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O regime municipal brasileiro em confronto com o de outros países, de Heli Lopes Meireles

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O regime municipal brasileiro em confronto com o de outros países, de Heli Lopes Meireles

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08/05/2024

SUMÁRIO: O município através das nossas Constituições. Posição atual do município brasileiro. Eletividade do prefeito e dos vereadores. Administração própria. Peculiar interêsse. Decretação e arrecadação de tributos. Aplicação da renda municipal. Organização dos serviços públicos locais. Sistemas municipais de outros países. Conclusões.

I. O município através das nossas Constituições

O conceito de município flutuou no Brasil, até 1946, ao sabor dos regimes e dos governos centrais, que ora alargavam, ora comprimiam as suas franquias, propiciando-lhe liberdade político-econômica ou reduzindo-o à categoria de mera entidade administrativa, embora tôdas as Constituições anunciassem em seus textos a tão aspirada autonomia municipal. Essa autonomia, entretanto, até o advento da Constituição vigente, de 18 de setembro de 1946, foi meramente nominal. No regime monárquico o município brasileiro não a teve porque a descentralização governamental não consultava aos interêsses imperiais; na Primeira República não a desfrutou porque o “coronelismo” sufocou tôda a liberdade municipal e falseou o sistema eleitoral de então, dominando inteiramente o govêrno local; no período revolucionário de 1930 a 1934, não a teve por incompatível com o discricionarismo político e administrativo que se instaurou no País; na Constituição de 1934, não a usufruiu porque a efemeridade de sua vigência obstou a consolidação do regime na Carta outorgada de 1937, não a teve porque as Câmaras permaneceram dissolvidas e os prefeitos subordinados à Interventoria dos Estados.

Sòmente com a promulgação da Constituição federal de 1946 e subseqüente vigência das Constituições estaduais e Leis Orgânicas é que o município brasileiro renasceu de suas próprias cinzas, como o imperativo da vocação municipalista que empolgou os constituintes de 1945. Pela primeira vez na história dos povos civilizados, uma Assembléia Constituinte desce a minúcias para definir um regime local, como o nosso.

No estado atual podemos conceituar o município brasileiro, do ponto de vista sociológico, como o agrupamento de pessoas de um mesmo território, com interêsses comuns e afetividade recíproca que os reúne na sociedade local; na ordem civil o município é “pessoa a Jurídica de direito público interno” (Cód. Civil, art. 14, nº III), e como tal, dotado de personalidade jurídica e capacidade plena para exercer direitos e contrair obrigações; e, sob o aspecto constitucional, o município se define como entidade político-administrativa, com govêrno próprio e autônomo, de caráter eletivo, ligado ao Estado-membro e à Federação por laços constitucionais indestrutíveis (Constituição federal, art. 7º, nº VII, e; arts. 28 e 33).

O que hoje caracteriza o regime municipal brasileiro é a ampla autonomia do município, não só incluída como princípio constitucional (Constituição federal, art. 7º, nº VIII, e), mas assegurada e garantida por quatro normas de observância obrigatória em todo o território nacional, a saber: 1º – eleição do prefeito e dos vereadores; 2º – administração própria, no que concerne ao seu peculiar interêsse; 3° – decretação e arrecadação dos tributos de sua competência e aplicação de suas rendas; e 4° – organização dos serviços públicos locais (Constituição federal, art. 28).

Se até aqui as nossas Constituições se contentaram em inscrever ùnicamente a autonomia municipal como dogma constitucional, a Lei Magna vigente foi além, e para que o postulado municipalista não fenecesse ante as interpretações contrárias ao regime, não se aniquilasse ante o poder maior dos Estados-membros, não se estiolasse ante a prepotência dos governos estaduais, a atual Constituição – repetimos – inscreveu não só o princípio autonômico, mas enumerou o mínimo de franquias que há de ser concedido às municipalidades brasileiras por todos os Estados da Federação.

Analisemos separadamente as quatro normas que integram e compõem o nosso regime municipal.

II. Eletividade do prefeito e dos vereadores

A eletividade do prefeito e dos vereadores visa assegurar a autonomia política do município. Desde que a Constituição pretendeu garantir o govêrno local próprio, tornou-se uma imposição lógica a escolha, pelos eleitores locais, dos seus representantes no Executivo e no Legislativo municipal. Isto porque, como bem sintetizou JOÃO MENDES JÚNIOR, autonomia é a “direção própria daquilo que é próprio”.1 E a direção própria começa para o município na escolha de seus dirigentes.

A eleição do prefeito e dos vereadores se processa de acôrdo com normas uniformes para todo o país, uma vez que só a União pode legislar sôbre matéria eleitoral (Constituição federal, art. 5º, número XV, a), e os princípios básicos de direitos políticos e inelegibilidades já constam da Lei Magna como preceitos constitucionais imutáveis (arts. 131 a 140). Assim, tôda eleição para a composição do govêrno local há de ser feita por sufrágio universal e direto e por voto secreto (Cód. Eleitoral, lei nº 1.164, de 24-7-1950, art. 46); nas eleições para preceito e vice-prefeito prevalecerá o princípio majoritário (art. 46, § 2°); a eleição para as Câmaras Municipais obedecerá ao sistema de representação proporcional Cód. Eleitoral, art. 46, § 1º), sòmente podendo concorrer às eleições candidatos registrados por partidos ou alianças de partidos (Cód. Eleitoral, arts. 47 e 48).

Interpretemos as expressões da lei.

