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José Antônio Pimenta Bueno

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Revista Forense

CLÁSSICOS FORENSE

HOMENAGEM

REVISTA FORENSE

José Antônio Pimenta Bueno

JOSÉ ANTÔNIO PIMENTA BUENO

MARQUÊS DE SÃO VICENTE

REVISTA FORENSE

REVISTA FORENSE 154

Revista Forense

Revista Forense

21/09/2022

REVISTA FORENSE – VOLUME 154
JULHO-AGOSTO DE 1954
Semestral
ISSN 0102-8413

FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO

FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto,

Abreviaturas e siglas usadas
Conheça outras obras da Editora Forense

CRÔNICA

  • José Antônio Pimenta Bueno – Laudo de Camargo

DOUTRINA

  • A regulamentação do direito de greve – Carlos Medeiros Silva
  • O direito de greve – Seabra Fagundes
  • Aspectos constitucionais da greve – Paulo Carneiro Maia
  • A greve nos serviços públicos – Moacir Lôbo da Costa
  • A greve e seus efeitos no contrato de trabalho – Ildélio Martins
  • A greve na Itália e no Brasil – Valdomiro Lôbo da Costa

PARECERES

  • Direito de Greve – Regulamentação do Preceito Constitucional – Atividades Privadas – Serviços Públicos, Oscar Saraiva e Alfredo Baltasar da Silveira
  • Greve – Tentativa e Instigação – Servidor Público – Insubordinação Grave em Serviço, Carlos Medeiros Silva
  • Nacionalidade Brasileira – Opção, Luís Antônio de Andrade
  • Ação de Investigação de Paternidade Ilegítima – Prescrição, Paulo Brossard de Sousa Pinto
  • Concessão de Loteria – Incompetência dos Municípios e do Distrito Federal, Ivair Nogueira Itagiba
  • Funcionário Público – Diplomata – Promoção – Função Legislativa e Função Administrativa – Atos Vinculados – Poder Regulamentar, Amílcar de Araújo Falcão

NOTAS E COMENTÁRIOS

  • A Regulamentação do Direito de Greve—  Geraldo Montedônio Bezerra de Meneses; Délio Barreto de Albuquerque Maranhão; Lúcio Bittencourt, com restrições; Dario Cardoso; Oscar Saraiva; Anor Butler Maciel; Evaristo de Morais Filho
  • Dispõe sobre a suspensão ou abandono coletivo do trabalho (*Projeto nº 4.350 – 1954**) — Bilac Pinto
  • A interpretação das Leis Fiscais — Georges Morange
  • Necessidade de uma lei de Processo Administrativo — Hélio Beltrão
  • Conceito de Direito Comparado — Rodrigues de Meréje
  • Despedida indireta — Indenizações cabíveis — Henrique Stodieck
  • Brigam o vernáculo e o direito — Jorge Alberto Romeiro
  • 127° aniversário da Fundação dos Cursos Jurídicos no Brasil — Hésio Fernandes Pinheiro
  • Desembargador Medeiros Júnior

BIBLIOGRAFIA

JURISPRUDÊNCIA

LEGISLAÇÃO

Sobre o autor

Laudo de Camargo, ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal.

CRÔNICA

José Antônio Pimenta Bueno

* Anualmente, por expressa disposição regimental, o Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil, através da Seção do Distrito Federal, soleniza a confraternização entre a advocacia e a magistratura, fazendo ouvir seus representantes, de preferência, sôbre a obra de um grande jurista nacional falecido, ou sôbre um outro doutrinário ligado à profissão de advogado.

Do espírito da festividade devem-se aproveitar, pois, os membros de ambas as corporações – qual um hiato em sete labor – para retificação de posições e retempêro de energias.

Esta, a solenidade judiciária de 1954. Êste, o orador da classe dos advogados, a quem caberia, num exórdio de preceito, declinar desde logo o seu tema, e destacar a época de contradições e surprêsas desconcertantes em que vivemos, para tentar justificar, a penúria de sua escolha e a desvalia de sua presença neste ato; reconhece-se-ia esmagado pela responsabilidade assumida e impetraria, ainda uma vez, o clássico pedido de benevolência para os ouvintes, repetindo que, “para honrar os santos e exaltar as suas virtudes, não se serve o Senhor de outros santos, nem de homens excelsos, mas de mortais cheios de defeitos”.

Lembrado do frade que anotava oculto, nos “Mestres Cantores” de WAGNER, uma a uma, as falhas do orador, êle concederia reincidir no lugar comum, e declararia que o seu discurso, destoando de todos aquêles que até hoje refulgiram nesta solenidade, iria apenas confirmar o acêrto das escolhas anteriores.

E com reverência à ambiência judiciária, talvez viesse a se desembaraçar da feição do proêmio, relembrando algum velho brocardo latino.

Mas o orador quer ser fiel a si mesmo e se declara sinceramente grato à fortuna, por lhe ter cabido honrar convosco o insigne PIMENTA BUENO, visconde e depois marquês de São Vicente.

Num abuso de liberdade, derivou das regras clássicas do elogio a encetar, pautando-o um pouco literàriamente: “JOSÉ ANTÔNIO PIMENTA BUENO, um tema riquíssimo”.

*

São Paulo comemora êste ano um dos maiores acontecimentos do Quinhentismo: o quarto centenário de sua fundação, das mãos dadivosas de NÓBREGA, ANCHIETA e JOÃO RAMALHO.

Sob esta evocação, de plena atualidade, procurei tirar das distâncias do tempo – um século e meio – afigura do MARQUES DE SÃO VICENTE:

Época houve em que a cidade de Santos, no Estado de São Paulo, foi tida como sua terra natal. Todos os historiógrafos, porém, que lhe noticiaram a vida, com autoridade, exceção de JOSÉ JACINTO RIBEIRO, dão-no, sem tergiversações, como paulistano, nascido a 4 de dezembro de 1803. Entre outros: JOAQUIM MANUEL DE MACEDO, que lhe fêz o necrológio, no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, do qual era sócio desde 1838, no mesmo ano de seu passamento; INOCÊNCIO, SACRAMENTO, BLAKE, ALMEIDA NOGUEIRA, AUGUSTO TAVARES DE LIRA, SPENCER VAMPRÉ, ARGEIL GUIMARÃES, R. ANTÔNIO RAMOS E COSTA e SILVA SOBRINHO.

