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O Distrito Federal, de Sadi Cardoso De Gusmão

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O Distrito Federal, de Sadi Cardoso De Gusmão

REVISTA FORENSE 161

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01/02/2024

SUMÁRIO: Breve histórico. Organização política e administrativa. Equiparação aos Estados. O Distrito Federal na Constituição de 1946. Autonomia. Organização Judiciária. A Lei Orgânica. Atribuições do prefeito e de seus secretários. A Câmara de Vereadores. O Tribunal de Contas. Divisão territorial. Conclusão.

O Distrito Federal é a sede da União Federal, constituída pela cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro e territórios adjacentes, onde se situa a Capital Federal.

1. Breve histórico.

A região onde se acham o Distrito Federal e a cidade do Rio de Janeiro foi reconhecida ou visitada, pela primeira vez, por Martinho Afonso de Sousa e a gente de sua expedição, mas a cidade sòmente teve fundação oficial em 1567, quando da derrota dos franceses e tamoios, por Estácio de Sá.

Mais tarde passou a ser a capital ou sede do govêrno do Sul, quando do desdobramento do govêrno do Brasil e, afinal, sede do Govêrno Geral, do Vice-Reinado e sede provisória do Reino de Portugal, Brasil e Algarves, a partir de 1815 até 1822, quando da separação de Brasil e Portugal, sob a égide de D. Pedro I.

Com a Constituição de 1824 foram criadas as províncias e se instituíram os Municípios, rezando o art. 167: “Em tôdas as cidades e vilas ora existentes, e mais as que para o futuro se criarem, haverá Câmaras, às quais compete o govêrno, econômico e municipal das cidades e vilas”, notando-se que a própria Constituição do Império, ao definir as regalias dos Municípios, excluiu o da sede da capital do Império.

A capital do pais constituía, destarte, Município, autônomo, em relação aos demais, ligados às províncias, daí a denominação de Município Neutro, justificada, ainda, pela circunstância de ter o Ato Adicional (lei de 12 de agôsto de 1834), em seu art. 1°, segunda parte, declarado que “a autoridade da assembléia legislativa da província em que estiver a Côrte, compreenderá a mesma Côrte, nem o seu Município”.

Com o advento da República, o decreto de proclamação nº 1, de 15 de novembro de 1889, no art. 10, dispôs que o território do Município Neutro ficaria provisòriamente sob a administração imediata do Govêrno Provisório da República e a cidade do Rio de Janeiro constituída, também provisòriamente, sede do poder federal.

A Constituição de 1891, e os atos anteriores expressamente declararam que o antigo Município Neutro constituiria o Distrito Federal, continuando a ser a capital da União.

Previa-se, no entanto, a mudança para outro ponto do território nacional, referindo-se o art. 3° ao planalto central da República e à área de 14.400 quilômetros quadrados.

O parág. único do art. 3º mencionado estabelecia que, efetuada a mudança da capital da República, o Distrito Federal passaria á constituir um Estado.

Mas, a organização municipal e os serviços na capital da República reservados à União dependiam de lei federal (Constituição de 1891, art. 34, inc. 30).

E a organização republicana primeira se verificou com a lei nº 85, de 20 de setembro de 1892, a qual deu ao Distrito Federal feição predominantemente municipal, com a inclusão de prefeito, de nomeação do presidente da República, e com Conselho Municipal, eleito pelo povo, aos quais são confiadas as faculdades e poderes legislativos e administrativos de caráter local.

A organização era, completada pela Justiça local, com um tribunal de segunda instância, a Côrte de Apelação, em situação de competência equivalente aos tribunais estaduais, o Tribunal do Júri, juízes de direito, pretores e subpretores, e mais tarde suplentes de pretor.

No sistema constitucional anterior dúvida havia quanto à verdadeira situação jurídica do Distrito Federal.

Acórdão do Supremo Tribunal Federal, de 19 de setembro de 1896, dá o Distrito Federal por equiparado aos Estados, pelo fato de possuir representação na Câmara dos Deputados e no Senado; serem os seus limites fixados por lei federal; serem os seus eleitores, eleitores diretos na eleição de presidente e vice-presidente da República, notando-se que a Constituição trata do Distrito Federal no título 2º, sob a rubrica “Dos Estados”, em vez de o fazer no título 3°, sob a epígrafe “Do Município”, além doutras razões.

Pouco tempo antes o mesmo Supremo Tribunal decidia que a Justiça do Distrito Federal era estadual (acórdão de 2 de maio de 1896).

Em sentido contrário se manifestou o Senado, em sessão de 15 de maio de 1897, como nos refere ARISTIDES MILTON, assentando que “ao Distrito Federal falecem as qualidades que a um Estado caracterizam, visto como êle não passa de um simples Município, organizado embora excepcionalmente, em virtude dos motivos que aconselharam a sua instituição”.

A MÍLTON tal asserção pareceu a melhor, tendo em vista a sujeição do Distrito Federal às leis federais em assuntos de seu interesse, salientando que a Justiça do Distrito Federal não é federal nem estadual, mas simplesmente local, terminando suas observações com a citação de CARLIER, referente ao Distrito Federal (Colúmbia), o qual não é Estado, nem fragmento de Estado, nem território, na acepção política, do têrmo, porém estrutura especial (MILTON, “A Constituição do Brasil”, págs. 15 a 17).