Sufrágio universal é a extensão do direito de voto a todos os cidadãos capazes de o exercer, sem distinção de sexo, instrução, fortuna, ou qualquer outro atributo que caracterize o indivíduo na sociedade. Ao conceito de sufrágio universal (que é o que vigora entre nós) se opõe o de sufrágio censitário, que é o voto limitado aos cidadãos que possuam um mínima de bens; e o sufrágio qualificado, que é o voto só concedido aos que se apresentem com determinado grau de instrução.

Voto direto é o que o eleitor dá imediatamente ao candidato de sua preferência, sem eleger colégios, que, por sua vez, procedam a nova eleição para os postos mais altos. É o voto dado diretamente pelo eleitor ao prefeito e aos vereadores de sua escolha. Neste ponto divergimos do eminente PONTES DE MIRANDA,2 que admite a possibilidade de os Estados instituírem a eleição indireta do prefeito. Não nos parece que tal faculdade tenha sido deixada ao alvedrio do legislador estadual, uma vez que a Constituição federal, em seu art. 13, declara taxativamente que o “sufrágio é universal e direto”. O voto direto, pois, faz parte do sistema eleitoral adotado entre nós, e como garantia constitucional não pode ser contrariado por qualquer outra norma federal, estadual ou municipal. Ao que verificamos nas Constituições estaduais vigentes, nenhum Estado brasileiro adotou o voto indireto para eleição de prefeito, mas se o fizesse estaria incorrendo em inconstitucionalidade.

Voto secreto é o que se dá ao candidato com sigilo no ato de votar, de modo a não ser identificável a preferência do votante.

Para a eleição do prefeito e vice-prefeito prevalece o princípio majoritário, vale dizer que vence o candidato que obtiver maior número de votos em relação a cada um de seus concorrentes. Não importa que a soma dos votos dados aos demais candidatos seja superior à do que fôr eleito. No princípio majoritário desaparece o direito das minorias, razão pela qual só é adotado para provimento de cargo único.

Na eleição dos vereadores vigora o sistema de representação proporcional, a fim de dar ensejo à participação das minorias nos corpos legislativos locais. Já que o povo não pode estar presente no govêrno, faz-se representar por seus mandatários, mas, como pondera judiciosamente o professor SAMPAIO DÓRIA, “a perfeição absoluta estaria em que o govêrno constituído representasse a unanimidade de opiniões dos governados”. “Mas, sendo a unanimidade uma utopia prossegue o provecto constitucionalista – o que cumpre é reduzir os males inevitáveis da representação ao mínimo dos mínimos, de sorte que tôda fração ponderável da opinião pública, tôda fração representável do eleitorado, tenha sempre, na medida de sua fôrça, representantes nos corpos deliberativos”.3

Representação proporcional é, pois, o critério de distribuição dos lugares de uma corporação deliberativa entre os candidatos que a êles concorram, na proporção dos votos obtidos. Para a composição das Câmaras Municipais é adotado, ainda, o sistema partidário (que, de resto, prevalece para todos os cargos eletivos) e por isso os lugares não são repartidos entre os candidatos individualmente, mas entre os partidos políticos que disputam a eleição, e que alcancem quociente eleitoral, que nada mais é que o resultado da divisão do total de votos válidos (inclusive os em branco) de cada eleição, pelo número de lugares a preencher (Código Eleitoral, art. 56). Obtido o quociente eleitoral, busca-se então o quociente partidário, que é o resultado da divisão do total de votos válidos de cada partido (legenda) pelo quociente eleitoral já anteriormente determinado (Cód. Eleitoral, art. 57).

O quociente partidário, desprezada a fração, indica o número de candidatos eleitos pelo respectivo partido, na ordem da votação nominal que cada candidato tenha recebido (Cód. Eleitoral, art. 58).

Êstes os princípios básicos da eleição do prefeito e dos vereadores, princípios que, aliados aos demais que vamos analisar, asseguram a autonomia dos municípios brasileiros.

III. Administração própria

A segunda prerrogativa constitucional, assegurada às comunas brasileiras, é a administração própria no que concerne ao seu peculiar interêsse (Constituição federal, art. 28, nº II).

O conceito de administração própria não oferece dificuldades de entendimento e delimitação: é a gestão dos negócios locais pelos representantes do povo e do município – prefeito e Câmara sem interferência ou tutela dos poderes da União ou do Estado-membro. Mas, a cláusula limitativa dessa administração exige exata interpretação para que o govêrno municipal não invada competências alheias, nem deixe de praticar atos de sua atribuição.

Tudo se resume na precisa compreensão do significado de “peculiar interêsse”.

Que se entende por “peculiar interêsse”? Será o interêsse exclusivo do município? O interêsse privativo dos munícipes? O interêsse único da localidade?

Para o clássico BLACK, tais interêsses referem-se aos negócios internos das cidades e vilas (“internal affairs of towns and countries”); para BONNARD, o peculiar interêsse é o que se pode isolar, individualizar-se e diferençar-se dos de outras localidades; para BORSI, é o que não transcende os limites territoriais do município; para MOUSKHELI, é o que não afeta os negócios da administração central e regional; para JELLINEK, é o interêsse próprio da localidade, oriundo das suas relações de vizinhança.

Para nós, a melhor lição sôbre “peculiar interêsse” não está com os publicistas estrangeiros, mas sim com o eminente professor pátrio SAMPAIO DÓRIA, que assim expõe: “O interêsse ou é peculiar ou é geral, subdividindo-se êste em estadual e nacional. Necessidades há em suma, cujo provimento aproveita diretamente a todos, como a defesa militar do país. Outras há, cuja satisfação aproveita, imediatamente, a certos indivíduos, e reflexamente a todos, como o saneamento de um pôrto.”

