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Mais um inquérito contra o Presidente Jair Bolsonaro

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Cassação dos mandatos de Bolsonaro e Mourão, nova eleição e inelegibilidade

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José Jairo Gomes

José Jairo Gomes

10/06/2020

Anuncia-se no roteiro político brasileiro o julgamento de ações eleitorais ajuizadas perante o Tribunal Superior Eleitoral pleiteando a cassação dos mandatos do presidente da República Jair Bolsonaro e seu vice Hamilton Mourão, integrantes da chapa vitoriosa nas eleições presidenciais de 2018.

No total, foram ajuizadas oito demandas, a saber: AIJEs 0601401-49, 0601369-44, 0601779-05, 0601782-57, 0601771-28, 0601968-80, 0601752-22 e 0601969-65.

Algumas delas (AIJEs 0601771-28, 0601968-80, 0601779-05) fundam-se em alegados ilícitos eleitorais consistentes em “abuso de poder econômico”, “uso indevido dos meios de comunicação” social e digital, “fraude”, “ilicitude em captação e gastos de campanha”. Consistiriam os ilícitos – entre outras coisas – no financiamento ilegal de impulsionamento pago de mensagens em redes sociais como Facebook, bem como na contratação espúria de serviços de disparos em massa de mensagens no aplicativo WhatsApp, com a forte propagação de Fake News, mentiras e mensagens de ódio entre os eleitores, tudo em proveito da chapa vitoriosa e em detrimento dos candidatos concorrentes. Em consequência, a integridade do processo eleitoral teria sido maculada, notadamente com o desequilíbrio do pleito e infringência da isonomia e paridade de armas que devem imperar entre os players da campanha eleitoral.

De início, vale fixar que as referidas demandas podem sim ensejar a cassação de mandato presidencial. Em seu art. 14, § 10, a própria Constituição Federal estabelece a competência especial da Justiça Eleitoral para conhecer e julgar a impugnação de mandato, sem fazer distinção de qualquer espécie, nomeadamente sem distinguir a natureza do mandato impugnado, se majoritário ou proporcional, se de presidente da República, governador de Estado, prefeito, senador, deputado ou vereador. A competência é fixada no órgão eleitoral que procedeu ao registro da respectiva candidatura. De modo que, no caso de ação impugnativa de mandato de presidente da República, o juiz natural e constitucional é o TSE, cujo decisão é recorrível mediante recurso extraordinário (CF, art. 121, § 3º, segunda parte) para o Supremo Tribunal Federal.

Mas para que haja cassação de mandato, é imperioso que os ilícitos eleitorais postos como fundamento da causa sejam devidamente provados. Requer-se, portanto, processo jurisdicional justo e instrução processual em que haja contraditório efetivo e ampla defesa. A esse respeito, vale frisar o pacífico entendimento jurisprudencial que autoriza o uso em um processo de provas emprestadas de outro, ou seja, produzidas em outro processo. A relevância desse aspecto se dá em virtude da possibilidade de se transladar para os processos relativos às aludidas ações eleitorais elementos de prova produzidos no inquérito judicial 4.781/DF, instaurado no Supremo Tribunal Federal e sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes, e também na CPMI das Fake News, instituída no Congresso Nacional para investigar “ataques cibernéticos que atentam contra a democracia e a utilização de perfis falsos para influenciar os resultados das eleições em 2018”.

No Direito Eleitoral, o instituto da responsabilidade apresenta a relevante função de controle da integridade das eleições e da investidura político-eleitoral. Encontra-se comprometido com a efetiva proteção de bens jurídicos fundamentais como lisura e normalidade do processo eleitoral, legitimidade dos resultados, sinceridade das eleições, representatividade do eleito. Pouco importa, então, a perquirição de aspectos neurológicos e psicológicos dos envolvidos, quer sejam eles agentes infratores, quer sejam beneficiários de condutas ilícitas; relevante é apenas demonstrar que fatos denotadores de abuso de poder, abuso dos meios de comunicação, corrupção ou fraude beneficiaram um dos players da disputa. É que, quando presentes, tais eventos comprometem de modo indelével as eleições em si mesmas, porque ferem os princípios e valores democráticos que as informam.

