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A pandemia do voto nulo e os alienantes mitos eleitorais
Francisco Dirceu Barros
19/11/2020
UMA INFORMAÇÃO ALIENANTE
Em toda eleição, circula nas redes sociais uma mensagem despolitizada e perigosa para o regime democrático. É uma convocação para o povo votar NULO.
O chamamento despolitizado é:
“Vamos votar nulo e as eleições serão anuladas”.
Em realidade, tecnicamente não existe “voto nulo”. Por quê?
Para José Afonso da Silva, o voto é o “ato político que materializa, na prática, o direito público subjetivo de sufrágio”[1], ou seja, voto é processo de escolha, portanto, quando a opção é pelo nulo ou branco não há tecnicamente voto, pois não houve escolha.
E mais:
A manifestação apocrífica do eleitor, quer dizer, o voto nulo ou branco não pode causar a nulidade de uma eleição por um motivo muito simples: na eleição majoritária e na proporcional, o número de votos válidos não é aferido sobre o total de votos apurados, in casu, leva-se em consideração tão somente o percentual de votos dados aos candidatos, excluindo-se os votos nulos e os brancos.
NÃO EXISTE VOTO OBRIGATÓRIO
O voto, por si só, não é obrigatório. Se fosse, o eleitor não poderia anular sua manifestação de vontade política.
A manifestação “nula” e a em “branco” não podem ser consideradas voto em sentido técnico, pois tais manifestações não são aproveitadas, nem no sistema majoritário, nem no proporcional. Portanto, entendo que “o que é obrigatório” será o comparecimento do eleitor no dia da eleição, e não o voto, já que o mesmo pode opinar pela manifestação “nula” ou simplesmente, em branco.
Neste sentido, nossa lei eleitoral é bem clara:
Na votação majoritária:
Art. 2º da lei 9.504/1997: Será considerado eleito o candidato a Presidente ou a Governador que obtiver a maioria absoluta de votos, não computados os em branco e os nulos.
Art. 3º da lei 9.504/1997: Será considerado eleito Prefeito o candidato que obtiver a maioria dos votos, não computados os em branco e os nulos.
Na votação proporcional:
Art. 106 do Código Eleitoral: Determina-se o quociente eleitoral dividindo-se o número de votos válidos apurados pelo de lugares a preencher em cada circunscrição eleitoral, desprezada a fração se igual ou inferior a meio, equivalente a um, se superior.
Preconizava o parágrafo único: “Contam-se como válidos os votos em branco para determinação do quociente eleitoral”. Este parágrafo foi revogado pela Lei nº 9.504/1997.
Hoje, o artigo 5º da lei 9.504/97 exclui os votos nulos e brancos ao afirmar que “Nas eleições proporcionais, contam-se como válidos apenas os votos dados a candidatos regularmente inscritos e às legendas partidárias”.
A opção de escolha “nulo” e em “branco” não são computadas porque não há através destas opções processo de escolha, ou seja, não há tecnicamente voto.
3- ELUCIDANDO DOIS MITOS ELEITORAIS
Mas se a nulidade atingir a mais de metade dos votos? Haverá ou não nova eleição?
Resposta: sim, o artigo 224 do Código Eleitoral é taxativo, in verbis:
Se a nulidade atingir a mais de metade dos votos do País nas eleições presidenciais, do Estado nas eleições federais e estaduais ou do município nas eleições municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações e o Tribunal marcará dia para nova eleição dentro do prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias.
Então vamos votar nulo para haver nova eleição!!!!
NÃO. Relaciona-se o artigo supracitado com “nulidade de votos” que decretada pela justiça eleitoral, por exemplo: voto captado ilicitamente poderá ser anulado através da ARCISU (Ação de Reclamação de Captação Irregular de Sufrágio).
Portanto, a nulidade dos votos dados a candidato inelegível não se confunde com os votos nulos decorrentes de manifestação apolítica do eleitor e nem a eles se somam, para fins de novas eleições.
No mesmo sentido o TSE:
Para efeitos da aplicação do art. 224 do Código Eleitoral, não se inclui, in casu, o universo de votos nulos decorrentes de manifestação apolítica do eleitor no momento do escrutínio, seja ela deliberada ou decorrente de erro. Precedentes: AgRgMS nº 3.387/RS, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 17.02.2006; REsp nº 19.845/GO, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 19.09.2003; REsp nº 19.759/PR, Rel. Min. Carlos Madeira, DJ de 14.02.2003. (Mandado de Segurança nº 3438, TSE/SC, Rel. José Augusto Delgado. j. 29.06.2006, unânime, DJ 08.08.2006).
