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Tutela Provisória no Registro de Candidatura: O Problema do Financiamento Público a Candidaturas Natimortas

CANDIDATURA

CANDIDATURAS NATIMORTAS

FEFC

FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA

LEI MARIA DA PENHA

LEI N. 13.487/2017

LEI N. 6766/1979

LEI Nº 11.340/2006

TRE

TUTELA PROVISÓRIA

José Jairo Gomes

José Jairo Gomes

23/04/2019

No regime democrático impera a liberdade. Somos artífices de nossa história, de nosso destino, senhores de nossos atos e de nossas vidas. Mas, tal qual pregavam os Modernos, isso também requer sejamos racionais e responsáveis. Responsabilidade que deve manifestar-se assim no plano individual como no coletivo, tanto no agir das pessoas físicas quanto no das jurídicas. Caótico e inviável seria qualquer sistema jurídico-social baseado na irracionalidade e irresponsabilidade. Liberdade pressupõe sempre responsabilidade. E o agir responsável é matizado pelas cores fulgurantes da Ética e do Direito.

Fui surpreendido por pensamentos quejandos ao analisar pedidos de registro de candidatura para as eleições gerais de 2018. Em um deles, determinado partido político requereu ao TRE o registro de candidatura de pessoa condenada criminalmente pelo delito do art. 129, § 9º, do CP, tipo penal esse introduzido pela Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), cujo objeto é sancionar a lesão corporal cometida no âmbito das relações domésticas. Em outros casos concretos analisados, o partido/coligação requereu o registro de candidatura de pessoas condenadas pelos seguintes crimes: i) de receptação, previsto no art. 180 do CP; ii) de extorsão majorada, previsto no art. 158, §1º, do CP; iii) contra a Administração Pública, previsto no art. 50, I, § único, I, da Lei n. 6766/1979; iv) de coação no curso do processo, previsto no art. 344 do CP.

Em comum, todos esses “casos penais” têm (1) o fato de os entes partidários terem requerido registro para pessoas condenadas pela Justiça Criminal; (2) as sentenças criminais condenatórias já terem transitado em julgado na ocasião daquele ato, tendo, portanto, se tornado definitivas e insuscetíveis de recurso em qualquer esfera do Poder Judiciário; (3) ainda não ter ocorrido extinção da pena. Note-se que as condenações se tornaram públicas bem antes da apresentação à Justiça Eleitoral dos pedidos de registro de candidaturas.

Além disso, também merece ser destacado, em primeiro lugar, que os direitos políticos dos referidos pré-candidatos encontravam-se suspensos desde o trânsito em julgado das respectivas decisões penais condenatórias, por força do art. 15, III, da Constituição Federal. Segundo: a todos eles falta a condição de elegibilidade prevista no art. 14, § 3º, II, da CF, consistente na necessidade de a pessoa encontrar-se no pleno exercício e gozo de seus direitos políticos. Terceiro: em todos os casos houve a livre escolha nas convenções dos partidos de pessoas condenadas criminalmente, cujos direitos políticos já se encontravam suspensos. Quarto: em todos eles os entes partidários ignoraram qualquer filtro ético ou jurídico, chegando a formalizar perante a Justiça Eleitoral pedidos de registro de candidatura de pessoas que, à luz da Constituição e do sistema jurídico, evidentemente não podem ser candidatas, sendo essa impossibilidade insuperável, incontestável, insuprível.

Os casos citados referem-se a “condição de elegibilidade”, mas há muitas outras situações em que o obstáculo à candidatura decorre da existência de causa de inelegibilidade. Assim, a Constituição determina serem inelegíveis, no território de jurisdição do titular os parentes consanguíneos ou afins até o segundo grau do titular do Poder Executivo (CF, art. 14, § 7º); logo, se filha de governador pleitear registro de candidatura para deputada estadual, no mesmo Estado governado pelo seu pai, já se sabe de antemão e com absoluta certeza que essa candidatura é inviável, protelatória, fadada ao indeferimento certo.

