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A liberdade do réu, nos processos de competência do Tribunal do Júri, de João Claudino de Oliveira e Cruz

Revista Forense
12/08/2025
O juiz, ao interpretar a lei, não deve divorciá-la de seu conteúdo humano.
Cumpre-lhe abrandar a rigidez de um texto que, em conflito com disposições de maior relevância, atinge e fere a liberdade individual.
SUMÁRIO: 1.° caso: absolvição liminar; 2.º caso: impronúncia; 3.° caso: desclassificação, pelo Júri.
No ensejo das comemorações da Semana do Júri, nesta Capital, estando eu na presidência do 1.º Tribunal, do Júri, em substituição ao seu ilustre titular, que se acha licenciado, coube-me a honra de tomar parte ativa nos trabalhos realizados é a se realizarem.
Importantes temas foram escolhidos para serem abordados por juristas de escol. Modestamente, deliberei oferecer a minha contribuição efetiva, com a alguma experiência que me conferiu o exercício da magistratura nos dois Tribunais do Júri desta capital, quer como juiz-sumariante, quer como juiz-presidente; substituindo os seus dignos titulares, por diversas vêzes, inclusive quando só havia um único Tribunal.
Entre os problemas que estão na ordem do dia, parece-me de grande relevância o que diz respeito à libertação do réu, nos casos que mencionarei, especialmente pela divergência que, a respeito, vêm demonstrando eminentes magistrados e doutos juristas, na interpretação da lei.
Maior importância ressalta do tema, quando se verifica que a diversidade de entendimentos, dos Tribunais e dos estudiosos, tem reflexo imediato na própria liberdade do réu. Daí a escolha do assunto, ousando eu opor a minha modesta opinião aos que entendem de outro modo, mas tão-sòmente com o alto intuito de tornar mais ampla a discussão e o exame do problema.
Nos processos de competência do Tribunal do Júri, há dúvida sôbre se o réu deve ser libertado, em três casos, que são: 1.°) o de absolvição liminar; 2.º) o de impronúncia; 3.°) o de desclassificação, pelo Júri.
1.º CASO: Absolvição liminar
Como se sabe, o juiz, ao absolver liminarmente o réu, quando se convencer da existência de circunstância que exclua o crime, deverá recorrer de ofício. Tal recurso tem efeito suspensivo, como preceitua o art. 411 do Cód. de Proc. Penal.
Ainda, segundo o art. 596 do mesmo diploma processual:
“A apelação de sentença absolutória não impedirá que o réu seja pôsto imediatamente em liberdade, salvo nós processos por crime a que a lei comine pena de reclusão, no máximo, por tempo igual ou superior a oito anos”.
Pretende-se que, em face de tais disposições, fundamentalmente em razão do efeito suspensivo que o art. 411 confere ao recurso de ofício da decisão absolutória, não pode o juiz determinar a soltura do réu prêso, absolvido liminarmente.
No entanto, o sentido da lei é bem outro, expresso, em disposições que firmam um princípio de ordem geral, de significação mais profunda, de orientação mais jurídica.
Segundo o art. 581, VI, do Cód. de Processo, cabe recurso em sentido estrito da decisão que absolve o réu, nos casos do art. 411. O caso não é de apelação. Por outro lado, o art. 584 dispõe sôbre as hipóteses em que tal recurso tem efeito suspensivo, não se referindo à da absolvição liminar. Portanto, os que defendem a proibição da soltura do réu, absolvido liminarmente, se fundam, exclusivamente, na referência ao efeito suspensivo feita pelo art. 411, ao tratar do recurso de ofício.
Se se atentar, porém, ao sistema do Código, verifica-se que essa referência ao efeito suspensivo do recurso da decisão absolutória não pode ser tomada ao pé da letra, constituindo mais um êrro de técnica do legislador, pois que contraria de frente o princípio basilar construído pelos arts. 310 e 314.