“O entrelaçamento dos interêsses do municípios com os interêsses dos Estados e com os interêsses da Nação decorre da natureza mesma das coisas. O que os diferencia é a predominância, não a exclusividade.”

“Os interêsses peculiares dos municípios são os que entendem imediatamente com as suas necessidades local e, indiretamente, em maior ou menor repercussão, com as necessidades gerais. Sob certo aspecto, e por alto, todos os interêsses são comuns; distribuem-se em peculiares a esta ou àquela entidade, quando lhe aproveita diretamente, imediatamente, e só reflexamente às demais. O Estado, a todo momento, se defronta com todos os municípios. Em todos êles, há coexistência de interêsses peculiares ao município, e interêsses diretos do Estado. A cada um toca prover os que lhe forem próprios.”

“Mas não é porque, no território de um dado município, o volume dos interêsses estaduais seja enorme que se há de negar existência aos interêsses peculiares do município. Não há dialética, em tempo nenhum, em parte nenhuma, com que se possa provar, por exemplo, que a aplicação das rendas municipais, ou o desvêlo pelo asseio do mercado, e o embelezamento dos jardins de uma cidade, deixem de ser peculiares a esta cidade ou município, só porque esta cidade ou município seja a capital de um Estado, ou não possua recursos econômicos á altura dos serviços que lhe convêm serem feitos.”

“A realidade insofismável é existirem, em seja qual fôr a circunscrição territorial, em que se divide o Estado, interêsses peculiares ao lugar, ao lado de interêsses gerais. E, na esfera dos interêsses peculiares aos municípios, nem o Estado nem a União podem decidir. E, quando aí ponham as suas mãos, ferem a autonomia dos municípios, como lhes foi prometido pelo art. 68 (atualmente art. 28) da Constituição federal”.4

Concluímos, pois, que peculiar interêsse não é interêsse exclusivo do município; não é interêsse privativo da localidade; não é interêsse único dos munícipes. Se se exigisse essa exclusividade, essa privatividade, essa unicidade, bem reduzido ficaria o âmbito da administração local, aniquilando-se a autonomia de que faz praça a Constituição. Mesmo porque não há interêsse municipal que não seja reflexamente da União e do Estado-membro, como também não há interêsse regional ou nacional que não ressoe nos municípios como partes integrantes da Federação Brasileira, através dos Estados a que pertencem. O que define e caracteriza o “peculiar interêsse” inscrito como dogma constitucional é a predominância do interêsse do município sôbre o do Estado ou da União.

Tudo quanto repercutir direta e imediatamente na vida municipal é de interêsse peculiar do município, embora possa interessar também, indireta e mediatamente, ao Estado-membro e à União. O provimento de tais negócios cabe inteiramente aos municípios interessados, não sendo lícita a ingerência de poderes estranhos sem ofensa ã autonomia local. Pode e deve o município repetir tais interferências, partam elas de outro município, do Estado-membro ou da União, através de qualquer de seus órgãos ou poderes. E não sendo possível ao município ofendido em sua autonomia convencer administrativamente o poder estranho a cessar sua intromissão, poderá recorrer ao Judiciário para anular o ato concreto de interferência inconstitucional.

IV. Decretação e arrecadação de tributos

Outro princípio assegurador da autonomia municipal é a garantia que a Constituição federal oferece ao município de decretar e arrecadar os tributos de sua competência e aplicar as suas rendas, sem tutela ou dependência de qualquer cedro poder (art. 28, nº II, a).

Com efeito, inexpressiva seria a autonomia política e a autonomia administrativa, sem a autonomia econômica, que é a que possibilita a realização de obras e manutenção de serviços públicos locais. Seria uma quimera atribuir-se auto-governo ao município, sem dar-lhe renda adequada à execução dos serviços necessários ao seu progresso. Felizmente o legislador constituinte de 1946 compreendeu bem essa realidade e deficiência dos regimes anteriores que, embora apregoando a importância do município na vida nacional, negavam-lhe recursos indispensáveis à sua subsistência como entidade autônoma, dotada de govêrno próprio e de serviços especiais, para atender às necessidades de sua população.

No regime vigente, os tributos da competência do município estão discriminados na Constituição federal (artigos 29 e 30), cabendo-lhe ainda participação em outros arrecadados pela União (art. 15, §§ 2º e 4°) e pelo Estado-membro (art. 20).

Há quem sustente que o município pode criar impostos,5 mas a nosso ver tal competência lhe é vedada pelo art. 21 da Constituição federal, que só o permite ã União e ao Estado-membro. A confusão nasce, provàvelmente, da redação constitucional (art. 28, nº II, a), que alude “à decretação e arrecadação dos tributos”. Todavia, no próprio texto, encontra-se a restrição dessa faculdade aos tributos “de sua competência”. E, de sua, competência são sòmente os impostos discriminados taxativamente no art. 29. Não vemos, pois, como possa o município criar novos impostos para os quais a Constituição federal não lhe outorgou poderes. Essa, também, é a opinião de MARTINS SILVA, em excelentes comentários à Lei Orgânica Mineira.6 Em matéria de impostos, pode-se dizer que a competência do município é meramente regulamentar dos que se acham instituídos na Constituição ou que lhe forem atribuídos em lei federal ou estadual. Na expressão “decretar tributos”, usada pelo legislador constituinte, não se compreende a criação do impôsto, mas sim a regulamentação de sua incidência, do quantum a ser arrecadado, e da forma de sua arrecadação, para atender ao disposto no § 34 do art. 141, que prol, a cobrança e a elevação de tributos “sem lei que o estabeleça e sem prévia autorização orçamentária”.