Se é verdade que todo partido político tem por objetivo chegar ao poder e exercê-lo, não menos verdadeira é a assertiva de que o regime democrático requer que tais entes ajam com racionalidade, ética e responsabilidade, notadamente que respeitem as leis legitimamente positivadas. Nos casos mencionados e em muitos outros é eloquente o agir irresponsável e sem transparência dos partidos políticos, em franco desdém “ao regime democrático” (CF, art. 17, caput; Lei n9.096/95, art. 1º, caput) e aos cidadãos-eleitores.

Esse agir irresponsável é agravado no cenário atual, em que o Estado é o principal financiador de toda a atividade partidária, desde o seu funcionamento até as campanhas eleitorais. Financiamento que decorre de generosos recursos públicos arrecadados de pesadíssima carga tributária imposta à população e postos à disposição dos partidos.

Com efeito, já não é novidade a criação do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) pela Lei n. 13.487/2017, que introduziu na Lei das Eleições (Lei n. 9.504/97) os arts. 16-C e 16-D. O Tribunal Superior Eleitoral divulgou que foi transferido para esse fundo o montante de R$1.716.209.431,00 (um bilhão, setecentos e dezesseis milhões, duzentos e nove mil e quatrocentos e trinta e um reais), que daí foi repassado aos diretórios nacionais dos 35 partidos registrados naquele órgão. A tal montante deve-se acrescer: i) os valores alocados ao Fundo Partidário e destinado pelos partidos às campanhas de seus candidatos (Lei n. 9.504/97, arts. 17 e 20; Lei n. 9.096, arts. 38, 41 e 41-A); ii) o valor correspondente à compensação fiscal pela utilização do horário eleitoral gratuito destinado às emissoras de rádio e televisão (Lei n. 9.504/97, art. 99). Tudo considerado, chega-se ao montante aproximado de 3,5 bilhões de reais destinados ao financiamento das campanhas políticas de 2018.

Se antes dessa alteração legislativa as aventuras irresponsáveis de partidos políticos brasileiros eram em larga medida bancadas com recursos extorquidos do meio privado, notadamente das contribuições de pessoas jurídicas, hoje a realidade é completamente outra. Deveras, com a proibição de doação de pessoas jurídicas (STF, ADI n. 4.650/DF, j. 19-9-2015; Lei nº 13.165/2015, art. 15; Lei n. 9.096/95, art. 31, II – com a redação da Lei nº 13.488/2017) as campanhas eleitorais são pagas quase exclusivamente com recursos públicos.

Aqui não se pretende debater a justiça dessa opção legislativa, tema em si polêmico, sobretudo se se considerar as enormes carências de investimentos públicos em setores essenciais para a sociedade brasileira.

Pretende-se, porém, colocar em causa o acerto da entrega de parcelas daqueles recursos públicos a pessoas cujas candidaturas já se sabe ab initio natimortas, fadadas com razoável certeza jurídica ao indeferimento seja porque encontra-se ausente condição de elegibilidade exigida pela Constituição Federal, seja em razão da incidência de causa de inelegibilidade.

Em casos como esses, afigura-se irracional e estéril a disponibilização de recursos públicos a pré-candidato ungido pelo partido, porquanto desde o princípio a candidatura é confrontada com óbice fática e juridicamente insuperável no âmbito do processo de registro de candidatura, tal como ocorre nos casos citados.

Afinal, qual será a utilidade ou proveito de tal investimento público? Promoverá de alguma forma o regime democrático? Contribuirá em alguma medida para melhorias sociais? Quem realmente ganha com isso?

É verdade que no regime jurídico-eleitoral em vigor o efetivo afastamento de uma candidatura requer decisão “transitada em julgado” ou “proferida por órgão colegiado” (LC n. 64/90, art. 15, caput) após a observância do devido processo legal. Este é consubstanciado no processo de registro de candidatura ou no processo consequente ao exercício da ação de impugnação de registro de candidatura, encontrando-se previstos nos arts. 2º a 16 da Lei de Inelegibilidades. Por estar em jogo direito político fundamental atinente à cidadania passiva, a observância do procedimento legal tem caráter essencial. A forma, aqui, é garantia fundamental de todo e qualquer cidadão.

Ocorre que a decisão da Justiça Eleitoral apreciando o requerimento de registro de candidatura pode demorar muito tempo, ainda porque é sempre possível que o interessado siga recorrendo a diversas instâncias judiciais.