Com efeito, em nenhuma hipótese deve o réu ficar prêso, ou ser prêso, se praticou o fato nas condições do art. 19, ns. I, II ou III, simplesmente porque, em tais circunstâncias, não há crime a punir (art. 19 do Cód. Penal). Se houve prisão em flagrante, poderá o juiz conceder ao réu liberdade provisória, mediante têrmo de comparecimento a todos os atos do processo, sob pena de revogação (art. 310). Se não houve prisão em flagrante, não deverá ser decretada a prisão preventiva, em nenhum caso, se o juiz verificar pelas provas constantes dos autos ter o agente praticado o fato naquelas mesmas condições (art. 314).
Assim, quer na hipótese de prisão em flagrante, quer na hipótese de prisão preventiva, não deseja o legislador que o réu permaneça prêso, ou seja prêso, se cometeu o fato em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.
Tal é o sistema, a orientação do Código, no sentido de evitar a punição das pessoas em favor das quais milite a presunção de que tenham agido lìcitamente.
A matéria tem sido abordada no Supremo Tribunal Federal. No recurso de habeas corpus n.º 28.806 (“Diário da Justiça”, 15-3-1955, apenso, págs. 1.362-1.364, apud ESPÍNOLA FILHO, “Código de Processo Penal Brasileiro”, IV, 3.ª ed., página 290), o mais alto pretório concedeu a medida para determinar a soltura de réu prêso preventivamente, em virtude de haver sido absolvido liminarmente. A ordem foi concedida pelos votos dos ministros FILADELFO AZEVEDO (relator designado), OROZIMBO NONATO, ANÍBAL FREIRE, BARROS BARRETO, LINHARES e LAUDO DE CAMARGO. Votaram contra os ministros: CASTRO NUNES, relator, GOULART DE OLIVEIRA, VALDEMAR FALCÃO e BENTO DE FARIA. Nessa oportunidade, o eminente ministro OROZIMBO NONATO, que ainda integra a colenda Côrte, referindo-se ao art. 314 do Cód. de Proc. Penal, acentuou: “não seria justo que alguém com tôdas as aparências de ter, procedido em legítima defesa, ficasse prêso enquanto aguarda o veredicto derradeiro. O juiz não se quis deixar levar dêsse primeiro exame. Decretou a prisão preventiva. Mas, estudo mais de assento e sobremão do caso, levou-o à convicção da ocorrência da legítima defesa, em face não da primeira prova, mas de tôdas as provas. E, assim, fêz que cessasse a prisão preventiva. Da sentença que concluiu pela legítima defesa houve recurso, com efeito suspensivo, ou não. Não importa. O recurso diz respeito à absolvição ou condenação do réu, mas a convicção do juiz quanto à existência da legítima defesa tornou impraticável, legalmente, a permanência da prisão preventiva. Entendo que ocorrência da legítima defesa pode ser verificada antes ou depois da prisão preventiva. E se ocorre, depois, aliás forçosamente mais completo, não pode deixar de ter como efeito o que a lei lhe assinala no que tange à prisão preventiva. Nestes têrmos, os efeitos do recurso, aqui, não têm alcance, pois o que se indaga é da possibilidade de permanecer em prisão preventiva acusado que tem em seu prol o reconhecimento, pelo juiz, da legítima defesa, reconhecimento êsse inconciliável quer coai a decretação, quer com a permanência da prisão preventiva”. O ministro FILADELFO AZEVEDO, votando no mesmo sentido, mostrou que a expressão do art. 411, sôbre o efeito suspensivo do recurso de ofício, era equívoca. O ministro BARROS BARRETO declarou parecer-lhe que a absolvição, afinal decretada pelo juiz, importava na revogação da prisão preventiva.
No habeas corpus n.º 29.634, de Minas Gerais, de 15 de janeiro de 1947, decidiu, ainda, o Supremo Tribunal, por maioria de votos, sendo relator o ministro BARROS BARRETO, que: “A absolvição in limine do acusado, pela existência de causa excludente da responsabilidade criminal, importa na revogação da prisão preventiva. Ilegal a permanência da paciente na prisão” (cf. “Repertório de Jurisprudência” do Cód. de Proc. Penal, de DARCI ARRUDA MIRANDA, vol., II, n.º 1.117-A).
