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A representação política, de Carlos S. de Barros Júnior

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06/05/2024

SUMÁRIO: Considerações sôbre o sistema representativo de govêrno. Natureza jurídica da representação política. Tentativas para a melhoria do sistema entre nós.

Considerações sobre o sistema representativo de governo

Costuma-se argüir de freqüente o regime democrático representativo, tal como praticado nos Estados Constitucionais modernos, pela má escolha que faz o povo de seus representantes, sobretudo para as assembléias políticas, cuja composição revela em regra a incapacidade popular para a seleção dos melhores.

Em conseqüência, por efeito dessa deficiente seleção, surgem os desmandos dos legisladores, dos políticos incompetentes ou desonestos, em manifesto prejuízo dos interêsses da coletividade.

Eis a grave acusação que se faz ao regime democrático moderno, baseado no sufrágio universal.

Da errada escolha de seus integrantes, advém a nocividade da ação dos parlamentos que, ao invés de concorrerem para o bom govêrno da coisa pública, surgem como peça governamental de entrave, onerosa, prejudicial à efetiva realização da prosperidade pública.

Numa palavra, a idéia de seleção para o exercício do govêrno verificou-se falha na prática, quando entregue direta e indiscriminadamente ao povo. Daí – conclui-se – a falência da própria democracia, tal como preconizada pelo Direito Constitucional moderno.

A crítica, o impressionante argumento, afigura-se-nos tênue de importância e atualidade, principalmente para nós.

Pouco faz, retomamos a senda democrática. Estamos verificando, pelo menos de comêço, proceder a censura, muito deixando a desejar o nível intelectual, mas sobretudo moral, dos colégios parlamentares.

Será isso conseqüência da incapacidade popular para uma escolha avisada, prudente, criteriosa ?

Antes de versarmos êste ponto, fixemos, para esclarecimento nosso, o que seja o regime democrático representativo e, especialmente, em que consiste juridicamente a representação política, o vínculo que se estabelece entre o eleitor e o eleito para os corpos legislativos.

Denomina-se sistema representativo o govêrno do povo por intermédia de representantes. É uma modalidade do regime democrático, que decorre da natureza das coisas, da impossibilidade, sobretudo nos grandes Estados modernos, do govêrno direto.

Ante a impossibilidade do exercício do govêrno pelo povo, não só num sentido físico ou material, mas também no que diz respeito à capacidade e preparo intelectual suficiente para êsse fim, deve o mesmo povo, pela forma que fôr julgada mais satisfatória a um pronunciamento esclarecido, eleger pessoas que estejam habilitadas para exercer essa elevada função.

Selecionam-se, destarte, certas pessoas, julgadas mais capazes, para o encargo temporário de cuidar dos negócios do govêrno.

Tal a essência política do sistema representativo, de que é instituto principal a representação.

Sob um aspecto geral, há representação – afirma DUGUIT – sempre que as manifestações de uma vontade são consideradas como tendo o mesmo valor e efeitos das que emanam de outra vontade. Nas relações políticas modernas, assim se expressa a idéia de representação: as manifestações de vontade de certos indivíduos ou grupos de indivíduos são havidas como tendo a fôrça e eficácia que teriam se emanadas diretamente do povo, dos cidadãos.

O povo é soberano. Mas, impossível, nos grandes Estados, que se governe por si mesmo. Os representantes são como se fôra a vontade do povo, a vontade nacional.

Como se há de conceituar, porém, a representação, o nexo entre o eleito e o eleitor? Qual a extensão de poder do representante popular?

Concepções várias têm sido, a respeito suscitadas.

A primeira considera a relação entre eleitor e eleito igual à de mandante para mandatário, havendo-a como categoria do direito privado. Representa o eleito os que o elegeram, adstrito às obrigações que incumbem a um procurador. Não pode, por exemplo, o deputado tomar iniciativas próprias, cumprindo-lhe agir segundo instruções recebidas de seus eleitores. É a teoria do mandato imperativo.