Para a candidatura sub judice, o art. 16-A da Lei n. 9.504/97 garante ao candidato o direito de “efetuar todos os atos relativos à campanha eleitoral, inclusive utilizar o horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão e ter seu nome mantido na urna eletrônica enquanto estiver sob essa condição”.

Entretanto, tal não significa que se deva colocar escassos recursos públicos à disposição de candidaturas natimortas ou absolutamente improváveis de virem a se estruturar, tal como sucede nos exemplos citados. Isso seria conceder demasiadamente à irracionalidade e à irresponsabilidade, não sendo esses os valores que norteiam o nosso sistema ético-jurídico, que agasalha valores e princípios como integridade, legitimidade e boa-fé.

Como, então, conciliar o exercício da cidadania passiva com a salvaguarda do patrimônio público?

A resposta a essa indagação encontra-se no regime da tutela provisória disciplinado no CPC, o qual deve ser aplicado supletivamente (CPC, art. 15) no procedimento da ação de impugnação de registro de candidatura que é regulado nos arts. 2º a 16 da LC n. 64/90.

Ponto nevrálgico do atualíssimo paradigma processual orientado a um processo justo, eficiente e em tempo razoável, a  tutela provisória pode fundar-se em urgência e na evidência. A de urgência pode ser cautelar ou antecipada. Todas comportam provimento liminar inaudita altera pars, isto é, sem que a parte adversa seja ouvida (CPC, art. 294, 300, § 2º, e 311, § único).

No âmbito da AIRC, não é possível a concessão de tutela provisória para negar pedido de registro de candidatura. Isso porque decisão como essa obstaria o exercício do direito político fundamental atinente à cidadania passiva com base em cognição sumária, que é sempre fundada em juízo de probabilidade ou verossimilhança. Ademais, impediria a continuidade da campanha do impugnado, quando esse direito lhe é concedido pelo já referido art. 16-A da Lei nº 9.504/97. A rigor, o aludido impedimento só poderia decorrer de decisão fundada em cognição exauriente (após a apresentação de defesa e observância do devido processo legal), nos termos do art. 15 da LC nº 64/90, que, para tanto, impõe o trânsito em julgado da respectiva decisão de 1º grau ou a publicação de decisão denegatória proferida por órgão colegiado no exercício de sua competência originária ou recursal. Não por outra razão a urna eletrônica é apta a receber votos dados a candidato cujo pedido de registro encontre-se sub judice, ou por ter sido indeferido originariamente ou por haver recurso contra a decisão de deferimento.

Ademais, a concessão de tutela provisória imporia ao impugnado dano irreversível, sobretudo à sua promoção na propaganda eleitoral e à arrecadação de recursos no meio privado para financiamento da campanha. A esse respeito, o § 3º do art. 300 do CPC é cristalino: “A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.”

Entretanto, o mesmo não se pode dizer da concessão de tutela provisória com o fito de impedir que o impugnado tenha acesso a recursos públicos destinados ao financiamento de campanhas eleitorais.

Na AIRC, a tutela final pretendida é sempre a negativa do requerimento de registro de candidatura, de modo a impedir que o réu se constitua candidato e, como consequência lógica necessária: a) não se habilite a realizar campanha eleitoral em causa própria; b) não utilize o horário eleitoral gratuito, subsidiado com recursos públicos; c) não dispenda recursos arrecadados de cidadãos brasileiros, notadamente os oriundos de tributos e alocados ao Fundo Partidário (FP) e ao Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC); e, finalmente, d) não possa ser votado no escrutínio vindouro. Afinal, cada um desses consectários lógicos pressupõe a condição legal de candidato (LE, arts. 16-A e 16-B, contrario sensu, arts. 16-C e 16D, §2º, 17, 20).

Ponderadas as circunstâncias, alguns desses efeitos podem, sim, ser objeto de tutela provisória – de natureza inibitória –, antecipando-se parcela da tutela final pretendida pelo impugnante; desde que isso não afete de forma grave e irreversível o exercício do direito político fundamental atinente à cidadania passiva.

