional deixa de ter aplicação apenas no caso concreto.
O princípio da Supremacia da Constituição e o do contrôle jurisdicional da validade das leis, em face da Constituição, incrementaram-se nos Estados Unidos da América do Norte. E, ali, com o perpassar dos anos, se foram sedimentando, intensificando, até se apresentarem como o figurino dos demais Estados americanos.
Sistema de Controle de Constitucionalidade nos Estados Unidos
A origem remota daqueles princípios, no entanto, e que são essencialmente peculiares aos Estados de Constituição escrita e rígida, vão encontrar-se, paradoxalmente, na tradicional Inglaterra, país por excelência de Constituição costumeira e flexível. CROMWELL, assim, traçou a linha genérica da doutrina da supremacia constitucional. E lorde COKE deu a orientação primacial, para o contrôle jurisdicional da constitucionalidade das leis.
Nem outra é a assertiva de JUAN CASIELLO, quando acentua que as raízes da Supremacia Constitucional “pueden encontrarse en la Constitución o “Instrument of Government”, sancionado em Inglaterra, bajo el protectorado de Cromwell, en el año 1653. Efectivamente, en el se prescribia que toda lei contraria al mismo sería considerada nula y sin valor alguno. Ese “instrumento”, como se sabe, no tuvo vigencia efectiva, pero lo cierto es que los puritanos que emigraron al continente americano mantuvieron latente el principio, y lo aplicaron aun antes de concretarlo al organizarse independientemente” (“Derecho Constitucional Argentino”, pág. 124).
E nem outra é a lição de ALEJANDRO CHIGLIANI, quando lembra que o princípio do contrôle jurisdicional teve seu precursor em lorde EDUARD COKE, magistrado inglês formado em Cambridge, que, rebelando-se contra a onipotência do Parlamento e enfrentando a oposição da Coroa, reconheceu aos juízes competência para examinar a validade dos atos do Parlamento e para declará-los nulos, quando contrários ou repugnantes às regras da commonlaw ou às da razão. E essa teoria, amparada pelo seu prestígio, passou ao plano da realidade, quando as côrtes de justiça, em várias vêzes, declararam nulos certos ates do Parlamento que contrariavam a eqüidade natural e a razão, ou que infringissem os princípios da Magna Carta. Embora a doutrina tenha sido restringida, ao firmar o Parlamento sua autoridade e seu prestígio, a pomos de só poderem os juízes declarar a ineficácia dos atos que criassem obrigações impossíveis ou levassem a conseqüências absurdas, a teoria, então formulada, veio ressoar em terras da América, onde a supremacia judicial foi acolhida com franca hospitalidade (cf. ob. cit., págs. 10-11).
Mesmo durante o.período colonial, nos Estados Unidos da América do Norte, a organização vigente propiciou o desenvolvimento do princípio da Supremacia Constitucional.
Os puritanos independentes tinham a convicção de que o Estado, assim como a comunidade cristã, repousavam sôbre o seu contrato social, sôbre o seu covenant, devendo o mesmo ser ratificado por todos os membros integrantes da coletividade. Por isto, já a bordo do “Mayflower”, a 11 de novembro de 1690, foi subscrito o mais célebre de todos os contratos, assinando-o todos os homens adultos, não só em seus nomes, como nos de suas famílias. Era o Pilgrinfathers, que dispunha sôbre a fundação de New-Plymouth. A seu lado, com importância mais relevante, destaca-se, ainda, o FundamentalOrdersofConnecticut, que encarna uma verdadeira Constituição. Posteriormente, êstes contratos foram confirmados pela Coroa, que, ainda, doou outras Cartas, às demais colônias, que lhe pertenciam, enquanto as restantes receberam as Cartas de seus próprios senhores. Em tôdas elas, discriminavam-se privilégios, direitos e liberdades, que alicerçam o govêrno e tôda a organização administrativa.
Já àquela época, na organização colonial, distinguiam-se os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, de sorte que, Consoante frisa PINTO FERREIRA, a Revolução da Independência, “com seu caráter econômico, contra a política fiscal exploradora do Reino Unido, conservou e apurou o modêlo constitucional preexistente” (“Princípios Gerais do Direito Constitucional”, 3ª ed., vol. I, pág. 108).
E as Cartas primitivas foram sendo, gradativamente, substituídas pelas Constituições, distinguindo-se, entre elas, as de Virgínia (1776) e a de Massachusetts. A função das respectivas assembléias legislativas deveria moldar-se em consonância com seus dispositivos, notando-se, por sinal, que aquêles órgãos tinham seus podares de legislação especificados e limitados pelo próprio texto constitucional.
Em verdade, não se atribuía então, aos tribunais, o contrôle da constitucionalidade das leis. Não havia, nem mesmo no bôjo da Constituição federal de 1787, nenhum dispositivo expresso que, transparentemente, conduzisse àquela conclusão.