Os deputados do povo – escreveu ROUSSEAU – não podem ser seus representantes: são sòmente seus comissários.1 Seus comissários, isto é, puros mandatários, colocados sob dependência de seus comitentes, que são os cidadãos, e subordinados à vontade popular, detentora da soberania inalienável.

Segundo a doutrina do mandato imperativo, ensina DUGUIT, cada cidadão é titular de uma cota-parte da soberania, e exerce seu direito através do voto, designando, um deputado. Recebe, destarte, o deputado o seu poder dos que o designaram. Como não se torna cessionário desta soberania, que permanece com a pessoa dos eleitores, êle é apenas mandatário dêles. Não é mandatário da nação inteira, o que seria mera ficção, é mandatário da circunscrição, isto é, do grupo de cidadãos que o elegeu.2 Como tal está o eleito vinculado às instruções recebidas, obrigado a votar segundo orientação anteriormente estabelecida; em caso contrário, poderá incorrer até na cassação do mandato, o que poderia efetivar-se, por exemplo, com a entrega do pedido de renúncia prévia ao partido que pertença o eleito.

Esta concepção, cuja origem remonta França do ancien régime, dos Estados Gerais, foi propugnada na Assembléia Nacional de 1789, por PÉTION. Não logrou todavia aceitação no direito público francês, no qual, desde a Revolução, se acolheu o sistema do mandato representativo, nacional ou livre.

Na França, de 1789 a 1791, formou-se uma teoria jurídica da representação política, que é ainda a do nosso direito público, assevera DUGUIT.

E o sistema que foi adotado, pelo geral, nos regimes constitucionais modernos – a teoria do mandato representativo.

Substituiu-se o mandato parcial pelo da Nação inteira, pelo voto da Nação, que é a titular da soberania.

Para exercer o govêrno, não recebe o deputado poderes de colégios eleitorais ou de parte da opinião pública – recebe-os da Nação, a quem passa a representar.

É a doutrina de SIEYÈS, que suplantou, na Revolução, o pensamento de PÉTION.

“O mandato representativo ou nacional diz-se livre (freies)” – ensina PINTO FERREIRA – “porque o deputado ou senador, na qualidade de representante de tôda a comunidade nacional, não permanece jungido à circunscrição eleitoral, que o nomeou, e pode decidir livremente, sem instruções dadas de antemão pelos seus eleitores, as grandes questões nacionais”.3

Há, por assim dizer, no sistema do mandato representativo, um mandato total da Nação aos deputados, como membros integrantes do Parlamento, cuja vontade se considera como se fôra a da Nação. O eleito fica, pela representação que recebe, com o direito de querer pelo povo, não adstrito a precisas instruções anteriormente recebidas. Fica sujeito apenas a uma ampla fiscalização do povo, quanto ao modo pelo qual exerce as suas funções. E, através das eleições, que se devem realizar em períodos relativamente próximos, manifestara o povo o juízo que fêz de executor de sua vontade soberana. É a sanção política.

Não deriva a representação, segundo o sistema, apenas da impossibilidade de reunir o povo, para o exercício do govêrno direto, mas, antes de tudo, da consideração de que não possui o povo, em grau suficiente, a capacidade e prudência necessárias para discernir as medidas de interêsse geral, sobretudo no que diz respeito ao govêrno dos grandes Estados modernos.

Daí envolver a representação um processo de seleção, para a escolha dos mais aptos ao exercício do govêrno.

É o povo capaz de escolher – afirma-se – mas não de resolver os assuntos de interêsse coletivo. Daí se segue que os representantes se não obrigam a obedecer, mediante instruções prévias, às ordens populares, mas cabe-lhes governar, adotando as medicas que lhes pareçam mais convenientes, exercendo, com independência, em face de seus eleitores, as funções que lhes foram cometidas.

Não são comissários do povo. Não se submetem a instruções preestabelecidas. São apenas eleitos do povo, que lhes expressa, através da escolha, a sua confiança.

São representantes da Nação, como um corpo, unificado, para querer por ela.

