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Financiamento partidário
José Jairo Gomes
30/09/2024
Tema assaz controvertido é o atinente ao financiamento de partidos políticos. Dada sua relevância para o regime democrático-representativo e, sobretudo, a influência que exerce nas ações governamentais, muitos entendem que o custeio deveria ser exclusivamente público, vedando-se o privado. Argumenta-se que neste último estaria uma das fontes da corrupção e de todas as mazelas da nossa política e Administração Pública, porque por essa via a elite econômico-financeira promove a captura do Estado e impõe seus próprios interesses particulares em detrimento dos interesses da sociedade.
Formalmente, vigora no Brasil um sistema misto de financiamento partidário. Entretanto, há forte inclinação para o financiamento público exclusivo. Se é certo que os partidos recebem recursos tanto do Estado quanto de particulares, o grande financiador é mesmo o primeiro.
Em geral, as fontes lícitas de recursos partidários podem ser assim sumariadas:
(i) fundo partidário;
(ii) doações privadas, que podem ser de pessoas físicas ou de outros partidos políticos;
(iii) alienação de bens;
(iv) realização de eventos;
(v) locação de bens;
(vi) sobras financeiras de campanha eleitoral;
(vii) rendimentos de aplicações financeiras;
(viii) empréstimo contraído em instituição financeira.
Além dessas fontes, há o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), previsto no art. 16-C da LE (introduzido pela Lei no 13.487/2017), e “constituído por dotações orçamentárias da União em ano eleitoral”.
Fundo partidário
O Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos ou simplesmente “fundo partidário” é regulado no art. 38 da LPP, sendo constituído por: “I – multas e penalidades pecuniárias aplicadas nos termos do Código Eleitoral e leis conexas; II – recursos financeiros que lhe forem destinados por lei, em caráter permanente ou eventual; III – doações de pessoa física ou jurídica [registre-se que doação de “pessoa jurídica” passou a ser proibida – vide art. 31, II da LPP], efetuadas por intermédio de depósitos bancários diretamente na conta do Fundo Partidário; IV – dotações orçamentárias da União em valor nunca inferior, cada ano, ao número de eleitores inscritos em 31 de dezembro do ano anterior ao da proposta orçamentária, multiplicados por trinta e cinco centavos de real, em valores de agosto de 1995”.
Há duas situações a serem consideradas. A primeira refere-se ao direito de acesso aos recursos do fundo partidário. A segunda diz respeito à distribuição de tais recursos entre os partidos. Sobre a primeira, nem todos os partidos registrados no TSE têm direito de receber recursos desse fundo. A aquisição desse direito requer o cumprimento de determinados requisitos.
Denominados cláusulas de desempenho, esses requisitos são previstos no art. 17, § 3o, da CF (e também no art. 3o da EC no 97/2017), consistindo em: (1) obtenção de percentagem mínima de votos válidos para a Câmara de Deputados, (2) em um terço das unidades da Federação (ou seja, em nove Estados ou Distrito Federal), (3) com um mínimo dos votos válidos em cada uma delas. Os requisitos são progressivos, devendo se estabilizar nas eleições de 2030. Se o partido não os atingir em cada eleição, aplica-se um critério alternativo (também progressivo) consistente na eleição de um número mínimo de Deputados Federais em pelo menos nove unidades da Federação. Tal número é também progressivo, sendo fixado em 9, 11, 13 e 15 respectivamente nas eleições de 2018, 2022, 2026 e 2030. Registre-se que, no julgamento da Consulta no 060412730, em 18-12-2018, entendeu o TSE que a presente regra é aplicável já “a partir das eleições de 2018 para a legislatura de 2019-2022 na Câmara de Deputados”.