Havendo dupla incidência de impôsto instituído pelo Estado e pela União, prevalece sòmente o desta (Constituição federal, art. 21), ante o princípio universal que tolhe a bitributação.

Tendo o município poder para decretar (regulamentar) impostos, tem-no também Dará conceder imunidades e isenções tributárias, nos que forem de sua competência, porque tal atividade está contida no âmbito de seu peculiar interêsse. Imunidades há, entretanto, já instituídas na Constituição federal (arts. 31, nº V, e 203), e quanto a estas, embora recaiam sôbre bens situados no território do município, devem ser obedecidas pela administração local.

Quanto às taxas, a capacidade impositiva do município é ampla, porque amplo é o seu poder de criar serviços públicos, sôbre os quais pode cobrar a contraprestação correspondente (Constituição federal, art. 30).

Arrecadado o tributo (impôsto ou taxa) pelo município, a sua aplicação fica ao inteiro critério da administração local, não dependendo de qualquer consulta ou aprovação do Estado ou da União, para emprêgo dessa renda. Basta que a lei orçamentária municipal contenha as dotações necessárias, para o exercício em que vão ser aplicadas.

A única disposição constitucional a respeito é a que obriga o município a aplicar anualmente nunca menos de vinte por cento (20%) da renda proveniente dos impostos (sòmente dos impostos) na manutenção e desenvolvimento do ensino (art. 169).

V. Organização dos serviços públicos locais

O derradeiro princípio assegurador da autonomia municipal está na organização dos serviços públicos locais pelo próprio município (Constituição federal, art. 28, nº II, b). Nem se compreenderia que uma entidade autônoma política e financeiramente não dispusesse de liberdade na instituição e regulamentação de seus serviços. Mas a despeito de ser palmar essa verdade, e de a ter dito com inexcedível clareza a Lei Magna, intromissões ainda existem por parte de poderes e órgãos estranhos ao município, que interferem arbitràriamente nos serviços locais, com sensíveis prejuízos para a administração e manifesto desprestígio para os poderes municipais, lesados na sua autonomia. Contra êsses resquícios do regime anterior, que subordinava todos os interêsses comunais ao poder central e incursionava discricionàriamente na esfera privativa dos municípios, principia a se esboçar salutar reação por parte das municipalidades através de recursos administrativos7 e judiciais.

Na atribuição genérica da organização dos serviços públicos locais, a Constituição deferiu aos municípios não só os serviços públicos pròpriamente ditos, como também os serviços de utilidade pública, isto é, quer os que o município mantém com suas rendas públicas, quer os que mantém através de concessionários ou permissionários de sua exploração.

Com estas considerações, encerramos a apreciação dos princípios asseguradores da autonomia municipal, inscritos na Constituição federal como instituição do regime vigente.

A negação de tais princípios ou a sua postergação pelo Estado-membro enseja a intervenção federal, como está prometido no art. 7º, nº VII, e, da Constituição da República, assim como o desrespeito dêsses mesmos princípios por parte da União autoriza o recurso ao Judiciário, para fazê-la retroceder às lindes constitucionais.

VI. Vejamos agora, em largos traços, os sistemas comunais vigentes em alguns países do Velho e do Novo Mundo, para que, afinal, num cotejo franco, possamos verificar o que possuímos de bom e o que temos de mau no nosso regime municipalista, e, mais que isso, possamos concluir sôbre o que deve ser mantido e o que há de ser modificado.

Só o conhecimento comparativo do nosso e do alheio permitirá um julgamento sôbre o que devemos imitar e o que temos para ensinar. O essencial é que descubramos se os defeitos tão freqüentemente proclamados em nosso País decorrem das instituições ou dos dirigentes, das leis ou dos homens que as executam.

Portugal – A administração em Portugal se desenvolve através de três entidades: o Distrito Administrativo, o “Concelho” ou Município, e a Paróquia ou Freguesia.

O Distrito é administrado pelo governador civil, de nomeação do presidente da República, após indicação da Junta Geral do Distrito, que é órgão legislativo distrital, composto de membros em número variável, eleitos por sufrágio universal e direto.

O Concelho ou Município é governado pelo administrador do Conselho e pela Câmara Municipal. O administrador é de nomeação do govêrno central, mediante proposta do governador do Distrito; a Câmara é eleita juntamente com a Junta Distrital.

O administrador, como representante do poder central, é o chefe de polícia local e exerce outras funções de interêsse geral. Por sua vez, a administração pròpriamente municipal fica a cargo do presidente da Câmara, que é o executor de suas deliberações.

Pouca ou nenhuma autonomia desfrutam as municipalidades portuguêsas, já pela interferência do poder central, que está sempre presente na pessoa do administrador do Concelho, já pela ausência de liberdade das Câmaras, cerceadas ainda pela exigüidade de rendas deixadas aos Municípios.

Conserva ainda a República Portuguêsa a Paróquia ou Freguesia, como circunscrição meramente administrativa e de justiça de paz, administrada por uma Junta da Paróquia, de composição eletiva e pelo regedor da Paróquia, de nomeação do governador civil do Distrito Administrativo.

França – O Território francês está dividido e subdividido em Regiões, Departamentos, “Arrondissements”, Cantões e Comunas, mas só o Departamento e a Comuna têm govêrno próprio e importância político-administrativa, sendo pela Constituição vigente, de 27 de outubro de 1946, considerados como “collectivités territoriales”. As demais circunscrições (Região – “Arrondissement” e Cantão) atendem a objetivos eleitorais, militares e judiciários mas não se apresentam com personalidade jurídica ou política na estrutura do Estado francês.