Superada que foi a concepção do mandato imperativo, cuja origem, como vimos, era feudal, e que é incompatível com os princípios modernos de Estado e soberania nacional, controvérsias subsistem entre teorias mais modernas, sobretudo entre os partidários, de um lado, do mandato representativo, de outro, da chamada teoria orgânica.

De qualquer modo, a idéia de que a representação é atribuída a cada eleito, pela Nação inteira, pelo povo, exclui a noção do mandato imperativo. É o que está expresso na Constituição francesa de 1791 – os representantes designados nos departamentos não são representantes de um departamento particular, mas da Nação inteira.4

Para CARRE DE MALBERG, no sistema representativo de Revolução, a idéia de representação se opõe à de mandato, a exclui e é incompatível com ela.5

Na realidade, o que subsiste é a idéia de mandato política, mandato atribuído pela Nação, una e indivisível, a uma assembléia.

É o pensamento de RUI: o mandato é nacional, conferido pela Nação, que elege os membros do Congresso.

Natureza jurídica da representação política

Cabe advertir, porém, que a representação política não se confunde com os processos comuns da representação jurídica, daí devendo ter-se originado o debate entre os que pensam constituir essa representação um mandato e os que lhe negam essa natureza jurídica.

No Direito Público, a representação é apenas um fenômeno histórico-social e jurídico, através do qual a coletividade, o povo, como se costuma dizer na linguagem política, se organiza para o exercício do govêrno. E sob êste aspecto, a teoria da representação e a orgânica se aproximam, se considerarmos que o órgão, afinal de contas, está incumbido de exteriorizar a vontade coletiva.

Por isso, o processo mais perfeito do regime representativo é aquêle em que se alcance, afastada a idéia do mandato imperativo, fazer coincidir, ao máximo, a vontade da coletividade e dos órgãos de representação em que ela se manifesta. Isto porque, consoante asseverou JELLINEK, com sua reconhecida autoridade, existe uma relação de fato entre o Parlamento e a Nação, cabendo ao jurista precisar a sua fórmula jurídica.

Quando se afirma, portanto, que o poder emana do povo e é exercido em seu nome, salienta-se princípio incontestável do moderno Direito Público, e que encontra uma substrutura política real nas relações entre os eleitos e o eleitorado. E aqui intervém a idéia fundamental da moderna representação, como processo, sobretudo de seleção, decorrência do mandato representativo.

Nas grandes democracias modernas, a representação ou delegação não é só conseqüência da impossibilidade material de participar o povo diretamente no govêrno, mas também e principalmente da verificação de que o povo, de um modo geral, não possui a capacidade para tomar com acêrto as medidas que sejam exigidas pelo interêsse da Nação.

É o pensamento de MONTESQUIEU expresso no “Espírito das Leis” – o povo não é apto para governar, se bem que seja admirável para escolher.

Deixemos esta segunda asserção para examina-la mais de espaço e observemos que, para o conspícuo autor, a principal função do povo, no govêrno, é eleger os seus representantes.

O que caracteriza o regime representativo, na sua real substância, é constituir a sua opinião com as tendências básicas do eleitorado, que êles simbolizam.

O que existe, pois, é uma relativa dependência dos eleitos, em face do povo, sujeitos que ficam à sua fiscalização e adstritos ao dever de manter-se em contato com êle.

É a lição acertada de MARITAIN: o princípio democrático não pede sòmente que os detentores da autoridade sejam designados pelo povo, requer também que êles governem em comunhão com o povo. Por isso, deve a opinião pública estar constantemente atenta quanto às questões que interessam à vida da Nação, cabendo, por sua vez, aos detentores da autoridade manter contato pertinente com essa opinião.

Aludindo a essa relação e influência, que qualifica de “existente avec le peuple“, exercício do govêrno, não entende devam os representantes seguir passivamente a opinião pública ou ser apenas instrumento dos que o elegeram. O eleito é realmente detentor da autoridade durante o tempo que dura o seu encargo. Não poderia, por exemplo, dotar uma atitude contrária à sua consciência, para se conformar com uma orientação da opinião pública que considerasse nociva à justiça ou ao bem comum.

