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Características da propriedade: a função social e a propriedade plena e limitada

DIREITO IMOBILIÁRIO

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PROPRIEDADE

PROPRIEDADE LIMITADA

PROPRIEDADE PLENA

Luiz Antônio Scavone Júnior

Luiz Antônio Scavone Júnior

27/11/2020

A propriedade apresenta algumas características que são enumeradas de forma uniforme pela doutrina, ou seja, trata-se de um direito:

a) absoluto;

b) exclusivo;

c) perpétuo; e,

d) ilimitado.

A propriedade é um direito absoluto na medida em que o proprietário tem o mais amplo poder jurídico sobre aquilo que é seu. Nela estão insertos todos os atributos dos direitos reais. Se assim o é, a partir dela surgem todos os demais direitos reais, conforme dito alhures.

Como a propriedade é o direito real de usar, gozar, dispor e reivindicar a coisa, todos os outros direitos podem ser extraídos do direito de propriedade, onde se concentram os atributos.

De fato, destacados, passam a configurar outro direito real, como, por exemplo, o usufruto, que é o direito de uso e gozo extraído do direito de propriedade, despido, entretanto, dos atributos da disposição e da reivindicação.

A propriedade possui, também, a característica de ser um direito real exclusivo já que a propriedade de um afasta a propriedade do outro, sendo que uma coisa não comporta dois proprietários por inteiro.

O condomínio não elide a exclusividade.

Essa característica significa que não são admitidas duas pessoas proprietárias, autonomamente e ao mesmo tempo, da inteireza da coisa.

Todavia, o direito de propriedade pode ser exercido em relação a partes ideais – em condomínio – e o direito que recai sobre a coisa é apenas um, não maculando a característica sub exame.

Por exemplo: duas pessoas podem ser proprietárias de um imóvel na proporção de 50% cada. Possível, também, que uma seja proprietária de fração ideal maior que a outra.

A propriedade é considerada, também, um direito perpétuo, o que se afirma em razão de só se extinguir pela vontade do dono ou de disposição legal.

De fato, a propriedade existirá independentemente do seu exercício por quem de direito.

Tornando-se proprietário, o direito do titular só deixará de existir no caso de constituição de uma situação geradora de um benefício a outrem, benefício esse que deve ser entendido como um ato de aquisição.

Por exemplo: se houver uma invasão, e o invasor possuir o imóvel pelo prazo suficiente para usucapi-lo (que varia de acordo com a modalidade), haverá uma situação nova, geradora de um direito que concorre em benefício de outrem, sendo este um ato de aquisição (prescrição aquisitiva).

Não é a inércia do titular, por si só, que leva à perda da propriedade, mas, sim, a inércia associada à ação de um terceiro.

Nem sempre a propriedade é perpétua, o que se afirma na medida da existência da propriedade perpétua e da propriedade resolúvel.

A propriedade perpétua é aquela que não possui termo final e só se extingue caso ocorra uma situação geradora de um benefício a outrem, benefício este que deve ser entendido como um ato aquisitivo, ou então em face da lei.

A propriedade resolúvel, por outro lado, é aquela que se resolve, ou seja, tem um dia certo de término.

Por exemplo, essa data pode ser estabelecida pelas partes no caso da retrovenda, cláusula inserta nos contratos mediante a qual defere-se ao vendedor, em prazo não superior a três anos, direito de readquirir a coisa; entretanto, após o termo a quo sem o exercício da opção, a propriedade passa a ser perpétua.

É o caso também da alienação fiduciária de bem imóvel, regulada pela Lei 9.514/1997, que torna a propriedade do credor resolúvel, ou seja, o credor é proprietário até que o devedor pague a dívida. Com o pagamento, a propriedade do credor se resolve. A alienação fiduciária vem tratada em capítulo específico ao qual remetemos o leitor.

Mas também se diz que a propriedade é um direito real ilimitado porquanto permitiria ao proprietário fazer com a coisa que lhe pertence o que bem entender e o que melhor lhe aprouver.