Destarte, notadamente com vistas à salvaguarda do patrimônio público, pode-se cogitar o liminar impedimento do dispêndio dos recursos públicos (c, supra) alocados no FP e no FEFC pelo réu que, no momento em que formula requerimento de registro, apresentar em seu patrimônio jurídico obstáculo que já se sabe intransponível, que desde logo se afigure insuscetível de alteração no âmbito do processo de registro de candidatura. Os casos anteriormente citados são exemplos eloquentes de “obstáculos intransponíveis”; entre outros, a eles se pode agregar a inelegibilidade constituída em processo por abuso de poder (LC nº 64/90, art. 1º, I, alíneas “d” e “h” c.c. art. 22, XIV) cuja decisão já tenha transitado em julgado.

Nesses casos, por certo excepcionais, há mister que o impugnante demonstre cabalmente os requisitos ensejadores da tutela pretendida. Se se tratar de tutela provisória de urgência, é preciso demonstrar (CPC, art. 300): a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo. Já quanto à tutela da evidência, urge demonstrar algumas das hipóteses arroladas nos incisos do art. 311 do CPC, especialmente as do inciso I (“abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte”) e IV (apresentação de “prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável”).

A probabilidade do direito decorre da manifesta e insuperável situação jurídica em que o impugnado se encontre.

A absoluta falta de fundamento revela ausência de boa-fé processual e o caráter manifestamente protelatório do requerimento de registro de candidatura claramente contrária ao ordenamento legal, consubstanciando, ainda, evidente abuso do direito de ação.

A seu turno, o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo advém justamente do prejuízo à escolha livre e responsável do eleitor, que pode ser ludibriado pela falsa aparência de viabilidade de candidatura que, de fato e de direito, é de todo irrealizável. Há também a possibilidade de dispêndio infundado de recursos oriundos do Fundo Partidário (FP), do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e do uso desarrazoado do horário eleitoral gratuito no rádio e na tv.

A concessão da tutela provisória na situação enfocada não implica necessariamente a ocorrência de prejuízos à parte impugnada. Isso porque, em seus momentos iniciais a campanha pode ser tocada com recursos próprios do candidato ou mesmo com recursos arrecadados do meio privado, notadamente de doações de pessoas físicas.

À guisa de conclusão, tem-se que o pedido de registro de candidatura desprovido de fundamentos jurídicos razoáveis, evidencia-se inútil e protelatório, destinando-se apenas a promover vaidades individuais, manipular a boa fé do eleitor pela eventual continuidade do futuro candidato substituto e viabilizar dispêndio estéril de escassos recursos públicos.

No regime democrático impera a liberdade. Somos artífices de nossa história, de nosso destino, senhores de nossos atos e de nossas vidas. Mas, tal qual pregavam os Modernos, isso também requer sejamos racionais e responsáveis. Responsabilidade que deve manifestar-se assim no plano individual como no coletivo, tanto no agir das pessoas físicas quanto no das jurídicas. Caótico e inviável seria qualquer sistema jurídico-social baseado na irracionalidade e irresponsabilidade. Liberdade pressupõe sempre responsabilidade. E o agir responsável é matizado pelas cores fulgurantes da Ética e do Direito.

Fui surpreendido por pensamentos quejandos ao analisar pedidos de registro de candidatura para as eleições gerais de 2018. Em um deles, determinado partido político requereu ao TRE o registro de candidatura de pessoa condenada criminalmente pelo delito do art. 129, § 9º, do CP, tipo penal esse introduzido pela Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), cujo objeto é sancionar a lesão corporal cometida no âmbito das relações domésticas. Em outros casos concretos analisados, o partido/coligação requereu o registro de candidatura de pessoas condenadas pelos seguintes crimes: i) de receptação, previsto no art. 180 do CP; ii) de extorsão majorada, previsto no art. 158, §1º, do CP; iii) contra a Administração Pública, previsto no art. 50, I, § único, I, da Lei n. 6766/1979; iv) de coação no curso do processo, previsto no art. 344 do CP.

Em comum, todos esses “casos penais” têm (1) o fato de os entes partidários terem requerido registro para pessoas condenadas pela Justiça Criminal; (2) as sentenças criminais condenatórias já terem transitado em julgado na ocasião daquele ato, tendo, portanto, se tornado definitivas e insuscetíveis de recurso em qualquer esfera do Poder Judiciário; (3) ainda não ter ocorrido extinção da pena. Note-se que as condenações se tornaram públicas bem antes da apresentação à Justiça Eleitoral dos pedidos de registro de candidaturas.