Mas, se par vêzes deve lutar mesmo entra a opinião pública e contra tendências prevalecentes em certo momento entre os que o elegeram deve fazê-lo, mantendo, todavia, mais do que nunca, contato com êles, procurando informá-los, esclarecê-los, convencê-los.

Em regra, portanto, deve o representante procurar conformar seus atos, quanto possível, com a opinião pública, dela se apartando apenas quando a consciência lhe ditar que outro é o sentido do bem comum. Quando assim o fizer, porém, deve prestar contas de sua atitude, através de um contato ainda maior com o povo, com os seus eleitores, dêles não se afastando, mas procurar dar-lhes a razão da orientação discordante.

É a opinião de MARITAIN, que fazemos também nossa, e que se enquadra, segundo pensamos, na concepção do mandato representativo.

Disserta o eminente DUGUIT, expondo a teoria: da afirmação de que não está o deputado vinculado a instruções prévias que lhe teriam outorgado seus eleitores, não se deve concluir que possa decidir arbitràriamente em nome do povo. E RUI, a propósito: “Dever é, portanto, do mandatário responder ao mandante pela maneira como cumprir o mandato. Dever é, logo, do membro do Congresso Nacional, responder à Nação pelo modo como exerce as funções legislativas”.

E as contas lhe serão tomadas, principalmente por ocasião das eleições, nas quais o eleitor, a Nação, renova ou retira a sua confiança.

Indiscutível, assim, a relativa dependência do eleito com relação ao pensamento popular, o que se procura por vêzes assegurar, através de instituições complementares, como sejam, o referendum, a dissolução das assembléias, etc.

Exerce o povo, destarte, permanente fiscalização sôbre os atos de seus representantes. Donde observar DUGUIT a prática universalmente seguida, de que o voto dos deputados, nas deliberações que lhes cabe tomar, deve ser, em regra, público, a fim de que os eleitores possam acompanhar-lhes a ação e julgar-lhes o procedimento.

Vemos assim, que, no sistema representativo, deve ser permanente o equilíbrio da vontade popular e da vontade do Parlamento, o que propicia maior harmonia no exercício do govêrno.

Deve, porém, o deputado, ter vontade própria, podendo, conforme o caso, tomar até orientação contrária ao sentimento popular, se isso lhe fôr ditado pela sua consciência cívica. Nunca, porém, perder o contato com o povo.

Nos casos de divergência ou desequilíbrio entre a vontade do povo e de seu representante, a harmonia se restabelece, não só por ocasião das eleições, como através de instituições a que já fizemos referência, as quais possibilitam averiguar as reais tendências da Nação (plebiscito, referendum, etc.).

Nesta conformidade a lição do erudito Prof. PINTO FERREIRA: … os “deputados devem ser considerados como representantes da Nação…” “Entre os representantes do povo e a própria Nação, ou seja entre os governantes e os governados, existe um equilíbrio político, objetivo e concreto, precisando-se contudo consignar o fato de que, tal qual comprova o moderno pensamento científico… tais relações de interdependência são de natureza probabilitária, traduzindo-se numa relativa “margem de aproximação”.6

Remata o ilustrado autor o seu estudo sôbre a essência do sistema representativo, esclarecendo que, no direito político, não existe uma representação jusprivatista, mas uma representação de unidade total, visando a um equilíbrio entre governantes e governados, com direitos e deveres recíprocos, para o atendimento dos interêsses da Nação.

Êste regime de govêrno, exposto assim em largos traços, é o adotado entre nós. Expresso, nesse sentido, o art. 1º da nossa Constituição.

Observamos, de início, que o ponto vulnerável do sistema, contra o qual arremete uma opinião de certo modo generalizada, é a incapacidade de discernir, revelada pelo povo, na escolha dos que devem governar, é a má seleção que o povo faz de seus representantes, e, conseqüentemente, a incapacidade e inidoneidade dêstes, de um modo geral.

Releva, pois, que examinemos o fato essencial – o povo se mostra pouco ou mal habilitado para a escolha dos que deverão governar.

