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Compra E Venda Mercantil – Cláusula C. I. F. – Lugar Da Tradição Da Mercadoria, de Oto Gil
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15/02/2024
– A sigla C. I. F., usada nos contratos de compra e venda mercantil, significa que, no preço avençado entre os contratantes, se incluem o custo da mercadoria, o seguro e o frete.
– Estipulada a cláusula C. I. F., a tradição se opera no pôrto de embarque da mercadoria, desde onde os riscos começam a correr por conta do comprador.
– Ocorrendo a perda ou extravio da mercadoria, não tem o comprador justa causa para recusar o pagamento do saque ou da duplicata contra êle emitida pelo vendedor.
PARECER
1. Não existe no nosso direito positivo qualquer definição legal para as vendas C.I.F., sendo o seu conceito fixado pela doutrina, pelas praxes e usos comerciais das praças do País, pela jurisprudência e, mais autorizadamente, pelas conclusões do Congresso Jurídico Nacional de 1943.
2. A sigla C. I. F., usada nos contratos de compra e venda mercantil, significa que, no preço avençado entre os contratantes, se incluem o custo da mercadoria, o seguro e o frete.
3. E se inclui o seguro porque, operando-se no pôrto de embarque a tradição dos efeitos, o risco de viagem corre por conta do comprador. E, como êste, de ordinário, é estabelecido em praça diferente, e às vêzes distante, da do vendedor, a êste último incumbe fazer o seguro das mercadorias.
4. Destarte, não há, hoje em dia, a menor dúvida quanto ao local em que se opera a tradição: Ensinam todos os comercialistas que se têm ocupado do assunto que é no pôrto de embarque das mercadorias que a tradição se opera. É a lição do Prof. ERNESTO LEME, na sua monografia sôbre “Cláusula C. I. F.”, páginas 40-41. É a conclusão de J. X. CARVALHO DE MENDONÇA, no seu “Tratado de Direito Comercial Brasileiro”, vol. VI, ns. 770 e segs.
5. Em uma monografia que escreveu sôbre “A Cláusula C.I.F., nos contratos de compra e venda mercantil”, o Doutor ADOLFO DEVOTO VALENTE, ilustre advogado baiano, chega às mesmas conclusões de ERNESTO LEME e CARVALHO DE MENDONÇA, assim expressando o seu pensamento:
“… a Cláusula C.I.F., quando existente nos contratos de compra e venda de uma praça para outra, em nada modifica a natureza do contrato que, em face do nosso Cód. Comercial, art. 191, fica perfeito e acabado, desde o momento em que os contratantes acordaram na coisa, no preço e nas condições do contrato; e, desta forma, que os riscos advindos aos efeitos comprados, desde o momento em que o contrato ficou fechado, correm por conta do comprador, que os fêz segurar ùnicamente para sua garantia”.
6. No mesmo sentido se manifestam, entre outros, SILVA COSTA, em artigo publicado na “Rev. Jurídica”, de RODRIGO OTAVIO; o professor VALDEMAR FERREIRA; eu mesmo, em pareceres dados à Associação Comercial do Rio de Janeiro, em 1934 e 1943, o primeiro publicado nos seus Anais daquele ano e o segundo ainda inédito; o professor RUBEM BRAGA, da Faculdade de Direito de Niterói, na sua monografia sôbre a cláusula C.I.F.
E, para encerrar a citação dos escritores nacionais que se ocupam do assunto, desejamos transcrever a opinião do eminente ministro BENTO DE FARIA, presidente da Comissão de Direito Comercial, do Congresso Jurídico Nacional, de 1943, dada quando S. Exª era procurador Geral da República, e inserta no vol. II dos seus doutos pareceres.
Diz BENTO DE FARIA, no citado parecer, depois de definir a cláusula C.I.F.:
“…a venda assim feita significa que, no ajustado preço da mercadoria, estão incluídos, além do custo, o seguro feito pelo vendedor, por conta e em beneficio do comprador, e o frete, também pago pelo vendedor, para ser de tudo reembolsado por quem compra ao pagar a fatura respectiva.
