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CLÁSSICOS FORENSE
MEDIAÇÃO E ARBITRAGEM
REVISTA FORENSE
Sentença Estrangeira – Juízo Arbitral – Homologação, De Armando Redig De Campos
Revista Forense
03/10/2024
– As sentenças arbitrais estrangeiras são homologáveis no Brasil.
– Interpretação do art. 15 da Lei de Introd. ao Cód. Civil brasileiro.
– Impossibilidade do reconhecimento de soberania por sentença arbitral.
PARECER
A homologação pretendida neste processo,* de duas sentenças arbitrais, confirmadas pelo pretor de Roma; envolve questões monárquicas e nobiliares singulares para nós, a suscitarem problemas de direito processual e constitucional, que precisam ser cuidadosamente analisadas para se chegar a uma conclusão segura quanto à procedência ou improcedência do pedido.
Com efeito, as sentenças homologandas decidiram sôbre a legitimidade da abdicação de um chefe de casa soberana, que se pretende descendente do imperador Constantino e proclamando a validade da sucessão por essa forma operada, reconheceram ao requerente da presente homologação, Mário Bernardo Flávio Comneno de Tessália, como chefe da “Casa Angelo Comneno”, todos os atributos da soberania – jus honorum e jus majestatis – compatíveis com a falta do domínio territorial que aquela Casa não tem, e lhe reconheceram ainda, por via de conseqüência, a chefia – Grande Magistério – da “Sacra Imperial Angélica ordem da Cruz de Constantino o Grande”, com poderes para conferir títulos e condecorações da mesma Ordem e títulos nobiliárquicos aos membros da família. Reconheceram-lhe finalmente também o direito de propriedade sôbre todo o patrimônio da Casa e regularam a ordem de sucessíveis, onde incluíram os descendentes masculinos e femininos, afastando, pois, a aplicação da famosa “Lei Sálica”.
Os diversos aspectos dêste processo deveras singular no nosso fôro e a peculiaridade de nunca haverem sido submetidas à delibação dêste Supremo Tribunal Federal sentenças emanadas de juízos arbitrais, exigiram de nossa parte um longo e minucioso estudo da matéria, tanto em face do direito brasileiro como em face do direito italiano, o que invocamos como justificativa da demora na elaboração dêste parecer.
Homologação de sentenças estrangeiras proferidas por juízos arbitrais.
A primeira questão com a qual nos defrontamos foi a da competência do Supremo Tribunal Federal para a homologação de sentenças estrangeiras proferidas por juízos arbitrais.
A espécie, até 1947, não tinha precedentes na jurisprudência, conforme assinala o douto HAROLDO VALADÃO em seus “Estudos do Direito Internacional Privado” (ed. 1947), no titulo “Execução de sentenças estrangeiras” (pág. 723), não nos constando que, dessa época para cá, tenha tido o Supremo Tribunal Federal oportunidade de se pronunciar a respeito.
Em face da doutrina, porém, e da lei, a questão, a nosso ver, se resolve no sentido da viabilidade do processo de delibação e competência do Tribunal para homologar sentenças arbitrais estrangeiras.
Na verdade, a dúvida só tinha razão de ser no regime anterior, quando vigente o art. 16 da Introd,. ao Cód. Civil, pois que o mesmo se referia a “tribunais” estrangeiros e “cartas de sentença” emanadas de “tribunais” estrangeiros. Do emprêgo dessas expressões, peculiares aos órgãos e processos da jurisdição ordinária, da qual não participam os juízos ou colégios arbitrais, concluíam alguns pela impossibilidade da homologação.
Assim não entendiam, porém, os melhores autores. MACHADO VILELA, por exemplo, que escreveu ainda na vigência da revogada Introd. ao Cód. Civil, considerava que o emprego da expressão tribunais estrangeiros não excluía a possibilidade da homologação.
Salientava, de fato, o notável internacionalista português, no estudo que escreveu para o “Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra” (“O direito internacional privado no Código Civil brasileiro”, ano III, 1917, números 26-60), que o essencial é que a sentença a ser homologada resulte de um julgamento em que tenham sido conhecidos os fatos alegados pelos interessados, apreciados os mesmos, segundo as provas apresentadas, ouvidas as partes em processo contraditório e a decisão não seja discricionária, mas se funde nas regras de direito.
As sentenças arbitrais resultantes de juízos compromissados, confirmadas pelas autoridades judiciais no seu país, têm essas características salientadas por MACHADO VILELA e merecem, pois, em tese, o exequatur.