Nasceu, desta circunstância, uma verdadeira diversidade de opiniões. Assim, para alguns, a atribuição do Poder Judiciário, no relativo à declaração da inconstitucionalidade das leis, seria inconteste, palpável e transparente. Para outros, a questão não se solveria tão simplesmente e, dêste modo, contestando aquela alegada clareza, levantavam uma série de dúvidas e de óbices à realização da competência jurisdicional. Para outros, finalmente, menos radicais, a verdade estaria num ponto intermediário, concluindo, assim, que, se o princípio não ressaltava, explícito, das páginas da Constituição, nela estaria contido, implicitamente, embora, mas de modo inequívoco.
As questões que foram surgindo, em verdade, a revelar um conflito inelutável, entre a Constituição e lei comum, passaram, como tôdas as demais questões de direito, a ser resolvidas pelos juízes. Êstes e os tribunais chamaram a si a prerrogativa, argumentando com o raciocínio de lorde COKE que, àquela época, exercia profunda influência no pensamento político.
E, assim, através da Confederação, em 1781, e da Federação, em 1787, a jurisprudência norte-americana cimentou a doutrina do contrôle jurisdicional da constitucionalidade das leis, porque, em última análise, verdadeiramente, consoante acentua MATHEWS, a realidade é que, “prior to the holding of the Federal Convention of 1787, there had been several instances in which state courts had held invalid provisions of state statutes in conflict with the state constitution, and with these cases the members of that Convention were doubtless familiar. They inserted in the Federal Constitution a provision that the judicial power of the United States should extend to all cases in law and equity arising under this Constitution. This provision was apparently deemed to be sufficient to authorize judicial review of legislation” (“American Constitutional System”, 2ª ed., pág. 221).
Esta, pois, a orientação que prevaleceu. Entendeu-se que o princípio decorria implicitamente da disposição constitucional e o mesmo foi, pouco a pouco, estimulado e desenvolvido pelo esfôrço titânico da jurisprudência americana, que o tornou definitivo, sob o gênio de MARSHALL, no célebre caso Marbury v. Madison. Agigantou-se, então, o papel do Poder Judiciário, como controlador por excelência da constitucionalidade das leis, acentuando expressamente MARSHALL, ao fixar a posição daquele órgão estatal: “Aquêles que aplicam a regra aos casos particulares devem necessàriamente expor e interpretar essa regra. Se duas leis colidem uma com a outra, os tribunais devem julgar acêrca da eficácia de cada uma delas. Assim, se uma lei está em oposição com a Constituição; se, aplicadas elas ambas a um caso particular, o Tribunal se vir na contingência de decidir a questão em conformidade com a lei, desrespeitando a Constituição, ou consoante a Constituição, desrespeitando a lei, o Tribunal deverá determinar qual destas regras em conflito regerá o ato. Esta é a verdadeira essência do Poder Judiciário. Se, pois, os tribunais têm por missão atender à Constituição e observá-la, e se a Constituição é superior a qualquer resolução ordinária da legislatura, a Constituição, e nunca essa resolução ordinária, governará o caso a que ambas se aplicam” (“Decisões Constitucionais”, tradução de AMÉRICO LÔBO, págs. 10 e 11).
Não prejudicou a aplicação do sistema as críticas que se lhe levantaram, como, v.g., a formulada por JACKSON, quando apontou a deficiência da Constituição, na parte em que, tendo estabelecido um govêrno de poderes distintos, cuidadosamente controlados, concedeu, exatamente, aos órgãos de menor responsabilidade junto ao povo, o poder final, o poder incontrolado, sem exarar, paralelamente, uma única palavra que pudesse definir, limitar, regular êsse poder.
Em face das peculiaridades por que sempre foi exercida a atribuição, bem mais profundamente ecoou, na consciência jurídica, a favorecê-la, a assertiva de BRYCE, quando acentuou que “o intitulado poder de anular as leis inconstitucionais é antes um dever do que um poder”, valendo sobretudo, incisivamente, os ensinamentos de HAMILTON, sôbre a verdadeira posição do Poder Judiciário no caso. Pela sua brilhante argumentação, ficou, pois, bem claro que o pronunciamento judicial não vai traduzir uma superioridade do Judiciário sôbre o Legislativo, nem sequer um contrôle que aquêle órgão estatal acaso exercesse sôbre êste. Por aquêle pronunciamento, assim, o que ressalta certo e palpável é que, acima de tudo, paira, soberana, a vontade do povo, e que esta, expressa na Constituição, deve ser acatada e obedecida, preferentemente àquela expressa na legislatura ordinária.
Entre os órgãos estatais, por sinal, nenhum melhor do que o Poder Judiciário poderia controlar a validade das leis frente à Constituição. A circunstância de ser um poder desarmado, que não pode, por si, provocar o cumprimento de suas decisões, aliada à especial formação de seus membros, e, ainda, à circunstância de que só age nos casos concretos, e nunca em abstrato, tôdas estas condições se aliam, no sentido de imprimir ao Judiciário uma capacidade que, no caso, falece aos outros poderes do Estado.