Entretanto, a Suprema Côrte de Justiça não chegou a conceituar o Distrito Federal como verdadeiro Estado, antes limitou-se a equipará-lo a Estado para certos efeitos (acórdãos citados no “Manual de Jurisprudência”, de OTAVIO KELLY, nº 641, e 1º Suplemento, 465), inclusive para efeitos da competência da Justiça federal.

Daí o afirmar PONTES DE MIRANDA que o Distrito Federal, ao tempo da Constituição de 1891, era algo situado entre o Município e o Estado, e que a Constituição de 1934 mais acentuou a condição de Estado-membro sui generis, em relação ao mesmo Distrito Federal, situação modificada profundamente pela Carta de 1937, ante as disposições do art. 30, mantendo a nomeação do prefeita pelo presidente da República, com a aprovação do Conselho Federal e demissível ad nutum, cabendo as funções deliberativas ao Conselho Federal (“Comentários à Constituição de 1937”, vol. I, pág. 607).

Esta última determinação constituiu verdadeiro golpe de morte na autonomia do Distrito Federal, felizmente reparado pela Constituição de 1946.

2. O Distrito Federal na Constituição de 1946

A vigente Constituição, em seu art. 1º, § 1º, incluiu o Distrito Federal entre as unidades componentes da União, declarando no § 2° que êle seria a capital da União.

Nos arts. 15, § 2º, 31 e 32 a mesma Constituição estatuiu a propósito de impostos, completando-se as disposições tributárias com o art. 26 § 4º, onde se atribui ao Distrito Federal os impostos que a constituição reserva aos Estados e Municípios (arts. 19, 29 e 30), incluindo-se na capacidade tributativa a faculdade estabelecida pelo art. 21, quanto à decretação de outros, tributos, além dos que são atribuídos à União e aos Estados, pela Constituição, valendo a regra de repulsa à bitributação, assegurada pela prevalência do impôsto federal sôbre o estadual.

Nos arts. 25 e 26 a Lei Magna fixa as linhas orgânicas, político-jurídicas, relativas ao Distrito Federal, disciplinando-se, destarte, com maior precisão, nas leis constitucionais, essa entidade política, já desde muito classificada como pessoa, Jurídica de direito público interno pelo Código Civil.

Ainda, em relação ad Distrito Federal há dispositivos outros na Lei Maior, como os arts. 56 e 60 (representação na Câmara dos Deputados, e no Senado); 127, de referência ao Ministério Público local; 201, relativamente ao fôro da União, podendo-se mencionar outros preceitos que indiretamente a êle se referem.

Não há, entretanto, ponto de vista uniforme sôbre a natureza jurídica do Distrito Federal, mantendo PONTES DE MIRANDA sua opinião quanto a tratar-se de Estado-membro sui generis, ou Estado assemelhado, no que é seguido por ITAGIBA (“O Pensamento Político Universal e a Constituição Brasileira”, vol. 2º, pág. 243).

CARLOS MAXIMILIANO adota critério diferente, assinalando a característica de território submetido a disposições especais, inclusive as que lhe retiram a autonomia.

Para nós a situação jurídica do Distrito Federal só pode ser a que resulta da Lei Magna: unidade componente da União, com individualidade própria, ou características especiais, segundo a doutrina de CARLIER, em relação a Colúmbia, com as devidas restrições.

Não é simples território, porque como tal não quis nem quer o legislador-constituinte considerá-lo, tanto que, enumerando as unidades componentes da União, o inclui em separado, entre os Estados e os Territórios, e não será Estado enquanto nêle tiver sua sede a capital da União (artigo 1º, § 2º da Constituição).

Dizer que é Estado sui generis ou Território ou Município sui generis, é deixar a situação como indefinida, valendo qualquer das afirmações.

Na verdade, o Distrito Federal, pela sua expressão exterior, é assemelhado ao Estado, tanto que tem representação na Câmara e no Senado (esta característica de unidade política). No que concerne à sua vida interior, intrínseca, se assemelha, no entanto, a Município, porque administrado por prefeito, nomeado pelo presidente da República e com poder de veto, porque organizado por lei federal e, ainda, em razão de ter Justiça própria como os Estados.

Intervém, ainda, na administração, a Câmara de Vereadores, que é mais do que uma simples Câmara Municipal, ante os poderes que lhe são atribuídos pela Constituição e os que poderão ser outorgados pelo legislador federal, o qual pode, assim, conferir maior ou menor, autonomia.

Cogita-se de conferir ao Distrito Federal autonomia absoluta, achando-se em discussão no Senado emenda à Constituição.

Anteriormente caíra a idéia nas assembléias, constituintes, inclusive em 1890, quando de iniciativa de TOMAS DELFINO, o qual pensava criar o Estado da Guanabara.

Vem a pêlo aqui a questão suscitada por ADAUTO LÚCIO CARDOSO e CARLOS LACERDA, com apoio no que sustentava RUI BARBOSA, a propósito da autonomia que, a nosso ver, existe, embora mutilada, e com caráter relativo, ou seja sem expressão de independência, ante a condição do prefeito, mas sem absoluta dependência, ante os poderes da Câmara de Vereadores.