Da mesma forma, na doutrina nacional, HAROLDO VALADÃO se pronunciava também, ainda na vigência da antiga Introdução, favoràvelmente à homologação (“Estudos de Direito Internacional Privado”, 1947, pág. 723).
Em face da nova Lei de Introdução, que não emprega aquelas expressões ambíguas, referindo-se simplesmente à homologação de “sentenças estrangeiras”, a dúvida, então, não subsiste mais.
De fato, EDUARDO ESPÍNOLA e EDUARDO ESPÍNOLA PILHO em sua obra “Lei de Introdução ao Código Civil Comentada”, discutindo a tese, já em face dessa nova lei, admitem (págs. 306-307) a homologação “das sentenças arbitrais estrangeiras desde que compatíveis com as regras processuais do Estado em que tem que objetivar-se a solução do caso”.
Destarte, considerando que as sentenças arbitrais submetidas neste processo ao exequatur do Tribunal satisfazem àqueles requisitos exigidos pela melhor doutrina para havê-las como homologáveis, uma vez que o “juízo arbitral”, quer na Itália, quer no Brasil resulta de um “compromisso” e é previsto na legislação processual como forma legítima de solução de litígios pelo julgamento de probi-viri, cujo laudo, quando homologado pelos órgãos da jurisdição ordinária, tem fôrça executiva (CHIOVENDA, “Principi di Diritto Processuale Civile”, 1928, página 17); considerando, mais, que a Itália também reconhece autoridade às sentenças arbitrais estrangeiras (CHIOVENDA, ob. cit., pág. 942), não vemos, em princípio, na natureza arbitral das sentenças submetidas à delibação, nenhum obstáculo à homologação pretendida.
Exigências do art. 15 da Lei~de Introd. ao Cód. Civil
Superada a preliminar da admissibilidade à homologação de sentenças arbitrais estrangeiras, cumpre-nos examinar se as mesmas satisfazem às demais exigências do art. 15 da Lei~de Introd. ao Cód. Civil brasileiro, dec.-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, para poderem ser executadas no Brasil.
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A competência do juiz que proferiu as sentenças homologandas parece-nos indiscutível. Não colide a mesma com a competência da autoridade judiciária brasileira, ressalvada pelo art. 12 da citada Lei de Introdução, porquanto as questões resolvidas pelo Juízo Arbitral italiano, na espécie, não dizem respeito a imóveis situados no Brasil e as partes compromissadas, ambas, eram domiciliadas na Itália, onde foi proferido o julgado.
Assim sendo, para nós, era competente o Juízo que proferiu as sentenças homologandas, porquanto nos filiamos àquela corrente para a qual o requisito da competência há que ser aferido face à competência dos tribunais nacionais, entendendo, como EDUARDO ESPÍNOLA e EDUARDO ESPÍNOLA FILHO, “Lei de Introdução ao Código Civil Comentada” 1944, vol. III, pág. 305, que: “quando não se possa alegar competência da Justiça brasileira, não cumpre indagar se o Tribunal estrangeiro que proferiu a sentença era internacionalmente competente ou se o era outro tribunal estrangeiro”.
Fazendo nossas estas palavras dos eminentes, internacionalistas patrícios, ressalvamos, todavia, que, a nosso ver nem sempre basta, para aferir-se da competência do tribunal estrangeiro, o confronto da sua jurisdição com a dos tribunais brasileiros, porquanto casos haverá em que, por convenções internacionais, o Brasil tenha aberto mão da competência ordinária dos seus magistrados, para sujeitar determinadas causas à jurisdição de outros tribunais, estrangeiros, internacionais ou ligados a organismos internacionais.
Mas, no caso não se verifica essa hipótese. A matéria discutida nos dois Juízos, cujos laudos são submetidos à deliberação dêste Supremo Tribunal Federal, – legitimidade de ato de abdicação do chefe da casa soberana, legitimidade do uso de prerrogativas de chefe de ordem soberana e exercício do direito de propriedade sôbre o patrimônio da Casa, – não foram objeto de qualquer convenção internacional firmada pelo Brasil ou à qual houvesse o nosso país aderido.