Veremos que modernamente não é bem assim.

É que a propriedade pode ser plena ou limitada e, demais disso, está pautada pela função social.

Diz-se que é plena quando estiverem concentrados todos os atributos da propriedade (uso, gozo, disposição e reivindicação), ou seja, quando o proprietário enfeixa em suas mãos todas as prerrogativas que constituem o conteúdo do direito.

Será limitada aquela despida de algum ou alguns dos seus atributos ou que sofra limitações a esses atributos.

Supondo, para ilustrar, que o proprietário retire o uso e o gozo (fruição) e transfira-os ao seu filho. Embora continue sendo proprietário, o será de forma limitada (nu-proprietário). Manterá o direito de alienar a coisa e de reivindicá-la de terceiros, e o seu filho terá o usufruto (uso e fruição), que não se extinguirá com a eventual alienação.

O nu-proprietário tem a posse indireta e o usufrutuário, a posse direta. Sendo assim, ao nu-proprietário tanto se admite o interdito possessório em face da posse indireta, quanto a ação reivindicatória em razão de sua propriedade, embora limitada.

Por outro lado, o usufrutuário somente poderá invocar os interditos possessórios além da legítima defesa da posse (com os requisitos do desforço imediato e meios necessários).

Todavia, se decorrer ano e dia, o eventual esbulhador adquire a posse, que passa a ser justa e, nesse caso, só o proprietário poderá ingressar com o interdito (no exemplo, reintegração de posse), sem possibilidade de reintegração liminar, ou então optar pela ação reivindicatória fundamentada na propriedade que mantém, embora limitada.

O caráter ilimitado ou pleno da propriedade decorre, portanto, de suas características, posto que, se o direito é ilimitado, o é porquanto exclusivo, perpétuo e principalmente absoluto.

Antigamente essa característica era bem mais acentuada, de tal sorte que a propriedade era considerada, no direito romano, usque ad inferos e usque ad sidera, ou seja, dos céus às profundezas da terra.

Ocorre que hoje a lei restringe este direito, em tese ilimitado, seja em razão de limitações específicas, seja através da função social da propriedade.

Consideramos que a função social, a par de limitações específicas, tais como as limitações administrativas (servidões, requisições, ocupações e desapropriações) e civis (por exemplo, os direitos reais sobre coisa alheia) hoje, faz parte da construção jurídica do direito de propriedade.

De fato, ao mesmo tempo em que o direito de propriedade é garantido pelo inc. XXII do art. 5º da Constituição Federal, logo em seguida, o inc. XXIII exige que a propriedade atenda a sua função social.

Essa função social, no nosso sistema, não significa socialização da propriedade, o que se afirma na exata medida em que a propriedade está garantida.

O que a Constituição exige, respeitada a ordem econômica, é que o direito de propriedade seja exercido nos limites do interesse econômico e social.

Em outras palavras, aquele que reside em imóvel residencial está atribuindo ao bem o seu destino e, nessa medida, está cumprindo a função social da propriedade. Da mesma forma, aquele que tem uma fazenda produtiva respeita a função social de sua propriedade.

Não respeita, de outro lado, aquele que mantém seu imóvel fechado ou que conserva a terra improdutiva.

Nessa medida, a lei traz alguns mecanismos que impõem sanção àquele que não atribui à propriedade a sua função social.

É o que ocorre com o Estatuto da Cidade, Lei 10.257/2001, que prevê a possibilidade de parcelamento, edificação ou utilização compulsória do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado e, ainda, imposto predial com progressão de alíquota por ano, durante cinco anos, enquanto o solo não for utilizado de acordo com a sua função social, mantendo-se a alíquota máxima fixada enquanto não houver essa destinação (Lei 10.257/2001, arts. 5º a 7º).

No âmbito rural, surge outro mecanismo tributário, o Imposto Territorial Rural.

Assim, a propriedade não produtiva gera mais imposto que uma propriedade produtiva.