Assim, se um partido tiver candidatos eleitos, mas seu desempenho nas urnas for muito fraco e não preencher os referidos requisitos, não terá direito aos recursos do fundo. No entanto, nesse caso, o § 5o do art. 17 da CF (incluído pela EC no 97/2017) garante ao candidato eleito o mandato conquistado, asseguradas as prerrogativas inerentes à sua representatividade política, facultando-lhe, ainda, “a filiação, sem perda do mandato, a outro partido” que tenha atingido os referidos requisitos.
Quanto à segunda situação, o inciso I, art. 41-A, da LPP (com a redação da Lei no 13.165/2015) estabelece que 5% do total dos recursos devem ser “destacados para entrega, em partes iguais, a todos os partidos que atendam aos requisitos constitucionais de acesso aos recursos do Fundo Partidário”; o acesso a essa parcela de recursos independe do tempo de existência do partido (vide STF – ADI 5105/DF – Rel. Min. Luiz Fux – DJe 30-3-2016). O restante é distribuído aos partidos proporcionalmente às suas respectivas representações na Câmara de Deputados.
Doações privadas
a doação por pessoa física constitui ato jurídico de liberalidade, devendo, portanto, ser praticado espontaneamente. De maneira que o estatuto partidário não pode “conter regra de doação vinculada ao exercício de cargo” (TSE – Cta no 35664/DF – DJe, t. 228, 2-12-2015, p. 57; TSE – Pet no 18/DF (0000617-30.1995.6.00.0000) – DJe 23-10- 2019), pois isso significaria obrigar ou impor ao filiado a prática do ato de liberalidade, o que lhe retiraria a espontaneidade.
As doações devem ser efetuadas diretamente ao partido (e não ao fundo partidário, como previsto no citado art. 38, III, da LPP). Deveras, o art. 39, caput, da LPP autoriza o partido a receber doações de pessoas físicas “para constituição de seus fundos”. No âmbito do partido, as doações podem ser efetuadas diretamente aos órgãos de direção nacional, estadual, distrital, zonal e municipal (§ 1o). As ofertas de bens e serviços devem ter seus valores estimados em dinheiro, moeda corrente (§ 2o). Já as ofertas de recursos financeiros (dinheiro) – reza o § 3o (com a redação das Leis no 13.165/2015 e no 13.877/2019) – somente poderão ser efetuadas na conta do partido político por meio de:
“I – cheques cruzados e nominais ou transferência eletrônica de depósitos;
II – depósitos em espécie devidamente identificados;
III – mecanismo disponível em sítio do partido na internet que permita o uso de cartão de crédito, cartão de débito, emissão on-line de boleto bancário ou, ainda, convênios de débitos em conta, no formato único e no formato recorrente, e outras modalidades, e que atenda aos seguintes requisitos:
a) identificação do doador;
b) emissão obrigatória de recibo eleitoral para cada doação realizada”.
Em qualquer caso, os montantes doados ao partido devem ser documentados e lançados em sua contabilidade, o que permite sejam auditados e fiscalizados.
Alienação de bens e realização de eventos
A alienação de bens refere-se à venda de produtos do partido, como brindes, chaveiros, canetas, canecas. Já a realização de eventos diz respeito à cobrança por acontecimentos como encontros, jantares e festas. Tais atividades devem ser previamente comunicadas à Justiça Eleitoral, que poderá fiscalizá-las (Res. TSE no 23.604/2019, art. 5o, V, c.c. art. 10).
Doações proibidas
Há casos em que o partido é legalmente proibido de receber doações. A esse respeito, estabelece o art. 31 da LPP (nos termos da Lei no 13.488/2017): “Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:
I – entidade ou governo estrangeiros;
II – entes públicos e pessoas jurídicas de qualquer natureza, ressalvadas as dotações referidas no art. 38 desta Lei e as proveniente do Fundo Especial de Financiamento de Campanha;
III – [revogado];
IV – entidade de classe ou sindical.
V – pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político”.