Certamente que não se pode negar tenha, dentro dos limites constitucionais, o Distrito Federal certa autonomia, no concernente à organização dos seus serviços e à matéria atribuída à sua competência, o que, para valer como autonomia estatal, é pouco.

Embora pouco é algo, sendo para notar que na Constituinte o deputado ARGEMIRO FIGUEIREDO apresentou emenda no sentido de autonomia, substituída por outra de PRADO KELLY, fixando as bases dessa autonomia: a eleição do prefeito pelo povo e a existência da Câmara com funções legislativas.

A emenda caiu porque, com ela, o Distrito Federal passaria a ser verdadeiro Estado, sem condições do govêrno próprio e exclusivo, ou seja com dois governos.

Mas, subsistiu a parte relativa à Câmara com poderes legislativos, os quais vieram a ser regulados pela lei orgânica nº 30, de 27 de fevereiro de 1947, destinada a restabelecer a vigência da anterior (lei nº 196, de 18 de janeiro de 1936), no que não contrariam a Constituição, e, mais tarde, pela lei nº 217, de 15 de janeiro de 1948.

O art. 25 da Constituição diste que a organização administrativa e judiciária do Distrito Federal seria regulada por lei federal, observado quanto à magistratura o preceituado no art. 124.

No art. 26 estabeleceu que o Distrito Federal será administrado por um prefeito, demissível ad nutum e nomeado pelo presidente da República, com prévia consulta ao Senado, quanto à aprovação do respectivo nome.

O mesmo art. 26 determina que o Distrito Federal terá Câmara, eleita pelo povo, com funções legislativas e dispõe, no § 3º, sôbre os vencimentos dos desembargadores, um preceito atualmente modificador por lei constitucional.

Ainda, no § 4º dêste artigo atribui a Lei Magna ao Distrito Federal os mesmos impostos que cabem aos Estados e Municípios, consoante já ficou dito.

Quanto à organização judiciária, depende ela da lei federal, para efeitos locais, atribuídas à Justiça do Distrito Federal as mesmas prerrogativas da Justiça dos Estados, notando-se que, esdrúxulamente, se mantém a competência da mesma no referente à segunda instância; ou seja a de tribunal de recursos em relação aos Territórios, valendo a Justiça do Distrito Federal, nesta matéria, como Justiça federal, apesar de existir um Tribunal Federal de Recursos.

A Justiça do Distrito; entrosada nos princípios constitucionais, art. 124, além das fundamentais, se acha organizada pelo dec.-lei nº 8.527, de 31 de dezembro de 1945, modificado pela lei nº 1.301, de 28 de dezembro de 1950, e dec. nº 19.505, de 19 de dezembro de 1951.

Compõe-se o Tribunal de Justiça do Distrito Federal de 36 desembargadores, distribuídos em oito Câmaras Cíveis e três Criminais, além do presidente, vice-presidente e corregedor.

Funciona, ainda, o Tribunal em Câmaras Cíveis e Câmaras Criminais Reunidas, bem como em quatro Grupos de Câmaras Cíveis, tudo sob a organização fixada pelos Atos Regimentais aprovados pelo mesmo Tribunal, em sessão de 29 de janeiro de 1953 (numerados de 1 a 35), para execução provisória.

A Justiça de primeira instância está confiada a 60 juízes de direito, os quais servem como substitutos de desembargadores e dos ministros do Tribunal Federal de Recursos.

A substituição dos juízes é feita através de substitutos nomeados em concurso, havendo, ainda, sete juízes do Registro Civil, aos quais o Tribunal tem negado as prerrogativas de magistrado de carreira.

Na parte relativa ao Parlamento, a Constituição não contém referência expressa ao Distrito Federal, a não ser no que diz respeito à representação nas duas Casas do Congresso.

No art. 201 a Constituição menciona também o Distrito Federal como fôro da União, e em outras disposições alude ao Ministério Público do Distrito Federal a sede dos tribunais superiores, inclusive o Supremo Tribunal Federal, e no art. 4º das Disposições Transitórias determinou que, feita a mudança da capital para o interior do país, o Distrito Federal passaria a constituir o Estado da Guanabara, denominação alvitrada em emenda pelo deputado CAFÉ FILHO.

3. O Distrito Federal e a sua Lei Orgânica

A Lei Orgânica do Distrito Federal é a de nº 217, de 15 de janeiro de 1948, onde expressamente se atribui a administração ao prefeito, de nomeação pelo presidente da República, mediante consulta ao Senado e demissível ad nutum, participando da administração no que concerne a legislação respectiva à Câmara de Vereadores.

O art. 24, § 2º, da lei mencionada estabelece que o prefeito, nos impedimentos não excedentes de 30 dias, será substituído por um dos secretários-gerais por êle designado. Esta substituição só é legitima até 30 dias, não podendo ser prorrogada nem sequer por processo indireto, porque para maior prazo a substituição interina é da alçada do presidente da República e essa nomeação já não depende de assentimento do Senado.