Falece esta capacidade, até mesmo, como frisa FRIEDRICH, a qualquer outro órgão, a qualquer juradoconstitucional, distinto do poder judicial, de vez que nenhum será bastante neutro e imparcial, para exercer suas funções de guarda da Constituição. Portanto, “en consecuencia, tenemos que concluir que, a falta de una Constitución profundamente arraigada en la tradición, tales como las que existen en Inglaterra, Francia, Suiza o Suecia, será necesario un poder judicial capaz de ejercer la revisión judicial, si es que se quiere establecer una Constitución en el sentido político de un conjunto de técnicas encaminadas a restringir la acciôn del gobierno. Sólo mediante la influencia neutralizadora y racionalizadora de tal interpretación judicial, se mantendrán lo bastante equilibrados los diversos intereses, grupos y clases de la comunidade” (“Teoria y realidad de lá organización constitucional democrática”, versão espanhola, pág. 232).
Por tudo isto, apesar das variantes que se imprimem ao contrôle da constitucionalidade das leis, o sistema jurisdicional é o que mais profunda e satisfatòriamente soluciona o intrincado problema.
Nas mãos de magistrados probos, honestos, estudiosos, independentes, coloca-se a complexa questão e êles, por suas decisões justas e serenas, garantem a própria estabilidade constitucional do grupo.
É incisiva, a respeito, a argumentação de LAFERRIÉRE: “Quelle que soit l’importance politique du contrôle de la constitutionnalité des lois, les questions qu’il pose sont essentiellement d’ordre juridique (omissi). Il semble logique que ces questions de droit soient soumisses à l’autorité qui, dans l’Etat, est spécialement instituées et organisée pour trancher les contestations juridiques, c’est-à-dire l’autorité judiciaire. C’est donc un organe jurisdictionnel qui sera appelé a contrôler la constitutionnalité des lois. Ainsi ce contrôle bénéficiera des garanties de compétence technique et d’impartialité que presente la personne du juge, et aussi des garanties de la procédure judiciaire, publicite, débat contradictoire, obligation pour le juge de motiver sa sentence. D’autre part, atribuer le contróle de la constitutionnalité des lois à un juge, c’est mettre en reliej cette idée, essentielle si on veut éviter que l’institution ne dévie e ne se deforme, que ce contrôle est d’ordre strietement juridique, qu’il ne s’agit pas de rechercher si la loi est opportune ou non, bonne ou mauvaise, utile ou nuisible, mais uniquement de vérifier si elle est conforme ou contraire à la Constitution” (“Manuel de Droit Constitutionnel”, 2ª ed., pág. 312).
Correlatamente, percebe-se a necessidade inelutável de ser o Poder Judiciário protegido por sólidas garantias, que, de modo cabal, concedam aos seus membros a independência – material e intelectual – necessária para que exerçam, cem desassombro, suas superiores funções, livres do arbítrio, da opressão, da má-fé, com que acaso o Poder Executivo os pretendesse envolver, subtraindo-lhes, assim, o melhor de sua produtividade e de sua ação.
Representam elas, verdadeiramente, o alicerce seguro da atividade jurisdicional e, em última análise, da própria segurança do Estado, porque, em verdade, consoante COUTURE, “El instante supremo del derecho no es el del día de las promesas más o menos solemnes consignadas en los textos constitucionales o legales. El instante realmente dramático, es aquel en que el juez, modesto o encumbrado, ignorante o excelso, profiere su solemne afirmación implícita en la sentencia: “esta es la justicia que para este caso está anunciada en el Preámbulo de la Constitución“. No puede concebirse un juez que diga sin temblor esas palabras. Detrás de ellas están no sólo la ley y la Constitución, sino la historia misma con el penoso proceso formativo de la libertad.
Detrás de ellas hay guerra y luchas internas, crisis colectivas y grandes exaltaciones de pueblos. Como consecuencia de esas crisis y de esas luchas, es que se redactó Ia Constitución y se juró solemnemente. Y esa Constitución sigue siendo tal, en tanto asegure su vigencia en el fallo de jueces libres, austeros y responsables, sin distinción de causas grandes o pequeñas, oscuras o brillantes. Si la sentencia no ha sido empanada por el miedo, por el interés o por el odio, ella constituye la proclamación de la vigencia de la Constitución a lo largo del tiempo, en su prueba de cada día. Porque la Constitución vive en tanto se aplica por los jueces; cuando ellos desfallecen, ya no existe más” (“Estudios de Derecho Procesal Civil”, vol. I, pág. 95).
Nos próprios Estados Unidos da América do Norte, porém, contornaram-se às dificuldades, que poderiam levantar empecilhos a essa atividade do Poder Judiciário, tecendo-se uma série de regras, a que se devem curvar os magistrados, para apreciar devidamente a inconstitucionalidade de uma lei.