Além disso, também merece ser destacado, em primeiro lugar, que os direitos políticos dos referidos pré-candidatos encontravam-se suspensos desde o trânsito em julgado das respectivas decisões penais condenatórias, por força do art. 15, III, da Constituição Federal. Segundo: a todos eles falta a condição de elegibilidade prevista no art. 14, § 3º, II, da CF, consistente na necessidade de a pessoa encontrar-se no pleno exercício e gozo de seus direitos políticos. Terceiro: em todos os casos houve a livre escolha nas convenções dos partidos de pessoas condenadas criminalmente, cujos direitos políticos já se encontravam suspensos. Quarto: em todos eles os entes partidários ignoraram qualquer filtro ético ou jurídico, chegando a formalizar perante a Justiça Eleitoral pedidos de registro de candidatura de pessoas que, à luz da Constituição e do sistema jurídico, evidentemente não podem ser candidatas, sendo essa impossibilidade insuperável, incontestável, insuprível.

Os casos citados referem-se a “condição de elegibilidade”, mas há muitas outras situações em que o obstáculo à candidatura decorre da existência de causa de inelegibilidade. Assim, a Constituição determina serem inelegíveis, no território de jurisdição do titular os parentes consanguíneos ou afins até o segundo grau do titular do Poder Executivo (CF, art. 14, § 7º); logo, se filha de governador pleitear registro de candidatura para deputada estadual, no mesmo Estado governado pelo seu pai, já se sabe de antemão e com absoluta certeza que essa candidatura é inviável, protelatória, fadada ao indeferimento certo.

Se é verdade que todo partido político tem por objetivo chegar ao poder e exercê-lo, não menos verdadeira é a assertiva de que o regime democrático requer que tais entes ajam com racionalidade, ética e responsabilidade, notadamente que respeitem as leis legitimamente positivadas. Nos casos mencionados e em muitos outros é eloquente o agir irresponsável e sem transparência dos partidos políticos, em franco desdém “ao regime democrático” (CF, art. 17, caput; Lei n9.096/95, art. 1º, caput) e aos cidadãos-eleitores.

Esse agir irresponsável é agravado no cenário atual, em que o Estado é o principal financiador de toda a atividade partidária, desde o seu funcionamento até as campanhas eleitorais. Financiamento que decorre de generosos recursos públicos arrecadados de pesadíssima carga tributária imposta à população e postos à disposição dos partidos.

Com efeito, já não é novidade a criação do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) pela Lei n. 13.487/2017, que introduziu na Lei das Eleições (Lei n. 9.504/97) os arts. 16-C e 16-D. O Tribunal Superior Eleitoral divulgou que foi transferido para esse fundo o montante de R$1.716.209.431,00 (um bilhão, setecentos e dezesseis milhões, duzentos e nove mil e quatrocentos e trinta e um reais), que daí foi repassado aos diretórios nacionais dos 35 partidos registrados naquele órgão. A tal montante deve-se acrescer: i) os valores alocados ao Fundo Partidário e destinado pelos partidos às campanhas de seus candidatos (Lei n. 9.504/97, arts. 17 e 20; Lei n. 9.096, arts. 38, 41 e 41-A); ii) o valor correspondente à compensação fiscal pela utilização do horário eleitoral gratuito destinado às emissoras de rádio e televisão (Lei n. 9.504/97, art. 99). Tudo considerado, chega-se ao montante aproximado de 3,5 bilhões de reais destinados ao financiamento das campanhas políticas de 2018.

Se antes dessa alteração legislativa as aventuras irresponsáveis de partidos políticos brasileiros eram em larga medida bancadas com recursos extorquidos do meio privado, notadamente das contribuições de pessoas jurídicas, hoje a realidade é completamente outra. Deveras, com a proibição de doação de pessoas jurídicas (STF, ADI n. 4.650/DF, j. 19-9-2015; Lei nº 13.165/2015, art. 15; Lei n. 9.096/95, art. 31, II – com a redação da Lei nº 13.488/2017) as campanhas eleitorais são pagas quase exclusivamente com recursos públicos.