Pronunciou-se mais uma; vez o Supremo Tribunal, tendo como relator o ministro OROZIMBO NONATO, no acórdão de 16 de abril de 1947 (habeas corpus n.º 29.723, in “Diário da Justiça”, de 6-10-948, apenso ao n.º 232, referido no habeas corpus n.º 33.053, que mencionarei adiante), tecido concluído que “a absolvição sumária importa, necessàriamente, cassar o decreto de prisão preventiva. Não importa que a decisão sofra recurso com efeito suspensivo, que diz respeito àquela absolvição e não à conseqüência de fazer cessar, si et in quantum, a prisão preventiva, que, no curso do processo, podia revogar-se independentemente da absolvição sumária. E assim, examinado o caso de fito, vê-se o desalcance no que tange à prisão preventiva, do efeito suspensivo do recurso”. Essa decisão foi unânime.
Apenas como ilustração, parece-me útil apontar agora o acórdão de 24 de maio de 1955, das Câmaras Criminais Conjuntas do Tribunal de Justiça de São Paulo, por votação unânime, no sentido de que “a absolvição sumária, na fase da pronúncia, pelo reconhecimento da justificativa da legítima defesa, importa a revogação da prisão preventiva inicialmente decretada” (“REVISTA FORENSE”, vol. 163, pág. 357).
Verifica-se, pois, segundo o entendimento até agora exposto, do mais alto Tribunal, que, no que se refere à prisão preventiva, mesmo à chamada obrigatória do art. 312, dois princípios podem ser considerados assentes: 1.º) a prisão preventiva obrigatória, ou compulsória, pode ser revogada, se se configura a hipótese do art. 314, em qualquer fase do processo, o que sempre sustentei; 2.º) a sentença de absolvição liminar do réu importa, em última análise, na revogação da prisão preventiva decretada, pois essa prisão estaria contrariando o disposto no art. 314.
Eis que, no julgamento do habeas corpus n° 33.053, acórdão de 22 de abril de 1954, relator ministro NÉLSON HUNGRIA, a discussão assume aspectos novos, em virtude de tratar-se, no caso, de prisão em flagrante, e não, de prisão preventiva. A origem do writ foi a seguinte: por sentença de 20 de abril de 1953, o juiz em exercício na presidência do Tribunal do Júri absolveu, liminarmente, o réu, reconhecendo haver o mesmo praticado o fato em legítima defesa. Em conseqüência, após provocação dos advogados do réu, concedeu a sua liberdade. Tratava-se, porém, de hipótese em que houvera prisão em flagrante. O representante do Ministério Público apresentou uma reclamação ao então Conselho de Justiça, que, em decisão de 26 de março de 1954, cassou o despacho reclamado, determinando a prisão do réu (aqui um parêntesis: o egrégio Conselho cometeu, data venia, censurável exorbitância, pois que, à evidência, não era caso de correição, ou reclamação. Só por isso, o writ deveria ter sido concedido. Não se tratava de julgamento, em segunda instância, mas de conhecimento de simples reclamação, remédio de natureza meramente correicional, disciplinar. Demais, nenhum abuso ou êrro cometera o juiz, dando legítima interpretação e aplicação de disposições legais, secundado por juristas de porte). A decisão do Conselho de Justiça, tendo como relator o atual ministro ARI FRANCO, teve apenas a seguinte fundamentação: “E assim decidem, à vista do texto claro e indisputável do art. 411 do Cód. de Proc. Penal que determina tenha efeito suspensivo o recurso ex officio do caso de absolvição in limine“.
Em face dessa decisão, o réu impetrou habeas corpus, ao Supremo Tribunal Federal, que dêle tomou conhecimento, para denega-lo pelo voto de desempate do ministro OROZIMBO NONATO. Votaram concedendo a ordem os ministros ROCHA LAGOA, HAHNEMANN GUIMARÃES, RIBEIRO DA COSTA e LAFAYETTE DE ANDRADA. Negaram-na os ministros NÉLSON HUNGRIA, MÁRIO GUIMARÃES, LUÍS GALLOTTI, EDGAR COSTA e OROZIMBO NONATO.