Vale destacar nesse dispositivo a proibição de financiamento partidário por “pessoas jurídicas de qualquer natureza”, prevista em seu inciso II, apenas sendo ressalvadas: (i) as dotações referidas no art. 38 da LPP, isto é, originárias do Fundo Partidário; (ii) as dotações provenientes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), o qual é previsto no art. 16-C da LE (introduzido pela Lei no 13.487/2017). Também devem ser ressalvadas as doações oriundas de outros partidos políticos, as quais são permitidas (vide Res. TSE no 23.604/2019, art. 5o,
IV). Antes de ser proibida no referido dispositivo legal, a doação de pessoa jurídica a partido político foi também censurada pelo STF quando do julgamento da ADI 4.650/DF, ocorrido em 19-9-2015, tendo sido vedada qualquer doação de pessoa jurídica a partido, independentemente da finalidade.
Registre-se, ainda, a proibição de doações por “pessoa física que exerça atividade comercial decorrente de permissão” (Res. TSE no 23.604/2019, art. 12, III).
Loteria, rifa, bingo, sorteio – é vedada a arrecadação de recursos por meio de loteria, assim considerada “toda operação que, mediante a distribuição de bilhete, listas, cupões, vales, sinais, símbolos ou meios análogos, faz depender de sorteio a obtenção de prêmio em dinheiro ou bens de outra natureza” pois tais atividades são definidas como ilícitas pela Lei das Contravenções Penais (D-L no 3.688/1941, art. 51, § 2o). Nesse sentido: TSE – Cta no 060073866/DF – j. 6-8-2020.
Despesas partidárias
Despesas são as obrigações impostas por lei ou livremente contraídas pelo partido e que devem ser cumpridas. Traduzem-se nos gastos efetuados com a manutenção de suas estruturas (sedes, diretórios), realização de serviços e atividades que lhes são próprios, aquisição de bens, pagamento de pessoal etc. De modo amplo, o art. 44 da LPP dispõe sobre a aplicação de recursos oriundos do fundo partidário.
Como o regime jurídico dos partidos é o privado, é este igualmente que deve ser considerado na realização de despesas. Daí não ser obrigatória a observância da Lei de Licitações Lei nº 8.666/1993), tendo os partidos políticos autonomia para contratar e realizar despesas” (LPP, art. 44, § 3o).
É sempre necessária “a utilização racional e proba dos recursos públicos disponibilizados para a manutenção das atividades partidárias”, sob pena de se caracterizarem como antieconômicas (TSE – PC no 30587/DF – DJe 12-8-2019, p. 16 ss.). As despesas efetivadas devem ter “vinculação com as atividades partidárias” (TSE – PC no 31704/DF – DJe 3-5-2019), pois somente são lícitas ou regulares as que tiverem tal vinculação. Ademais, elas devem ser evidenciadas por documento idôneo ou prova inequívoca.
A responsabilidade pelas obrigações contraídas por órgão de direção partidária é dele próprio, sendo “excluída a solidariedade de outros órgãos de direção partidária” (LPP, art. 15- A, com a redação da Lei no 12.034/2009). Assim, se diretório municipal contrair uma obrigação, a responsabilidade por ela não pode ser transferida a outro diretório, seja ele estadual ou nacional. Tal solução foi corroborada pelo STF ao declarar a constitucionalidade do referido art. 15-A da LPP na ADC 31, em 22/9/2021, oportunidade em que restou assentado que cada órgão partidário possui gestão autônoma, por isso devendo responder no âmbito contratual ou extracontratual pelos atos que praticar, sem que haja comprometimento de outros órgãos.