Até sua morte, no Rio de Janeiro, a 19 de fevereiro de 1878, percorreu, com excepcional relêvo, uma trajetória de vida inconfundível, luzindo, igualmente, em todos os setores em que se fixou, e legando aos nossos anais políticos e às nossas letras jurídicas uma obra marcante.

Mas não nos percamos já nos numerosos aspectos em que o elogio se poderia fàcilmente desenvolver, e procuremos situar, ainda que à ligeira, PIMENTA BUENO na Academia de São Paulo, de onde, “como da do Recife, saíram aquêles que criaram a nossa democracia jurídica”, segundo a referência de TRISTÃO DE ATAYDE, em artigo recente.

A 1º de março de 1828 celebrava-se em São Paulo a inauguração de seu Curso Jurídico. A lei que criara fôra promulgada a 11 de agôsto de 1827, quando já superados o Vice-Reino, o Reino e a Independência, e após duas laboriosas tentativas de fundação, em que avultara a figura memorável de JOSÉ FELICIANO FERNANDES PINHEIRO, visconde de São Leopoldo, o primeiro homem a falar e a propugnar entre nós pela instituição de Cursos Jurídicos. Fôra êle que, na sessão de 14 de junho de 1823, da Assembléia Constituinte, propusera que no Império do Brasil se criasse, “quanto antes, uma Universidade, pelo menos”. De sua justificação vale relembrar o seguinte trecho: “Uma porção escolhida da grande família brasileira, a mocidade, a quem um nobre estímulo levou a Universidade de Coimbra, geme ali debaixo dos mais duros tratamentos e opressão, não se decidindo, apesar de tudo, a interromper, e a abandonar sua carreira, já incerta de como será semelhante conduta avaliada por seus pais, já desanimados por não haver, ainda no Brasil, institutos onde prossigam e remetam seus encetados estudos”. Era Portugal ainda não acostumado ao Brasil independente.

Inaugurado o Curso Jurídico de São Paulo, já se encontravam nomeados, desde 13 de outubro do ano anterior, o tenente-general JOSÉ AROUCHE DE TOLEDO RENDON para diretor, e o Dr. JOSÉ MARIA DE AVELAR BROTERO para lente do primeiro ano.

Abertas as matriculas dois dias após a inauguração, foram elas encerradas a 31 do mesmo mês, com trinta e três estudantes inscritos, dos quais o primeiro, cronològicamente, foi ANTÔNIO PAIS DE CAMARGO, que, aliás, não chegou a bacharelar-se, e o mais glorioso JOSÉ ANTÔNIO PIMENTA BUENO. Notáveis foram também AMARAL GURGEL, MANUEL DIAS DE TOLEDO, PIRES DA MOTA e FRANCISCO JOSÉ PINHEIRO GUIMARÃES.

No mesmo ano em que se matriculara, isto é a 20 de novembro de 1828, foi PIMENTA BUENO promovido a oficial do Conselho Geral da Província de São Paulo, onde estêve até 7 de novembro de 1832, depois de haver servido como simples amanuense do Tesouro Provincial, para o qual lograra nomeação a 12 de abril de 1824.

Colou grau em 20 de outubro de 1832, como aluno aplicado, em ato presidido pelo conselheiro CARNEIRO DE CAMPOS, tendo participado anteriormente da redação da fôlha “Farol Paulistano”, de JOSÉ DA COSTA CARVALHO.

Doutorou-se em ciências sociais e jurídicas a 20 de março de 1843, em ato presidido pelo Prof. MANUEL DIAS D’AGUIAR, iniciando seu itinerário na magistratura que culminou com a aposentadoria em 1857, revestido de honras de ministro do Supremo Tribunal de Justiça, após ter sido juiz de Fora, juiz da Alfândega da Vila de Santos (1832), assim como juiz de direito chefe de polícia da 6ª Comarca de São Paulo (1833), juiz de direito também da Comarca do Paraná (1842), desembargador da Relação do Maranhão (1844) e, finalmente, da Côrte (1847).

Consigne-se sua fulgurante trajetória política, onde merecidamente alcançou as mais altas posições, títulos, honrarias e recompensas.

Foi presidente de Mato Grosso, onde aprofundou seus conhecimentos em questões de fronteiras (1835 a 1837); encarregado de Negócios, cônsul geral e ministro plenipotenciário no Paraguai (1843 a 1847); deputado à Assembléia Geral Legislativa pela Província de São Paulo na 5ª legislatura (1842), prèviamente dissolvida, e da 6ª (1846 a 1847); ministro e secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros em 29 de janeiro de 1848 e da Justiça em 8 de março seguinte; presidente da Província do Rio Grande do Sul (1850); senador do Império em 19 de abril de 1853, tomando assento a 7 de maio; organizador do gabinete de 29 de setembro de 1870, onde ocupou a pasta das Relações Exteriores, tendo como companheiros JOÃO ALFREDO, TRÊS BARRAS, TÔRRES HOMEM, PEREIRA FRANCO, ARAÚJO LIMA e TEIXEIRA JÚNIOR.

Sua eleição senatorial não foi isenta de luta apaixonada, como se pode verificar da leitura do nº 269 do “Ipiranga” (quarta-feira, 5 de maio de 1852), órgão do Partido Liberal, fundado pelo brigadeiro TOBIAS e editado por J. R. DE AZEVEDO MARQUES, quando presidente da Província de São Paulo (20º presidente) JOSÉ TOMÁS NABUCO DE ARAÚJO (27 de agôsto de 1851 a 19 de maio de 1852). “Há fatos que sòmente têm aplicação em um país como o nosso, onde tôdas as instituições se acham adulteradas, o govêrno corrompido, o sistema eleitoral falseado, de modo que as urnas não mais exprimem a vontade nacional, porém a vontade de uma fração: tal é a candidatura do Sr. padre VICENTE PIRES DA MOTA e PIMENTA BUENO, para as duas vagas do Senado por esta província” (1ª página, 1ª col.).

