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FINANCEIRO E ECONÔMICO
Por que os economistas erram tanto em suas previsões?
Ana Frazão
06/03/2024
O noticiário do início de 2024 deu grande cobertura para os erros dos economistas em suas previsões econômicas — notadamente o crescimento do PIB — para o Brasil no ano de 2023. Até os títulos das reportagens refletiram a perplexidade diante da distância entre os prognósticos — consideravelmente pessimistas — e os resultados efetivos: “Muitos economistas e uma certeza: as previsões furadas do crescimento econômico”[1], “Expectativa vs. realidade: Por que os economistas têm errado tanto as previsões do PIB?”[2], “Por que os economistas erram tanto as projeções do PIB do Brasil”[3], “Economia deu um nó nos economistas em 2023”[4], “A surpresa do PIB e os erros de previsão dos economistas”[5].
Somente no que diz respeito ao PIB, a diferença entre as previsões e a realidade foi grande: as projeções recolhidas pelo Banco Central apontavam para um crescimento econômico de 0,8% quando a realidade foi de 3%, superando em quase quatro vezes a projeção. Mais do que isso, erros ocorreram igualmente em relação a outros indicadores ou parâmetros, como inflação e taxa de câmbio.
Daí a conclusão de muitos veículos de imprensa sobre “a incapacidade de economistas e do mercado em geral de acertar as previsões do PIB, seja nos índices anuais ou trimestrais”[6] e a ironia de que “o próprio presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, admitiu logo após o anúncio do PIB que “nós, economistas, erramos muito as projeções, especialmente de crescimento econômico”, e ironizou os palpites errados da categoria: “A melhor forma de levar o nome à ruína é pedir conselho de economista.” [7]
Para além das ironias e dos gracejos, é importante considerar que estamos diante de assunto sério e da mais alta relevância, diante do papel cada vez mais importante dos economistas e suas análises e predições para a definição de cenários, incentivos a movimentos de mercado e desenhos de políticas públicas, bem como em razão da reflexividade do conhecimento econômico.
Com efeito, a forma como as pessoas pensam a economia — e a divulgam — influi em suas ações e nas ações dos que confiam em tais opiniões, especialmente no que diz respeito às suas decisões de investimento, poupança e consumo. Consequentemente, as projeções econômicas podem funcionar como profecias autorrealizáveis, razão pela qual visões pessimistas sobre o crescimento econômico de um país podem gerar perigosos desincentivos para o investimento produtivo, em um círculo que se retroalimenta.
Não obstante, mesmo com o pessimismo contido nas previsões econômicas para 2023, o cenário real mostrou-se bem mais otimista, o que nos leva a especular, diante da reflexividade do conhecimento econômico, sobre se os resultados efetivos teriam sido até melhores se as prognoses tivessem sido mais positivas ou sobre em que medida as decisões econômicas privadas e públicas poderiam ter sido diferentes.
Mais do que isso, a disparidade das previsões com os resultados reais nos leva a indagar sobre as causas desses equívocos, bem como sobre a própria utilidade de tais prognoses.
Afinal, se grandes erros têm sido a regra, por que devemos continuar nos baseando nesse tipo de previsão?
No que diz respeito às causas dos erros, uma primeira explicação para o ocorrido em 2023 poderia ser a má vontade do mercado em relação ao governo Lula. Já tive oportunidade de mostrar, em diversos outros escritos, que os economistas — como quaisquer outros profissionais — podem ser bastante ideológicos e como suas percepções e valores pessoais — inclusive políticos — podem ser determinantes para os seus diagnósticos[8].
Tais aspectos somam-se ao fato de que, como precisamos encontrar sentido em um mundo caótico por meio de narrativas, não podemos ignorar que estas se desenvolvem em contextos sociais, nos quais os valores compartilhados por determinadas comunidades — como a dos economistas, especialmente a dos economistas financeiros, no caso das projeções econômicas de índices importantes — são determinantes[9].
Daí por que a falta de diversidade entre os economistas que são consultados para a elaboração de tais prognoses pode gerar uma indevida — e irreal — convergência de resultados, simplesmente porque, em razão dos valores compartilhados, estes partiram de premissas idênticas ou semelhantes — que podem ser equivocadas —ou ignoraram determinadas variáveis.
A utilização de modelos matemáticos e econométricos para a realização de prognoses não afasta as conclusões anteriores, até porque os modelos são criados e alimentados com base em dados e critérios que, por sua vez, dependem das percepções pessoais dos seus idealizadores. Acresce que, como também já tive oportunidade de abordar em colunas anteriores, os modelos econômicos também podem ser vistos como grandes narrativas, o que afasta a sua suposta objetividade e neutralidade[10].