Surpreende o writ tenha sido denegado justamente pelo voto de desempate do ministro OROZIMBO, mas S. Ex.ª assim explicou o seu entendimento, fazendo distinção entre as hipóteses de prisão preventiva e de prisão em flagrante: “Sr. presidente, o caso tem aspectos relevantíssimos. Os dispositivos invocados dispersam-se através dos institutos, dificultando-se o exame de seu alcance. Certo dispositivo dispõe carrément ter o recurso efeito suspensivo. Outros dispositivos prescrevem que o juiz, se se convencer de que ocorre legítima defesa, não manterá o réu na prisão, mas o deixará em liberdade provisória. Outros dispositivos ainda determinam que, em nenhum caso, se manterá a prisão preventiva; se se verificar a existência da legítima defesa. Peço a atenção do eminente Sr. ministro NÉLSON HUNGRIA, com a devida vênia, para a articulação dos dispositivos que constam no Cap. III do Cód. de Proc. Penal. Fala-se aí em prisão preventiva, obrigatória e facultativa. Diz o art. 314 que a prisão preventiva em nenhum caso será decretada, se o juiz verificar, pelas provas constantes nos autos, haver o agente praticado o fato nas condições previstas no art. 19, ns. I, II, ou III, do Código Penal. No caso, o juiz julgou ter ocorrido legítima defesa e, daí, não haver mantido a prisão. Eis por que me parece que o Cód. de Proc. Penal, apesar de ser modêlo de clareza, deixa às vêzes, como neste caso, certa perplexidade. Contradizendo-se os dispositivos, não deve o intérprete chegar à eliminação de um ou de outro; só poderá fazê-lo, como diz FERRARA, depois de exaurir os últimos recursos para os harmonizar, para os conciliar. O Código guarda uma unidade fundamental, orgânica e é preciso sempre ter em vista o sistema em que se filia. A obra legislativa pode não ser um monumento de clareza, mas a lei atende a um plano a que o intérprete tem sempre de obedecer, no trabalho de aplicação da lei. Data venia, o efeito suspensivo não atinge a prisão preventiva porque aí se tocaria em outro princípio. Certamente, a sentença que o juiz profere tem efeito provisório, não se executa, mas não se pode apagar o fato de haver o juiz concluído pela inocorrência de crime, quando acaba pela absolvição do réu. Dá-se a eliminação da prisão preventiva porque não se reconheceu a existência de crime e os efeitos suspensivos não atingem a declaração do juiz de que não há crime. No caso, não me parece se configure concessão de liberdade, em face da prisão em flagrante, motivo por que nego a ordem, sem faltar à coerência, em face de votos anteriores”.
Data venia, a distinção feita, aliás só no fim de seu voto, pelo eminente ministro, não convence, pois ela contraria, justamente, o sistema do Código. O desenvolvimento do voto do Ministro OROZIMBO NONATO vai levando o leitor à convicção de que a sua conclusão seria pela concessão do writ, exatamente pelos princípios invocados. Eis que S. Ex.ª, ex abrupto, apresenta a conclusão pela negativa, distinguindo entre a hipótese de prisão em flagrante e a hipótese de prisão preventiva, mas, data venia, sem maiores explicações.
Segundo o art. 310, quando o juiz verificar pelo auto de prisão em flagrante que o agente praticou o fato nas condições do art. 19, ns. I, II ou III, do Código Penal, poderá, depois de ouvir o Ministério Público, conceder ao réu liberdade provisória, mediante têrmo de comparecimento a todos os atos do processo, sob pena de revogação.
Portanto, mesmo no caso de prisão em flagrante, não quer a lei, segundo o sistema do Código, que o réu continue prêso, se agiu em legítima defesa ou nas outras condições do art. 19 do Cód. Penal. A liberdade provisória do art. 310 pode ser concedida, pelo juiz, em qualquer fase do processo ou da instrução criminal e não apenas quando recebe o auto de prisão em flagrante. Isso resulta, aliás, da muito maior segurança em que o juiz a concede, à vista da prova colhida em Juízo, do que tão-só pelo exame do auto de flagra te com depoimentos tomados na fase policial. O art. 310 concede ao juiz uma faculdade maior: conceder a liberdade provisória, à simples vista do auto de flagrante. Logo, poderá também fazê-lo, ao exame de mais provas.