Cabe ao prefeito: a) a administração dos negócios públicos; b) a iniciativa das leis, a sanção, o veto e a promulgação da lei; c) a expedição de decretos, regulamentos e instruções para fiel e conveniente execução das leis; d) dirigir, superintender e fiscalizar os serviços públicos municipais; e) promover e defender todos os interêsses do Distrito Federal, de acôrdo com a respectiva legislação; f) realizar operações de crédito, bem como celebrar acôrdos com os credores ou devedores do Distrito Federal, tudo mediante autorização legal; g) decretar a desapropriação, mediante prévia e justa indenização em dinheiro, nos casos por lei considerados de necessidade ou utilidade pública ou de interêsse social; h) prover os cargos públicos, nomeando, promovendo, admitindo, contratanto, reintegrando ou readmitindo servidores, e conceder licenças, aposentadorias ou jubilações, nos termos da Constituição e das leis vigentes, observada a competência da Câmara e do Tribunal de Contas, relativamente à organização das respectivas Secretarias; i) fazer arrecadar os impostos, taxas, contribuições, multas e quaisquer rendas devidas ao Distrito Federal e dar-lhes aplicação legal; j) providenciar sôbre a conservação e administração dos bens do Distrito Federal, promover a sua alienação ou permuta, observadas as formalidades legais; k) promover a organização de planos administrativos, submetendo-os à apreciação da Câmara, com a indicação dos meios necessários à sua execução; l) prestar, por escrito, tôdas as informações e esclarecimentos que a Câmara solicitar; m) manter relações com a União e os Estados, podendo, como representante do Distrito Federal, celebrar ajustes e convenções, ad referendum da Câmara; n) representar o Distrito Federal em Juízo por intermédio dos procuradores e advogados da Fazenda da Distrito Federal, quando aquêle fôr demandado, tiver de demandar ou de qualquer forma intervierem processo judicial, tudo nos têrmos do art. 25, § 1º, e seus incisos da Lei Orgânica. Esta determina, ainda que, dentro de 30 dias da instalação da Câmara, o prefeito envie mensagem relativa à sua gestão, acompanhada de prestação de contas.

O prefeito será auxiliado por um secretário e tantos secretários-gerais quanto as Secretarias que forem criadas por lei. Ditos secretários só podem ser brasileiros natos, maiores de 25 anos, alistados eleitores, domiciliados no Distrito Federal e demissíveis ad nutum.

Os secretários têm as atribuições previstas no art. 27 da lei e as mais que constarem das leis referentes às Secretarias, notando-se que os vereadores escolhidos secretários não perdem o mandato, sendo substituídos temporàriamente pelos respectivos suplentes.

Além disto, são os secretários responsáveis pelos atos que subscreverem ou praticarem, ainda que por ordem do prefeito, ficando sujeitos ao processo estabelecido pela Lei Orgânica ora em exame (arts. 29 e 30), perante o Tribunal de Justiça do Distrito Federal, isto nos crimes de responsabilidade e nos que forem conexos com os do prefeito (art. 31).

O prefeito será processado e julgado nos crimes de responsabilidade depois que a Câmara de Vereadores, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, declarar procedente a acusação.

A denúncia, em tais crimes, será dirigida ao presidente do Tribunal de Justiça, que convocará uma Junta Especial de Investigação, composta de um desembargador, eleito pela Tribunal, e dois vereadores, eleitos pela Câmara.

Essa Junta, ouvido o prefeito, procederá às investigações necessárias, e, no prazo de 20 dias, apresentará seu parecer à Câmara, com circunstanciado relatório. Dentro de 30 dias, a Câmara, em sessão especialmente convocada, e que será pública, salvo se o contrário fôr deliberado, decretará, ou não, a acusação, ordenando; no caso de a decretar, que o processo seja remetido ao Tribunal de Justiça, para o julgamento, ficando o prefeito desde logo afastado do cargo.

Os crimes de responsabilidade fixados na lei, art. 30, decorrem de atos que atentem contra: a) a existência da União ou do Distrito Federal; b) a Constituição federal ou a presente Lei Orgânica; c) o livre exercício dos poderes constitucionais; d) o gôzo ou exercício legal dos direitos políticos, sociais ou individuais; e) a segurança e a tranqüilidade do Distrito Federal; f) a probidade na administração; g) a guarda ou emprêgo legal dos dinheiros públicos; h) as leis orçamentárias; i) o cumprimento das decisões judiciárias.

O processo respectivo, referente a delitos do prefeito e seus secretários, uma vez remetido ao Tribunal, em face da decretação da acusação, será encaminhado a um relator sorteado pelo presidente do Tribunal, prosseguindo na forma prevista em os arts. 557 e segs. do Cód. de Processo Penal, podendo, ante a resposta do acusado, ou de defesa prévia, vir a ser arquivado.

Observar-se-á no andamento do processo, ainda, o disposto nos arts. 10 a 13 do Ato Regimental nº 14, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, em conexão com os preceitos já referidos do Cód. de Proc. Penal, totalmente em vigor, salvo na parte relativa à decretação do impeachment, consoante o dispositivo supra (artigo 29 da Lei Orgânica).

4. Do Legislativo do Distrito Federal

É constituído pela Câmara de Vereadores, composta de 50 representantes do Distrito Federal (a serem aumentados para 60) e organizada na conformidade do disposto em os arts. 6 a 13 da Lei Orgânica.