E após severo ataque ao primeiro dos candidatos, volta-se aquêle órgão publicitário: “Quase outro tanto se pode dizer do Sr. PIMENTA BUENO. Sempre inconstante em suas opiniões, liberal decidido quando a oposição tem estado no poder e hoje saquarema por interêsse, porque o partido liberal está arredado de tôdas as posições oficiais, e até interdito de manifestar seu voto nas urnas eleitorais” (2ª col.).

Mas essa mudança de partidos, naquela época, não justificava tão dura increpação, porquanto dela participara, não só o nosso comemorado (1848), como RIO BRANCO; e, em sentido oposto, vultos do porte de NABUCO, OLINDA e ZACARIAS DE GÓIS.

Assinalam seus biógrafos que o imperador PEDRO II o distinguira sempre com “acatamento, prestígio e veneração”, tendo-o escolhido senador, e conferindo-lhe os títulos de dignitário da Imperial Ordem da Rosa; conselheiro de Estado extraordinário (1859); conselheiro de Estado ordinário (1866); visconde com grandeza por decreto de 14 de março de 1867 e marquês por decreto de 15 de outubro de 1872.

Há que se testificar alguns dos muitos pontos altos de sua fecunda vida pública. Há que a contar em seus lanços mais expressivos.

A 16 de outubro de 1843, no comêço de sua carreira, foi enviado ao Paraguai, como encarregado de Negócios e cônsul geral em Assunção. Sua missão principal era contrariar influência de ROSAS e evitar que o Paraguai passasse a fazer parte da Confederação Argentina. Coroou-a o melhor êxito. Assim, pôde renovar, a 14 de setembro do ano seguinte, o reconhecimento da independência paraguaia, já declarado pelo Brasil, em novembro de 1842, em documento escrito de seu próprio punho. Contra essa iniciativa protestou o ministro argentino no Rio, general TOMÁS CUIDO, e contraprotestou o nosso ministro dos Negócios Estrangeiros, VISCONDE DE ABAETÉ.

PIMENTA BUENO assinou também em Assunção, no ano de 1844, um tratado de Aliança, Comércio e Limites e, no de 45, um protocolo a respeito da navegação nos rios Paraná e Uruguai, e sôbre a intervenção do Brasil, Inglaterra e França para a pacificação do Rio da Prata.

Diga-se que, ao tempo dessa missão diplomática, era presidente do Paraguai o pai do ditador FRANCISCO SOLANO LOPEZ, D. CARLOS ANTONIO LOPEZ, sôbre cujo “espírito sombrio e desconfiado” veio a ter grande influência, graças à sua habilidade e perícia, mesmo na confecção das leis do seu país.

De outra parte, sua curul senatorial jamais o mostra como um arrependido da luta. Os anos de 1864 a 1868 foram de oposição aos ministros liberais. De então até 1870, quando organizou o famoso gabinete de 29 de setembro sustentou o do VISCONDE DE ITABORAÍ, que se constituíra em 16 de julho de 1868. Mas governou apenas durante alguns meses das férias parlamentares, até 7 de março de 1871.

Neste passo, à lembrança de ITABORAÍ, para a conformação de alguns traços do perfil de PIMENTA BUENO, é de todo própria a referência a uma das mais perfeitas e sutis páginas de MACHADO DE ASSIS – página evocativa e profunda – onde o estilo primoroso descreve, “a propósito de algumas litografias de Sisson”, uma visão do Senado de 1860. É “O Velho Senado”, que aparece em suas “Páginas Recolhidas”.

As descrições são os traços leves, vagamente impressionistas, e “como o recinto era pequeno, viam-se todos (os) gestos, e quase ouviam tôdas as palavras particulares. E, conquanto fôsse assim pequeno, nunca vi rir a ITABORAÍ, creio que os seus músculos dificilmente ririam – o contrário de SÃO VICENTE, que ria com facilidade, um riso bom, mas que não lhe ia bem. Quaisquer que fôssem, porém, as deselegâncias físicas do senador por São Paulo, e malgrado a palavra sem sonoridade, era ouvido com grande respeito, como ITABORAÍ”.

Com essa apreciação, sintoniza JOAQUIM MANUEL DE MACEDO, ao julgar o parlamentar, no seu “Elogio Histórico”: “Na Câmara temporária, e no Senado, primou como um orador substancioso lógico e de palavra sempre serena. Na tribuna parlamentar foi sempre orador doutrinário, em seus discursos nunca procurou mover paixões, nem excitar entusiasmo; frio e refletido, era mais conselheiro do que político de partido, e, se pecava, era pelo tom um pouco dogmático, que parecia muitas vêzes mais lição de mestre do que argumento de discutidor. O alto merecimento do MARQUÊS DE SÃO VICENTE, como orador parlamentar ilustrado, dialético e doutrinário, se prova com os próprios senões, que, sem a fôrça e o prestígio de sua sabedoria, o tornariam ridículo e intolerável na tribuna. Êle tinha vícios desagradáveis de pronúncia, não determinados por defeitos de organização dos órgãos da voz mas por desmazelados e maus costumes, trazidos da segunda infância, que nunca pensou depois em corrigir, e mais tarde isso lhe foi impossível; dava ao l o som de r, pecava em outras pronúncias; mas, ainda, assim, falando na tribuna, impunha silêncio, obrigava à atenção, dominava o auditório; e teimava, confirmava, e mantinha sempre a sua reputação de parlamentar de primeira ordem. Era o triunfo mais esplêndido do poder da inteligência”.

Êsse homem, de estatura mediana e poucas côres, tido por alguns como de notável fealdade mas bom, modesto, afável e distinto, talvez se aproxime mais do feitio de um FERREIRA VIANA, suave e brando, do que de um PARANÁ, de um ZACARIAS, de um OURO PRETO, ríspidos e autoritários.