Finalmente, mesmo para aquêles, mais rigoristas, que exigem o exame da competência interna do tribunal, cuja sentença é submetida à homologação, não poderia haver dúvida no caso, quanto à competência do Juízo Arbitral face à lei italiana para dirimir aquelas questões controvertidas, de vez que, não sòmente aquêle Juízo, composto de membros da magistratura italiana, autorizados pelo Ministério da Justiça do seu país, a funcionarem como árbitros, examinou a preliminar de sua competência, como ainda, o pretor de Roma, homologando os laudos pelo mesmo proferidos e dando-lhes fôrça executiva na Itália, reconheceu a legitimidade da constituição daquele Juízo e confirmou sua competência para julgar a matéria que lhe fôra submetida.
Não poderíamos exigir mais; e assim, desde já, adiantamos que, para nós, não subsiste a argüição de falta, de competência levantada por Igor Prince Comneno Paléologue, no item 17 da sua contestação a fls. 189 dêstes autos.
Quanto à garantia do contraditório pela citação das partes, bastará salientar que, nos dois casos decididos pelas Sentenças homologandas, o compromisso arbitral se constituiu para dirimir questões em que o requerente da presente homologação era o “demandado”.
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O trânsito em julgado, porém, não se encontra certificado nos documentos juntos ao processo, como costuma ser feito pelas secretarias dos nossos tribunais. Mas consta dos aludidos documentos o mandamento, em nome da lei, a todos os oficiais de justiça, de executar as sentenças em aprêço, fazendo apêlo, se necessário, à assistência do Ministério Público e à intervenção da fôrça pública.
Semelhante “comando”, ordenando o cumprimento das sentenças homologandas, é hábil, na espécie, a suprir a declaração do trânsito em julgado.
Na verdade, o laudo arbitral no Direito italiano é irrevogável por vontade das partes, e CHIOVENDA salienta, comentando o instituto, na obra já citada, pág. 117, que:
“Col decreto del pretore il lodo acquista l’efficacia della sentenza dei giudici (cioè l’idoneità, se non impugnata, ad acquistare forza di cosa giudicata, forza esecutiva)”.
Salvo impugnação, portanto, por nulidade ou revogação (art. 821 do novo Cód. de Proc. Civil italiano), o laudo homologado transita em julgado, e como a impugnação depende da vontade das partes, que, para tanto, devem acordar-se (“convenire“), é evidente que, no caso sub judice, sendo requerida a homologação por uma das partes, justamente a demandada, licito é concluir que não houve semelhante acôrdo para um reexame do laudo, o qual, conseqüentemente, teria transitado em julgado.
Mas, quando assim não fôsse, temos conhecimento de que se encontra, na Secretaria dêste Supremo Tribunal Federal, uma petição do requerente da presente homologação, oferecendo, para ser junta aos autos, uma certidão do trânsito em julgado de ambas as sentenças homologandas, certidão devidamente autenticada e traduzida, que examinamos e encontramos em boa e devida ordem.
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As sentenças homologandas estão revestidas das formalidades para sua execução na Itália, estão devidamente autenticadas pelas autoridades consulares brasileiras e traduzidas para o vernáculo por intérprete autorizado.
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Os requisitos formais exigidos pela Lei de Introdução para a homologação das sentenças submetidas a juízo de delibação perante êste Supremo Tribunal Federal estão, portanto, todos satisfeitos. Resta apenas verificar se, no mérito, as sentenças homologandas não incidem no preceito limite do art. 17, que veda a homologação das sentenças ofensivas à soberania nacional, à ordem pública ou aos bons costumes.
A necessidade de verificação do respeito a êsse preceito limite nos obriga à análise do mérito das sentenças homologandas, único aspecto, aliás, sob o qual cabe no juízo da delibação o exame do mérito das sentenças estrangeiras.
A êsse exame vamos proceder, analisando, uma a uma, as duas sentenças em suas partes dispositivas, isto é, naquelas que, homologadas, teriam eventualmente que produzir efeitos no Brasil.
A primeira delas, que se encontra de fls. 19 a 29, traduzida de fls. 72 a 82 proclamando legitimo o ato de abdicação do soberano, embora não reinante, da “Casa Angelo Comneno”, na pessoa de seu primo, reconheceu a êste, Mário Bernardo, o requerente da presente homologação, a qualidade que, pelo referido ato legítimo, lhe fôra transmitida, de chefe da casa, soberano, com todos os direitos, as honras, os ônus, os privilégios, as pretensões, as precedências, as preeminências, os tratamentos, a autoridade, os títulos dativos e nativos, os atributos, os predicados e tudo mais que fôr inerente ou conseqüente à sua qualidade soberana.