O Departamento é administrado por um prefeito (“Préfet”) de nomeação do presidente da República, e por um Conselho Geral (“Conseil Général”), formado por um representante de cada Cantão, eleito em sufrágio universal e direto, para uma legislatura de seis anos, renovável por metade ao fim de cada triênio.

O prefeito do Departamento, como representante do poder central, exerce não só funções administrativas, como também Algumas atribuições judiciárias relativas à instrução processual, mas a sua principal atribuição é a de executar as deliberações do Conselho Geral, e informá-lo sôbre as necessidades departamentais, apresentando anualmente o orçamento. Está sujeito ao contrôle do Conselho Geral, que, por sua vez, tem suas deliberações controladas, em determinados casos, pelo Ministério do Interior ou pelo Conselho de Estado (“Conseil d’Etat”).

A Comuna – afirma TROTABAS – ocupa na vida administrativa francesa um lugar preponderante: todo francês se sente incontestàvelmente mais ligado à sua Comuna que ao departamento em que êle vive.8 E justifica-se essa importância pelo fato de ser a Comuna a célula político-administrativa da República, ou, por outras palavras, o Município francês.

A Comuna francesa é, como o município brasileiro, entidade de direito público interno, isto é, pessoa jurídica dotada de capacidade civil para adquirir bens, direitos e obrigações. É administrada por um órgão executivo (“Municipalité”) e por um conselho deliberativo (“Conseil Municipal”) eleito em sufrágio universal e direto para um período de seis anos.

O órgão executivo é representado pelo “Maire” e seus adjuntos, eleitos pelo Conselho Municipal para a mesma legislaturas “Maire”, além de suas funções executivas, preside às sessões periódicas do Conselho, que se compõe de 11 a 37 membros, conforme a população da Comuna.

A administração da Comuna realiza-se sob tutela do poder central, cabendo ao prefeito do Departamento anular, aprovar ou substituir a ação do “Maire” e as deliberações do Conselho Municipal. Compete ainda ao prefeito suspender as sessões do Conselho Municipal, por um mês, até que o Conselho de Ministros decrete a sua total dissolução se o entender conveniente.

A Constituição atual da França (Constituição de 27 de outubro de 1946) manteve o sistema comunal anterior, revigorando as leis municipais de 10 de outubro de 1871 e 5 de abril de 1884, que são os estatutos básicos, as leis orgânicas das Comunas francesas. Modificou, entretanto, o regime para adaptá-lo à diversidade das 38.000 Comunas presentemente existentes, e cuja população varia de menos de 2.000 a mais de 100.0000 habitantes, o que evidencia a extrema subdivisão do território francês9 em comparação com o Brasil, que, segundo os últimos dados estatísticos, tem apenas 1.895 municípios com 5.442 distritos.10

As adaptações administrativas ora permitidas pela Constituição da IV República Francesa (art. 89) respondem à crítica que se fazia ao regime comunal anterior, que adotava uma “organização cegamente uniforme, em conflito com a realidade das coisas”.11 Além de Paris, Lyon e Marselha, que já eram administradas em regime especial, outras Comunas poderão desfrutar dêsse privilégio, quando a exigüidade ou densidade de sua população ou a peculiaridade de seus hábitos as diversificarem das demais.

Como se vê, não há na França autonomia comunal, quer pela ausência de liberdade do govêrno local, quer pela interferência permanente do poder central na vida das Comunas. É de salientar-se, ainda, que o “Maire” exerce funções delegadas pelo govêrno departamental, tais como as de oficial de Registro Civil e de oficial de Polícia Judiciária, de par com as funções próprias e específicas do órgão executivo da Comuna, da qual é o representante legal.

Argentina – A Constituição da República-Argentina estabelece em seu art. 5º a autonomia das províncias e a obrigatoriedade de uma organização municipal, sem contudo definir o regime local a ser adotado, razão pela qual cada província organiza a seu modo os Municípios que a compõem.

Em linhas gerais, a administração municipal se efetiva através de um conselho deliberativo (“Concejo Deliberante” ou “Juntas de Fomento”) e de um órgão executivo colegiado (“Municipalidad”) ou singular (“Intendente”). Os conselhos deliberativos são constituídos por membros em número variável, eleitos por sufrágio universal e direto, para uma legislatura também variável de três a seis anos. Os membros do órgão executivo (“Municipalidad” ou o “Intendente”) nalgumas Províncias são eleitos diretamente, noutras indiretamente, pelo Conselho Deliberativo, e na maioria dos casos são de nomeação do governador da Província, constituindo esta modalidade a regra na Argentina.

Dessa diversidade de sistemas, que é decorrência da ampla autonomia das Províncias e da falta de regulamentação constitucional da organização local, segue-se á restrita autonomia dos Municípios só concebida como favor provincial.

Daí a justa observação de ZAVALIA, de que “dentro de la economia de nuestra estrutura institucional, es indiscutible que una semejante autonomia municipal no existe. La fonción edilicia se ejerce por delegación; vale decir, que es a las autoridades provinciales que corresponde la potestad gubernatíva plena en la que está la gestión de los asuntos comunales“.12

Várias tentativas têm sido feitas no sentido de uniformizar o regime municipal, mas tais projetos esbarram sempre no intransponível obstáculo constitucional do já citado art. 5°, que concede ampla faculdade organizatória dos Municípios às Províncias, sem estabelecer qualquer princípio a ser observado nessa organização.

Por isso, cada Província, ao estabelecer o sistema administrativo de seus Municípios, procura reservar para si a maior soma de poderes, tais como o de nomear o “Intendente”, e o de intervir na comuna através de seus agentes.