O douto ministro NÉLSON HUNGRIA entendeu, em seu voto, que a liberdade provisória só pode ser concedida em face do auto de flagrante ou dos elementos do inquérito policial; “mas, instaurado o processo penal, não pode o juiz, em face de elementos colhidos na instrução criminal, tornar sem efeito o auto de flagrante ou cassar a prisão preventiva compulsória, ainda que se convença da ocorrência de alguma descriminante. Por que a diversidade de critério?” pergunta S. Ex.ª, para logo responder: “A razão é muito simples, e vou aqui responder à crítica formulada ao Cód. de Proc. Penal, de que fui o mais humilde dos colaboradores…” “No caso de auto de flagrante ou de inquérito policial, o reconhecimento de descriminante não importará prejulgamento, pois nem um nem outro poderão ser base à decisão final; enquanto que na hipótese do convencimento do juiz advindo no curso da instrução criminal, no sentido da existência de descriminante, o declará-lo seria um tumultuário julgamento por antecipação, pois resultaria do exame das provas que vão servir de apoio à decisão final do juiz, isto é, pronúncia, impronúncia ou absolvição sumária. Foi para evitar semelhante desconchavo que a lei processual penal adotou a diversidade de critérios. Ab initio, a prisão provisória ex vi legis poderá ser relaxada ou deixar de ser decretada, porque o juiz, no reconhecimento da descriminante, se funda no auto de flagrante ou nos elementos do inquérito policial, que, de modo nenhum, poderão lastrear o julgamento ulterior; na fase ou em virtude da instrução criminal, porém, se o juiz pudesse reconhecer, sem mais delongas, a existência de descriminante, estaria prejulgando, e seria inútil prosseguir no processo”.
Veja-se, pois, que a contradita do consagrado mestre tem guarida em razões que, modestamente, considero superficiais, além de estranhas à própria essência da discussão. E verifica-se, ainda, pela explicação do eminente professor, que a diversidade de critérios, que se nota no Código, resultou da preocupação do legislador (dos seus ilustres autores) em evitar a possibilidade de prejulgamento. No entanto, não vejo como a concessão de liberdade provisória, que se funda em uma forte presunção de legitimidade do ato, possa importar em prejulgamento. Tenho deferido pedidos dessa ordem, sem prejulgar. Demais, se o juiz que concede a liberdade provisória é o mesmo que irá proferir a sentença, nenhum inconveniente há em que antecipe a liberdade do réu, convencido de que êste praticara o fato lìcitamente, evitando a injustiça de uma prisão mais prolongada. Se o juiz é outro, não poderá haver prejulgamento. Pode, ainda, o juiz conceder liberdade provisória, em virtude de forte presunção de legitimidade do ato, e, na sentença final, concluir, em exame mais detido, pela pronúncia. O que se deve ter em vista é que, tanto à vista do simples auto de flagrante, como em qualquer fase da instrução criminal, a liberdade provisória concedida não resulta da certeza da legitimidade do ato, mas sim de forte presunção dessa legitimidade.
Enfim, o eminente ministro NÉLSON HUNGRIA, que foi o relator designado para o acórdão, conclui que a liberação do réu só poderia resultar da própria absolvição sumária, mas isso é impedido pelo efeito suspensivo do recurso de ofício.
Pena é que o insigne penalista se tenha colocado em posição tão extremada, a ponto de afirmar: “Uma vez que o juiz decretou a prisão preventiva no caso do art. 312 ou não relaxou a prisão no caso do art. 310, não mais poderá revogar a primeira ou cassar a segunda”. Lembro-me, porém, que a prisão preventiva não é ato automático do juiz, à simples vista da denúncia, mesmo no caso do art. 312, estando a sua decretação subordinada à existência de crime, existência provada, e indícios suficientes de autoria (art. 311). O que o art. 316 significa é que o juiz, a seu critério, não pode revogar a prisão preventiva do art. 312, como pode fazê-lo com relação à prisão facultativa quando verificar a falta de motivos para que subsista. Poderá revogá-la, por exemplo, quando a sua decretação, por despacho fundamentado (artigo 315), fundou-se em indícios indicados e considerados suficientes, indícios que depois foram destruídos e cabalmente explicados por prova posterior. A manutenção da prisão seria ilegal, por não mais existirem os apontados indícios suficientes de autoria.