Aqui não se pretende debater a justiça dessa opção legislativa, tema em si polêmico, sobretudo se se considerar as enormes carências de investimentos públicos em setores essenciais para a sociedade brasileira.

Pretende-se, porém, colocar em causa o acerto da entrega de parcelas daqueles recursos públicos a pessoas cujas candidaturas já se sabe ab initio natimortas, fadadas com razoável certeza jurídica ao indeferimento seja porque encontra-se ausente condição de elegibilidade exigida pela Constituição Federal, seja em razão da incidência de causa de inelegibilidade.

Em casos como esses, afigura-se irracional e estéril a disponibilização de recursos públicos a pré-candidato ungido pelo partido, porquanto desde o princípio a candidatura é confrontada com óbice fática e juridicamente insuperável no âmbito do processo de registro de candidatura, tal como ocorre nos casos citados.

Afinal, qual será a utilidade ou proveito de tal investimento público? Promoverá de alguma forma o regime democrático? Contribuirá em alguma medida para melhorias sociais? Quem realmente ganha com isso?

É verdade que no regime jurídico-eleitoral em vigor o efetivo afastamento de uma candidatura requer decisão “transitada em julgado” ou “proferida por órgão colegiado” (LC n. 64/90, art. 15, caput) após a observância do devido processo legal. Este é consubstanciado no processo de registro de candidatura ou no processo consequente ao exercício da ação de impugnação de registro de candidatura, encontrando-se previstos nos arts. 2º a 16 da Lei de Inelegibilidades. Por estar em jogo direito político fundamental atinente à cidadania passiva, a observância do procedimento legal tem caráter essencial. A forma, aqui, é garantia fundamental de todo e qualquer cidadão.

Ocorre que a decisão da Justiça Eleitoral apreciando o requerimento de registro de candidatura pode demorar muito tempo, ainda porque é sempre possível que o interessado siga recorrendo a diversas instâncias judiciais.

Para a candidatura sub judice, o art. 16-A da Lei n. 9.504/97 garante ao candidato o direito de “efetuar todos os atos relativos à campanha eleitoral, inclusive utilizar o horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão e ter seu nome mantido na urna eletrônica enquanto estiver sob essa condição”.

Entretanto, tal não significa que se deva colocar escassos recursos públicos à disposição de candidaturas natimortas ou absolutamente improváveis de virem a se estruturar, tal como sucede nos exemplos citados. Isso seria conceder demasiadamente à irracionalidade e à irresponsabilidade, não sendo esses os valores que norteiam o nosso sistema ético-jurídico, que agasalha valores e princípios como integridade, legitimidade e boa-fé.

Como, então, conciliar o exercício da cidadania passiva com a salvaguarda do patrimônio público?

A resposta a essa indagação encontra-se no regime da tutela provisória disciplinado no CPC, o qual deve ser aplicado supletivamente (CPC, art. 15) no procedimento da ação de impugnação de registro de candidatura que é regulado nos arts. 2º a 16 da LC n. 64/90.

Ponto nevrálgico do atualíssimo paradigma processual orientado a um processo justo, eficiente e em tempo razoável, a  tutela provisória pode fundar-se em urgência e na evidência. A de urgência pode ser cautelar ou antecipada. Todas comportam provimento liminar inaudita altera pars, isto é, sem que a parte adversa seja ouvida (CPC, art. 294, 300, § 2º, e 311, § único).

No âmbito da AIRC, não é possível a concessão de tutela provisória para negar pedido de registro de candidatura. Isso porque decisão como essa obstaria o exercício do direito político fundamental atinente à cidadania passiva com base em cognição sumária, que é sempre fundada em juízo de probabilidade ou verossimilhança. Ademais, impediria a continuidade da campanha do impugnado, quando esse direito lhe é concedido pelo já referido art. 16-A da Lei nº 9.504/97. A rigor, o aludido impedimento só poderia decorrer de decisão fundada em cognição exauriente (após a apresentação de defesa e observância do devido processo legal), nos termos do art. 15 da LC nº 64/90, que, para tanto, impõe o trânsito em julgado da respectiva decisão de 1º grau ou a publicação de decisão denegatória proferida por órgão colegiado no exercício de sua competência originária ou recursal. Não por outra razão a urna eletrônica é apta a receber votos dados a candidato cujo pedido de registro encontre-se sub judice, ou por ter sido indeferido originariamente ou por haver recurso contra a decisão de deferimento.