Para aquêles que, seguindo a doutrina de SAVIGNY, NIBOYET e MANCINI (MACHADO VILELA, “O Direito Internacional Privado no Código Civil Brasileiro”, § 5°, nº 80), consideram como contrária à ordem pública ou à soberania nacional tôda instituição de um Estado estrangeiro, não reconhecida pelo Estado local, bastaria o enunciado acima, da espécie, para excluir desde logo e ipso facto a possibilidade da homologação.
Pretendemos nós, porém, mais liberalmente, examinar se, no caso concreto, o reconhecimento dêsse julgado estrangeiro, a aceitação de suas conclusões no Brasil, importaria, não sòmente em tese, mas também na realidade, em atentado à nossa soberania ou ofensa a qualquer lei de ordem pública, protetora, isto é, de interêsses vitais, de ordem política, moral ou econômica do país.
Cumpre-nos, assim, desde logo, examinar os efeitos que essa sentença vai produzir no Brasil. A propósito ocorre observar que a parte dispositiva da sentença homologanda é meramente declaratória e não constitutiva, dela resultando apenas a certeza da legitimidade da abdicação, legitimidade contestada pela outra parte. A sentença é, portanto, “d’accertamento negativo”, como a classificaria CHIOVENDA, despida de execução.
Desta forma, pareceria que não obstante tratar-se de reconhecimento de um instituto de direito público, desconhecido entre nós, a simples proclamação da legitimidade do seu exercício pelo juízo arbitral nobiliárquico italiano, não poderia importar em ofensa às nossas instituições republicanas.
Mas, é que a coisa julgada em ação declaratória não se limita a um platônico reconhecimento de uma situação de fato, sem conseqüências jurídicas.
A sentença declaratória, embora despida de execução, faz certo o direito, que pode servir de fundamento a uma sentença condenatória. Por êsse motivo, a declaração da legitimidade do ato de abdicação e o reconhecimento da soberania do requerente, através da sentença sub judice, importando – conseqüência lógico-jurídica daquela proclamação – no reconhecimento dos direitos, inerentes à sua qualidade de “chefe da Casa”, ou chefe da dinastia, poderia porventura nos levar a legitimar ação que propusesse perante os tribunais brasileiros, para tornar efetivo o exercício de sua autoridade soberana e o respeito aos seus “privilégios e títulos nativos”.
Ora, sem necessidade de recorrer à concepção mais ampla da ordem pública a que adere também MACHADO VILELA, que nela inclui todo preceito de direito público institucional, bastaria essa circunstância de se conceder, por essa forma, tutela jurídica a institutos monárquicos, para considerarmos a coisa julgada, submetida pelo requerente à delibação dêste Supremo Tribunal Federal, como contrária a preceitosconstitucionais brasileiros destinados a preservar princípios fundamentais da nossa organização republicana e democrática, preceitos êstes insofismàvelmente de ordem pública.
Na verdade, a Constituição republicana de 1891 aboliu, em seu art. 72, § 2º, os “privilégios de nascimento”, os “foros de nobreza” e os “títulos nobiliárquicos”, que não foram restabelecidos pelas Constituições subseqüentes. Estas, embora não repetindo a discriminação primitiva das instituições abolidas, asseguraram a impossibilidade de sua restauração pela adoção do princípio, que sempre proclamaram, da igualdade de todos perante a lei (art. 141, § 1º, da Constituição de 1946).
Objetar-se-á, talvez, que a proibição constitucional abrange tão sòmente os títulos nobiliárquicos brasileiros e privilégios que o legislador pretendesse atribuir, enquanto a sentença homologanda reconhece os privilégios e foros de nobreza de uma dinastia de âmbito internacional, de modo que o reconhecimento de sua legitimidade pelos tribunais brasileiros não importaria em ofensa ao princípio de igualdade do art. 141, § 1º, da Constituição.
