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Oversight Board da Meta – Facebook

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O papel e a responsabilidade das plataformas digitais pelo 8 de janeiro

FACEBOOK

OVERSIGHT BOARD DA META

PLATAFORMAS DIGITAIS

Ana Frazão

Ana Frazão

08/08/2023

Não é novidade o poder político acumulado pelas plataformas digitais e o quanto tais entes, com suas ações e omissões, podem interferir no debate público e nas democracias em todos os seus aspectos, inclusive no que diz respeito ao resultado de eleições[1].

Oversight Board da Meta

Nesse sentido, a recente decisão do Oversight Board da Meta no caso “Discurso do general brasileiro”[2] confirma várias das preocupações relacionadas ao poder político das plataformas digitais, intensificando a discussão sobre o papel desses gatekeepers em relação a ataques à democracia.

Afinal, a decisão diz respeito à omissão da Meta em retirar conteúdos que, embora ilícitos e violadores das próprias políticas da plataforma, foram mantidos no ar e fomentaram o fatídico evento do dia 8 de janeiro deste ano. Diante da insuficiência dos controles internos da Meta, o conteúdo foi removido apenas duas semanas depois, após o 8 de janeiro e quando o Oversight Board já havia levado o caso à plataforma.

Com efeito, ao se deparar com o ocorrido, o Oversight Board da Meta fez mais do que anular a decisão original de manter, no Facebook, um vídeo no qual um general brasileiro convocava as pessoas a invadir o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal. Considerando que o problema não foi episódico mas sim estrutural, a decisão apontou igualmente diversas falhas e omissões que precisam ser resolvidas pela plataforma.

Para entender melhor o ocorrido, vale a pena destacar que não havia qualquer dúvida sobre os riscos e a necessidade de exclusão do referido vídeo. Afinal, de acordo com informações prestadas pela própria Meta, o vídeo em questão veiculava apelo para “sitiar” o Congresso brasileiro como “a última alternativa” diante da eleição de Lula. É nesse contexto que se apresenta fala de general pedindo que as pessoas saíssem às ruas e se dirigissem ao Congresso e ao Supremo, aparecendo em seguida imagens como a de um incêndio na Praça dos Três Poderes, em Brasília.

No mesmo dia em que o vídeo foi publicado, já houve denúncia de um usuário. Entre 3 e 4 de janeiro, houve mais denúncias, em processo que é assim descrito pela Meta:

Ora, o vídeo, por si só, já veiculava conteúdo claramente proibido, ainda mais no contexto de polarização em que ocorreram as eleições brasileiras. Daí por que o Oversight Board justificadamente apontou suas preocupações quanto ao fato de que os moderadores de conteúdo não apenas consideraram o conteúdo como não violador das políticas da Meta – e assim o fizeram repetidamente – como não o encaminharam para uma análise mais cuidadosa.

Nas razões de decidir do Oversight Board, ficam claras as preocupações quanto à própria forma de agir desses moderadores:

(i) o vídeo teria sido analisado por sete moderadores que possuem a necessária expertise linguística e cultural para rever o conteúdo e mesmo assim não conseguiram identificar o problema;

(ii) a Meta não instrui tais revisores a registrar as razões pelas quais tomam suas decisões;

(iii) alguns fatores apontados pela própria Meta como causadores da situação sugerem que os moderadores não revisaram o conteúdo com cuidado nem o viram integralmente;

(iv) a Meta não teria oferecido nenhuma explicação das razões pelas quais o conteúdo não foi direcionado para uma análise posterior mais aprofundada, ainda mais em um país que havia sido considerado como de alto risco temporário;

(v) a Meta teria informado que os moderadores nem sempre conseguem assistir todos os vídeos integralmente, o que foi considerado inadequado pelo Board, pois, diante de situações de alto risco de violência, é esperado que tais moderadores vejam os vídeos em sua integralidade.

Como se pode observar, o caso mostra o quanto o sistema de moderação de conteúdos e gerenciamento de riscos da Meta era falho, ainda mais diante da situação complicadíssima em que vivia o Brasil. Mesmo em tais circunstâncias, não havia garantia de que os conteúdos extremistas postados seriam vistos integralmente e com o devido cuidado pelos moderadores, assim como as decisões destes não eram fundamentadas para posterior controle.

Aliás, no que diz respeito à transparência e ao controle, o Oversight Board também identificou outros problemas na instrução do caso, uma vez que, quando solicitaram à Meta informações sobre reivindicações relacionadas a eleições, a empresa explicou que não havia dados sobre isso.