Além das funções administrativas e deliberantes exercidas pelas municipalidades argentinas, a maioria delas cumula atribuições de justiça de paz nos respectivos territórios, à semelhança das comunas francesas.

O certo é que os vários sistemas adotados não satisfazem plenamente, nem aos estadistas que vêm reclamando freqüentemente a modificação do regime, nem aos publicistas, que criticam acerbamente a organização local, a exemplo destas palavras proferidas em nossa pátria, em notável conferência, pelo eminente professor argentino ALCIDES GRECA, catedrático da Faculdade de Rosário:

“A Constituição argentina” – diz o ilustrado professor – “impôs a cada Província a obrigação de se dar um regime municipal como requisito para que o govêrno federal garantisse o livre gôzo e exercício de suas instituições. Tôdas o fizeram, adotando, pelo menos para as povoações importantes, o sistema da divisão dos poderes, com um ramo executivo e outro deliberativo. A autonomia dos municípios é frágil, visto que se acham expostos a constantes intervenções dos poderes do Estado. Seus recursos financeiros são muito limitados, consistindo, quase todos êles, em taxas de serviços. A polícia municipal é mantida pela organização estatal, que nem sempre atua com diligência ou boa vontade. Em quase tôdas, menos em Entre Rios, Mendoza, Córdoba e Buenos Aires, o prefeito é designado pelo governador da Província”.13

Inglaterra – A unidade político-administrativa da Grã-Bretanha é o burgo, ao qual a Coroa concede o “self-government”. A reunião de burgos forma o condado, mas a tradição conserva uma grande parte de burgos independentes de qualquer condado, daí a nossa afirmativa inicial de que o burgo é que constitui a base político-administrativa do regime municipal inglês (“Municipal Boroughs”). A Inglaterra uniformizou o seu sistema municipal em 1882 pelo “Municipal Corporation Act”, aperfeiçoando-o em 1888 pelo “Local Government Act”, os quais ainda hoje regem a atividade administrativa dos condados e burgos que gozam do “self government”. Em linhas gerais, a administração municipal britânica é exercida pelo Conselho local (“Burguese Council”), cujos membros são diretamente eleitos pelo povo do burgo. Por sua vez, o Conselho elege uma comissão permanente de administração, em número variável de componentes (“aldermen”), sob a direção de um presidente (“mayor”). O “mayor” é o representante do burgo, exercendo funções executivas e judiciárias equivalentes à da justiça de paz.

A administração municipal é controlada por um órgão central (“Local Government Board”), sediado em Londres, presidido por um membro do Gabinete nomeado pela Coroa e com jurisdição sôbre tôdas as municipalidades. Segundo JENKS, o “Local Government Board” exerce um poder de crítica e censura, mas na opinião de CASTRO NUNES êsse contrôle é, em certos casos, uma legítima tutela sôbre a atividade dos burgos. Ainda é o eminente publicista pátrio quem chama a nossa atenção para a fundamental diferença entre o sistema inglês e o norte-americano, visto que no regime britânico predomina a autoridade do conselho e nos Estados Unidos prevalece o poder do “mayor”, individualmente, embora assessorado pela comissão de administração composta dos “aldermen”.14

Para ZAVALIA o regime municipal inglês se caracteriza por êstes quatro elementos, constantes em sua organização: a) ampla base eleitoral, fundada no direito de sufrágio concedido a todo homem de vinte e um anos e a tôda a mulher de trinta anos para cima; b) funcionamento de conselhos que nomeiam o “Lord mayor” e os funcionários executivos; c) a função municipal é um encargo honorário; d) a administração se realiza sob o sistema de comissões.15

Embora haja uniformidade no sistema administrativo dos burgos britânicos, não há igualdade na autonomia que desfrutam e isto porque o Parlamento é que delimita a extensão das franquias de cada burgo, ao conceder-lhe a emancipação e a prerrogativa do “self-government”. Regem-se, entretanto, por carta própria e com ampla liberdade política, administrativa e financeira, sòmente sujeita à autoridade controladora do “Local Government Board”, em determinados atos, uniformemente especificados por tôda a comunidade metropolitana.

Diversamente do que ocorre nos Estados Unidos, o municipalismo inglês é eficiente e acompanha harmoniosamente o progresso da administração central, satisfazendo plenamente os anseios da Coroa e das populações locais.

Estados Unidos – “Não se pode negar” – escreveu BRYCE – “que o govêrno das cidades é um fracasso completo nos Estados Unidos. Os defeitos do govêrno nos Estados (Estados-membros) são insignificantes comparados com a extravagância, corrução e má administração da maioria das grandes cidades”.16

“Nenhum departamento do govêrno dos Estados Unidos é tão inadequado, nem tem provocado tanto descontentamento da parte de seu povo” – afirma EATON – “nem tem sido tão severamente criticado por escritores sinceros como o das municipalidades. O problema do govêrno municipal é, no entender comum, o mais mal aparelhado e difícil de nossa política. Bastará dizer que o govêrno municipal é inùtilmente dispendioso e geralmente condenado: é ineficaz; seu processo atrai os piores eleitores e afasta grandemente os mais capazes, dando causa a que a administração da cidade seja geralmente considerada como motivo de descrédito para o povo americano e como um escândalo em nosso sistema republicano”.17

Comentando o regime municipal norte-americano, depois de alentado estudo, conclui o eminente POSADA: “que o exame realista da vida municipal das cidades (norte-americanas) põe em relevo de pronto, o inadequado de seu govêrno para as funções que os novos tipos de vida municipal reclamam em todos os países”.18

Entre nós, o ministro CASTRO NUNES assinalou a deficiência do govêrno comunal norte-americano, começando o seu estudo pela observação de BRYCE a que nos referimos, sôbre o mau govêrno das cidades e concluindo que a sua crítica “é ainda oportuna e merecida”. Depois de analisar os esforços dos Estados-membros em prol da melhoria dos vários sistemas adotados naquele país, remata o publicista pátrio “que o regime municipal nos Estados Unidos ainda não encontrou uma fórmula definitiva, dentro ou fora do sufrágio universal, que é a paixão do americano, contra o qual, diz ROWE, tôda e qualquer reforma parece inviável”.19

Vejamos agora como se apresenta o govêrno municipal norte-americano no seu duplo aspecto político e administrativa.