Obrigações e despesas compulsórias – há obrigações e despesas que são compulsórias, porque determinadas em lei, não havendo discricionariedade para realizá-las ou não. Assim, o partido – por seu Diretório Nacional – tem a obrigação legal de aplicar, no mínimo, 20% do total que receber do Fundo Partidário “na criação e manutenção de instituto ou fundação de pesquisa e de doutrinação e educação política” (LPP, art. 44, IV). Outra importante obrigação legal dos partidos consiste na aplicação de, no mínimo, 5% do total recebido do Fundo Partidário “na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres” (CF, art. 17, § 7º – inserido pela EC nº 117/2022; LPP, art. 44, V; Res. TSE no 23.604/2019, art. 22). A parte final do § 7º, art. 17, da CF estabelece que a aplicação dos recursos deve ocorrer “de acordo com os interesses intrapartidários”.
Assim, essa cláusula confere ampla liberdade à direção da entidade, tornando discricionárias suas decisões. Não obstante, havia se consolidado na jurisprudência que a presente obrigação tem de ser adimplida por cada um dos diretórios, e, portanto, “os diversos níveis partidários, individualmente, são obrigados a despender o percentual mínimo previsto no inciso V do art. 44 da Lei 9.096/95” (TSE – Cons. no 0604076-19/DF – DJe 9-8-2019). Registre-se, ainda, que o desvio de finalidade ou uso indevido de tais recursos pode ser apurado no âmbito da representação prevista no art. 30-A da Lei no 9.504/1997 (TSE – AI no 33986/RS – j. 15-8-2019).
Prestação de contas partidárias
Em Estado Democrático de Direito, é de grande importância o dever de prestar contas imposto a entidades que recebem ou têm a incumbência de gerir recursos públicos. Tal medida em muito contribui para a transparência da gestão, além de possibilitar o controle social e a fiscalização de sua adequada aplicação.
Mercê das relevantes funções atribuídas ao partido político no regime democrático, essa questão torna-se ainda mais sensível. É a própria Constituição Federal que estabelece para o partido político o dever de prestar contas de suas receitas e despesas (CF, art. 17, III). Por isso, esse dever não é afastado pela autonomia partidária. Em todas as esferas de direção (nacional, regional e municipal), esse ente deve “manter escrituração contábil, de forma a permitir o conhecimento da origem de suas receitas e a destinação de suas despesas” (LPP, art. 30). As receitas, aqui, abrangem não só as originárias de fundos públicos, mas também as hauridas em outras fontes Ademais, a agremiação precisa “enviar, anualmente, à Justiça Eleitoral o balanço contábil do exercício findo; obrigação essa que deve ser adimplida “até o dia 30 de junho do ano seguinte” (LPP, art. 32 – com a redação da Lei no 13.877/2019), ainda que não haja o recebimento de recursos financeiros ou estimáveis em dinheiro. O descumprimento desse dever implica a “a suspensão de novas cotas do Fundo Partidário enquanto perdurar a inadimplência e sujeitará os responsáveis às penas da lei” (LPP, art. 37-A).
Na prestação de contas, é necessário que sejam discriminadas as receitas e despesas realizadas pelo partido em sua respectiva esfera. Conforme preceitua o § 4o, art. 34, da LPP (incluído pela Lei no 13.877/2019): “o sistema de contabilidade deve gerar e disponibilizar os relatórios para conhecimento da origem das receitas e das despesas”.
No âmbito da Justiça Eleitoral, é instaurado um processo específico para exame e julgamento das contas partidárias, bem como para a hipótese de não apresentação das contas no prazo legal. O § 6o, art. 37, da LPP atribui “caráter jurisdicional” a esse processo.
Uma vez formalmente apresentadas, as contas podem ser impugnadas por qualquer partido político ou órgão do Ministério Público Eleitoral (Res. TSE no 23.604/2019, art. 31, §§ 3o ss.). Antes de serem julgadas, as contas passam por acurada análise técnico-contábil. O órgão técnico incumbido dessa função deve emitir parecer, o qual orienta o julgamento do órgão judicial. No parecer, ao órgão técnico é “vedado opinar sobre sanções aplicadas aos partidos políticos” (LPP, art. 34, § 5o – incluído pela Lei no 13.877/2019), sendo a emissão de juízo de valor reservada ao órgão judicial.