Não significará isso a falência do próprio sistema, dado ser, axioma político, que os melhores, por sua capacidade intelectual e valor moral, é que devem governar o Estado? O poder que emana do povo não deve efetivar-se pela representação dos mais aptos?

Asseverou MONTESQUIEU ser o povo incapaz de exercer o govêrno, consideração que firma um dos pressupostos do sistema representativo. Disse, porém, que o mesmo povo era admirável para escolher a quem confiar o exercício do poder, observação otimista, não corroborada, de todo, pela experiência.

A êsse respeito, nossa é a ponderação, no sentido de que algo há de estar errado, para que o citado MONTESQUIEU se veja, assim, desmentido pelos fatos.

Talvez os processos utilizados para a manifestação da vontade popular não sejam os mais apropriados ao nosso meio.

Não estará a deficiência ou defeito do nosso regime, entre outros, no processo indiscriminado e amplo da atribuição da qualidade de eleitor, numa palavra, no regime de eleições pelo sufrágio universal? Não estará êsse processo eleitoral em desacôrdo, com a nossa realidade social, de povo sem a necessária educação democrática?

É o problema, sem dúvida, complexo, envolvendo a consideração de uma série de fatôres, alguns novos, por certo, e que vieram alterar os dados sôbre os quais ajuizaram até aqui os estudiosos da Política.

De um modo geral, vem o nosso povo escolhendo erradamente aquêles a quem confia os postos de direção política. Eis o fato que nos parece incontestável.

Se o govêrno deve caber aos melhores, impõe-se um reexame do processo de escolha, para verificar se dentro do sistema democrático – indiscutivelmente a forma ideal de organização política – é possível atalhar o desvirtuamento da seleção às avessas.

Não temos povo politicamente esclarecido. Atrasado como é, sob êsse aspecto, – devemos com resignação admitir essa verdade, observa OLIVEIRA VIANA, – não estaria capacitado para o exercício do sufrágio universal.

Mas, perguntamos: não adviriam as erradas conseqüências atuais do fato de que o sufrágio amplo requer prática e educação política, o que só com o decurso do tempo se logra alcançar?

Há os que pensam, aliás, que, só aparentemente, o povo escolhe mal. Na verdade, teria êle a intuição da escolha.

É o pensar, por exemplo, do insigne professor BISCARETTI DI RUFFIA: “… ocorre avere una notevole fiducia nel buon senso delle masse, nel semplice, ma canto e quasi sempre esatto, giudizio dell’ uomo della strada! Il governo representativo, per la sua indole intrinseca, non puó non essere attualmente popolare, nel pieno senso dell’espressione, ed il popolo, d’i massima, anche si non ancora pienamente educato all’autogoverno, é presumibile che dopo i primi inevitabili sbondamentì comprenderà la lezione progressivamente fornita dai sui stessi errori e finirà per riuscire a identificare le persone migliori e politicamente pite idonee“…7

Pode ser que seja assim. Nesta ordem de pesquisas, devem as soluções ser fruto mais da experiência do que de especulação.

Todavia, mesmo assim, admitindo em princípio que a solução ideal e definitiva seja realmente o sufrágio universal, que melhoraria nos seus resultados com a experiência dos processos democráticos, haveria inconveniente em tentar, desde já se possível, algum aperfeiçoamento no processo de seleção, para vigorar pelo menos durante esta fase de infância democrática, para evitar os males desta nossa inexperiência?

Selecionando-se o próprio corpo eleitoral, talvez fôsse possível alcançar, desde logo e sem desvirtuar a via democrática, uma mais acertada escolha dos governantes.

Consistiria a experiência em substituir o sufrágio universal por um sistema de representação mais apropriado ao nosso estágio de desenvolvimento cultural, e que permitisse de pronto uma aproximação maior ao ideal de ser o govêrno exercido pelos melhores, pelo seu valor moral e capacidade intelectual.

