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Novo CPC, art. 1.025 e STJ: prequestionamento ficto, pero no mucho
15/05/2017
A crise faz-nos agir de modo especial. Nem sempre de modo positivo. No âmbito dos Tribunais Superiores foi assim, a principal resposta à chamada crise do STJ, pelo excesso de recursos, foi a construção paulatina – de julgado em julgado – da chamada “jurisprudência defensiva”.
Trata-se de prática dos tribunais de limitarem os recursos a partir de exigências excessivamente formais, dissociadas de outros parâmetros axiológicos (formas sem razão de ser). Com a clara finalidade eliminar do acervo, rápida e facilmente, aqueles “casos defeituosos”.
A forma – o formalismo puro – é colocado em patamar de ascendência, de superioridade frente ao direito. E.g. ter razão é menos importante do que preencher a guia corretamente ou garantir a perfeição das cópias do processo.
O prequestionamento, ou melhor, as exigências paralelas que se associam ao prequestionamento, também se enquadram no conceito de “jurisprudência defensiva”, representando ciladas jurídicas para advogados e para as partes quando da interposição de seus recursos.
Critérios não previstos – ao menos não no texto das normas em análise – para a admissibilidade dos recursos excepcionais (especial e extraordinário), mas que, paulatinamente, foram ganhando lugar, onipresentes nas decisões de admissibilidade e adotando colorações múltiplas: prequestionamento numérico, prequestionamento expresso, prequestionamento implícito, prequestionamento ficto…
Uma das vantagens do CPC/2015 foi combater alguns pontos da nefasta jurisprudência defensiva que se formou, dentre as quais sobre o prequestionamento. Numa verdadeira tentativa legislativa de dar resposta ao modo de decidir dos tribunais. Assim é o artigo 1.025 que garante à parte o direito de interpor diretamente o recurso especial ou extraordinário, nos casos em que, depois de opostos embargos de declaração, o tribunal de origem se recusar a “prequestionar” a matéria relevante para a causa:
Art. 1.025. Consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade.
Ora, qual é o sentido deste dispositivo?
Para que questão federal ou constitucional (CF, art. 102, III ou art. 105, III) possa ser veiculada em recurso especial ou extraordinário, para que o recurso possa ser admissível, as cortes superiores exigem o chamado “prequestionamento”: apreciação prévia (expressa ou numérica) da matéria no corpo do acórdão recorrido.
Ocorre que, em muitas ocasiões, a despeito das alegações da parte, e da pertinência do tema, o acórdão (decisão final dos tribunais) vinha carente desta apreciação, sem “prequestionar” a matéria que poderia fundamentar a futura interposição de recurso especial ou extraordinário.
Esta omissão era grave especialmente diante da resistência dos Tribunais pois, além de levar a parte à sucumbência, retirava-lhe a via recursal, impedindo a interposição do recurso enquanto não “prequestionada” a questão de lei federal ou relativa à Constituição (para mencionarmos os casos mais comuns).
O caminho para o recorrente era longo e tortuoso. Cabia-lhe a oposição de embargos de declaração, na tentativa de suprir a omissão. Se fosse vitorioso, problema resolvido e via recursal aberta. Se fosse derrotado, e o Tribunal se recusasse a suprir a omissão, a situação se complicava consideravelmente.
O sucumbente tinha o ônus da interposição de recurso especial, contra o acórdão que rejeitou os embargos de declaração, com fundamento na violação do dispositivo da lei federal que obriga os tribunais suprirem omissão (então art. 535 do CPC/73), para que, uma vez provido esse recurso no STJ (o que não é um trabalho fácil), a causa retornasse ao tribunal de origem, a matéria fosse apreciada e “prequestionada”, abrindo-se finalmente a via do novo recurso especial ou do recurso extraordinário, que antes se pretendia interpor.
A finalidade do artigo 1.025 do CPC/2015 era (ainda é) evitar todo esse longo caminho, i.e evitar esse recurso especial apenas pela violação ao art. 535 do CPC/73 (atual 1.022) e permitir que, uma vez opostos os embargos de declaração, mesmo que o Tribunal se recusasse a suprir a omissão, a matéria já passaria a estar “automaticamente prequestionada”.
Uma norma que visava a evitar um recurso especial apenas para obrigar o Tribunal a “prequestionar” a matéria, reduzindo formalismo, reduzindo um recurso sem utilidade prática, reduzindo a complexidade do sistema recursal e de suas armadilhas e, prioritariamente, valorizando o acesso à justiça.
Ocorre que, mal o Código entrou em vigor, a jurisprudência defensiva reagiu com fôlego, armas e canhões, fazendo “interpretação” da norma capaz de retirar grande parte de seu sentido. Entendeu a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça que, para que o prequestionamento “ficto” seja produzido, nos termos do art. 1.025 do CPC/2015, ao interpor seu recurso especial, além da matéria objeto do recurso (propriamente dita), caberá ao recorrente alegar também violação à norma dos embargos de declaração (hoje art. 1.022), sob pena de seu recurso ser declarado inadmissível. Vejamos:
“A admissão de prequestionamento ficto (art. 1.025 do CPC/15), em recurso especial, exige que no mesmo recurso seja indicada violação ao art. 1.022 do CPC/15, para que se possibilite ao Órgão julgador verificar a existência do vício inquinado ao acórdão, que uma vez constatado, poderá dar ensejo à supressão de grau facultada pelo dispositivo de lei”. (…) (STJ, 3ª t., REsp 1639314/MG, Rel. Ministra Nancy Andrighi, TERCEIRA TURMA, DJe 10/04/2017)
Não se trata, efetivamente, de norma cujo cumprimento é complexo. Nada custa inserir um novo tópico no recurso especial e trazer argumentação específica sobre a violação ao artigo 1.025, a qual deve ser contemporânea à matéria principal objeto do recurso.
A questão que surge é: qual é a finalidade desta exigência? De que modo melhoraria a compreensão do objeto do recurso, da fundamentação, i.e. de que modo tornaria melhor ou mais efetivo o processo ou garantiria contraditório ou devido processo legal? Mais do que isso, seria possível que o recorrente, antes desse julgado, pudesse imaginar que teria, também, que inserir em seu recurso tópico dedicado ao artigo 1.022?
Não, efetivamente! O texto da lei não permite tal interpretação ou tampouco esta teria o condão de valorizar qualquer dos escopos do processo. Mais do que isso, tal jurisprudência – se de fato se consolidar – acabaria surgindo como uma armadilha para as partes, negando justiça (admissibilidade recursal) a situações onde o interesse público (primário) existiria claramente para o provimento dos recursos. Um entendimento que não traz benefícios, e que, certamente, nem sequer arranhará as estatísticas crescentes de recursos interpostos às cortes superiores. De qualquer modo, uma nova exigência que exigiria nossa atenção!