Após a conclusão técnica e antes do julgamento final, o Ministério Público Eleitoral deve se manifestar no processo, e para tanto conta com o prazo de cinco dias (Res. TSE no 23.604/2019, art. 40, II), fazendo-o na qualidade de fiscal da ordem jurídica. Ao julgar as contas, o órgão da Justiça Eleitoral poderá concluir pela sua (i) aprovação, (ii) aprovação com ressalva ou (iii) desaprovação. Caso as contas não tenham sido prestadas, a conclusão será pela sua não prestação.
A aprovação requer a total regularidade e correção das contas e da gestão financeira realizada pelo partido. A aprovação com ressalva pressupõe a detecção de alguma irregularidade de natureza formal ou material de pouca relevância, que, em qualquer caso, não chegue a comprometer a análise das contas, ou seja, não compromete a verificação da origem das receitas e destinação das despesas.
Já a desaprovação – que pode ser total ou parcial – pressupõe a ocorrência de graves irregularidades e ilícitos que comprometam a sua integridade. Estes devem ser de natureza material e relevantes, pois, nos termos do § 12, art. 37, da LPP, não autorizam o juízo de desaprovação: (i) erros formais; (ii) erros materiais que no conjunto da prestação de contas não comprometam o conhecimento da origem das receitas e a destinação das despesas.
A conclusão pela desaprovação expõe o partido à responsabilização jurídico-administrativa, podendo sofrer as seguintes sanções:
a) determinação “à esfera partidária responsável pela irregularidade” da “devolução da importância apontada como irregular, acrescida de multa de até 20%”; multa esta que deve ser aplicada “de forma proporcional e razoável” (LPP, art. 37, caput, e §§ 2o e 3o – este com a redação da Lei no 13.877/2019);
b) sendo detectados “recursos de origem não mencionada ou esclarecida, fica suspenso o recebimento das quotas do fundo partidário até que o esclarecimento seja aceito pela Justiça Eleitoral” (LPP, art. 36, I);
c) se constatado o recebimento de recursos de fontes vedadas relacionadas no art. 31 da LPP, “fica suspensa a participação no fundo partidário por um ano” (LPP, art. 36, II). No sentido da aplicabilidade dessa sanção, vide: TSE – REspe no 060001294/SC, j. 10-9- 2020. Entretanto, ela só incidirá se não forem “adotadas as providências de devolução à origem ou recolhimento ao Tesouro Nacional” (Res. TSE no 23.604/2019, art. 46, I).
Ressalte-se que a desaprovação das contas do partido induz à responsabilização apenas do órgão respectivo da agremiação – não a de seus dirigentes. A responsabilização pessoal, civil e criminal, dos dirigentes partidários tem caráter personalíssimo e “somente ocorrerá se verificada irregularidade grave e insanável resultante de conduta dolosa que importe enriquecimento ilícito e lesão ao patrimônio do partido” (LPP, art. 37, § 13).
Já no caso de contas “não prestadas” o art. 47 da Res. TSE no 23.604/2019 prevê que tal conclusão acarreta ao órgão partidário: I – a perda do direito ao recebimento da quota do Fundo Partidário, do Fundo Especial de Financiamento de Campanha; e II – a suspensão do registro ou da anotação do órgão partidário; pelo que o partido ou a federação de partidos “ficará impedido de participar das eleições na circunscrição respectiva” (Res. TSE no 23.609/2019, art. 2º, §§ 1o e 1o-A, este incluído pela Res. TSE no 23.675/2021). Note-se que essa última sanção não é consequência automática do julgamento das contas como não prestadas, mas deve decorrer de decisão própria, transitada em julgado, e proferida em processo regular que assegure ampla defesa ao interessado (STF – ADI no 6032/DF – Pleno – Rel. Min. Gilmar Mendes – DJe 14-4- 2020). Ademais, o órgão partidário deve devolver todos os recursos provenientes dos referidos fundos que lhe foram repassados.