Do marquês, disse seu contemporâneo, o conde HISB DE BUTENVAL: “C’est un homme dont on semble s’accorder à dire du bien, mais qui n’était pas classé, jusqu’ici parmi ceux qui leur talent ou leur crédit devait appeler aussi promptement au pouvoir”. Poucos dias mais tarde, lhe acentuava e discriminava o valor: “C’est un homme fin, d’un esprit poli, d’une decherche de courtaisie extrême”.

Foi um dos homens públicos mais operosos e prestigiosos que de São Paulo saíram e com que já contou a nacionalidade.

Deixou seu nome ligado a diversos melhoramentos do País, mormente em relação à sua terra natal; chegou a colhêr informações dados e apontamentos para o govêrno imperial construir uma boa estrada ligando as províncias de São Paulo e Mato Grosso, e até organizar, com o MARQUÊS DE MONTE ALEGRE e o VISCONDE DE MAUÁ, a Cia. de Estrada de Ferro Santos a Jundiaí.

JOAQUIM NABUCO, dada a notável e prodigiosa atividade parlamentar de PIMENTA BUENO – senhor de uma serie inumerável de projetos que apresentava e que obrigava o gabinete ZACARIAS a sucessivas convocações para seu estudo – chegou a admitir que êles não mais visavam senão satisfazer o desejo do imperador.

Mas não parece exato. O espírito público do nosso homenageado é que transcendia às dimensões normais. O próprio NABUCO o evidenciou, projetando as atividades de PIMENTA BUENO no écran dos fastos nacionais com atenções especiais. Nos quatro volumes de “Um Estadista do Império”, que retratam NABUCO DE ARAÚJO, o marquês é focalizado cêrca de uma centena e meia de vêzes e muitas vêzes em primeiro plano.

E merecidamente, porquanto os seus muitos projetos versavam sempre sôbre problemas de excepcional relevância. Relembradas sejam a abertura do rio Amazonas à navegação mercante das nações (7 de dezembro de 1866); a reforma do Conselho de Estado (fevereiro de 1868); a organização dos Conselhos das Presidências (dezembro de 1867) e, sobretudo, a emancipação dos escravos.

Nas “Efemérides Brasileiras”, o BARÃO DO RIO BRANCO, com autoridade incontestável, registra:

“A iniciativa dessa reforma no Brasil coube ao ilustre estadista PIMENTA BUENO e não à Sociedade Abolicionista Francesa, como ainda ùltimamente escreveu em Paris um compatriota nosso. Os abolicionistas franceses não formularam projeto algum: limitaram-se a dirigir a D. PEDRO II, seis meses depois dos projetos de PIMENTA BUENO, uma representação, pedindo-lhe que promovesse a emancipação dos escravos no Brasil (julho de 1866). O imperador já tinha recomendado ao presidente do Conselho (MARQUÊS DE OLINDA) que ouvisse o Conselho de Estado sôbre os trabalhos de PIMENTA BUENO, mas o chefe do Gabinete, que era contrário à reforma, limitou-se a consultar, por aviso reservadíssimo de 17 de fevereiro de 1866, a seção de Justiça do Conselho de Estado sôbre “a conveniência, ensejo e modo de apressar a extinção de cativeiro”, e remeteu o parecer da seção a todos os outros conselheiros. Apesar da insistência do imperador, OLINDA foi demorando a convocação do Conselho de Estado pleno. Só no ano seguinte o nosso Ministério, presidido por ZACARIAS DE GOIS e VASCONCELOS, fêz discutir no Conselho de Estado os projetos de PIMENTA BUENO cujas idéias capitais foram então aceitas, menos a da fixação de prazo para a abolição total. O projeto defendido no Parlamento em 1871 pelo VISCONDE DO RIO BRANCO era, com ligeiras modificações de forma, o mesmo que o Conselho de Estado redigira, fundindo em um os cinco projetos de PIMENTA BUENO”.

Com efeito, SÃO VICENTE não foi apenas quem mais se destacou no estudo da questão emancipacionista, no Conselho de Estado; foi o primeiro a conceber, esquematizar e formular medidas tendentes a desenraizar a escravidão do solo brasileiro.

PEDRO II, ao encomendar ao então VISCONDE DE SÃO VICENTE a formação do ministério que sucederia ao de ITABORAÍ, estava, por certo, a desejar que a reforma servil fôsse executada pelo mesmo estadista de profundos e acatados conhecimentos jurídicos que iniciara a questão, através da exposição de motivos que lhe fizera a 23 de janeiro de 1886, justificando os projetos então apresentados em prol da emancipação dos escravos no Brasil.

JOAQUIM NABUCO diz que essa exposição de motivos “supõe estudos anteriores, meditação e trabalho acurado de meses, o que indica que foi em 1865 que PIMENTA BUENO empreendeu a obra”.

“Era natural (…) que o imperador lhe proporcionasse ensejo de realizar suas idéias, tanto mais quanto podia estar descansado de que êle, ao realizá-las, procuraria conjugar os interêsses do país com as conveniências de ordem dinástica. Não estava, infelizmente, em condições de encaminhar a reforma. Era um temperamento polìticamente negativo. Varão ilustre e profundo pensador, será sempre um conselheiro avisado, refletido, competente: seria um argumentador frio, lógico, substancioso. Não era, porém um chefe de partido, um orador, com a resistência que a luta partidária exigia. Faltou-lhe o amparo dos conservadores e teve a oposição franca dos liberais. Conformou-se com a sua má fortuna e passou o govêrno a RIO BRANCO, em que reconhecera o estadista predestinado a dar, com a lei que declarou livres os nascituros, o segundo golpe mortal da escravidão; o primeiro tinha sido a extinção do tráfico”.

BATISTA PEREIRA comenta: a PIMENTA BUENO, “o coração que pulsou quase tão junto ao seu como BOM RETIRO”, que o imperador abolicionista abre o fundo do seu pensamento, a êle que confia a mágoa de ser servido por escravos, com ele que combina a manumissão clandestina dos que possui; com êle que decide entregara PARANHOS a bússola da nau emancipadora, rostida pelo vendaval dos interêsses, ameaçada pelos escolhos da desordem”.