Nas três esferas do Poder Executivo, o registro de candidatura é sempre efetivado em chapa única e indivisível, a qual deve ser composta por um titular (denominado cabeça de chapa) e um vice.

Se a Justiça Eleitoral reconhecer a ocorrência de abuso de poder em dada eleição, é intuitivo que o vício contamina a chapa, afetando todos os seus integrantes. Isso porque o ilícito aproveita a chapa em sua totalidade, beneficiando a um só tempo o titular e o vice. Afinal, a eleição de ambos é indissociável e se deu de forma espúria e ilícita. Daí não ser possível cindir o julgamento, de modo a afirmar-se a responsabilidade eleitoral de apenas um deles e isentar-se o outro.

Portanto, no julgamento das aludidas ações eleitorais, se o TSE reconhecer a ocorrência de abuso de poder, outra alternativa jurídica não lhe restará senão responsabilizar os beneficiários do ilícito, a saber: o titular da chapa, Jair Messias Bolsonaro e seu vice Hamilton Mourão.

Como consequência da responsabilização eleitoral, a eles poderão ser aplicadas as sanções de inelegibilidade (por 8 anos) e cassação do diploma/mandato – tudo nos termos do inciso XIV, art. 22, da LC 64/90.

Quanto à inelegibilidade, é preciso ressaltar que essa sanção tem caráter pessoal, subjetivo – e não objetivo. No dizer expresso da citada regra legal, a inelegibilidade só pode ser constituída em relação aos que “hajam contribuído para a prática do ato”. Assim, será preciso demonstrar na fase de instrução do processo que o réu contribuiu de alguma forma para o ilícito e consequente beneficiamento da chapa.

Já no que concerne à cassação dos mandatos presidenciais, vale atentar para a mudança na legislação eleitoral trazida pela lei 13.165/15, que acresceu ao art. 224 do Código Eleitoral os §§ 3º e 4º. Esses novos dispositivos suscitaram polêmica, sobretudo no plano constitucional, contra eles tendo sido propostas as ações diretas de inconstitucionalidade – ADIns 5.525/DF e 5.619/DF.

Consoante o referido § 3º, art. 224, do Código a decisão da Justiça Eleitoral que importe “a cassação do diploma ou a perda do mandato de candidato eleito em pleito majoritário acarreta, após o trânsito em julgado, a realização de novas eleições, independentemente do número de votos anulados”.

Logo, uma vez cassado o diploma/mandato do presidente e seu vice, nova eleição deverá ser convocada, denominada eleição suplementar. E o novo pleito deveria ser direto – nos exatos termos do art. 224, § 4º, II, do referido Código, in verbis: “§ 4º A eleição a que se refere o § 3º correrá a expensas da Justiça Eleitoral e será: I – indireta, se a vacância do cargo ocorrer a menos de seis meses do final do mandato; II – direta, nos demais casos.”

Esse dispositivo harmoniza-se com o art. 1º, § único, e com o art. 14, caput, ambos da Constituição, que assentam respectivamente que todo o poder emana do povo, e que a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos. Deveras, em Estado Democrático de Direito ao povo pertence o poder soberano, e é sempre dele a palavra final sobre os assuntos mais importantes para a sociedade – como é a escolha dos governantes. Esse princípio fundamental da Constituição foi corretamente interpretado pelo legislador infraconstitucional na regra veiculada no referido § 4º, art. 224. A eleição indireta tem caráter excepcional, devendo, pois, ser interpretada estritamente – apenas em situações singulares poderia ser aceita, por isso ela é regida por um princípio utilitário e só tem lugar há poucos meses do final do mandato, quando, então, se torna mais viável do ponto de vista operacional.