Órgãos partidários municipais
O art. 32, § 4o, da LPP (incluído pela Lei no 13.831/2019) simplifica a prestação de contas de órgãos partidários municipais que “não hajam movimentado recursos financeiros ou arrecadado bens estimáveis em dinheiro”. Nesse caso, até o dia 30 de abril do ano subsequente, o responsável partidário no município apenas deve apresentar à Justiça declaração da ausência de movimentação de recursos nesse período.
Fundação e instituto
Em que pese sua natureza privada, a fundação e o instituto criados por partido político submetem-se a controle e devem prestar contas dos recursos públicos que lhes forem transferidos.
No tocante às fundações, dispõe o art. 66 do Código Civil que elas devem ser fiscalizadas pelo “Ministério Público do Estado onde situadas”. Por isso, durante algum tempo se entendeu que, ainda que recebam recursos oriundos do Fundo Partidário, não competiria à Justiça Eleitoral fiscalizá-las quanto à sua contabilidade ou regularidade de gestão e aplicação dos recursos públicos recebidos (TSE – PC no 237-06/DF – JSV 22 a 28-5-2020; PC no 246-65/ DF – DJe 49, 12-3-2020, p. 19-20; TSE – PC no 211-08, decisão monocrática do relator, DJe 4-12-2019; PC no 261-34, decisão monocrática do relator, DJe 20-11-2019). Entretanto, essa solução é de todo inadequada, pois transfere ao Ministério Público atividade de controle própria da Justiça Eleitoral. Em julgados mais recentes, o TSE tem reconhecido a prevalência da competência da Justiça Eleitoral, pois, apesar de sua natureza privada, a fundação partidária apresenta “regime jurídico permeado também pelos dispositivos da legislação eleitoral acerca de sua constituição, funcionamento e fiscalização”; de modo que se deve compatibilizar o referido art. 66 do CC com a atribuição própria da Justiça Eleitoral especificamente quanto ao gerenciamento e à fiscalização dos recursos oriundos do Fundo Partidário, sem que um órgão prejudique ou esvazie a atuação do outro e vice-versa: TSE – QO na PC no 192-65/ DF, j. 27-10-2020.
Já o instituto (obviamente, que não tenha natureza de fundação), se receber do partido valores oriundos do Fundo Partidário, deve prestar contas à Justiça Eleitoral. Nesse sentido: TSE – PC no 241-43/DF, j. 27-4-2020.
Tribunal de Contas da União
Embora os partidos políticos (como pessoa jurídica) devam prestar contas perante a Justiça Eleitoral, o Tribunal de Contas da União (TCU) afirma sua competência para instaurar, instruir e julgar tomadas de contas especiais relativas ao uso de recursos públicos por parte dos dirigentes partidários (pessoas físicas). Isso porque a disciplina legal da prestação de contas dos partidos políticos não suprime o poder-dever constitucional atribuído ao TCU pelo art. 71, II, da Lei Maior. A respeito, veja-se o seguinte julgado daquela Corte e Contas:
“[…] 6.3. No mais, vale destacar que o Tribunal de Contas da União possui jurisdição e competência próprias estabelecidas pela Constituição Federal e pela sua Lei Orgânica (Lei 8.443/1992). Dessa forma, a existência de ação civil ou judicial sobre mesma matéria não obsta o exercício do controle externo, dado o princípio da independência das instâncias cível, penal e administrativa.
6.4. Do exposto, conclui-se, portanto, que o fato de o julgamento de contas efetuado pela Justiça Eleitoral ter caráter jurisdicional não tem o condão de vincular ou impedir eventual julgamento de contas feito pelo TCU sobre os gestores do partido político. […]” (TCU – Tomada de Contas Especial – Rec. Recons. Ac. nº 3.638 – 1ª Câmara – Rel. Min. Benjamin Zymler – j. 5-7-2022).
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