Assim, veio a lume a lei do Império nº 2.040, de 28 de setembro de 1871, também chamada Ventre Livre, com o nome de RIO BRANCO e sem o de SÃO VICENTE, que ainda defendera no Senado em vários discursos, o projeto do govêrno.

Enfim, “no Parlamento e no Conselho de Estado deixou seu nome ligado a distintos e mui apreciados trabalhos; na tribuna, sua palavra foi sempre ouvida com tôda a consideração e respeito”, como assinala a comemoração inserta nas “Efemérides Nacionais”, de TEIXEIRA DE MELO.

Legou-nos muitos discursos pareceres e votos sôbre questões de direito internacional público e privado, questões de limites e divisas, política e doutrina, onde sempre se encontra o mesmo homem com afirmações de superioridade.

“Mas a refulgir no meio de tanto esplendor, ainda três coroas e três grandedas, que nenhum poder humano confere, que só o poder de Deus concede, acendendo, a luz da inteligência, – três livros, três obras, três fundamentos da maior glória pessoal e da ufania da Pátria: os “Apontamentos sôbre o Processo Criminal e sua forma”, os “Apontamentos sôbre as Formalidades do Processo Civil” e o “Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império”.

Através das esplendorosas refrações dessas obras, que trouxeram real contribuição ao progresso cultural do país, vamos agora reverenciar o MARQUÊS DE SÃO VICENTE como um dos primeiros jurisconsultos brasileiros, homem de grande tomo, senhor de notável inteligência e preparo, a quem atarefou sempre e fundamentalmente o serviço do direito.

FRANCISCO MORATO, em 1917, na sessão inaugural do Instituto dos Advogados de São Paulo, assim se manifestava:

“Não seria possível conhecimento completo da jurisprudência senão através das obras, doutrinas e ensinamentos dos mestres mundiais; desmereceria do nome o cientista que não sentisse e admirasse a influência e a sabedoria dos preceitos que os evangelistas do romanismo e POTHIER depositaram respectivamente no “Corpus Juris” e no Cód. de NAPOLEÃO, modelos onde se abeberaram e se expandiram essas tantas codificações que aí estão, no antigo e no nosso mundo, a testemunhar os progressos e triunfos da ciência jurídica. Tudo isso é exato; mas não menos exato é também que é nos livros e lições dos jurisconsultos nacionais, nas obras dos reinícolas e dos grandes mestres portuguêses, na jurisprudência de nossos tribunais, que havemos de perquirir e deparar a origem, a história e as tradições do direito pátrio, a inteligência de nossas leis, embrionia e formação de nossa vida jurídica; a expressão de nossa nacionalidade; é aí que nos devemos retemperar para a luta contra a açambarcadora invasão da literatura estrangeira e é ai que havemos de cerrar os laços da nacionalidade do direito. Consoante pregava ANTÔNIO CARLOS, um povo sem direito nem mesmo sabe como e porque existe, vive a vida que não se assinala nem caminha, esgueira-se à maneira e semelhança de figura fantástica de HOFFMANN, a escoar-se nos páramos luminosos sem ao menos projetar a própria sombra. Conservemos e admiremos os mestres estrangeiros; conservemo-los, admiremo-los, guardando-nos, entretanto, de tomar para nós o que para nós êles não escrevem e, sobretudo, de preferir o alheio ao nosso simplesmente porque o alheio não é nosso”.

Nesta acertada perspectiva e ao impacto do espírito da solenidade que realizamos, a oportunidade é das mais significativas para ficar pùblicamente reconhecida, na obra jurídica de PIMENTA BUENO, o que de melhor conta o direito brasileiro, em todos os tempos.

I pontamentos sôbre o Processo Criminal Brasileiro

Os “Apontamentos sôbre o Processo Criminal Brasileiro” vieram à luz, definitivamente estruturados, em 1875, e lhe granjearam o epíteto de “Blackstone brasileiro”.

Este livro se filia, diretamente, à sua obra jurídica de estréia, “Apontamentos sôbre o Processo Criminal do Júri”, hoje já centenária, pois que data de 1849.

No frontispício do livro figuram dois sugestivos pensamentos de FAUSTIN-HÉLIE, autor de um “Tratado de instrução criminal”.

“Les hommes ne sauraient être libres et tranquilles si la justice est mal administrée”.

“Deux intérêts également puissants, également sacrés, veulent être à la fois protegés: l’intérêt général de la société, qui veut la juste et prompte repression des délits; l’intérêt des accusés, qui est bien aussi un intérêt social, et qui éxige complète garantie des droits”.

A obra, além de surpreendente erudição e bom planejamento, apresenta-se acompanhada de um variado formulário sôbre a marcha dos processos criminais.

Em tôda ela desponta o autor convicto de que o “que mais importa é aperfeiçoar os meios de uma boa gerência ou administração do poder e autoridade pública”. “A administração da justiça criminal é um dos mais importantes ramos da administração geral do Estado. O poder que exerce é quem dá realidade às leis penais, e por isso quem decide das liberdades individuais, e com elas dos destinos sociais; se êle abusa, periga nos direitos das sociedades e dos indivíduos” (intr., págs. VII e VIII).

Como se vê, mais alevantados não poderiam ser os propósitos que argamassaram esta obra clássica e das mais completas sôbre o nosso processo criminal, cuja unidade expositiva, desenvolvida lògicamente, dá-lhe acentos de grandiosidade.

II Apontamentos sôbre as Formalidades do Processo Civil

Seus “Apontamentos sôbre as Formalidades do Processo Civil” revelam-no um excepcional sistematizador da matéria, tocado de especial aprêço pela verdadeira influência das fórmulas sôbre os têrmos.

Nas primícias de suas anotações, observa: “O processo não é senão o complexo dos meios, das normas, que a lei refletidamente tem preestabelecido para regular os atos e os têrmos que as partes e os juízes devem empregar, e observar na marcha judiciária. Cumpre, pois, que êsses atos ou têrmos se conformem, exatamente com as condições legais, com as precauções salutares, que encadeiam os abusos, que protegem os meios da ação, e da defesa, que facilitam o conhecimento da verdade, que garantem a boa aplicação do direito, e conseqüentemente a boa distribuição da justiça – “la forme emporte le fond”.