Antes de refutar esta objeção; queremos ponderar que, se o alcance da sentença homologanda fôsse o simples reconhecimento da legitimidade das instituições dinásticas da “Casa Angelo Comneno”, sem lhe conferir, entretanto, o direito à tutela jurídica, então faltaria ao requerente o interêsse para agir, exigido pelo art. 2º do Cód. de Proc. Civil para tôda ação. Sem embargo, pareceria estranho que um soberano subordinasse o exercício da sua suprema auctoritas à confirmação da sua soberania por qualquer tribunal, nacional ou estrangeiro. Semelhante subordinação, na verdade, seria contrária à essência absoluta da instituição, conforme, aliás, o admitiu a própria sentença homologanda, na qual afirmaram os árbitros (fls. 123):
“I titoli di pretensione con qualità principesche, reali o imperiali como nel caso in esame, si possono portare, secondo anche la consuetudine internazionale, senza bisognó di alcuna conferma o decreti di riconoscimento o di autorizzazione dello Stato di origine, nè dello Stato di domicilio o di residenza nè dello Stato di nascità, nè, in fine, dello Stato sul quale la Famiglia onorata dalle sudette qualità, un tempo regnó. E ció perche trattasi di “Dinastie Sovrane”.
Mas, se a finalidade da homologação é apenas o reconhecimento da soberania da dinastia do requerente, ou seja, o seu reconhecimento no campo do direito internacional público, nesse caso não teria competência o Poder Judiciário para estatuir sôbre a matéria, pois que o art. 87, nº VI, da Constituição atribuiu ao Poder Executivo a competência para “manter relações com os Estados estrangeiros”. O requerente, então, teria que dirigir-se ao govêrno federal, por intermédio do Itamarati.
Se essa, porém, não é a finalidade da homologação; se pela homologação não se pretende um reconhecimento, despido de tutela jurídica, da soberania da dinastia dos Ângelo Comneno, o reconhecimento dessa soberania no âmbito do direito internacional público; se a homologação visa, como a nós parece, através do reconhecimento de seu direito soberano, legitimar o uso e gôzo dêsses direitos no Brasil, conferindo-lhes tutela jurídica, então a pretensão do requerente não pode ser acolhida; porque, insofismàvelmente, contraria, em sua essência, o princípio de igualdade contido no art. 141, § 1º, da Constituição federal.
Nas duas primeiras hipóteses haveria carência de ação, pela falta de interêsse a agir ou pela falta de competência do Judiciário; na última, é manifesta a ofensa à ordem pública, no sentido amplo da expressão, à soberania nacional.
Somos, por êstes motivos, contrários à homologação da primeira sentença de fls. 19 a 29, traduzida de fls. 72 a 82.
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Quanto à segunda sentença, que se encontra junta a fls. 117 a 137, traduzida de fls. 139 a 166, é, como a primeira uma sentença arbitral originada de compromisso firmado pelas partes para declarar se o requerente da presente homologação tinha o direito exclusivo, que lhe contestava a outra parte, de propriedade sôbre a biblioteca, o arquivo histórico da família, a pinacoteca, a armaria, as preciosidades, a prataria, as porcelanas e o patrimônio, bem como o direito às eventuais arrecadações (entrate é sinônimo de reddito) da “Sacra Imperial Angélica Ordem da Cruz de Constantino o Grande” e, finalmente; dirimir contenda quanto ao direito de conceder títulos e condecorações da referida Ordem, assim como títulos nobiliárquicos aos membros da Casa; visava, ainda, o compromisso determinar se a sucessão hereditária da dinastia obedeceria à “Lei Sálica”.
Como se vê, a sentença em aprêço, que julgou a espécie acima, é, como a primeira que examinamos, uma sentença declaratória; d’accertamento negativo, quanto à primeira parte e d’accertamento positivo quanto à apuração da lei de sucessão aplicável à herança do título soberano.
Em relação à primeira parte da contenda, o Tribunal Arbitral, reconhecendo que ao requerente pertencia, jure sanguinis e por diritto nativo (fls. 130), a qualidade de chefe de nome e de armas da “Casa Angelo Comneno”, proclamou que o mesmo se achava no gôzo da plena propriedade dos bens relacionados (fôlhas 131), bem como que lhe cabiam soberania, privilégios e precedências, títulos e honrarias, com direito de transmiti-los aos seus sucessores legítimos, o “Grande Magistério” da Ordem referida e o direito de conferir condecorações e títulos da mesma, bem como títulos de nobreza aos membros da família (fls. 131).
Com relação à segunda parte da sentença homologanda, ora analisada, concernente à aplicação da “Lei Sálica” à sucessão dinástica na “Casa Angelo Comneno”, entendeu o mesmo Tribunal Arbitral que essa lei não teria que ser observada, transmitindo-se, na família, o título soberano, por sucessão legítima, masculina ou feminina.
