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Gente Feia. Gente Bonita.
Antonio Fernando Costa Pires Filho
14/07/2016
Pode uma empresa colocar um anúncio no jornal exigindo pessoas bonitas para contratação?
Fere, tal anúncio, nossos valores ou princípios constitucionais, como o princípio da isonomia (art. 5º, inc. I, CF)?
Seria o anúncio uma forma de discriminação, vedada pelo inc. IV, do art. 3º, da CF?
Feriria o anúncio a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho (art. 1º, incs. III e IV, CF)?
Cremos que não.
O princípio da isonomia cuida de tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades. Se houver um fator de discriminação, conhecido como discrímen, deve ser lógico e razoável. O vocábulo “discrímen” significa discriminação, que significa “separar”, “excluir” ou “desigualar”.
Celso Antônio Bandeira de Mello, em obra de leitura obrigatória, fornece-nos dois exemplos de não ferimento do princípio da isonomia: a) um concurso público somente para negros, para que o Estado possa estudar as práticas esportivas mais adequadas, exercícios físicos e doenças da raça negra, mediante fornecimento de material sanguíneo, testes físicos, etc por parte dos aprovados; b) um concurso público para “guardas de honra”, com exigência, no edital do concurso, de altura mínima de 1,80m para inscrição, e sexo masculino. Os candidatos aprovados serão guardas do Executivo, em cerimônias militares oficiais, os “guardas de honra” (a obra de leitura obrigatória é “Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade”, São Paulo: Malheiros).
Em ambos os exemplos, o discriminador (discrímen) é lógico: discrimina-se pela cor de pele porque as doenças a serem estudadas têm a ver com a cor de pele. De nada adiantaria ao Estado a inscrição e aprovação de um indivíduo da raça branca. No outro caso, a altura é fator discriminante (discrímen) porque é necessária à função dos guardas palacianos (dragões da independência), mormente por causa da guarda das muradas. A compleição física e a força, para este cargo, também autorizam a discriminação em face do sexo feminino.
Pois bem. Quanto ao aspecto da beleza na contratação trabalhista, o art. 7º, XXX, CF assim determina: “Proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil”.
E seu complemento infraconstitucional, o art. 373-A, CLT, introduzido na CLT pela Lei nº 9.799/99, proíbe a discriminação na hora da contratação trabalhista. Vejamos este dispositivo em sua inteireza:
“Art. 373-A – Ressalvadas as disposições legais destinadas a corrigir as distorções que afetam o acesso da mulher ao mercado de trabalho e certas especificidades estabelecidas nos acordos trabalhistas, é vedado:
I – publicar ou fazer publicar anúncio de emprego no qual haja referência ao sexo, à idade, à cor ou situação familiar, salvo quando a natureza da atividade a ser exercida, pública e notoriamente, assim o exigir;
II – recusar emprego, promoção ou motivar a dispensa do trabalho em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez, salvo quando a natureza da atividade seja notória e publicamente incompatível;
III – considerar o sexo, a idade, a cor ou situação familiar como variável determinante para fins de remuneração, formação profissional e oportunidades de ascensão profissional;
IV – exigir atestado ou exame, de qualquer natureza, para comprovação de esterilidade ou gravidez, na admissão ou permanência no emprego;
V – impedir o acesso ou adotar critérios subjetivos para deferimento de inscrição ou aprovação em concursos, em empresas privadas, em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez;
VI – proceder o empregador ou preposto a revistas íntimas nas empregadas ou funcionárias.
Parágrafo único – O disposto neste artigo não obsta a adoção de medidas temporárias que visem ao estabelecimento das políticas de igualdade entre homens e mulheres, em particular as que se destinam a corrigir as distorções que afetam a formação profissional, o acesso ao emprego e as condições gerais de trabalho da mulher”.
Nosso caso se encaixa no inciso I supra, e este mesmo inciso I prevê a exceção: “salvo quando a natureza da atividade a ser exercida, pública e notoriamente, assim o exigir”.
Gente feia. Gente bonita.
Ora, é óbvio que a natureza da profissão de modelo, por exemplo, exige mulheres altas e bonitas. Bonitas segundo o padrão estético brasileiro, o qual certamente é diferente do africano. Mas não vamos discutir, aqui, o padrão estético nem o gosto das pessoas. No Brasil, é fato, temos um conceito mediano do que sejam mulheres bonitas, e estas mulheres são aquelas exigidas para a profissão de modelo. O fator estético, aqui, é essencial, sendo o discrímen, na hora da contratação para a profissão de modelo, razoável.
Assim, o mesmo se aplica para um escritório ou empresa que deseje uma secretária com boa aparência, bonita e agradável, para receber clientes, muito mais do que uma secretária para atuar 100% como secretária. O diploma de secretária ou outras qualificações de secretária, para este escritório, vêm em segundo lugar. O desejo da empresa é causar, no caso, boa primeira impressão, sendo este o fator que autoriza o discrímen no anúncio do jornal. A empresa, aqui, deseja mais uma boa impressão do que um currículo marcante. Há empresas, todavia, que não se importam com a aparência da secretária, valorizando, preferencialmente, outras qualidades em seu currículo.
O que não pode ocorrer, em absoluto, é um anúncio solicitando apenas homens para o cargo de diretor de uma empresa ou apenas advogados do sexo masculino para concorrer a uma vaga num escritório de advocacia. A beleza, aqui, nada teria a ver com o cargo. O discrímen seria ilógico. O mesmo se diga de editais de concursos públicos com limite de idade máxima de 45 anos para inscrição. O STF, apreciando esta questão, editou a Súmula nº 683, que tem a seguinte dicção: “O limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art. 7º, XXX, da Constituição, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido”.
O STF admite a discriminação por idade, é verdade, mas somente quando presente a razoabilidade. Deve haver uma ligação de essencialidade entre o discrímen e o fato. Por óbvio, não pareceria razoável a contratação de pessoas idosas, com mais de 70 anos de idade, para a profissão de lixeiro ou carteiro, as quais exigem grande esforço físico diário.
E na prática? Existe discriminação? Sim. Existe. Contra mulheres, que muitas vezes recebem salários menores do que os dos homens, homossexuais, transexuais, pessoas com AIDS, negros, índios, ateus, estrangeiros, pobres, pessoas com deficiência e por aí vai. Cabe à sociedade, incentivada pela mídia, tribunais, família, ações afirmativas por parte do Estado, enfim, incentivada por todos, estimular o não preconceito, o não racismo e o não sexismo.
Deve-se incitar e encorajar a busca da dignidade da pessoa humana no trabalho, até mesmo porque o trabalho, como quer o texto constitucional, deve ter uma valor social, que impacta e afeta de modo positivo e construtivo toda a sociedade. Não nos esqueçamos, também, do art. 170, CF, que traz logo em seu caput três princípios da ordem econômica: a) valorização do trabalho humano; b) asseguramento a todos de existência digna; c) asseguramento desta existência digna com base em justiça social.
A discriminação de pessoas feias e bonitas, pois, é possível somente quando analisamos o caso concreto. Havendo liame lógico e razoável entre a discriminação (discrímen) e o fato (trabalho a ser desenvolvido), pode-se discriminar.
Para muitas pessoas, na verdade, feio não é o que revela a aparência exterior, pois não ligam para a beleza, mas estas pessoas se importam, isto sim, com a falta de caráter, corrupção, desonestidade, desonra, depravação moral, falta de princípios, maldade, malícia, preguiça, avareza, inveja, mau humor e todo tipo de perversidades e feiura que comumente atentam contra o bem e a beleza interior.
Gente feia. Gente bonita.
E então? Você é atraente?
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