Mas êle não é um descuidado das perquirições substanciais do direito:

“Estudar as leis não é estudar sòmente suas expressões, mas sim também sua teoria, seus princípios, sua razão, extensão, valor de seus preceitos e seu fim de pública utilidade. (…), porque o direito funda-se na boa razão (…). Com efeito, constranger o espírito a proceder sem conhecimento da razão, das coisas, chamar conscienciosa execução da lei aquela que não a entende, é querer que a cegueira tenha uma inspiração invariável e sobrenatural de constante moralidade, exatidão e justiça” (intr., págs. II e III).

E tão proporcionado era o seu discernimento jurídico, no apreciar os valores próprios da forma e do fundo no lastro da ciência a que se dedicara que tomou a MONTESQUIEU a seguinte epígrafe para seus “Apontamentos”:

Les formalités de la justice sont necessaires… mais le nombre en pourrait être si grand, qu’il choquerait le but des lois… on donnerait, à l’une des parties le bien de l’autre sans examen, ou on les ruinerait toutes les deux à force d’examiner”.

O esquema da obra sôbre processo civil repousa, em sua maior parte, no relêvo emprestado às questões de nulidade, fazendo-as aflorar em quase tôdas as seções em que subdividiu seus capítulos, nos oito títulos do livro.

Assim é, porque advertia:

“A pena, que a lei impõe, é a de anular e prescrever tudo que contraria a marcha, e solenidades, que ela tem traçada; é de declarar os atos ou têrmos infringentes de seus preceitos como não existentes, e indignos de consideração, ou valor algum”.

Parte notável também dêsse pequeno e grande tomo parece ser a última (título oitavo), em que são examinados os fundamentos das ações rescisórias, ou de nulidade, da qual reproduzimos êste magnífico trecho:

“Não há dúvida que os processos devem ter um têrmo, que depois de julgados na última instância, e depois de franqueada a revista por modo providente, é de necessidade que a firmeza dos direitos adquiridos seja inabitável. Sem isso não haverá completa segurança da propriedade, sem esta não haverá expansão de riqueza social; e sim os grandes danos dos litígios intermináveis.

“Em regra, pois, as sentenças que passaram em julgado, que não são mais sujeitas aos recursos da apelação, e da revista, devem ter uma autoridade irrefragável, e ser consideradas como monumentos de justiça, que em tese não podem ser violados por nem uma prova em contrário.

“Apesar, porém da generalidade desta tese há algumas, pôsto que poucas exceções, que necessàriamente devem ilimitá-la para que a iniqüidade claramente manifestada não suplante, não assassine o direito e a justiça, palpável, e evidente.

“A coisa julgada, embora em regra deva ser irrevogável, nem por isso deixa de ser obra dos homens, e como tal sujeita a seus erros e paixões: a presunção res judicata proveritate habetur vel accipitur não passa de presunção que por necessidade do interêsse público deva predominar, mas não de tal sorte que ataque de frente, direta e formalmente, os preceitos da moral, e do próprio interêsse público.

“Sustentar indistintamente a coisa julgada, ainda mesmo quando fôsse claramente reconhecido, que era filha formal do êrro, ou o que seria ainda pior, de uma criminosa fraude ou prevaricação, seria afrontar todos os princípios da razão, e da justiça eterna, e sacrificar a verdade palpitante à sutileza das fórmulas, sacrificar o fim aos meios; seria inverter a razão do estabelecimento dos tribunais de justiça, e das normas tutelares do processo.

“A tese deve, pois, ser a da irrevogabilidade dos julgados, mas salvas as exceções urgentemente reclamadas pela voz eterna da justiça; o que a lei deve fazer é não admitir senão aquelas exceções que estão nos precisos têrmos”.

Termina por externar sua opinião sôbre a prevalência da ação de nulidade ou rescisória, “tenha ou não havido revista, nos seguintes casos, que não só não são incompatíveis com o sistema das revistas, mas que demandaram tal ação quando ela não estivesse já instituída por nossas leis:

“1° Quando verificar-se que a sentença foi dada por peita, subôrno, ou prevaricação, uma vez que esta só seja conhecida, ou a responsabilidade quando intentada só seja julgada afirmativamente, já depois que não tiver lugar qualquer outro recurso.

“…………………………………………………

“Em verdade não seriam um escândalo em vez de justiça, e uma sutileza ridícula em vez de razão esclarecida, reconhecer a prevaricação do julgador, e sustentar o seu ato imoral e criminoso? Como conciliar a sentença criminal que o punisse com a irrevogabilidade do ato que lhe serve de corpo de delito?

“2º No caso de ter sido a sentença proferida em virtude de documentos reconhecidos como manifestamente falsos, uma vez que a falsidade seja conhecida sòmente depois de proferida a sentença, e quando já não era admissível nem um outro recurso.

“…………………………………………………

“Com efeito, como reconhecer a falsidade, a fraude ou dolo, e cometer a grave injustiça de não restituir a propriedade a seu legítimo dono? De que proveito são os recursos anteriores para reprimir a falsidade no caso de ser esta reconhecida só depois dêles expirarem?

Negar-se-á também a ação criminal, e o direito à satisfação do dano, ou sustentar-

se-á sentenças entre si contrárias?

“3.° O caso de produzir a parte depois de extintos os recursos documentos preexistentes, mas não conhecidos ou ocultados pela parte contrária, e tais que destruam completamente a prova em que a sentença fundou-se, está na mesma condição da hipótese anterior. Se havia uma impossibilidade da parte prejudicada em produzir antes êsses documentos, ou a malícia de seus adversários em ocultá-los, como a justiça dos homens há de decretar que ela perca sem culpa sua os seus direitos?

“4º Finalmente, quando a parte condenada sem ter sido ouvida provar que houve falta, ou falsidade da primeira citação, como sustentar apesar disso o julgado?

“…………………………………………………………………….