“Em tal caso a transmissão da propriedade da mercadoria, isto é, a sua entrega ao comprador, pelo vendedor, se considera feita pelo fato da entrega a bordo no pôrto de embarque com o seguro e o frete pagos.
“Todos os riscos do transporte, que de então em diante correr a mercadoria vendida, por tal forma, serão por conta do adquirente.
“Esta é a lição da doutrina”, conclui S. Exª (“Pareceres”, vol. II, pág. 527).
7. É, realmente, essa a doutrina dos melhores escritores e comercialistas nacionais e estrangeiros. Entre êstes últimos, basta-nos citar os autores dos dois trabalhos mais conhecidos sôbre a matéria:
WINKELMOLEN, escritor belga, no seu trabalho sôbre “Les príncipes de la vente C. A. F.”, no qual, às págs. 18 a 29, depois de acentuar que se trata de contrato puramente consensual, pois que a venda se considera perfeita e acabada pelo simples concurso de vontades do comprador e do vendedor, acrescenta, à pág. 28:
“La majorité des auteurs et la jurisprudence affirme, avec raison, nous semble-t-il, que la marchandise est livrée au port d’embarquement lors de la mise à bord.”.
JEAN RENARD, na sua monografia sôbre “La vente C. A. F. en droit français”, acentua que, na venda C.I.F., (C.A.F., em francês), os riscos da viagem estão a cargo do comprador, ao invés de incumbir ao vendedor, como até aqui era a regra, e conclui:
“Ce renversement dans l’attribution des risques est ce qui frappe le plus les esprits, ce que les tribunaux s’attachent le mieux a mettre en evidence” (ob. cit., página 13).
8. Assim é que, no Rio de Janeiro, desde 1922, ficou assentado, conforme se colhe da publicação feita no Relatório da Associação Comercial do Rio de Janeiro, daquele ano, que tanto na cláusula C.I.F., como na cláusula F.O.B., a tradição se opera no pôrto de embarque da mercadoria, desde onde os riscos começam a correr por conta do comprador, assento que, em 1932, se reafirmou, por acôrdo com a American Chamber of Commerce for Brazil, segundo consta do Relatório da Associação Comercial do Rio de Janeiro, dos anos de 1922 a 1932.
9. Aliás, a Chambre de Commerce Internationale, registrando os Têrmos Comerciais dos principais países do mundo, numa publicação especial, registram, com referência ao Brasil, o significado das vendas C.I.F. e F.O.B. como operando a tradição no pôrto de embarque da mercadoria. E o que consta da aludida publicação, a fls. 41 a 44.
10. Nas praças de São Paulo e Santos, onde recentemente se processou o assentamento de seus usos e costumes, ficou ã expressamente assentado, quanto à cláusula C. I. F.:
“que tôdas e quaisquer perdas ou avarias ocorridas depois da entrega da mercadoria a bordo do navio no pôrto de embarque correm por conta do comprador”.
Com referências à F.O.B., se consignou o registro dêsse mesmo uso, conforme se colhe da publicação oficial dêsses assentamentos, a fls. 10.
Jurisprudência
11. A jurisprudência, como acentuei de início, também tem aceito que a tradição da coisa vendida sob cláusula C.I.F. e F.O.B. se opera no pôrto de embarque e assim se manifestou, por vêzes diversas, a propósito do direito de retenção pretendido pelo vendedor, em caso de falência do comprador. É a conhecida questão sôbre a stoppage in transitu, que chegou até o Supremo Tribunal Federal.
12. Antes de concluir, seja-nos lícito recordar a opinião autorizada de CLÓVIS BEVILÁQUA:
“Aceita a cláusula C. I. F., a mercadoria, desde que foi entregue ao condutor, no pôrto de embarque, é propriedade do comprador, e, desde então, o vendedor não tem mais nenhum direito sôbre ela” (“Rev. de Crítica Judiciária”, vol. IX, página 60).
13. No mesmo sentido é a opinião do professor GIUSEPPE DONADIO, da Universidade de Bari, na monografia, hoje cláusula, sôbre “La vendita C.I.F.”, página 56:
“Il trasferimento di proprietà delle merce C.I.F. contrattata, individuata e de imbarcare, si effetua al porto di imbarco delle merce”.