Outro aspecto que preocupou o Oversight Board foi a ausência de métricas, pela Meta, para mensurar os seus esforços concernentes à preservação da chamada “integridade eleitoral”. Daí a conclusão do comitê no sentido de que tal circunstância impossibilitaria a devida accountability e o necessário controle social sobre os esforços da Meta:

Moderação de conteúdo

Diante do ocorrido, mais do que reverter uma decisão pontual dos moderadores, foram determinadas as seguintes medidas em face da Meta:

(i) desenvolvimento de estrutura para avaliar os esforços de integridade eleitoral, incluindo a criação e o compartilhamento de métricas para esforços de integridade eleitoral bem-sucedidos, como aqueles relacionados à aplicação das políticas de conteúdo da Meta e a abordagem aos anúncios; (ii) esclarecimento, na Central de Transparência, que, além do Protocolo de Política de Crise, a empresa trabalha com outros protocolos em sua tentativa de prevenir e enfrentar o risco potencial de danos que surgem em contextos eleitorais ou em outros eventos de alto risco.

Como se pode observar, a decisão do Oversight Board é bastante emblemática. Ao mesmo tempo em que indica a existência de um controle independente que pode apontar os equívocos da Meta, demonstra a falta de investimento e de cuidado com que é tratado o fluxo informacional em grandes plataformas, mesmo diante de (i) riscos excessivos e de situações de graves ataques à democracia e (ii) uma série de episódios anteriores bastante complicados envolvendo a participação da Meta em processos eleitorais de outros países.

A rigor, a decisão ora em comento é mais uma prova do quanto vozes extremistas isoladas ou aglutinadas, bem como a indústria da desinformação e da desordem informacional, as milícias digitais e tantas outras iniciativas encontram nas plataformas digitais um terreno ainda fértil e pouco controlado não apenas para a mentira e a desinformação como também para ataques à democracia.

É importante destacar que tal situação de desinformação e divulgação de conteúdos extremistas não é exclusiva da Meta, mas também já foi identificada em outras plataformas, como o Google[3], o YouTube[4] e o Twitter[5]. Logo, não seria exagero concluir que há efetivamente um problema da captura do ambiente informacional das grandes plataformas por discursos extremistas, notadamente da extrema direita[6].

Como exemplo, vale lembrar o estudo do NetLab da UFRJ[7], que identifica que o Google privilegia sistematicamente conteúdos da Jovem Pan, o que é particularmente significativo diante da natureza hiperpartidária do veículo e do desequilíbrio que isso causa em eleições democráticas, nos termos do seguinte ciclo de feedback loop:

Dessa maneira, a decisão do Oversight Board da Meta, embora importante, não retrata nenhuma novidade nem um caso único. Retrata a triste situação em que se encontra nosso fluxo informacional como um todo, convidando-nos a pensar se esse tipo de problema pode ou deve ficar sujeito à boa vontade das plataformas ou se é mais uma razão a demonstrar a necessidade e a urgência de uma regulação sobre o assunto.

Fonte: Jota

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NOTAS

[1] Ver FRAZÃO, Ana. A democracia corre perigo. Os algoritmos como armas de propaganda política. Jota.https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/eleicoes-e-algoritmo-a-democracia-corre-perigo-22092022; FRAZÃO, Ana. Autoritarismo no século XXI. O que alguns modelos de negócio têm a ver com isso? Jota.https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/democracia-crise-e-autoritarismo-no-seculo-xxi-29062022; FRAZÃO, Ana. Democracia à venda. A relação entre determinados modelos de negócios e a erosão da democracia e da própria esfera pública. Jota.https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/democracia-a-venda-08092021.

[2] https://www.oversightboard.com/news/6509720125757695-oversight-board-overturns-meta-s-original-decision-in-brazilian-general-s-speech-case/

[3]https://jornalggn.com.br/midia/google-favorece-sites-de-extrema-direita-contra-pl-das-fake-news/

[4]https://oglobo.globo.com/politica/eleicoes-2022/noticia/2022/09/youtube-privilegia-canais-alinhados-a-bolsonaro-em-recomendacao-de-videos-diz-pesquisa.ghtml

[5]https://www.nexojornal.com.br/extra/2021/10/22/Twitter-admite-que-seus-algoritmos-favorecem-a-direita

[6]https://diplomatique.org.br/google-facebook-e-a-extrema-direita/

[7] Netlab UFRJ. Recomendação no Youtube: o caso Jovem Pan. 5 de Setembro de 2022, Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil. https://uploads.strikinglycdn.com/files/52912157-1deb-43e7-ad79-ca2d560bf5cc/Especial%20Elei%C3%A7%C3%B5es%202022%20-%20Recomenda%C3%A7%C3%A3o%20no%20Youtube,%20o%20caso%20Jovem%20Pan.pdf

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