A Constituição federal norte-americana não contém uma referência sequer aos Municípios. Não lhes assegura autonomia, nem lhes garante renda própria. Deixa-os ao completo alvedrio dos Estados-membros, e daí a diversidade de formas de govêrno municipal que medra nas cidades americanas. Cada Estado pode adotar a estrutura municipal e a forma de govêrno local que desejar. Esta liberdade, como já vimos, tem dado origem a um verdadeiro caos na administração local. Note-se, mais, que não há um conceito rígido para o Município, nem lhe é assegurada a situação de pessoa Jurídica de direito público, como entre nós. Tôda a atenção governamental está voltada para a cidade e não para o território municipal. A concepção norte-americana é, pois, fundamentalmente diversa da nossa.

A autonomia local só é concedida às cidades que atingem um mínimo de população, variando de 5.000 habitantes nos Estados de Nebraska, Michigan, Minnesota, Ohio e Oregon, a 100.000 nos Estados de Missouri e Maryland.20

Reconhecido à cidade o direito de administrar-se, o Estado-membro a inclui no regime do “home rule charter”, isto é, concede-lhe a prerrogativa de auto-govêrno e de ser regida por uma carta própria. Para a organização da carta própria há vários sistemas. Em alguns Estados é o Conselho da Cidade que a elabora; noutros é uma Comissão de Carta (“Board of Freeholders”); noutro é o próprio Estado que redige duas ou mais cartas e as submete à escolha da cidade interessada, por uma espécie de plebiscito (“Optional Charter”); e noutros, finalmente, o Estado classifica as cidades em vários grupos, de acôrdo com elementos comuns, destinando a cada grupo um tipo de carta (“Classified Charter”). Mas nem mesmo êsses sistemas de outorga de carta própria guardam uniformidade entre os Estados; em cada um há sensíveis diferenças no processo eleitoral para a composição do Conselho da Cidade ou para a Comissão de Carta. É de se assinalar, ainda, que certos Estados reservam-se o direito de aprovação ou rejeição das cartas elaboradas por suas cidades, já em regime do “home rule”.

Quanto à forma da administração municipal não é menor a diversidade de sistemas adotados nos vários Estados e até mesmo entre cidades de um mesmo Estado, podendo-se distinguir, presentemente, quatro tipos de govêrno local, a saber: 1º – o govêrno por um Conselho (“Council System”), que toma decisões colegiadas; 2º – o govêrno por uma Comissão (“City government by Commission”), em que cada membro cuida individualmente de uma atividade pública; 3° – o govêrno por um indivíduo (“Mayor System”), em cujas mãos se concentram todos os poderes locais, embora assessorado por um Conselho; e 4º – o govêrno por um gerente (“City Manager Plan”), contratado para administrar a cidade por um determinado período. Em todos êsses sistemas o órgão ou pessoa responsável pelo govêrno da cidade enfeixa as atribuições executivas e legislativas locais. Nos três primeiros casos a composição do govêrno é feita por eleição, e no último, como já se disse, é o gerente contratado para a administração local, dentre os que mais se distinguiram na administração de outras cidades, pois que, hoje em dia, há nos Estados Unidos uma autêntica profissão de “managers”, os quais fazem parte de um órgão de classe, a “International City Manager’s Association”, com sede em Chicago.21

Nalguns Estados é adotado o “recall”, como sistema de contrôle dos administradores locais, pelo qual o povo desaprova atos da administração e destitui os seus eleitos, revogando-lhes os mandatos.

Os mais modernos sistemas de administração das cidades norte-americanas são o govêrno por comissão e o govêrno por gerente, ambos nascidos de experiências ocasionais na reconstrução de cidades destruídas por terremotos e inundações, respectivamente em 1900 (Galveston – Estado do Texas) e em 1914 (Dayton – Estado de Ohio), e daí por diante adotados em outras cidades como forma permanente de govêrno local.

Como bem demonstra POSADA em extenso capítulo sôbre os diversos tipos do regime municipal dos Estados Unidos, nenhum dêles satisfaz plenamente e, no entender da maioria dos publicistas nacionais, as administrações locais constituem o ponto fraco da democracia norte-americana, quer pela deficiência administrativa, quer pela interferência política na composição do funcionalismo, quer pela intromissão constante da legislatura estadual nas questões puramente locais, o que aniquila a autonomia municipal.22

VII. Sistemas municipais de outros países

Do exposto, podemos concluir que o regime municipal brasileiro é o anais bem definido e o que oferece maior segurança à autonomia local.

Seus princípios básicos constam da Constituição da República (art. 28) como normas imperativas para a organização e administração dos municípios em todos os Estados-membros da Federação.

A todos os municípios é assegurado govêrno próprio, administração própria, rendas próprias, e serviços públicos próprios.

Salvo os municípios onde houver estâncias hidrominerais naturais, ou forem declarados bases ou portos de excepcional importância para a defesa externa do país (Constituição federal, art. 28, §§ 1° e 2º), todos os demais terão prefeitos eleitos.