Apesar de harmonizar-se com o sistema constitucional e com os elevados valores democráticos que o animam, há o entendimento no sentido de que o aludido § 4º não se aplica ao presidente da República, pois nesse caso incide o art. 81, § 1º, da Constituição Federal. Por esse último dispositivo, vagando os cargos de presidente e vice-presidente da República “nos últimos dois anos do período presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei.” De sorte que, pela literalidade do referido art. 81, § 1º, se a dupla vacância da presidência da República ocorrer nos dois últimos anos do mandato (i.e., no segundo período), a eleição deveria ser indireta, pelo Congresso Nacional. Essa interpretação prevaleceu no julgamento da ADIn 5.525/DF, ocorrido em 08.03.18.

Entretanto, por quatro principais razões essa não se afigura a melhor compreensão. Primeiro, porque a eleição indireta é sempre excepcional em Estado Democrático de Direito, devendo ser interpretada estritamente; somente é aplicável em situações restritas e especialíssimas. Se se pensar na hermenêutica constitucional e na proporcionalidade, tem-se que na ponderação de princípios e valores fundamentais há de preponderar o modo mais democrático possível de escolha de mandatários públicos, ou seja, escolha feita diretamente pelo povo, afinal é esse espírito democrático que anima a Constituição.

Segundo, porque da cassação do mandato decorre a invalidação da votação e, pois, da eleição – disso resulta a necessidade de o ato de escolha coletiva (= a votação e eleição popular) ser novamente praticado (ou reiterado) pelo mesmo agente, desta feita, validamente, sem vícios.

Terceiro, por imposição de lógica jurídica, eis que não se apresenta requisito essencial para a incidência do citado art. 81, § 1º E tal requisito consiste justamente na ocorrência de vacância dos “cargos de Presidente e Vice-Presidente da República”. A bem ver, esses cargos ainda não foram preenchidos em caráter definitivo – porque suas ocupações legítimas encontram-se sub judice desde o ajuizamento das citadas ações eleitorais. Por óbvio, só pode vagar cargo ocupado de forma legítima e em caráter definitivo. Na verdade, o art. 81, § 1º, da Constituição trata de fenômeno posterior e condicionado ao processo eleitoral e à definitiva diplomação, fenômeno esse ocorrente após a investidura e posse definitiva do candidato legitimamente eleito. Trata ele de situações em que a investidura nos cargos presidenciais se deu de modo legítimo e definitivo, e não de modo condicional, precário e sub judice como no enfocado caso da chapa Bolsonaro-Mourão.

A seu turno, o art. 224 do Código Eleitoral rege situação específica ocorrente no processo eleitoral, situação que antecede, portanto, à definitiva diplomação, investidura e posse dos candidatos eleitos nos cargos disputados. Trata dos desdobramentos da perda de mandato decorrente da denominada causa eleitoral.

Note-se que os arts. 81, § 1º, da Constituição e 224, § 4º, do Código Eleitoral incidem em espaços próprios, separados e logicamente inconfundíveis, convivendo de forma harmoniosa no sistema. Cada um deles apresenta razões e fundamentos que lhes são próprios. O primeiro tem por pressuposto a dupla vacância dos cargos do Executivo Federal em razão de causa não eleitoral (ex.: impeachment, renúncia, falecimento), enquanto o segundo pressupõe a cassação de diploma/mandato pela Justiça Eleitoral em razão de causa eleitoral (ex.: abuso de poder econômico, político, de autoridade, dos meios de comunicação etc.).

Quarto, porque o art. 81 da Constituição Federal tem por objeto a auto-organização dos entes federativos, enquanto o art. 224 do Código Eleitoral trata de matéria eleitoral.