Essa mesma lei, ao discriminar a competência do Distrito Federal, estabeleceu no art. 2º o seguinte:

“Compete ao Distrito Federal exercer, em geral, todo e qualquer pôder ou direito que lhe não seja negado, explícita ou implìcitamente por cláusula expressa da Constituição ou de lei federal, e especialmente:

I. Organizar os seus serviços administrativos de conformidade com esta lei.

II. Prover às necessidades do seu govêrno e da sua administração, podendo, todavia, em caso de calamidade pública, pedir auxilio à União.

III. Organizar o estatuto dos seus funcionários, respeitados os princípios estabelecidos na Constituição.

IV. Elaborar leis supletivas ou complementares da legislação federal, nos têrmos e limites do art. 6º da Constituição.

V. Decretar impostos sôbre:

a) propriedade imobiliária em geral;

b) transmissão de propriedade causa mortis;

c) transmissão de propriedade imobiliária inter vivos e sua incorporação ao capital de sociedade;

d) vendas e consignações efetuadas por comerciantes e produtores, inclusive industrial, isenta, porém, a primeira operação do pequeno produtor, como tal definido em lei;

e) exportação de mercadorias de sua produção para o estrangeiro, até o máximo de 5% ad valorem, vedados quaisquer adicionais;

f) indústrias e profissões;

g) atos emanados do seu govêrno e negócio da sua economia ou regulados por lei da sua competência;

h) licenças;

i) diversões públicas.

VI. Decretar quaisquer impostos não atribuídos privativamente à competência da União, observado, no que couber, o preceito do art. 21 da Constituição.

VII. Cobrar:

a) contribuições de melhoria, quando se verificar valorização do imóvel, em conseqüência de obras públicas;

b) taxas;

c) multas de qualquer natureza;

d) quaisquer outras rendas que possam provir do exercício das suas atribuições e da utilização ou retribuição dos seus bens e serviços.

§ 1º O impôsto territorial não incidirá sôbre sítio de área inferior a 20 hectares, quando o cultive, só ou com a família, o proprietário, desde que não possua outro imóvel.

§ 2º O impôsto de transmissão de propriedade inter vivos, bem como a sua incorporação ao capital de sociedade, incidirá sôbre tôdas as formas legais de transmissão, inclusive a cessão de direito e arrecadação ou adjudicação.

§ 3º A contribuição de melhoria não poderá ser exigida em limites superiores à despesa realizada, nem ao acréscimo de valor que da obra houver decorrido para o imóvel beneficiado.

§ 4º A arrecadação, cobrança e fiscalização dos impostos efetuar-se-ão de conformidade com a lei que os instituir e regular. Poderão ser criados conselhos com participação dos contribuintes para julgamento dos recursos administrativos, na forma estabelecida por lei.

§ 5º A Fazenda do Distrito Federal, pelos seus representantes, intervirá, obrigatòriamente, em todos os processos judiciais, contenciosos ou administrativos, dos quais lhe possam resultar direitos ou obrigações.

§ 6º Nos processos administrativos instituídos para apuração de fatos que possam dar lugar à aplicação de pena, a lei municipal assegurará aos interessados ampla defesa, observado o princípio da instância dupla.

VIII. Realizar operações de crédito nos têrmos da Constituição.

IX. Fazer concessão de serviços, públicos não reservados à União.

X. Estabelecer planos de colonização e de aproveitamento das terras devolutas, para a afixação dos habitantes empobrecidos e dos desempregados, e assegurar aos posseiros a preferência para aquisição das terras, onde tenham morada habitual”.

Mais: a própria lei determina que em concorrência com a União lhe cabe também: a) velar na guarda da Constituição e das leis; b) cuidar da saúde e assistência pública; c) a proteção das belezas naturais e monumentos de valor histórico ou artístico; d) promover a colonização; e) fiscalizar a aplicação das leis sociais e difundir a instrução pública em todos os seus graus (art. 3°).

Finalmente, aos órgãos públicos do Distrito Federal incumbe especialmente: I) zelar pela cidade, com a organização dos serviços necessários ao confôrto da população; II) cuidar da saúde e assistência, sobretudo dos serviços de amparo à maternidade, à infância, à velhice e aos inválidos; III) assegurar as condições materiais e morais de que dependa o desenvolvimento das energias individuais, o aproveitamento das capacidades e o aperfeiçoamento da cultura (art. 4º).

Os vereadores são escolhidos por sufrágio direto, sendo elegíveis os brasileiros natos, no exercício dos direitos políticos e maiores de 21 anos, prescritos no § 2º do art. 6º, letras a a f, diversas pausas e condições de inelegibilidade.

Os vereadores, não poderão; desde à expedição do diploma:

a) celebrar contrato com a administração do Distrito Federal ou da União;

b) aceitar ou exercer cargo, comissão ou emprêgo público remunerado;

c) exercer cargo de direção, gerência ou superintendência, de emprêsa concessionária de serviço público local, ou subvencionada pelo Distrito Federal ou pela União.