As Câmaras Municipais serão sempre e sempre de composição eletiva, mesmo nos municípios que tiverem prefeitos nomeados.

A autonomia local é ampla, afastando qualquer interferência do Estado-membro ou da União nos assuntos de peculiar interêsse do município.

Para manutenção dessa autonomia há o recurso constitucional da intervenção federal (Constituição federal, art. 7º, n° VII, e) e os meios judiciais comuns de que o município pode lançar mão contra a intromissão indevida de qualquer poder ou autoridade federal ou estadual, ou mesmo de outro município.

Razão não assiste, pois, aos que em nosso país pregam a excelência de sistemas estrangeiros. Não há motivo para abandonarmos um regime municipal constitucionalmente assegurado e tècnicamente organizado como o nosso, para empreendermos imitações de sistemas obsoletos ou de métodos em experiência, e que têm se revelado ineficientes para o próprio povo que os engendrou.

O problema municipal brasileiro não é o de falta de instituições adequadas à administração local. As deficiências mais acentuadas não são das leis; são dos homens.

Somos uma democracia renascida da ditadura, do desgovêrno, da improbidade administrativa. Natural é que ainda perdurem resistências à legalidade, abusos de liberdade, prepotências governamentais e desorientação administrativa em muitos setores da vida nacional.

Vivemos um período de transição entre o centralismo de ontem e a descentralização administrativa de hoje. Os obstáculos encontrados ou opostos ao funcionamento do regime em consolidação não devem desestimular os governantes nem desesperançar os governados.

Não foi sem sacrifícios e reveses que as nações mais civilizadas e hoje invejadas pela sua educação cívica e eficiência governamental chegaram ao estágio atual.

Probidade e experiência administrativas não se importam do estrangeiro; adquirem-nas os povos no trato diuturno de seus problemas, no aperfeiçoamento diário de suas leis, e sobretudo na educação paciente de gerações e gerações até incutir em cada cidadão a consciência plena de seus deveres.

Nossas instituições são muito aperfeiçoadas; resta-nos aperfeiçoar os homens que as vão cumprir.

____________________

Notas:

1 JOÃO MENDES JÚNIOR, “As Idéias de Soberania, Autonomia e Federação”, in “Rev. Fac. Dir. São Paulo”, XX-251.

2 PONTES DE MIRANDA, “Comentários à Constituição Federal de 1946”, ed. 1947, pág. 479, nº 3.

3 SAMPAIO DÓRIA. “Curso de Direito Constitucional”, 1946, I-384.

4 SAMPAIO DÓRIA, “Autonomia dos Municípios”, 1928, in “Rev. Fac. Dir. São Paulo”, XXIV-419.

5 MACHADO VILA, “O Município no Regime Constitucional Vigente (Comentário à Constituição do Rio Grande do Sul)”, 1952, pág. 91, nº 7.

6 MARTINS SILVA “Direito Público Municipal e Administração dos Municípios (Comentário da Lei Orgânica dos Municípios do Estado de Minas Gerais)”, 1952, págs. 120, nº I, e 360, nº 1.

7 J. A. MEIRELES TEIXEIRA, “Os Serviços Públicos de Eletricidade e Autonomia Municipal” (memorial da Prefeitura de São Paulo sôbre a interferência do Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica nas tarifas de Calefação), publicação oficial da Prefeitura de São Paulo, 1950.

8 LOUIS TROTABAS, “Droit Public et Administratif”, Paris, 19532, pág. 90.

9 TROTABAS informa que das 38.000 comunas francesas atualmente existentes há mais de 35.000 com menos de 2.000 habitantes, razão pela qual a Constituição de 1946 previu “regras de funcionamento e de estruturas diferentes” para as grandes cidades e para as pequenas vilas (art. 89), e a nova Lei Eleitoral já tomou em consideração essa disparidade de situações locais (v. “Droit Public et Administratif”, Paris. 1953, págs. 92 e segs.).

10 “Rev. Brasileira dos Municípios”, 17-92, in “Divisão Territorial do Brasil”, em 31 de dezembro de 1951.

11 CASTRO NUNES, “Do Estado Federal e sua Organização Municipal”, 1920, pág. 254.

12 CLODOMIRO ZAVALIA, “Tratado de Derecho Municipal”, Buenos Aires, 1941, pág. 54.

13 ALCIDES GRECA, “A eficiência do regime democrático e o govêrno municipal”, conferencia pronunciada sob o patrocínio da Associação Brasileira dos Municípios, no auditório do I. P. A. S. E., em 1948, in “R. B. M.”, 5-43.

14 CASTRO NUNES, “Do Estado Federado”, 1920 pág. 283.

15 CLODOMIRO ZAVALIA, “Tratado de Derecho Municipal”, 1941, pág. 27.

16 BRYCE, “The American Commonwealth”, 3ª ed., pág. 628.

17 EATON, “The Government of Municipalities”, 1899, págs. 19 e segs. No mesmo sentido: GOODNOW, “Municipal Home Rule”, 1895; FAIRLIE and KNEIER. “Country Government and Administration”, 1930.

18 ADOLFO POSADA, “El Régimen municipal de la Ciudad Moderna”, 1936, pág. 336.

19 CASTRO NUNES, “Do Estado Federado e sua Organização Municipal”, 1920, pág. 247.

20 KNEIER, “City Government in the United States”, 1934, págs. 64 e segs.

21 ZAVALIA. “Tratado de Derecho Municipal”, 1941, pág. 35.

22 POSADA, “El Régimen Municipal de la Ciudad Moderna”, 1936, págs. 352 e segs.

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