A duas soluções podemos chegar, por conseguinte, em faca da realidade que temos diante de nós. Ou insistimos na prática do sistema vigente – com tôdas as suas imperfeições – por entendermos que o sufrágio universal requer apenas prática e educação, para que através dêle se consiga um estágio de razoável perfeição, o que só o tempo torna viável; ou propugnamos, ainda que em caráter provisório, um sistema de representação diverso do atual.

Vejamos esta possibilidade.

Não se trataria, pois, de afastar o sistema representativo, mas de reexaminar o processo eleitoral. Ou, mais pròpriamente: os critérios ou condições para que se organize um corpo eleitoral habilitado a escolher com prudência e discernimento.

Êste o grande problema: como constituir o eleitorado, a que condições atender, para que se logre obter do povo um pronunciamento esclarecido.

Vamos inverter a alternativa que deixamos pasta, para examinar, primeiro, a segunda solução aventada – a seleção do eleitorado.

Em certa medida, seleção já se faz no próprio sufrágio universal, quando se excluem, por exemplo, os analfabetos e outros da função do voto.

Tentativas para a melhoria do sistema entre nós

Tratar-se-ia, portanto, de prosseguir no caminho da melhoria do corpo eleitoral, no intento de obter participação mais esclarecida e consciente do povo, na vida política. De outra parte, considerar a nossa diversidade cultural, conseqüente à grande extensão e diferenciação do nosso território.

Aceitaríamos, assim, para exame dêste aspecto da alternativa, a asserção de OLIVEIRA VIANA, de que o nosso povo não se encontra ainda preparado para uma generalização tão ampla do sufrágio universal, como temos entre nós.

Nesse intento, teria a reforma eleitoral que colimar dois objetivos – corpo eleitoral mais capaz e pluralidade de sistemas eleitorais, tendo em consideração, neste segundo ponto, o nosso meio, de coexistência de ambientes culturais diversos.

Quanto ao primeiro, no tocante ao exercício do voto, temos que examinar a possibilidade de adoção, ainda que provisória, de processo, diverso do atual.

Convém, não olvidar que estamos versando apenas a segunda solução da alternativa, há pouco esboçada.

Nesta ordem de idéias, o aperfeiçoamento na escolha dos governantes terá que ser considerado através da modificação ou alteração do processo de eleger.

Seriam de estabelecer-se, por exemplo, condições mais severas para a constituição do corpo eleitoral, maiores exigências para o exercício da função eleitoral.

O primeiro passo a dar, conseguintemente, seria a reorganização do corpo de eleitores.

Processo que poderia ser examinado, a êste propósito – tendo em conta a diversidade de graus de cultura, entre nós, as nossas condições de povo ainda não suficientemente educado para a prática da democracia – é o denominado voto plural.

Consiste em dar aos cidadãos uma participação diversa na escolha dos governantes, considerados critérios vários, em conexão com a capacidade maior ou menor de discernimento, responsabilidade na vida social, noção da importância do ato de votar. Segundo o sistema, conferem-se mais de um voto ou votes suplementares a certos eleitores, enquanto outros só têm direito a um.

Desde que a atribuição do voto plural se baseie na exigência de qualidades ou condições que todos possam adquirir, é sistema perfeitamente compatível com a democracia.

Poderíamos admitir, até certo ponto, com OLIVEIRA VIANA, que o inconveniente do sufrágio universal, entre nós, não está no fato de ser analfabeta grande parte da nossa população. O defeito maior estaria na própria ausência de senso político e capacidade democrática, o que alcança, em certa medida, as nossas próprias elites.

Temos que partir, todavia, de uma presunção indiscutivelmente razoável, a de que, de um modo geral, entre os alfabetizados é maior a proporção dos que se acham em condições de exercer com mais possibilidade de acêrto o direito de votar. Excluídos do processo permaneceriam, pois os analfabetos.

Concedido o direito de um voto a cada eleitor que saiba ler e escrever, e tenha completado certa idade, em duas fontes poderiam ser encontrados os que teriam direito a voto suplementar.

A capacidade intelectual e cívica seria das mais importantes condições para a outorga.