Assim, v.g., conforme frisávamos acima, o Poder Judiciário só pode atuar nos casos concretos, que exijam o exame da constitucionalidade da lei aplicável, para serem devidamente decididos. Não é possível, pois, intentar-se um processo diretamente contra o ato inconstitucional. Êste mecanismo só é viável nos países em que o contrôle da constitucionalidade se efetiva por meio de ação. Além disto, as leis, argüidas de inconstitucionais, têm, a seu favor, uma forte presunção de constitucionalidade, de sorte que a oposição entre a lei e o texto constitucional deve ser intensa, a ponto de animar o juiz de a clear and strong conviction, sôbre a incompatibilidade entre ambos. Não interessam, ainda, no caso, os motivos da lei, as razões que impulsionaram o legislador a cristalizar esta ou aquela disposição, pois que semelhantes apreciações ficam fora do âmbito de competência, do Poder Judiciário, assim como tôdas aquelas pertinentes à conveniência ou à oportunidade da norma jurídica. Por outro lado, sempre que o juiz puder estabelecer compatibilidade, entre a lei e o texto constitucional, por via de interpretação, deverá fazê-lo, devendo, ainda, aproveitar a parte válida de uma lei, sempre que esta apenas parcialmente estiver afetada pela inconstitucionalidade. Por último, aí outra característica essencial do sistema americano, a que já fazíamos referência de início, a declaração de inconstitucionalidade não anula a lei, não a subtrai do corpo da legislação. Ela, pois, continua a integrar o edifício jurídico, não tendo apenas aplicação ao caso específico, muito embora vá servir de orientação nos outros casos em que a norma jurídica deva ser invocada e deva incidir, levando o juiz à sua não-aplicação, pelo reconhecimento consciente de sua inconstitucionalidade.
O ensinamento e a prática norte-americanos, que se espargiram pelas terras da América, foram também acolhidos no Brasil, desde o alvorecer de nossa vida republicana.
Vigora, pois, entre nós, com algumas variantes, o sistema de entregar-se, ao Poder Judiciário, o contrôle supremo da constitucionalidade das leis.
A Evolução do Controle de Constitucionalidade no Brasil
O princípio, implícito no texto da Lei Magna norte-americana, foi consagrado pela Constituição de 1891, de maneira mais incisiva. Assim, o art. 60, a, rezou: “Compete aos juízes ou tribunais federais “processar e julgar as causas, em que alguma das partes fundar a ação ou a defesa, em disposição da Constituição “federal”. E seu art. 59, § 1°, a, estabeleceu: “Das sentenças das justiças dos Estados em última instância haverá recurso para o Supremo Tribunal Federal, quando se questionar sôbre a validade de tratados e leis federais e a decisão do Tribunal do Estado fôr contra ela”.
Consoante a lição de RUI BARBOSA, não poderia ser mais concludente, clara, compreensível, a redação constitucional. “Nela se reconhece, não só a competência das justiças da União, como a das justiças dos Estados, para conhecer da legitimidade das leis perante a Constituição. Sòmente se estabelece, a favor das leis federais, a garantia de que, sendo contrária à subsistência delas a decisão do tribunal do Estado, o feito pode passar, por via de recurso, para o Supremo Tribunal Federal. Êste ou revogará a sentença, por não procederem as razões de nulidade, ou a confirmará pelo motivo oposto. Mas, numa ou noutra hipótese, princípio fundamental, é a autoridade reconhecida, expressamente, no texto constitucional, a todos os tribunais, federais ou locais, de discutir a constitucionalidade das leis da União, aplicá-las ou desaplicá-las, segundo êsse critério” (ob. cit., vol. 4°, pág. 133).
A referência, pois, do texto supremo, à competência judicial para a declaração da inconstitucionalidade, era inequívoca, já em 1891, sendo esta competência especificada, por meio de lei ordinária, em 1894, notando-se que, ao ter lugar a reforma constitucional de 1925-1926, o princípio foi, novamente, consagrado. Dêste modo, sempre que se questionasse sôbre a vigência ou validade das leis federais, em face da Constituição, negando o Tribunal do Estado, pela sua decisão, aplicação às referidas leis, caberia recurso para o Supremo Tribunal Federal.
A Assembléia Constituinte, que promulgou a Constituição de 16 de julho de 1934, encarou frontalmente o problema e procurou imprimir-lhe mais profícua solução.
Seguiu-se, então, muito de perto, a lição que nos traçara a. Lei Magna de 1891. O novo Estatuto Supremo tornou, no seu art. 76, inc. III, letras b e c, a Côrte Suprema competente para julgar, em recurso extraordinário, as causas decididas pelas justiças locais, em única ou última instância, quando se questionasse sôbre a vigência ou validade de lei federal, em face da Constituição, e a decisão do Tribunal local negasse aplicação à lei impugnada; e quando se contestasse a validade de lei ou ato dos governos locais, em face da Constituição ou de lei federal, e a decisão do Tribunal julgasse válido o ato ou a lei impugnados.
Além de traçar esta orientação, porém, a Constituição de 1934 inovou salutarmente, fixando, no art. 179, que “Só por maioria absoluta de votos da totalidade de seus juízes, poderão os Tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou de ato do poder público”.
O Poder Judiciário, de modo inequívoco, seria o órgão competente para refrear os excessos, não só do Poder Legislativo, mas, também, do poder público em geral, abrangendo-se, pois, as demasias do chefe do Executivo e dos agentes de Administração. No entanto, os Tribunais, para declararem a inconstitucionalidade, precisariam fazê-lo por maioria absoluta de votos da totalidade dos seus juízes. Desta maneira, uma Câmara ou uma Turma não poderiam declarar a inconstitucionalidade. Inversamente, teriam tal competência, se decidissem pela constitucionalidade.
Sendo assim, só ao Tribunal Pleno competiria a declaração de inconstitucionalidade, devendo o mesmo pronunciar-se pela mesma, através da maioria absoluta de todos os membros do Tribunal.
