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Proibição de celulares em escolas

Anderson Schreiber

Anderson Schreiber

16/10/2024

No último dia 20 de setembro, em Fortaleza, o ministro da Educação anunciou que, em outubro, será concluído um projeto de lei que prevê o banimento de telefones celulares, tablets e outros aparelhos semelhantes nas escolas.[1]

Se aprovada, a medida será aplicável a todas as instituições educacionais do país, sejam públicas ou particulares. O anúncio deixou clara qual a posição adotada pelo governo federal em um debate que vem se intensificando nos últimos anos entre médicos, educadores, pais e alunos.

É inconteste que o uso excessivo de telas por crianças e adolescentes produz efeitos nocivos sobre o seu desenvolvimento, em diferentes esferas que vão “desde o somático (obesidade, maturação cardiovascular) até o emocional (por exemplo, a agressividade, a ansiedade) passando pelo cognitivo (por exemplo, linguagem, concentração): tantos danos, seguramente, não deixariam ileso o desempenho escolar”.[2]

Há quem defenda, todavia, que o uso de telas é inerente à nova realidade social em que se inserem os “digital natives” (nativos digitais), assim denominados os indivíduos que já nasceram em um mundo digital. Qualquer medida restritiva seria, assim, uma espécie de reedição do ludismo, movimento operário inglês que, no fim do século 18, defendia a invasão das fábricas e destruição do maquinário como forma de protesto contra o desemprego gerado pela industrialização. Tudo em vão.

A França tem dado passos importantes para desmentir essa abordagem. Desde 2018, o país proíbe o uso de celulares por estudantes com menos de 15 anos nas dependências das escolas, inclusive durante os recreios, em que os aparelhos devem permanecer desligados.[3]

Dando um passo além, o governo francês lançou, no último dia 2 de setembro, a chamada “Pausa Digital”, um programa temporário que testará em duzentas escolas o total banimento dos aparelhos eletrônicos portáteis que, ainda que desligados, não poderão nem sequer ingressar no ambiente escolar. O principal objetivo da medida, segundo o governo francês, é prevenir a violência online e limitar a exposição às telas, com vistas à “melhoria do clima escolar”.[4]

No Brasil, tramitam desde 2015 no Congresso Nacional diferentes Projetos de Lei que propõem a proibição do uso de aparelhos eletrônicos portáteis em salas de aulas de estabelecimentos educacionais, salvo quando inseridos no desenvolvimento de atividades didático-pedagógicas e previamente autorizados pelos professores ou quando destinados a assegurar a acessibilidade a pessoas com deficiência.

E já há leis locais em vigor nesse sentido. No município do Rio de Janeiro, por exemplo, o Decreto 53.918/2024, editado em fevereiro deste ano, proíbe o uso de celulares em salas de aula e durante o recreio nas escolas da rede municipal. O uso fica autorizado antes do início da primeira aula e após o fim da última aula, mas sempre fora das salas de aula, e em algumas outras situações excepcionais, como no desenvolvimento de atividades de pesquisa previamente autorizadas pelo professor.[5]

É importante notar que a excessiva exposição de crianças e adolescentes às telas já é objeto de recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS),[6] que sugere zero tempo de tela para crianças menores de 2 anos e menos de 60 minutos de tela para crianças que tenham entre 2 e 5 anos de idade.[7]

Por todas essas razões, é grande a expectativa em torno do Projeto de Lei que virá a ser proposto pelo Ministério da Educação. A preparação de um novo Projeto de Lei quando uma proposta já tramita no Congresso Nacional precisa ser amparado em reais diferenças que justifiquem iniciar uma nova tramitação.

É preciso, ainda, que se aponte um caminho viável para que os estabelecimentos de ensino efetivamente apliquem uma eventual proibição de uso de aparelhos eletrônicos portáteis, o que vai desde o fornecimento de diretrizes claras sobre as regras e exceções (como no exemplo da acessibilidade por pessoas com deficiência) até o financiamento indispensável para que escolas públicas disponham de meios físicos e pessoal habilitado para implementar a medida.

Também é importante que medidas restritivas venham acompanhadas de uma pujante campanha informacional, pois o uso excessivo de telas não compromete apenas o desenvolvimento acadêmico, mas está também vinculado a outras práticas nocivas como a redução da sociabilidade, a invasão à privacidade e o cyberbullying (bullying virtual).

São temas que não se solucionam com o simples banimento de aparelhos eletrônicos, mas exigem também um esforço permanente e profundo de conscientização acerca dos riscos associados às novas tecnologias. O objetivo não deve ser apenas restringir o uso de celulares, mas principalmente educar os alunos sobre as implicações de sua utilização na vida cotidiana.

E este papel não pertence apenas ao Poder Público. Toda a sociedade civil tem o dever de contribuir para a proteção de um ambiente educacional sadio para as crianças e adolescentes. Enquanto pais continuarem grudados em telas, compartilhando em tempo real um número extraordinário de imagens e vídeos de seus próprios filhos,[8] será difícil esperar que surja uma nova geração consciente do papel delimitado que a tecnologia deve exercer em suas vidas.


Fonte: JOTA

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NOTAS

[1]Uso de celular: MEC discutirá se proibição será só em salas de aula ou em toda a escola” (Exame, 23.9.2024).

[2]Michel Desmurget,A fábrica de cretinos digitais: os perigos das telas para nossas crianças, São Paulo: Vestígio, p. 10.

[3]Os países europeus que estão banindo celulares em sala de aula”(G1, 5.7.2023).

[4]França quer proibir celulares em escolas e começa teste em 200 estabelecimentos” (Folha de São Paulo, 30.8.2024).

[5]Decreto 53.918/2024: “Art. 1º. Fica proibida a utilização de celulares e outros dispositivos eletrônicos pelos alunos nas unidades escolares da rede pública municipal de ensino nas seguintes situações: I – dentro da sala de aula; II – fora da sala de aula quando houver explanação do professor e/ou realização de trabalhos individuais ou em grupo na unidade escolar; III – durante os intervalos, incluindo o recreio.”

[6]A Organização Mundial da Saúde recentemente indicou que menos de ¼ das crianças menores de 2 anos e somente ⅓ das crianças entre 2 e 5 anos efetivamente cumprem os tempos máximos diários sugeridos para o uso de telas por crianças e adolescentes. Ver consulta pública sobre uso de telas e dispositivos digitais por crianças e adolescente, dezembro/2023, disponível em: www.educacao.prefeitura.rio/decretos/.

[7]Diretrizes sobre atividade física, comportamento sedentário e sono para crianças com menos de 5 anos de idade”, disponível no site da Organização Mundial da Saúde: www.who.int.

[8]Seja consentido remeter ao texto publicado nesta mesma coluna em 3.7.2024 sob o título “Oversharenting e suas consequências”. Sobre o tema, ver também a íntegra do evento “Oversharenting – Superexposição de Filhos em Redes Sociais: Uma Abordagem Jurídica e Psicológica”, organizado pelo Instituto de Educação Roberto Bernardes Barroso (IERBB/MPRJ) em parceria com o Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça Cíveis e Pessoa com Deficiência (CAO Cível/MPRJ), em que tive a oportunidade de discutir o tema com a psicóloga Carla Maia e com os Promotores de Justiça Leandro Navega, Renata Scharfstein e Carolina Senra (disponível em: www.mprj.mp.br/visualizar?noticiaId=154001).

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