Ademais, a concessão de tutela provisória imporia ao impugnado dano irreversível, sobretudo à sua promoção na propaganda eleitoral e à arrecadação de recursos no meio privado para financiamento da campanha. A esse respeito, o § 3º do art. 300 do CPC é cristalino: “A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.”

Entretanto, o mesmo não se pode dizer da concessão de tutela provisória com o fito de impedir que o impugnado tenha acesso a recursos públicos destinados ao financiamento de campanhas eleitorais.

Na AIRC, a tutela final pretendida é sempre a negativa do requerimento de registro de candidatura, de modo a impedir que o réu se constitua candidato e, como consequência lógica necessária: a) não se habilite a realizar campanha eleitoral em causa própria; b) não utilize o horário eleitoral gratuito, subsidiado com recursos públicos; c) não dispenda recursos arrecadados de cidadãos brasileiros, notadamente os oriundos de tributos e alocados ao Fundo Partidário (FP) e ao Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC); e, finalmente, d) não possa ser votado no escrutínio vindouro. Afinal, cada um desses consectários lógicos pressupõe a condição legal de candidato (LE, arts. 16-A e 16-B, contrario sensu, arts. 16-C e 16D, §2º, 17, 20).

Ponderadas as circunstâncias, alguns desses efeitos podem, sim, ser objeto de tutela provisória – de natureza inibitória –, antecipando-se parcela da tutela final pretendida pelo impugnante; desde que isso não afete de forma grave e irreversível o exercício do direito político fundamental atinente à cidadania passiva.

Destarte, notadamente com vistas à salvaguarda do patrimônio público, pode-se cogitar o liminar impedimento do dispêndio dos recursos públicos (c, supra) alocados no FP e no FEFC pelo réu que, no momento em que formula requerimento de registro, apresentar em seu patrimônio jurídico obstáculo que já se sabe intransponível, que desde logo se afigure insuscetível de alteração no âmbito do processo de registro de candidatura. Os casos anteriormente citados são exemplos eloquentes de “obstáculos intransponíveis”; entre outros, a eles se pode agregar a inelegibilidade constituída em processo por abuso de poder (LC nº 64/90, art. 1º, I, alíneas “d” e “h” c.c. art. 22, XIV) cuja decisão já tenha transitado em julgado.

Nesses casos, por certo excepcionais, há mister que o impugnante demonstre cabalmente os requisitos ensejadores da tutela pretendida. Se se tratar de tutela provisória de urgência, é preciso demonstrar (CPC, art. 300): a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo. Já quanto à tutela da evidência, urge demonstrar algumas das hipóteses arroladas nos incisos do art. 311 do CPC, especialmente as do inciso I (“abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte”) e IV (apresentação de “prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável”).

A probabilidade do direito decorre da manifesta e insuperável situação jurídica em que o impugnado se encontre.

A absoluta falta de fundamento revela ausência de boa-fé processual e o caráter manifestamente protelatório do requerimento de registro de candidatura claramente contrária ao ordenamento legal, consubstanciando, ainda, evidente abuso do direito de ação.

A seu turno, o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo advém justamente do prejuízo à escolha livre e responsável do eleitor, que pode ser ludibriado pela falsa aparência de viabilidade de candidatura que, de fato e de direito, é de todo irrealizável. Há também a possibilidade de dispêndio infundado de recursos oriundos do Fundo Partidário (FP), do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e do uso desarrazoado do horário eleitoral gratuito no rádio e na tv.

A concessão da tutela provisória na situação enfocada não implica necessariamente a ocorrência de prejuízos à parte impugnada. Isso porque, em seus momentos iniciais a campanha pode ser tocada com recursos próprios do candidato ou mesmo com recursos arrecadados do meio privado, notadamente de doações de pessoas físicas.

À guisa de conclusão, tem-se que o pedido de registro de candidatura desprovido de fundamentos jurídicos razoáveis, evidencia-se inútil e protelatório, destinando-se apenas a promover vaidades individuais, manipular a boa fé do eleitor pela eventual continuidade do futuro candidato substituto e viabilizar dispêndio estéril de escassos recursos públicos.


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