De toda sorte, o que foi apontado em várias reportagens é que nem mesmo a antipatia da Faria Lima com Lula poderia justificar tais disparidades, pois os erros de previsão ocorreram igualmente no Governo Bolsonaro, ainda que em proporções menores, sem que se possa acusar o mercado financeiro de qualquer má vontade em relação a Paulo Guedes [11].
Daí por que se iniciou uma grande especulação sobre as prováveis causas dos erros das previsões econômicas no Brasil, especialmente a partir de 2016. No caso específico de 2023, vários fatores foram apontados, tais como as dificuldades para se mensurar os resultados de recentes reformas, a falta de dados por parte do IBGE, as dificuldades com o dimensionamento do agronegócio, dentre outras.
Todavia, não se pode ignorar que, em um mundo incerto, fazer previsões sobre fenômenos econômicos complexos, sujeitos a muitas variáveis em constante modificação, é tarefa difícil ou mesmo impossível. Não é sem razão que várias obras de destaque, dentre as quais a de Philip Tetlock e Dan Gardner[12], já mostraram o quanto especialistas tendem a cometer grandes erros em suas previsões, especialmente quando tentam sair do curto prazo e se aventuram no médio e no longo prazo.
Logo, o problema das predições sobre assuntos humanos complexos, como sintetiza diria Kahneman[13], não é propriamente a falibilidade humana — totalmente previsível nesse caso — mas sim a arrogância dos que se acham capazes para isso e a ignorância dos que confiam acriticamente em tais previsões.
Dessa maneira, o que surpreende não são propriamente os erros das previsões econômicas, mas sim a importância que se dá a tais previsões, sem considerar as inúmeras limitações a que estão submetidas. Se não é difícil compreender por que os economistas – como quaisquer outros profissionais – erram, é mais complicado entender por que, mesmo assim, muitos ainda se consideram “donos da verdade” ou conferem a tais previsões uma importância que elas não poderiam ter.
Por fim, ainda há um problema de responsabilidade, tanto para quem faz tais previsões como para quem as considera, especialmente quando o destinatário é o governo. Como tais opiniões influenciam o comportamento econômico e políticas públicas em vários aspectos, podem ter efeitos nefastos para a economia, especialmente quando são equivocadamente pessimistas.
Longe de serem meras opiniões, tais análises e prognoses funcionam como poderosos incentivos ou desincentivos para o comportamento econômico, razão pela qual precisam ser consideradas igualmente a partir dos resultados que podem produzir.
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NOTAS
[1]https://neofeed.com.br/economia/muitos-economistas-e-uma-certeza-as-previsoes-furadas-do-crescimento-economico/.
[2]https://www.seudinheiro.com/2023/economia/pib-por-que-economistas-erram-previsoes-rsgp/
[3]https://www.metropoles.com/negocios/por-que-os-economistas-erram-tanto-as-projecoes-do-pib-do-brasil
[4]https://economia.uol.com.br/colunas/jose-paulo-kupfer/2023/12/21/economia-deu-um-no-nos-economistas-em-2023.htm?cmpid=
[5]https://www.em.com.br/app/colunistas/amauri-segalla/2023/09/04/interna_amauri_segalla,1556424/a-surpresa-do-pib-e-os-erros-de-previsao-dos-economistas.shtml
[6]https://neofeed.com.br/economia/muitos-economistas-e-uma-certeza-as-previsoes-furadas-do-crescimento-economico/.
[7]https://neofeed.com.br/economia/muitos-economistas-e-uma-certeza-as-previsoes-furadas-do-crescimento-economico/.
[8] Ver FRAZÃO, Ana. Jota.https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/economistas-e-o-mito-da-neutralidade-da-economia-16112022; https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/economia-como-um-sistema-de-crencas-14122022; https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/economia-e-ideologia-09112022
[9][9] Ver FRAZÃO, Ana. Jota. https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/por-que-o-mercado-anda-nervoso-com-as-recentes-declaracoes-de-lula-30112022 ; https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/ainda-sobre-a-reacao-do-mercado-as-declaracoes-de-lula-07122022
[10] Ver FRAZÃO, Ana. Jota.https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/a-seducao-e-o-risco-da-quantificacao-27092023; https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/em-que-medida-podemos-tomar-decisoes-baseadas-em-modelos-matematicos-05042023
[11]https://www.seudinheiro.com/2023/economia/pib-por-que-economistas-erram-previsoes-rsgp/
[12] TETLOCK, Philip; GARDNER, Dan. Superforecasting: The Art and Science of Prediction, Crown, 2016.
[13] KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: duas formas de pensar, Objetiva, 2012.