Não seria indispensável que todos os membros estivessem presentes, embora essa presença global viesse a trazer vantagens incontestáveis, como a de evitar dúvidas, emprestando um prestígio ainda mais sólido à decisão final. Seria, porém, preciso que a maioria absoluta de todos os juízes se pronunciasse pela inconstitucionalidade. Êsse pronunciamento, então, seria integralmente válido.
A Constituição de 1934, no entanto, além de ter exarado essa exigência expressa, inovou, ao situar nosso sistema num ponto intermediário, entre o norte-americano, consoante o qual a lei declarada inconstitucional deixa de ser aplicada apenas ao caso concreto, e o sistema europeu, de acôrdo com o qual a lei, pela declaração de inconstitucionalidade, é suprimida do corpo da legislação, sendo virtualmente anulada.
Já estudando o sistema norte-americano, inaugurado entre nós em 1891, RUI BARBOSA observara que a lei declarada inconstitucional, embora não fôsse anulada, estaria, peia própria essência do sistema, ferida de morte. Desde então, frisava o emérito jurista., “se considerando inexeqüível, na expectativa de que sua aplicação não obteria nunca mais o concurso da justiça. Certo é que, destarte, indiretamente, se vem a operar a anulação. Mas precisamente no indireto da Í ação atribuída aos tribunais, sôbre a existência das leis, é que reside, na opinião unânime das autoridades acêrca desta feição do regime americano, o meio, tão natural, quanto profundo e eficaz, de não reduzir o Poder Judiciário a uma situação de rivalidade, antagonismo e conflito com o Poder Legislativo, assinando a um o privilégio de cassar os atos do outro” (“Comentários” cits., vol. 4°, pág. 374).
Em verdade, a declaração de inconstitucionalidade, prolatada pelos tribunais, iria orientar os demais tribunais e juízes, que se inclinariam a curvar-se perante aquela decisão, como se fôra uma verdadeira lei.
Se, encarada sob um aspecto restrito, a regra do staredecisis diga respeito, precipuamente, ao seguimento da orientação anteriormente adotada por determinado Tribunal ou juiz, temos que, dum ponto de vista mais amplo, esta orientação vai constituir uma regra de ação razoável, para os demais tribunais e juízes. E vai constituir norma de orientação decisiva, quando se tratar de declaração de inconstitucionalidade. Por isto, assim se pronuncia LÚCIO BITTENCOURT: “Muito embora se discuta se os juízes e tribunais estão, no comum dos casos, obrigados a obedecer à jurisprudência dos órgãos judicantes superiores, essa dúvida não cabe quanto às decisões que declaram a inconstitucionalidade, pois o entendimento pacífico é no sentido de considera-las plenamente obrigatórias. O juiz inferior não pode ter como constitucional,
para aplicá-lo a um caso concreto, o ato legislativo que os tribunais” superiores declararam inconstitucional em outro processo. Se um tribunal de instância superior, diz BLACK, se pronunciou contra a constitucionalidade de uma lei, ou a seu favor, essa decisão é obrigatória para todos os tribunais inferiores e a questão não mais pode ser discutida por êstes. Quando a decisão fôr do mais alto tribunal, sua obrigatoriedade é conclusiva em relação a todos os outros juízes e tribunais do país, de qualquer grau, sejam federais ou estaduais” (“Contrôle jurisdicional da constitucionalidade das leis”, págs. 143-144).
Êsse sistema, porém, defendido por BLACK, se bem que, entre nós, seja exeqüível e utilizado na prática judiciária, não o é no plano teórico, pois que, em princípio, os juízes brasileiros são dotados de completa autonomia na interpretação e aplicação das leis, cingindo-se, ou não, à orientação dos tribunais superiores.
Portanto, em nosso Estado, de 1891 a 1934, a lei eivada pela inconstitucionalidade, mesmo sendo esta declarada pelo nosso mais alto Tribunal, rigorosamente, deixaria de ter aplicação no caso subjudice, continuando, porém, integrada no quadro da legislação vigente e podendo ser aplicada a casos futuros.
O constituinte de 1934, ao estruturar a nova Carta Magna, procurou evitar os inconvenientes que advinham de semelhante situação, que, de um certo modo, desarticulava os princípios teóricos da prática diuturna e da realidade. Assim, fiel ao ensinamento norte-americano, no sentido de não anular a lei declarada inconstitucional tomou uma nova orientação, compatível com o espírito do sistema em si, mas onde se sentiram influências européias.
Rezou, pois, no art. 91, inc. IV, que, na competência do Senado Federal, estaria o suspender a execução, no todo ou em parte, de qualquer lei ou ato, deliberação ou regulamento, quando houvessem sido declarados inconstitucionais pelo Poder Judiciário.
E, minuciosa em suas determinações, estabeleceu, ainda, no art. 96, que, quando a Côrte Suprema declarasse inconstitucional qualquer dispositivo de lei ou ato governamental, o procurador-geral da República comunicaria a decisão ao Senado Federal, para os fins do art. 91, n. IV, e bem assim à autoridade legislativa ou executiva, de que tivesse emanado o ato.