Assim, por exemplo, disporiam de votos suplementares os eleitores que tivessem curso secundário ou superior, os que tivessem completado cursos de grau equivalente, e outros, a quem, por diverso fundamento, se julgasse dever atribuí-los.

Poderia o govêrno incumbir-se de cursos cívicos de preparação de eleitores, nas cidades e nos campos, de fácil acesso e apropriadamente organizados, cujo término viria conferir aos habilitados votos suplementares.

Com idêntico objetivo, constituir-se-iam também bancos e comissões, perante as quais se realizariam provas de habilitação.

Em linhas muito sumárias, tal o sistema do voto plural.

Embora menos democrático, porque restritivo da participação popular, seria ideal êste sistema, sob um aspecto teórico.

Na prática, sôbre ser de difícil regulação, ensejaria, nas condições atuais da vida política, um inconveniente capital, de que poderia advir o seu total desvirtuamento.

Estaria o seu ponto frágil, na possibilidade da infiltração metódica dos adeptos de ideologias antidemocráticas de qualquer matiz, através da realização dos cursos e prestação das provas referidas, e não vemos como se poderia obviar êsse mal.

Afastado, assim, pelos inconvenientes apontados, em voto que poderíamos denominar de qualidade, restaria examinar, como aspecto do tema em aprêço, a vantagem do que denomina OLIVEIRA VIANA – pluralidade de sistemas eleitorais.

Devemos entender, por essa locução, que os processos de eleger poderão diferir segundo as ordens político-administrativas para as quais se escolhem os dirigentes.

É usual afirmar-se, por exemplo, que o voto realmente democrático e consciente é o manifestado na esfera municipal. Daí a necessidade de que a representação política no, município tenha a sua origem.

No âmbito municipal, pois, o sufrágio direto seria o processo acertado. Nas outras esferas ou camadas, eleições por sufrágio indireto, por colégios eleitorais, orientando-se a disciplina do processo num sentido mais pragmatista, no intuito de atender às exigências da prática e da realidade político-social.

Diante dos fatos que a pesquisa feita nos revelam, chegada assim a esta altura das considerações a que nos propusemos, só nos resta voltar à primeira opção da alternativa que deixamos posta.

Em face das atuais contingências, que, possibilitam o dirigismo da opinião publica, ocorreria, como vimos, o desvirtuamento do voto de seleção.

De sorte que, para nós, a solução o grave problema da representação política, no Brasil, tem que ser buscado na prática do regime, tal como vigente, com todos os seus atuais defeitos, pois que nos debates de opinião, próprios da vida democrática, é que se apurariam, com o decurso do tempo, o civismo e a educação necessários para a vida pública.

De qualquer forma, porém, ainda que se conclua pela impossibilidade de um processo técnico de seleção do eleitorado, o fato incontestável aí está – o povo, através do sufrágio universal, não parece escolher com acêrto.

Entretanto, o remédio se nos afigura um só, em face das circunstâncias inculcadas – a educação do eleitor, a instrução do povo para a vida cívica, sua preparação para a vida democrática. Esta a missão que deve caber aos, partidos políticos, que não, pretendam subsistir como simples ajuntamentos para a conquista do poder – a educação política do povo.

Há tôda uma obra de moral política a ser realizada, entre nós, cujos prenúncios já nos é permitido entrever.

É preciso, apenas, que os partidos mostrem dignos dêsse necessário movimento de opinião, colaborando decisiva e permanentemente para uma política baseada em princípios morais e conduzida no interêsse do bem comum.

Urge a formação de uma consciência coletiva, forjada através de continuada pregação política, de que decorre seja o problema de representação, tal como aconselha o ínclito BIELSA, equacionado em têrmos de educação cívica do eleitor idoneidade e capacidade do elegido.

Nesse pressuposto deverá dispor Lei Eleitoral, procurando concorrer para que aos partidos se cometa essa nobre e elevada missão.

Necessário é que os partidos sugiram à representação política homens efetivamente imbuídos do sentimento do bem público – homens que não reclamem outra vantagem ou paga senão a de servir ao seu País.