Sobre isso, há muito o Supremo Tribunal Federal assentara o entendimento de que o art. 81 da Constituição Federal não é de reprodução obrigatória pelos Estados e Municípios; a propósito, vide ADIn 4.298/TO, j. 07.10.09 e também ADIn 1.057 MC/BA, DJ 06.04.01, p. 65. Nesse último julgado, o relator ministro Celso de Mello deixou consignado que “os Estados-membros não estão sujeitos ao modelo consubstanciado no art. 81 da Constituição Federal, abrindo-se, desse modo, para essas unidades da Federação, a possibilidade de disporem normativamente, com fundamento em seu poder de autônoma deliberação, de maneira diversa.” Portanto, em caso de dupla vacância das respectivas chefias do Poder Executivo, aqueles entes federativos poderiam prever prazos diferentes, por exemplo: vagando os cargos de governador e vice, a Constituição estadual poderia prever eleições diretas se a vacância ocorresse no primeiro ano do mandato, e indireta se ocorresse nos três últimos anos. O que a Constituição estadual não pode afastar é a própria realização de eleição.

Diante disso, é fácil ver que o art. 81 da Constituição Federal cuida de auto-organização dos entes federativos, dotados que são de autonomia política – e não de matéria tipicamente eleitoral.

Já as regras e os procedimentos eleitorais são de observância obrigatória e devem ser uniformes, integrando o âmbito da competência privativa da União, consoante dispõe o art. 22, I, da Constituição Federal. É nesse contexto, pois, que o art. 224 do Código Eleitoral encontra seu fundamento.

Outro ponto a ser considerado refere-se ao momento em que as novas eleições deverão ser realizadas. Prescreve o art. 224, § 3º, do Código Eleitoral que elas só poderão ocorrer “após o trânsito em julgado” da decisão.

No entanto, fixou-se o entendimento jurisprudencial (vide TSE – ED-REspe 13.925/RS, j. 28.11.16) no sentido de que é inconstitucional a expressão “após o trânsito em julgado” prevista no citado § 3º, art. 224, porque tal expressão viola a soberania popular, a garantia fundamental da prestação jurisdicional célere, a independência dos poderes e a legitimidade exigida para o exercício da representação popular.

Assim, para a realização de nova eleição presidencial, não seria necessário aguardar o trânsito em julgado de eventual acórdão do TSE que venha a cassar os mandatos do presidente Jair Bolsonaro e de seu vice Hamilton Mourão. É que, por se tratar de competência originária, o TSE funciona como instância ordinária, e o recurso para Supremo Tribunal Federal tem caráter excepcional, extraordinário – e não possui efeito suspensivo.

Portanto, tão logo publicado, o acórdão do Tribunal Superior já terá aptidão para gerar efeitos concretos – a menos que se entenda prudente aguardar o escoamento do prazo para interposição de embargos de declaração e o consequente julgamento desse recurso, hipótese em que a geração de efeitos concretos teria de aguardar a publicação do acórdão prolatado nos declaratórios.

À guisa de conclusão, tem-se que, na hipótese de as citadas ações eleitorais serem julgadas procedentes e reconhecida a ocorrência de abuso de poder na campanha presidencial de 2018, a inexorável consequência lógico-jurídica será a responsabilização dos integrantes da chapa (dado o benefício angariado com os ilícitos), devendo-se impor-lhes a sanção de cassação de seus respectivos mandatos. Ademais, poderão sofrer sanção de inelegibilidade por 8 anos contados da data da eleição, caso fique demonstrado que contribuíram para o ilícito eleitoral.

Por outro lado, também se deverá determinar a invalidação da votação e a consequente convocação de novo pleito presidencial.

A nova eleição presidencial deve ser direta (CF, art. 1º, § único, e 14, caput; CE, art. 224, § 4º, II), não devendo incidir na espécie o art. 81, § 1º, da Constituição (conforme decidido na ADIn 5.525/DF, j. em 08.03.18) porque, como visto, cuida de matéria exclusivamente eleitoral. Afinal, o povo – único soberano no Estado Democrático de Direito, nunca é demais relembrar! – tem direito político fundamental de escolher os governantes, especialmente o presidente da República.

Anote-se, por fim, o pacífico entendimento jurisprudencial no sentido de que ao causador da invalidação da eleição é vedado participar do pleito suplementar, de modo que os integrantes da chapa cassada não podem participar da nova eleição. Além disso, sujeitam-se a responsabilizar os danos causados aos cofres públicos em razão da organização do novo pleito.

FONTE: MIGALHAS

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