A situação, portanto, foi sensivelmente alterada. É o que bem nos diz PONTES DE MIRANDA, ao rememorar que: “A tacha de inconstitucionalidade não tinha conseqüências formais no direito constitucional brasileiro de 1891-1934. A Constituição de 1934 não ousou transformar o julgamento inconcreto, no caso examinado pelos juízes, em julgamento definitivo, geral, da lei, nem, tampouco, em apreciação inabstracto e derriscante da lei. Se bem que escritores norte-americanos falassem de veto judicial, o sistema dos Estados Unidos da América e do Brasil era o de simples julgamento, incasu, da inconstitucionalidade. Mas o art. 91, n. IV, da Constituição de 34, criou algo de novo, algo de mais próximo do veto, se bem que só nos resultados, na eficácia, que é a suspensão da execução” (“Comentários à Constituição de 1946”, 2ª ed., vol. II, pág. 284).
O preceito constitucional de 1934, pois, iniciou uma orientação distinta e foi, como vimos, concebido de maneira ampla, abrangendo a suspensão da execução de lei ou ato, deliberação ou regulamento, desde que declarados inconstitucionais pelo Judiciário. Pela feição imprimida àquela época ao Senado Federal, que exercia funções a se ramificarem pela órbita administrativa, compreende-se, em parte, semelhante discriminação. Não obstante, a mesma foi acoimada de imprecisa e vaga, ressoando as críticas que se lhe opuseram na Assembléia Constituinte de 1946 que, conforme veremos oportunamente, adotou regra diferente ao tratar da matéria.
O legislador-constituinte de 1934, portanto, em seguimento à nossa tradição republicana, havia considerado o Poder Judiciário como o órgão competente para controlar a constitucionalidade das leis. E, à sua atuação, associara a do Poder Legislativo que, por meio de sua Câmara Alta, o Senado Federal, haveria de suspender a execução de leis, regulamentos, atos e deliberações considerados inconstitucionais.
Tínhamos conseguido, então, atingir a justa medida, pois que não mais se poderiam contrapor teoria e prática, no atinente a esta facêta da atividade jurisdicional. Antes doutrinàriamente, como vimos, os juízes não estavam adstritos às decisões prolatadas pelas instâncias superiores de julgamento. Realmente, no entanto, as declarações de inconstitucionalidade, emanadas dos tribunais mais elevados, exerciam a ação inelutável de seu prestígio, sôbre o pronunciamento dos magistrados; mas a lei, declarada inconstitucional apenas perante um determinado caso, continuava incorporada ao corpo de nossa legislação e prosseguia a atuar, no plano das relações sociais. Estas discordâncias, portanto, desapareceriam, por fôrça do novo texto constitucional. Se, v. g., a lei fôsse declarada inconstitucional, essa declaração seria seguida pela suspensão de execução da mesma.
Correlatamente, não se poderia argüir cem o raciocínio de que o Poder Judiciário se estivesse a sobrepor ao Poder Legislativo. Tal sucederia, em verdade, se aquêle Poder tivesse competência para cassar as normas emanadas do órgão legiferante. No caso, porém, entrosaram-se ambos os órgãos estatais e a lei inconstitucional seria suspensa em sua execução, mediante chancela expressa de uma parcela do Poder Legislativo, sem ser, no entanto, propriamente anulada.
Conforme frisávamos, pois, havíamos alcançado esta justa medida, quando o golpe de 10 de novembro de 1937, outorgando-nos a Carta da mesma data, provocou radical modificação em nossa estrutura estatal e, pois, no sistema antes preconizado e adotado.
O seu art. 96, em princípio, considerou, em verdade, o Poder Judiciário como o controlador por excelência da constitucionalidade das leis. E rezou que: “Só por maioria absoluta de votos da totalidade de seus juízes poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou de ato do presidente da República”, notando-se, nesta referência expressa a ato do presidente da República, a fisionomia característica do regime, em que se hipertrofiava o Poder Executivo e em que se consubstanciava o mesmo na própria pessoa do presidente. Tanto assim que, no texto constitucional, ao se tratar dos poderes estatais em separado, não havia referência, como seria normal, ao Poder Executivo e, sim, pura e simplesmente, ao presidente da República.
Não obstante, o parágrafo único do artigo citado, n. 96, fêz ruir, fragorosamente, o sistema do contrôle judicial da constitucionalidade da lei, ferindo em cheio o próprio Poder Judiciário. Por sua determinação, sendo embora declarada a inconstitucionalidade de uma lei, se o presidente da República, por seu exclusivo juízo, entendesse que a mesma fôsse necessária ao bem-estar do povo, à promoção ou defesa de interêsse nacional de alta monta, poderia submetê-la ao reexame do Parlamento. E se êste a confirmasse, por dois terços de votos em cada uma das Câmaras, ficaria sem efeito a decisão do Tribunal.
Ora, para agravar a situação, o Poder Legislativo, sob a vigência daquela Carta, jamais se reuniu. Tôdas as normas jurídicas eram exaradas pelo próprio Poder Executivo, consagrando-se o hibridismo dos decretos-leis. E se algum dêles fôsse declarado inconstitucional, no caso do presidente da República considerá-lo necessário, poderia, substituindo o Parlamento, sem maiores delongas, anular a decisão do Judiciário.