Desde a posse também não poderão:

a) ser proprietários, diretores ou gerentes de emprêsa concessionária de serviço público local, ou beneficiada com privilégio, isenção ou favor do Distrito Federal ou da União;

b) ocupar cargo público de que sejam demissíveis ad nutum;

c) exercer outro mandato legislativo, federal, estadual ou municipal;

d) patrocinar causa contra o Distrito Federal ou contra a União.

Ainda, nos §§ 1º a 3º dêste mesmo artigo a lei estabelece que a infração do disposto neste artigo, ou a falta, sem licença, às sessões por mais de dois meses consecutivos, importa perda do mandato, declarada pela Câmara, mediante provocação de qualquer dos seus membros, ou representação, documentada, de partido político ou do procurador do Tribunal Regional Eleitoral, que perderá, igualmente, o mandato o vereador cujo procedimento, pelo voto de dois terços da totalidade dos membros da Câmara, seja reputado incompatível com o decôro desta, assegurada aos interessados ampla defesa, nos têrmos do Regimento Interno da Câmara.

A lei, além disto, prescreve que:

a) enquanto durar o mandato de funcionário público, êste ficará afastado, do cargo, mas contando tempo para promoção por antiguidade e aposentadoria (art. 8°);

b) a conservação do mandato para o vereador que fôr investido das funções da Prefeitura ou da Secretaria da prefeitura, mas o processo contra o vereador em tais casos independe de licença da Câmara (art. 9°);

c) a substituição dos vereadores nesses casos e nos de renúncia, licença, perda de mandato, ou morte, pelo respectivo suplente (o primeiro diplomado), notando-se que a legislatura durará quatro anos, instalando-se a Câmara a 1° de abril de cada ano e funcionando sete meses, vedada qualquer prorrogação, ressalvada a hipótese de convocação extraordinária, mediante requerimento subscrito por quatro quintos dos seus membros ou por iniciativa do prefeito.

O funcionamento se dará em todos os dias úteis, com a presença, pelo menos, de um têrço dos seus membros, sendo as deliberações tomadas por maioria de votos, presentes a metade e mais um dos vereadores, salvo quando tiverem por objeto impôsto ou despesa, casos em que será necessário o voto da maioria absoluta.

Dispõe ainda o art. 13, §§ 4°, 5° e 6º: A Câmara compete dispor, em regimento interno, sôbre a sua organização, polícia, criação e provimento de cargos da sua Secretaria; bem assim fixar o subsídio do prefeito e dos vereadores, no último ano de cada legislatura, para o período da imediata, vedada qualquer alteração em outra época. Dispondo, no regimento interno, sôbre a constituição das suas Comissões, a Câmara estabelecerá a forma de assegurar a representação proporcional dos partidos políticos nela representados. Instalada a Câmara e eleita a sua Mesa, passará aquela, ao exame e julgamento das contas do prefeito relativas ao exercício anterior, tendo em vista o parecer e o relatório do Tribunal de Contas. Se o prefeito não as prestar, a Câmara elegerá uma Comissão para levantá-las, e, conforme o resultado, determinará as providências para a punição dos que forem achados em culpa.

Na seção II cogita-se das leis, estabelecendo o art. 94 o seguinte:

“A iniciativa das leis, ressalvados os casos de competência exclusiva, cabe ao prefeito e a qualquer membro ou Comissão da Câmara.

§ 1º Respeitada a competência da Câmara e do Tribunal de Contas, no que concerne à, organização dos serviços administrativos das respectivas secretarias, compete exclusivamente ao prefeito a iniciativa das leis que ampliem, reduzam ou criem empregos em serviços já existentes, alterem as categorias do funcionalismo, os seus vencimentos e o sistema de remuneração.

§ 2º Aprovado o projeto, será êle enviado ao prefeito, que, aquiescendo, o sancionará e promulgará.

§ 3º Se o prefeito julgar o projeto, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário aos interêsses do Distrito Federal ou da União, vetá-lo-á, total ou parcialmente, dentro de 10 dias úteis, contados daquele em que o tiver recebido e comunicará, no mesmo prazo, aos presidentes do Senado e da Câmara dos Vereadores os motivos do veto.

§ 4° O veto oposto pelo prefeito será submetido, no mencionado decêndio, ao conhecimento do Senado Federal, que, pela maioria dos senadores presentes, o aprovará ou rejeitará.

§ 5° Rejeitado o veto, se o prefeito não promulgar a resolução dentro de 10 dias, contados da data em que houver recebido a comunicação do Senado, competirá ao presidente da Câmara dos Vereadores promulgá-la.

§ 6º. Considerar-se-á aprovado o veto que não fôr rejeitado dentro de 30 dias, contados do seu recebimento pela Secretaria do Senado Federal ou do início dos trabalhos legislativos, quando se houver feito a remessa no intervalo das sessões.*

A Lei Orgânica, nos arts. 16 a 22, dispõe sôbre o orçamento e o Tribunal de Contas do Distrito Federal, composto de sete ministros vitalícias nomeados pelo prefeito.

Nos arts. 32 a 40 se encontram preceitos relativos aos funcionários municipais, seguindo a legislação os critérios fundamentais estabelecidos pela Constituição, salvo pequenas modificações,

A seguir a lei contém Disposições Gerais, arts. 41 a 50, seguidas das Disposições Transitórias (arts. 51 a 59).