Fiéis aos seus programas, que tal a exata e correta condição da disciplina partidária, deverão os partidos converter-se em verdadeiras escolas de educação política, permanecendo em diuturno contato com o povo e seus problemas, e não só dêles cogitar na oportunidade de eleições.

Deverá a Lei Eleitoral – cuja revisão instantemente reclamada – impor, nesse sentido, obrigações aos partidos, bem como estabelecer normas que permitam fiscalizar-lhes a atuação.

Deverão ser postos à disposição das agremiações partidárias, mediante equânime regulamentação, os meios de publicidade e difusão com que possa contar o Poder Público.

É claro que, de par com essas providências, faz-se mister rever o processo eleitoral pròpriamente dito, estabelecendo a lei condições acauteladoras da fraude e da corrução, especialmente esta, tão favorecida pelo sistema vigente. Reexaminar a questão do processo majoritário ou proporcional, indo à reforma constitucional se aquêle se revelar mais adequado a condicionar a melhoria propugnada.

Na sua incessante pregação cívica, procuram os partidos incutir no povo a vocação do zêlo pela coisa pública. Só mesmo povo se poderá dar a consciência cívica, hoje inexistente, que, a par da correta orientação partidária, concorrerá para elevar o nível moral das lutas democráticas. E só assim poderá cessar a total desesperança do povo, desiludido dos homens que nos governam, que passará a se interessar pela finalidade dos partidos, e nêles, e nos homens capazes e idôneos que os representarem, poderá repousar a sua confiança.

Para isso, preciso é que todos se disponham a prestar o seu concurso, a cumprir o dever patriótico e imperioso que os reclama, participando da vida política, nas correntes de opinião de sua preferência.

Só através de ação permanente de homens bem intencionados e dotados de espírito de luta, será talvez possível afastar da vida política os carecentes de espírito público, com o que se ensejará a viabilidade de programas de ação político-social, que possam fazer da política o que ela realmente é – ciência e arte a serviço do bem comum.

Carlos S. de Barros Júnior, advogado, em São Paulo.

______________________

Notas:

1 “O Contrato Social”, liv. III, cap. XV.

2 “Traité de Droit Constitutionnel”, vol. 2º, 1928, pág. 654.

3 “Princípios Gerais do Direito Constitucional Moderno”, 2ª ed., 1951, tomo I, pág. 265.

4 Tít. III, cap. I, seção 3, art. 7º.

5 “Teoria General del Estado”, México, 1948, págs. 925 e 955.

6 Ob. cit., 1º vol., págs.279-280.

7 “Diritto Costituzionale” (“Lo Stato Democrático Moderno”) 1º vol., Nápoles, 1949, pág. 306.

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Os textos serão avaliados previamente pela Comissão Editorial da Revista Forense, que verificará a compatibilidade do conteúdo com a proposta da publicação, bem como a adequação quanto às normas técnicas para a formatação do trabalho. Os artigos que não estiverem de acordo com o regulamento serão devolvidos, com possibilidade de reapresentação nas próximas edições.

Os artigos aprovados na primeira etapa serão apreciados pelos membros da Equipe Editorial da Revista Forense, com sistema de avaliação Double Blind Peer Review, preservando a identidade de autores e avaliadores e garantindo a impessoalidade e o rigor científico necessários para a avaliação de um artigo.

Os membros da Equipe Editorial opinarão pela aceitação, com ou sem ressalvas, ou rejeição do artigo e observarão os seguintes critérios:

  1. adequação à linha editorial;
  2. contribuição do trabalho para o conhecimento científico;
  3. qualidade da abordagem;
  4. qualidade do texto;
  5. qualidade da pesquisa;
  6. consistência dos resultados e conclusões apresentadas no artigo;
  7. caráter inovador do artigo científico apresentado.

Observações gerais:

  1. A Revista Forense se reserva o direito de efetuar, nos originais, alterações de ordem normativa, ortográfica e gramatical, com vistas a manter o padrão culto da língua, respeitando, porém, o estilo dos autores.
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