“É sem dúvida de mister consagrar a autoridade da coisa julgada, mas não é menos essencial consagrar o império da verdade e da justiça, quando se patenteia tal que não se pode dêle duvidar. Nas ciências morais poucas vêzes é permitido levar as disposições humanas ao absoluto sem que se cometam algumas e graves injustiças: convém evitá-las” (págs. 121 e 122).

A propósito desta obra, e do papel que representou na formação do direito pátrio, há quem a repute superior ao “Compêndio” de PAULA BATISTA e à “Praxe Brasileira” de RAMALHO, que lhe foram posteriores (1855-1868).

III Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império

O “Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império” é, indubitàvelmente, uma obra-prima que, já em seu tempo, exerceu grande influência, a ponto do autor vir a receber o cognome de “Pai do Direito Público Brasileiro”.

E’ trabalho de fino lavar, que integra, em lugar de relêvo, a nossa bibliografia jurídica.

Fruto do estudo, da observação e do espírito acurado de um homem do direito, dotado de indiscutível espírito criador, a obra em tela – esplêndida de equilíbrio e harmonia na sistematização das normas! – chega a empolgar em vários passos de seu contexto.

A cabo de sua leitura, dir-se-ia esgotada a matéria do direito público e constitucional.

De primeiro, cumpre assinalar o ânimo que lhe foi emprestado, focalizando o seguinte trecho da introdução:

“Poucas são as ciências sociais cujo conhecimento seja tão útil facilitar, como a do Direito Público e Administrativo.

“E’ não só conveniente mas muito necessário, que os membros de um Estado, de uma sociedade livre saibam quais são seus direitos e seus deveres no exercício de suas relações políticas e administrativas; e quais os diretos e obrigações dos poderes públicos. Convém aos indivíduos, à sociedade, e ao govêrno, pois que os governos são como as outras coisas humanas; para serem amados e duradouros, precisam ser conhecidos, apreciados e queridos. Além disso não há espírito público, nem amor às instituições.

“Fazer amar as leis é um dos maiores segredos e cuidados de uma legislação sábia. A veneração com que o povo inclina sua fronte perante a autoridade da lei, essa veneração identifica-se com o amor da pátria e de suas instituições, e gera um nobre orgulho, virtude e dedicação.

“De outro lado, não basta querer ser livre, é preciso saber sustentar a liberdade, para poder gozá-la.

“O Direito Público e Administrativo compreendem as mais caras relações do homem e do cidadão. São êles que revelam a origem, natureza e extensão de seus direitos, são os reguladores das suas liberdades individuais e públicas, os árbitros conscienciosos dos interêsses de todos e de cada um.

“São também os guardas dos destinos nacionais, que têm por encargo ministrar os fundamentos da ordem e tranqüilidade pública, manter a reputação e glória da pátria no estrangeiro, zelar ali dos interêsses nacionais, poupar no interior a fortuna do Estado e os sacrifícios do impôsto; e, enfim, desenvolver a inteligência, a indústria, a riqueza e a fôrça nacional.

“Poucos passos pode dar o cidadão sem que se veja em contato com suas condições políticas, ou com os olhos da administração; é, pois, indispensável que tenha pelo menos as principais noções de como êsses ramos do direito procuram harmonizar a liberdade com o poder, de como, quando e por que alguns dos variados direitos e interêsses do indivíduo são subordinados ao direito, ou interêsse social coletivo, e outros não”.

Não lhe faltam expressões conceituosas. O direito em geral, ou em sua mais alta compreensão, tem-no como “a luz da inteligência, ou o complexo dos seus ditames aplicados a manter e garantir as boas relações naturais ou cíveis, administrativas ou políticas do homem, da sociedade ou dos Estados. O Direito e suas correspondentes obrigações são os princípios, as bases firmes de tôda a sociabilidade, legislação, progresso e perfeição humana” (pág. 7).

Daí o seu aprêço pela “velha e enérgica expressão inglêsa”, como “um veículo de lei, de honra e consciência”, citada neste francês arcaico: “La ley est le plus haute inheritance, que le roy ad; car par la ley il même, et touts ces sujets son rulees; et si la ley ne fuit, nul roy, et nul inheritance sera” (pág. 61).

Arguto exegeta, o autor revela pleno conhecimento e domínio dos assuntos jurídicas, aos quais empresta, amiudadas vêzes, colorido histórico e literário, à guisa de ilustração. Ganha o livro atração de leitura, sem desmerecer sua técnica vertical, mas também comparativa do direito.

Clássico, o estudo que incide sôbre o Poder Executivo (título sexto). Todavia, merecem referências especiais alguns tópicos relativos ao problema da retroatividade das leis, que é versado de forma insuperável:

“Com efeito, é princípio geral e de eterna justiça que tôda e qualquer questão, direitos ou obrigações, não devem ser decididos ou julgados senão em virtude de leis preexistentes; que a lei não deve regular senão o futuro e nunca o passado, que ficou fora do seu domínio; que o legislador sòmente prevê e jamais resolve o que está consumado; que a lei não existe senão porque foi feita e não existe antes de feita; finalmente que se a lei era obscura, se uma falta de atenção dêle legislador, falta que não deve ser reparada pelo sacrifício da fé pública e da justiça” (págs. 74 e 75).

“É, pois, concludente, que uma tal lei deve obrigar sòmente de sua promulgação em diante, dominar só o futuro, não o passado. Deve ser considerada como um direito novo, deixando-se a autoridade da lei anterior, qual ela era, se clara, clara, se obscura, obscura; assim, ou tal era ela, assim permaneça quanto ao passado, os tribunais que constituem em relação ao pretérito a aplicá-la segundo os princípios gerais de direito. Providencie-se para o futuro por uma nova lei, como um direito novo” (pág. 75).

Ainda a respeito do abuso dos governos na interpretação das leis, PIMENTA BUENO se manifesta com raro brilho analítico:

“Os regulamentos são atos e modos de mera execução e não da legislação, são disposições gerais e móveis do Poder Executivo, Executivo, revestidas de certas formas, que preparam os meios, determinam os detalhes e coordenam as providências necessárias para que as leis sejam fàcilmente executadas, para que não encontrem obstáculos em nenhum tempo, ocorrência ou parte do Estado.