Como não é possível anular uma eleição com as opções “nulo” e “branco”, devemos ter plena consciência que na democracia, o povo, com mais ou menos perfeição, governa-se a si mesmo e decide o seu destino.
Faz-se representar, porque o povo é muito numeroso, e o instrumento de representação é o voto. Este é por conseguinte o instrumento da democracia, é a sua arma de cabeceira.
A MAIOR ARMA DO REGIME DEMOCRÁTICO
Voto é, na realidade, o maior instrumento de exercício da cidadania.
Sempre considerei a manifestação nula como um fator alienante, não é um estado de consciência cidadã, pois não deve ser encarada como um protesto de pessoas politizadas, afinal, apenas serve para manter o status quo e nenhuma alteração promove no mundo político.
Portanto, “vote”, e se você se decepcionar, vote novamente, sempre deve haver uma alternativa melhor. Vote, o voto é a única arma que temos para transformar a injusta correlação social que oprime e coloca na margem obscura da relação social a maioria dos brasileiros.
A importância do voto é destacada por Pinto Ferreira:[2]
“O voto é um instrumento necessário da ação política, que encontra a sua natural florescência nas democracias. Através dele, o cidadão expressa a sua opinião e escolhe os agentes do governo. Voto é, na realidade, o maior instrumento de exercício da cidadania”.
Os “intelectuais” que defendem a opção pelo voto nulo, esquecem as lições mais básicas de Maquiavel, segundo as quais na política quem não toma partido é dominado pela política dos que a tomam e se manter inerte diante de uma injustiça é escolher o lado do opressor.
A intelectualidade opressora, através de suas maquiavélicas estratégias transmitem ao povo brasileiro diversas pobrezas.
Pobreza de espírito (moral e dignidade);
Estratégia: “todos são assim e nada vai mudar”.
Pobreza material.
Estratégia: “cidadão pobre é ser um pedinte, necessitado e facilmente comprado”.
Pobreza intelectual.
Estratégia: “quanto mais analfabetos menos politização e conscientização e mais votos adestrados”.
Portanto, só existe uma solução: é você começar a gostar de política, debater como pode melhorar o seu país, votar sempre de forma consciente e nunca desistir de construir uma rica nação cidadã, afinal como dizia Colbert (Jean Baptiste, célebre ministro francês):
“A grandeza de um país não depende da extensão do seu território, mas do caráter do seu povo”.
É desejo dos políticos corruptos que o cidadão não acredite em política, que acredite que todos são desonestos e não há opções de votos e assim o alienante voto nulo reforça a corrupção na medida em que suprime o seu único antídoto: a consciência de cidadania.
5- UMA CONCLUSÃO NECESSÁRIA
Nenhum efeito plausível causa o protesto pelo “voto nulo ou branco” (manifestação apocrífica); e o pior, você “vota nulo”, mas alguém vota, elege candidatos e seu “protesto” não gera nenhum efeito eleitoral.
Portanto, só há um método de protesto válido e que causa grandes efeitos: votar consciente.
Aos cooptados pela “estratégia”, ou seja, aqueles que insistem em dizer que não gostam de política, só tenho algo a dedicar, os versos do Alemão e poeta da revolução Russa de 1917, Bertolt Brecht, em “o analfabeto político”:
“O pior analfabeto é o “analfabeto político”.
Ele não ouve, não fala, não participa dos acontecimentos políticos.
Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas.
O “analfabeto político” é tão burro, que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política.
Não sabe o imbecil que de sua ignorância nasce a prostituta, o menor abandonado, o assaltante e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, o corrupto e o explorador das empresas nacionais e multinacionais”.
Quem vende ou troca seu voto é pior que uma prostituta, essa vende o seu corpo e o analfabeto político vende a sua própria consciência.
Voto consciente, eis a grande vacina, afinal:
“Uma sociedade só é democrática quando ninguém for tão rico que possa comprar alguém e ninguém seja tão pobre que tenha de se vender a alguém.” (Jacques Rousseau).
Todo poder emana do povo que só o exercerá com dignidade através do voto consciente.
Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado
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[1]Op. cit., p. 316.
[2] Nesse sentido: PINTO FERREIRA. Código Eleitoral comentado. São Paulo: Saraiva, 2. ed. 1990.