5. Limites territoriais. Divisão administrativa. Legislação. O Distrito Federal, com a superfície de 1.117 quilômetros quadrados, se limita ao norte e noroeste com o Estado do Rio de Janeiro (Município de Itaguaí, Nova Iguaçu, Duque de Caxias e Meriti), servindo como divisas o rio Meriti, até a confluência o rio Pavuna, depois por êste até sua nascente e daí em diante pela linha divisória das fazendas do Retiro e Guandu do Sena até as cabeceiras do rio Gicandu, seguindo por êste até seu desaguadouro no rio Itaguaí e por êste até sua foz na baía de Sepetiba, seu limite sexto.

O limite-sul é o Oceano Atlântico e o leste a baía de Guanabara.

Essa faixa de terra é habitada por cêrca de três milhões de habitantes.

A divisão territorial para fins eleitorais é em 15 zonas; para os serviços policiais, em 30 distritos; para o Registro Civil, em sete zonas e 14 circunscrições; para os diferentes serviços municipais, em 16 distritos.

A legislação própria do Distrito Federal se compõe de numerosos atos legislativos, alguns procedentes do Império e do regime republicano anterior a 1930.

A maioria dos atos provém dos governos posteriores, compondo-se de legislação municipal pròpriamente dita e legislação local, oriunda do govêrno federal, especialmente nos períodos de 1930 a 1934 e 1937 a 1946.

Além da Lei Orgânica e das relativas às Secretarias e aos diversos serviços, merecem especial relevo os seguintes atos legislativos: dec.-lei nº 1.944, de 31 de dezembro de 1939, reajustamento dos funcionários municipais; estatuto dos funcionários municipais (dec.-lei nº 3.770, de 28 de outubro de 1941); dec. nº 8.813, de 8 de março de 1947 (ainda do reajustamento do pessoal); Cód. de Obras, dec. nº 6.000, de 1º de julho de 1937; legislação fiscal: decs.-leis ns. 4.613, de 1934; 2.224, de 23 de maio de 1940 (impôsto de transmissão de propriedade causa mortis); 2.109, de 23 de abril de 1940 (impôsto sôbre imóveis incorporados ao patrimônio de pessoas jurídicas); 9.626, de 22 de agôsto de 1946 (regula o impôsto de transmissão inter vivos); lei nº 854, de 10 de outubro de 1949 (lei federal sôbre contribuição de melhoria); dec.-lei nº 157, de 1938, sôbre impôsto predial, além de outros relativos a sub-rogação, licenças, impôsto de localização, sêlo municipal, etc.

Acha-se adiantada a obra ido consolidação e acertamento de impostos e taxas, o Cód. Tributário do Distrito Federal, destinado a pôr côbro às dificuldades resultantes do conflito da legislação antiga com as disposições constitucionais.

___________

Notas:

* A questão do veto e dos poderem do prefeito, inclusive no concernente ao veto parcial; foi pelo autor dêste trabalho apreciada em voto vencido proferido no mandado de segurança nº 880.

A hipótese de que se trata é referida à lei municipal nº 779, de 14 de setembro do 1953, autorizando o prefeito do Distrito Federal a conceder aumento das tarifas dos serviços de bondes, nos têrmos dos acórdãos homologados pelo Ministério do Trabalho.

Os empregados das Companhias de Carris, concessionárias de serviços de transporte em carris elétricos no Distrito Federal, promoveram junto às referidas companhias e autoridades gestões no sentido de obterem aumento de salário, ameaçando com a greve, em caso de não serem atendidas suas reivindicações.

Visando contornar dificuldades e alegando as Companhias a impossibilidade do aumento salarial sem correspondente aumento de tarifas, iniciaram-se entendimentos entre as emprêsas e o Sindicato dos Trabalhadores em Emprêsas de Carris Urbanos do Rio de Janeiro, junto ao Ministério Público e com assistência das autoridades municipais.

Resultou dêsses estudos e entendimentos acôrdo celebrado em 24 de julho de 1953, feitos os cálculos de aumento de salário em função do aumento de tarifas, ao que tudo indica.

Daí o encaminhamento de mensagem do prefeito do Distrito Federal à Câmara de Vereadores, solicitando a concessão de necessária autorização para aumento de tarifas, em bases provisórias e na conformidade do que ficara previsto no acordo já mencionado.

Após intensa discussão, foi a autorização concedida, mas com restrições, ou seja sem atender em tudo ao que o prefeito solicitara e isso porque o aumento de passagens, em relação às Companhias de Carris, Luz e Fôrça do Rio de Janeiro e Ferro-Carril do Jardim Botânico, por seção foi limitado a Cr$ 0,10 e não Cr$ 0,20, como previsto e pedido.

Entenderam os vereadores, em maioria, que o aumento concedido cobria a despesa com a elevação de salários.

Recebendo a autorização o prefeito resolveu pôr as coisas nos têrmos primitivos, vetando parcialmente a lei (na parte em que houve a redução para Cr$ 0,10), baixando decreto, donde corista o aumento de Cr$ 0,20 (dec. nº 12.238, da mesma data supra, 14 de setembro de 1953).