O cotejo das decisões no mérito, dessa sentença, com as nossas leis, leva-nos, ainda uma vez, à conclusão de que o seu reconhecimento no Brasil importaria em violação das regras institucionais nas quais se baseia a nossa ordem pública e soberania.
Nada impediria, com efeito, que se homologasse no Brasil a declaração judicial da legitimidade do exercício do direito de propriedade do requerente sôbre o patrimônio da “Casa Angelo Comneno”. Mas é que, na sentença homologanda, essa declaração resulta do reconhecimento da soberania do requerente, e com êsse reconhecimento está de tal forma entrosado que não é possível separar os dois julgados. E o que afirmam os árbitros a fls. 125:
“A tali diritti (de soberania) peró naturalmente possono unirsi anche altri, alienabili e trasferibili, di carattere patrimoniale. Sicchè, quando un colleggio giudicante è chiamato a decidere controversie che interessino quei diritti inalienabili ma uniti e collegati ad altri diritti patrimoniali, possono entrare nel merito e diritto, sia dei diritti inalienabili e imprescrittibili, sia di quelli a contenuto patrimoniale, per decidere, come nella fattispecie chi sia il vero titolare e degli uni e degli altri, essendo inscindibile l’oggetto della causa”.
Sendo inscindível o objeto da causa e conseqüentemente a coisa julgada a respeito firmada, é evidente que, reconhecida pelo exequatur dêste Supremo Tribunal Federal a legitimidade daquela propriedade, decorrente da soberania da “Casa Ângelo Comneno”, estaria a Justiça brasileira vinculada a conceder tutela jurídica ao exercício do direito da propriedade na forma dos estatutos da casa soberana, e pois, por hipótese, levada a tornar efetiva a transmissão dêsse direito por fôrça de instituições híbridas para nós, como primogenitura ou abdicação – como por fôrça de abdicação nela se acha investido o requerente – o que, òbviamente, é inconcebível, visto como, para o direito privado brasileiro, primogenitura e abdicação são institutos desconhecidos, sem direito, portanto, a prestação jurídica.
Quanto aos demais itens da sentença em aprêço:
Para que o requerente tivesse direito às rendas (entrate) da “Sacra Imperial Angélica Ordem da Cruz de Constantino o Grande”, não bastaria a homologação pretendida, a qual tal direito não lhe pode conferir. Na verdade, êsse direito depende da transferência da Ordem para o Brasil e da autorização, que sòmente o Poder Executivo lhe poderia dar, para funcionar no país. A respeito, em face da publicação do despacho do Exmo. Sr. ministro da Justiça, Dr. SEABRA FAGUNDES, no processo nº 1.614.553, de 5-11-54 (“Diário Oficial”, Seção I, de 10-11-54, págs. 18.067-18.068), cumpre-nos assinalar que, conforme juridicamente entendeu S. Exª, se a referida Ordem não pretende autorização para funcionar no Brasil, como pessoa jurídica estrangeira, mas pretende para aqui transferir-se, constituindo-se em pessoa jurídica brasileira, então, independentemente de autorização, os seus estatutos, conformes ao Código Civil e legislação aplicável, uma vez registrados, é que regulariam o seu funcionamento, órgãos e receitas, bem como a forma de sua arrecadação e aplicação. Carece, portanto, de interêsse jurídico a homologação dêste item da sentença estrangeira.
Finalmente, quanto ao direito de conceder títulos e condecorações da Ordem, bem como títulos nobiliárquicos, reportamo-nos ao que ficou dito a respeito da primeira sentença.
Resta a questão relativa à “Lei Sálica”. As normas que presidirão à sucessão dinástica na “Casa Angelo Comneno” òbviamente não carecerão de homologação no Brasil, porquanto evidentemente nunca poderiam ser objeto de contestação ou reconhecimento no Brasil. Neste caso, ainda, falta, portanto, ao requerente o interêsse legítimo exigido para o processo de homologação, como para qualquer ação, pelo art. 2º do Cód. de Processo Civil.
Somos, conseqüentemente, pelos motivos expostos, contrários também à homologação da segunda sentença, de fôlhas 117 a 137, traduzida de fls. 139 a 166.
Rio de Janeiro, 31 de março de 1955. – Armando Redig de Campos, curador à lide.
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Notas:
* N. da R. Sentença nº 1.428, da Itália.
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LEIA TAMBÉM O PRIMEIRO VOLUME DA REVISTA FORENSE
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 1
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 2
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 3
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 4
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 5
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 6
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