Esta situação perdurou até a reconstitucionalização do país, em 1946. Com a nova Constituição de 18 de setembro do mesmo ano, retomamos o fio de nossa tradição republicana. Voltamos ao contrôle jurisdicional da constitucionalidade das leis. Devolvemos, ao Poder Judiciário, o seu prestígio e a sua autonomia anterior. Entrosamos, novamente, o Legislativo, por intermédio do Senado Federal, no mecanismo da declaração de inconstitucionalidade, tornando-o o órgão competente para suspender a execução de lei ou decreto declarados inconstitucionais.
Conforme veremos, pela própria citação dos textos vigentes, o legislador, aproveitando-se da experiência passada, pesando as vantagens auferidas e compulsando os erros cometidos, empreendeu uma obra mais perfeita, protegendo o sistema em sua integridade e garantindo-lhe mais correta atuação no plano social.
Assim, no art. 101, inc. III, incluiu-se na competência do Supremo Tribunal Federal julgar, em recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, por outros tribunais e juízes, quando a decisão fôr contrária a dispositivo desta Constituição ou à letra de tratado ou lei federal; quando se questionar sôbre a validade da lei federal em face desta Constituição e a decisão recorrida negar aplicação à lei impugnada; quando se contestar a validade de lei ou ato do govêrno local em face desta Constituição ou de lei federal, e a decisão recorrida julgar válida a lei ou o ato; quando, na decisão recorrida, a interpretação da lei federal invocada fôr diversa da que lhe haja dado qualquer dos outros tribunais ou o próprio Supremo.
O Poder Judiciário, pois, por meio de suas parcelas continuou a ser o controlador por excelência da constitucionalidade das leis, permitindo-se sempre chegar ao seu pretório máximo, quando entrasse em causa um choque entre Constituição e lei ordinária.
O art. 200 da Constituição vigente, a seu turno, fixou que só pelo voto da maioria absoluta dos seus membros poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou de ato do poder público. Não mais se fêz referência a ato do presidente da República, tão ao sabor do regime ditatorial de 1937; não mais se recorreu à explicitação pouco técnica da Constituição de 1934, que citava, como alvo da atuação do Senado Federal, para a suspensão de sua execução, a lei, ato, deliberação ou regulamento; não mais se estabeleceu, por fim, a orientação do constituinte de 1934, omitindo-se o processo consoante o qual o Senado Federal teria conhecimento da declaração de inconstitucionalidade.
No entanto, fixou-se, taxativamente, no próprio artigo pertinente à matéria; ser necessário, para que o Senado Federal exerça a competência que lhe dá o texto constitucional, que haja, sôbre a declaração de inconstitucionalidade, uma decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, ou seja, uma decisão que não comporte a interposição de mais recurso nenhum, tendo pôsto, peremptòriamente, ponto final na controvérsia.
Hoje, como em 1934, conforme acentuávamos acima, para que a decisão de inconstitucionalidade seja válida, é indispensável que, pela mesma, se pronuncie a maioria absoluta dos tribunais, ou seja, a maioria absoluta de seus membros considerados em seu conjunto, não valendo, pois, a simples maioria ocasional.
Hoje, como ontem, entretanto, a redação do texto que rege a matéria, cristalizado no art. 200 de nossa Constituição, tem dado margem a divergências doutrinárias, em tôrno de sua interpretação.
Para alguns, portanto, o artigo em questão refere-se, tão-sòmente, ao modo de funcionamento do Tribunal, ao quorum exigido para a declaração de inconstitucionalidade. Para outros, entretanto, o artigo em aprêço refere-se à competência, de sorte que esta só caberia aos órgãos colegiados, furtando-se à mesma os juízes singulares.
Entre os primeiros, alinham-se CARLOS MAXIMILIANO, EDUARDO ESPÍNOLA, LÚCIO BITTENCOURT. Entre os segundos, que consideram competentes, para declaração de inconstitucionalidade, apenas os tribunais, estão PEDRO CALMON, TEMÍSTOCLES CAVALCANTI e VICENTE CHERMONT MIRANDA.
Reflexos destas divergências foram as Constituições estaduais promulgadas sob a vigência da Constituição federal de 1946 e que também interpretaram diferentemente o dispositivo, facultando umas a prerrogativa apenas aos tribunais e estendendo-a outros também aos juízes singulares.