Encaminhado o veto ao Senado Federal, êste após discussão o aprovou, a despeito das considerações feitas pelos senadores ALOÍSIO DE CARVALHO, HAMILTON NOGUEIRA e JOÃO VILAS BOAS, e isto um mês depois da entrada em vigor da lei nº 779 citada, daí ressurgindo questões há muito focalizadas por diversos juristas e que se supunham removidas de vez.

Temos para nós que o veto do prefeito, sua aprovação pelo Senado e a baixa do dec. nº 12.238, de 1953, ferem de frente as disposições da Constituição da República, incidindo neste vicio a disposição também do art. 14 da Lei orgânica do Distrito Federal.

Com efeito, a Constituição da República não deu ao Distrito Federal a tão desejada autonomia, mas, por outro lado, não o colocou em situação de estrita dependência da União.

Ao contrário, a Constituição no art. 25, estabelece que a organização administrativa e judiciária do Distrito Federal e dos Territórios regular-se-á por lei federal, mas a função legislativa é independente, como se vê do texto do art. 26:

“O Distrito Federal será administrado por prefeito de nomeação do Presidente da República e terá Câmara eleita pelo povo, com funções legislativas”.

Donde se conclui que, neste ponto, se assemelha o Distrito Federal a qualquer outro Município autônomo e a teor do disposto no art. 28 da Constituição.

Inteiramente discutível, assim, o poder de veto do prefeito, como autorizado na Lei Orgânica e, muito mais do que isso, a intervenção do Senado Federal na questão de veto, com casamento do poder e função legislativa assegurado à Câmara de Vereadores pela Constituição.

Não vemos nas atribuições constitucionais e próprias do Senado, como fixadas na lei maior, base para intervenção do Senado, no dissídio entre o prefeito e a Câmara de Vereadores.

Não tem, destarte, a disposição do art. 14 da Lei Orgânica foros de constitucionalidade, por implicar o direito de veto, no todo ou em parte, do prefeito, com recurso ao Senado, na intervenção de poderes da União, em setor autônomo do Distrito Federal, nos têrmos do art. 28 já citada da Constituição.

Reputamos, ainda mais, em desacôrdo com o espírito da Constituição, a exclusão do poder de exame do veto pelos representantes do povo do Distrito Federal, atribuindo-se esse poder a órgão outro, muito embora o Senado haja assentado de outro modo na célebre questão suscitada pelos então vereadores CARLOS LACERDA e ADAUTO CARDOSO.

Também não consideramos legítimo o veto de que se trata, por vários motivos:

a) tratar-se de lei autorizativa, ou autorizante, cujo projeto foi de iniciativa do prefeito, e no prefeito não é possível conceder o direito de autorizar-se a si mesmo, a que tanto importa o fato de haver vetado o limite de autorização;

b) o veto parcial sòmente pode ser negativo ou referente a preceito por inteiro; que não no sentido de supressão de palavras, as quais importam substituição por outras.

Não pode, efetivamente, o Executivo usar do veto para legislar, fazendo de uma proibição autorização ou permissão, como a supressão da palavra não nos textos da lei, submetida a sanção, como tem salientado o deputado LÚCIO BITTENCOURT em diferentes oportunidades, como se vê de excelentes observações de OTO PRAZERES no “Jornal do Comércio”;

c) no caso o aumento de Cr$ 0,20 pedido pelo prefeito havia sido rejeitado pela Câmara de Vereadores e o prefeito, vetando parcialmente a lei, para fixar o aumento rejeitado, legislou por conta própria.

Demais, não há como admitir seja a lei parcialmente vetada, para valer na parte não vetada, desdobrando-se a lei em duas.

O argumento de PONTES DE MIRANDA é de dois gumes, ou seja o de que nada impede beneficie o povo de parte da lei não vetada.

Êsse é argumento nenhum, por isso que ninguém pode afirmar haja qualquer vantagem no desdobramento da lei em duas (e essa é uma possibilidade).

A verdade é que a constituição não autoriza êsse procedimento. Muito ao contrário, não distingue entre veto total e parcial para sujeitar o projeto à apreciação do senado (art. 70), antes de qualquer publicação.

Esta só é feita após a decisão do Senado sobre o veto, dependendo, ainda, a promulgação de oco do presidente do Senado, se em 48 horas não fôr promulgada a lei pelo presidente da República.

Êsses dispositivos excluem o alegado desdobramento, mesmo porque não é de boa técnica admitir uma lei como tal e outra como decreto legislativo e tudo num mesmo corpo de lei.

Na verdade, lei vetada no todo ou em parte não está em vigor senão a partir da solução do veto, como bem afirmaram os impetrantes, protestando contra a baixa do dec. nº 12.238, de 1953.

Nesta matéria, no entanto, o assunto está prejudicado pela aprovação do veto pelo Senado.

Vencido nesta questão de ordem constitucional, deneguei a segurança, por isso que o mandado foi requerido para cassar o aumento até que o Senado se definisse quanto ao veto.
Ora, o Senado aprovou o veto e conseqüentemente validou o ato do prefeito, não havendo, assim, como negar a eficácia da lei, nem como admitir a concessão do mandado, pois que a condição ou pressuposto do pedido se verificou: a aprovação do veto pelo Senado.


Sadi Cardoso de Gusmão, desembargador do Tribunal de Justiça do Distrito Federal.

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