14. Baseado nesses princípios, o Congresso Jurídico Nacional, aqui reunido em 1943, aprovou a seguinte conclusão:
“Na venda C.I.F., como na venda F.O.B., a tradição se opera no pôrto de embarque. Posta a mercadoria a bordo, considera-se ela entregue e de livre disposição do comprador, em cujo patrimônio se integra” (“Boletim Semanal da Associação Comercial do Rio de Janeiro”, de 10 de novembro de 1943).
*
Convenção de Varsóvia de 1928
15. Nesse sentido são as Regras II, 1°, VII e XI da Convenção de Varsóvia de 1928, as quais regulam hoje as vendas C.I.F. no Comércio Internacional.
16. Há casos em que ocorre ainda outra circunstância, comum, aliás, no comércio importador em geral: além de ajustar a compra e venda C.I.F., o comprador recebe, do vendedor, o respectivo conhecimento de embarque.
Indaga-se, então: Ocorrendo a perda ou extravio da mercadoria, tem o comprador justa causa para recusar o pagamento do saque ou da duplicata contra êle emitida pelo vendedor?
Parece-me que não assiste tal direito.
17. Na verdade: mesmo para aquêles que distanciados na letra expressa do nosso Cód. Comercial (art. 191), segundo a qual o contrato de compra e venda é consensual e não real, vale dizer, se efetiva independentemente da tradição da coisa vendida ainda mesmo para êsses que assim opinam baseados na doutrina francesa de JEAN RENARD (“La vente C.A.F.”), no caso em aprêço mesmo o requisito da tradição simbólica se verificou, pois o vendedor entregou ao comprador o conhecimento de embarque, que é o título representativo da mercadoria.
18. Indiscutível a transferência da propriedade. E, destarte, tendo o vendedor cumprido com as suas obrigações, conforme pondera com todo o acêrto RENE BELLOT, na sua recentíssima obra sôbre “La vente C. A. F”, Paris, 1949, pág. 45, in verbis:
“…dès cette remisse (refere-se à entrega da mercadoria a bordo) le vendeur ne peut plus y revenir n’a plus aucun pouvoir sur la marchandise” (O vendedor não poderá retomar a mercadoria).
“Le vendeur a rempli ses obligations porquoi l’acheteur ne remplirait-il les siennes? Il s’agit d’un simple retablissement d’équilibre entre les prestations réciproques. On ne veut pas laisser le vendeur a la merci d’un acheteur sans scrupules…”
CONCLUSÃO
1ª) O comprador que ajustou uma compra e venda C.I.F. e que recebeu, do vendedor, o conhecimento de embarque (título representativo das mercadorias), entrou na propriedade das mesmas, desde o embarque no navio que as transportou ao destino.
2ª) A viagem correu por sua conta e risco (Cód. Comercial, art. 206) e foi por isso que, no preço avençado, se incluiu o prêmio do seguro (venda C.I.F. quer dizer: cust – custo da mercadoria, insurance – seguro, freight – frete).
3ª) Em conseqüência, tendo o vendedor cumprido com as suas obrigações, cabe ao comprador desobrigar-se das suas e, entre estas, a primeira é efetuar o pagamento das mercadorias, liquidando a duplicata que é o titulo representativo do contrato de compra e venda (Cód. Comercial, art. 191; dec. nº 22.061, de 1932, artigo 1º; lei nº 187, de 1936, arts. 1 e 13, letra a).
4ª) Não é justa nem legal a recusa do comprador ao pagamento da duplicata (art. 13, letra a, da lei nº 187, de 1936) e, em conseqüência, baseada no princípio de que a todo o direito corresponde uma ação que o assegura (Cód. Civil, art. 75) e no art. 2º do Cód. de Proc. Civil, poderá a consulente propor, com êxito, ação ordinária contra o devedor para obter a condenação do mesmo ao pagamento do principal, juros de mora e custas.
Oto Gil, consultor jurídico da Associação Comercial do Rio de Janeiro.
LEIA TAMBÉM O PRIMEIRO VOLUME DA REVISTA FORENSE
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 1
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 2
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 3
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 4
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 5
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 6
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