Nesse sentido, depois de estabelecer que o Imposto Territorial Rural pertence à União, a Constituição Federal determina a progressividade através de alíquotas destinadas a desestimular a manutenção de terras improdutivas (Constituição Federal, art. 153, § 4º).

Outra vertente da função social da propriedade é a proibição do abuso do direito de forma geral pelo Código Civil:

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifesta­mente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

O Código Civil proíbe, também, especificamente, o abuso do direito de propriedade. Nesse sentido, o art. 1.228, § 2º, do Código Civil:

Art. 1.228, § 2º. São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem.

Para Josserrand:

Os direitos se realizam, não em uma direção qualquer, mas em uma ambiência social, em função de sua missão e na conformidade destes princípios que são, como se disse, subjacentes à legalidade, e constituem, em seu conjunto, um direito natural de conteúdo variável e como uma superlegalidade… é a teoria do abuso de direito que o mantém em seu caminho, e o impede de se afastar dele, conduzindo-o assim num impulso seguro até a finalidade a atingir.

Assim, a lei não permite que uma parte, ao exercer um direito, prejudique a outra, mormente se esse exercício não traz qualquer comodidade ou utilidade, mas, pelo contrário, é animado apenas pela intenção de prejudicar.

Imaginemos duas pessoas vizinhas que são inimigas viscerais.

Imaginemos, também, que uma delas, percebendo que nos finais de semana a outra desenvolve a atividade de balonismo, resolve mandar projetar, aprovar e construir uma torre nos limites de sua propriedade, pagando todas as taxas.

Se essa torre não tem qualquer finalidade, a não ser prejudicar a subida do balão navegável do sítio vizinho, evidentemente que a construção da torre, embora legal, é abusiva.

Nesse caso, o ato é ilícito, o que possibilita ao prejudicado reclamar a demolição da construção, embora regular.

Percebe-se, portanto, que a propriedade é um direito ilimitado em tese.

Todavia, sua concepção, seu âmago, sua alma, hoje, é dotada de configuração diversa daquela de outrora, vez que pautada pela função social da propriedade, que bitola o exercício desse direito, fazendo parte da própria construção jurídica da propriedade.

Sendo assim, não se trata de uma limitação propriamente dita, mas de característica intrínseca da propriedade.

Mas a propriedade experimenta algumas limitações.

De fato, se algum dos atributos da propriedade foi transferido para terceiro, pode surgir um direito real sobre coisa alheia, limitando a propriedade.

É o que acontece com o usufruto.

O usufrutuário tem o direito real sobre coisa alheia de usar e fruir, restando ao proprietário, nessa altura denominado nu-proprietário, apenas o direito de dispor e reivindicar.

As cláusulas de incomunicabilidade, impenhorabilidade e inalienabilidade (Código Civil, arts. 1.848 e 1.911), pactuadas livremente nas doações e somente se houver justa causa sobre os bens da legítima (metade dos bens deixados na sucessão), limitam o exercício pleno da propriedade no que tange ao atributo da disposição.

Mas não são apenas as limitações aos atributos que tornam a propriedade limitada.

Se um imóvel estiver locado e se o locatário tem direito à ação renovatória, que estudaremos no título referente à locação, a propriedade será limitada na medida em que a locação poderá se prorrogar compulsoriamente por tempo indeterminado, independentemente da vontade do locador.

Existem, também, limitações administrativas, como as servidões, o tombamento (patrimônio histórico e cultural), sem contar as normas ambientais de preservação da fauna e flora (bens difusos), além das restrições urbanísticas (zoneamento) e do direito de construir.

Esses casos representam apenas exemplos, destinados a situar algumas limitações ao direito de propriedade.

Com efeito, outras limitações podem ser acrescentadas, tanto insertas na função social quanto nas limitações de caráter especial.

Logo, a característica de direito ilimitado conferida à propriedade não é tão absoluta, uma vez que sempre estarão presentes limitações legais.

Segundo a doutrina, trata-se de evolução do direito, que passa a observar o interesse comum, sobrepondo o direito da coletividade ao mesquinho interesse de um só.

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