“Sem dúvida, facilitar a execução da lei não é fazer lei ou interpretá-la obrigatoriamente, o que vale o mesmo: a inteligência legal que, como meio ou por via de conseqüência, é estabelecida pelo ato regulamentar conquanto poderosa, não passa de uma opinião ou doutrina comum, como a dos sábios.

“É o que dizia o chanceler de Aix ao próprio govêrno absoluto de LUÍS XV: “Senhor, quando o vosso ministro fala com a razão e com a lei, suas palavras vigoram-se mùtuamente; quando êle fala sem lei, não pode ser garante nem de si próprio quando fala contra a lei, embora invoque o nome de vossa vontade, isso em vez de fortificá-lo não serve senão para fazê-lo suspeito, porque vossa vontade não é essa que êle indevidamente presume ou alega, e nem ela bastará para constituir regra legal” (páginas 82-83).

Ao serem algumas destas notas tomadas, e outras confirmadas, valemo-nos, também, eventualmente, do exemplar de RUI BARBOSA, onde aparece, cuidadosamente, assinalada, a matéria de retroatividade das leis, e, no final do volume, uma referência especial sôbre as páginas em que o problema é debatido: 74-77; 393-394.

Diante de tais anotações, surpreenderia a não repercussão da matéria, nos substanciosos escritos forenses que RUI fêz, em tôrno da questão da retroatividade das leis em geral e, em particular, a da legitimidade ou legitimidade das leis interpretativas, na demanda judicial iniciada a 14 de novembro de 1896, em favor dos direitos de D. Júlia Gonçalves Klinke e outros, contra a Municipalidade do Distrito Federal.

Sucede, porém que, na querela judiciária, lhe despontava, como ex adverso, o proficiente JOÃO CARNEIRO DE SOUSA BANDEIRA, e a citação da obra que tão bem conhecia, mesmo sob o crivo de sua dialética, poderia desservir a causa que patrocinava.

Em RUI, nessa demanda, o advogado veio preferir ao jurisconsulto.

A instituição do júri, que tanto cuidado já merecera de PIMENTA BUENO, em seus apontamentos de processo criminal, volta a ser visto com atenção em sua obra capital:

“A intervenção dos jurados na administração da justiça é uma garantia muito importante para as liberdades, interêsses e justiça social.

“Considerando em relação à liberdade política, o júri é o mais firme baluarte dela, a mais sólida garantia da independência judiciária.

“Nem todos os juizes, embora perpétuos ou inamovíveis, se olvidam que o govêrno é quem verifica as promoções e distribui as graças, as honras e as gratificações pecuniárias, nem todos têm a coragem civil, o caráter firme, a consciência do dever, que não se curva às insinuações, às simpatias, aos desejos de punição, aos ódios dos partidos políticos ou à sua parcialidade. O júri é uma barreira contra tais abusos, é uma instituição nesse sentido tão valiosa que devemos considera-lo como um tesouro que nos cumpre legar aos nossos descendentes, que com a ação do tempo o aperfeiçoarão de todo” (pág. 330).

Finalmente, os direitos individuais, civis e políticos são consubstanciados e cumpridamente desenvolvidos sob o título “Dos Direitos dos Brasileiros”.

Apesar de sua larga cultura, afeito ao uso e manejo da melhor bibliografia do direito estrangeiro, o autor foi sempre capaz de concluir por si mesmo, de dar interpretação própria aos problemas. Dêle se poderia dizer: as influências estrangeiras corriam na superfície de uma indestrutível personalidade.

Muito lúcido e dotado de espírito sereno, fêz-se respeitado também por uma seriedade e honestidade intelectual inatacáveis.

Predominava em PIMENTA BUENO, no dizer de HAROLDO VALADÃO, em sua conferência a respeito dêste grande publicista e constitucionalista do Império: sôbre o homem de ação, o de pensamento; face ao prático, o teórico; perante o realizador, o sábio. Foi antes e acima de tudo um cientista do direito.

Poderia, pois, fazer como fêz isto é, marcar o frontispício do seu Direito Público com os seguintes princípios:

“La constitution est l’expression des droits et des obbligations des differents pouvoirs publiques”.

“Les lois ne sont que le resultat de l’expression des droits et des devoirs de l’homme”.

“A la loi son empire, aux hommes leur dignité”.

*

Conta-se que JOSÉ BONIFÁCIO, o moço, ofereceu a PIMENTA BUENO, em 1870, um lugar no Conselho de Estado, lugar que não chegou a aceitar porque os vencimentos do cargo não lhe bastavam para viver na metrópole.

Morreu pobre, êsse afilhado de batismo de MARTIM FRANCISCO, apesar de ter sido sempre, mesmo em vida, um dos nossos autores mais lidos; naquela época, cento e cinqüenta contos teria dado a venda de seus livros.

Na Capital da República, no Cemitério de São João Batista estão os restos mortais do MARQUÊS DE SÃO VICENTE. E mais além, no bairro da Gávea, singra uma rua que tem o seu nome, rumo à vivenda que foi sua e que hoje pertence à Prefeitura do Distrito Federal, o chamado “Parque da Cidade”.

*

É o que vos posso dizer, em má prosa – resumida, incompleta e atropelada – de tudo que li e estudei, de tudo que encontrei e pesquisei sôbre JOSÉ ANTÔNIO PIMENTA BUENO.

De tôda a forma, conto agora terem-se esgarçado e anulado as vossas dúvidas sôbre a riqueza do tema enunciado.

Que êsse jurista de polpa, que êsse caráter rijo e inamolgável, que êsse lidador infatigável seja hoje e sempre rememorado com o mesmo incontrastável prestígio que desfrutou no Segundo Reinado.

Que a rota segura e limpa que traçou e percorreu em vida seja modêlo e exemplo para todos nós, trovadores do direito, que, no dizer de PICCARD, é “a velha e sempre nova canção da humanidade”.

Laudo de Camargo, ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal.

_________________
Notas:

* Conferência realizada na Ordem dos Advogados, Seção do Distrito Federal, 1954.

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  2. Os trabalhos podem ser submetidos em português, inglês, francês, italiano e espanhol;
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