De qualquer sorte, a questão está longe de ser pacífica e, prevalecendo, embora, de um modo geral, a corrente que considera competente também o juiz singular, para declarar a inconstitucionalidade de uma lei, valendo tal competência como definitiva sempre que não forem interpostos os recursos cabíveis, ponderáveis são as argumentações dos que, coma ALCIDES DE MENDONÇA LIMA, assim: sustentam: “O essencial é atribuir agi, Poder Judiciário aquela competência. Certas parcelas, porém, dêste Poder podem ficar excluídas ou ter sua iniciativa restringida, concedendo-se a outro órgão, também do Poder Judiciário, a palavra final sôbre a controvérsia. Isto em nada desfigura o sistema, pois, de um modo ou de outro, é sempre a “Poder Judiciário o competente para invalidar os efeitos da lei impugnada no caso concreto. (Omissis). Quando um juiz tem de julgar uma controvérsia, êle aplicará, ou não, ao caso concreto, a norma invocada pelas partes. Se não a aplica, é por um dos seguintes motivos: ou a norma invocada é impertinente, imprópria, incabível para a espécie; ou a norma, aparentemente adequada, está maculada com o vício da inconstitucionalidade. Nesta última hipótese, então, êle deixa de aplicá-la, deixa de submeter a seu império o caso em debate, tanto que não o soluciona à luz do preceito nela inserto. Deixou, portanto, de cumpri-la, negando-lhe aplicação, por entender que a mesma transgride o estatuto fundamental. Foi assim mantido o princípio doutrinário e político de que nenhum juiz deve aplicar uma lei que, no seu ponto de vista, seja inconstitucional. Êle usou da prerrogativa inerente ao Poder Judiciário. Haveria “falha do regime se o juiz devesse sempre aplicar a lei, mesmo que, no seu entendimento, fôsse a mesma inconstitucional, sòmente podendo o tribunal invalidá-la, se o caso até lá chegasse, por via de recurso. Mas a exigência não vai até êste ponto. O juiz deixa de aplicar a lei, mas a sua decisão tem de ser, obrigatòriamente, sujeita à instância superior” (“Competência para declarar a inconstitucionalidade das leis”, páginas 25 e 27).
Esta seria, em última análise, a situação, se existisse, no caso, recurso exofficio. Já aí poderia descortinar-se o panorama a que faz menção PONTES DE MIRANDA: “Os juízes singulares podem decretar a nulidade da lei, por ser contrária à Constituição, pois do que decidiremhá sempre recurso” (ob. cit., volume I, pág. 299).
Na verdade, porém, embora haja recursos, mas não o recurso exofficio, se a parte não se utiliza devidamente daqueles que são cabíveis, o pronunciamento do juiz singular, sôbre a inconstitucionalidade da lei, se torna definitivo, sem ter passado pelo crivo dos tribunais.
É, porém, característica essencial do sistema brasileiro, relativamente ao contrôle jurisdicional da constitucionalidade das leis, entrosar os Poderes Judiciário e Legislativo, cabendo a um a declaração da inconstitucionalidade, e a outro, por meio do Senado Federal e após decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, a suspensão da execução da norma.
Acentuam-se, pois, pelo exercício da competência de um e outro órgão estatal, dois momentos distintos: a declaração de inconstitucionalidade, que impede seja a lei aplicada ao caso concreto; e a suspensão, pela qual a regra deixa de ter executoriedade.
Poderá, no entanto, a norma assim suspensa voltar a atuar no plano das realidades jurídico-sociais?
PONTES DE MIRANDA, com sua autoridade, acentuando ter modificado sua opinião anterior, situa-se agora em pólo oposto e frisa que, após exame mais detido sôbre o assunto, concluiu que, suspensa a lei, não mais poderá o Supremo ou qualquer tribunal ou juízo aplicá-la. Isto porque ela não mais existe. E, se não existe, não incide. Desta maneira, se o Supremo e o Senado marcharem à ré, a regra não mais poderá integrar, por si, corpo de nossa legislação. E isto porque não há suspensão de suspensão e leis inexistentes não necessitam de suspensão (cf. ob. cit., vol. II, pág. 284).
Não obstante, entendemos, com a corrente de opinião dominante, que o texto constitucional foi expresso. O que se suspende, pura e simplesmente, é a execução de lei ou decreto declarados inconstitucionais. A norma jurídica, em si mesma, não é invalidada. Se, portanto, posteriormente, o Supremo Tribunal Federal, por uma mudança – não apenas transitória – mas radical, decisiva, concludente, em sua jurisprudência, voltar atrás, considerando a lei constitucional, a mesma poderá voltar a ser plenamente aplicada, pois que, dum modo ou doutro, ela se achava inserta no conjunto da legislação nacional.
O critério adotado visa, precìpuamente, a evitar decisões desarmoniosas, contraditórias, de um mesmo tribunal, propiciando maior coesão e uniformidade, quer na interpretação, quer na aplicação dos textos legais. Não importa, pois, que a ductibilidade das interpretações judiciárias ceda a uma rigidez mais acentuada, que a atuação do Poder Legislativo determina. Em última análise, a derradeira palavra, no setor da constitucionalidade das leis, há de ser sempre pronunciada pelo Poder Judiciário, que terá em si fôrças; através de seu pretório excelso, para insuflar vida nova à norma jurídica suspensa na sua execução.
E, assim, na instabilidade que caracteriza o mundo moderno, frente à lei e frente à Constituição, iniciando um novo ciclo, o Poder Judiciário é que poderá, na sua busca incessante pelo equilíbrio social e pela segurança coletiva, procurar, ainda uma vez, o caminho de luz e de paz, por que aspiram os povos e com que sempre sonhou a humanidade.
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Notas:
* N. da R.: Trabalho escrito especialmente para “Estudios en memoria de EDUARDO J. COUTURE”, publicação da Facultad de Derecho y Ciencias Sociales, de Montevidéu, por ocasião do primeiro aniversário de sua morte, maio de 1957. págs. 667 a 684.
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