Na prática, haverá tanto prejulgamento em conceder-se liberdade provisória à vista do auto de flagrante, como em qualquer fase da instrução criminal; em deixar-se de decretar a prisão preventiva, no caso do art. 314, como em revogá-la. Será preciso apenas que o juiz evite fundamentação que extravase os precisos limites da finalidade do ato, desenvolvendo quantum satis as razões da concessão.
A possibilidade de prejulgamento não estará no ato em si, mas no critério do juiz ao baixá-lo. E isso existe em qualquer processo, de qualquer natureza. Aliás, ao decretar o juiz uma prisão preventiva, em divisão fundamentada, em processo de sua competência, poderá também prejulgar.
Logo, não se deverá prolongar prisão injusta, data venia, sob tal fundamento.
Há um princípio superior, segundo o sistema aceito pelo Código, que se sobrepõe: se o juiz verificar que o réu praticou o fato nas condições do art. 19, números I, II ou III, do Cód. Penal, deverá reconhecer-lhe o direito de não ser prêso, desde que não haverá crime a punir.
Antes da sentença, concede-se ao réu liberdade provisória, em qualquer fase da processo, se o caso é de flagrante; se não é caso de flagrante, não se decreta a prisão preventiva; se esta já fôra antes decretada, revoga-se a medida. Tais atos são fundados sempre em forte presunção da legitimidade do fato, não na certeza que só se atinge na sentença.
Se o réu é absolvido, liminarmente, com muito maior razão, em qualquer caso, seja de flagrante, seja de prisão preventiva, deverá ser libertado si et in quantum, limitando em seu prol a certeza jurídica de que agira legìtimamente.
A simples referência ao efeito suspensivo, feita no art. 411, não pode ter o alcance de destruir o próprio sistema do Código, provocando injustiças gritantes. Aliás, no próprio caso focalizado pelo acórdão acima referido, o réu foi libertado pelo juiz que o absolvera liminarmente, mas o Conselho de Justiça cassou a soltura, determinando a sua prisão (exorbitando de suas funções, data venia). Requerido habeas corpus ao Supremo Tribunal, êste, pelo voto de desempate do ministro OROZIMBO (último a votar), manteve a prisão. A 1.ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, porém, confirmou a decisão absolutória, expedindo o alvará de soltura.
Já agora, alterou-se a composição do mais alto Tribunal. Saíram dois ilustres ministros que negaram a ordem (EDGAR COSTA e MARIO GUIMARÃES). Já não compõe o colendo pretório o falecido ministro JOSÉ LINHARES, que presidira a sessão. Faltou, na ocasião, não tendo votado, o ministro BARROS BARRETO, que fôra o relator do acórdão proferido no habeas corpus n.º 29.634, mais acima citado, entendendo que, pelo menos com relação à prisão preventiva, impunha-se a soltura do réu, no caso de absolvição in limine.
Como entenderá o Supremo Tribunal, com sua nova composição? (Com relação ao eminente ministro ARI FRANCO, seu pronunciamento é conhecido, por ter sido, o relator do acórdão do Conselho de Justiça, que considerou incabível a soltura em face do efeito suspensivo determinado pelo art. 411.)
2.º CASO: Impronúncia
Outra hipótese que suscita dúvida, dado o conflito literal de textos legais, é a da possibilidade de libertação do réu impronunciado por falta de prova da existência de crime ou de suficientes indícios de autoria.
Segundo o disposto no art. 409 do Cód. de Proc. Penal, se não se convencer da existência do crime ou de indício suficiente de que seja o réu o seu autor, o juiz julgará improcedente a denúncia ou a queixa.
E se o réu, ao ser assim impronunciado, encontrar-se prêso preventivamente, por haver sido denunciado por crime a que a lei comine pena de reclusão, no máximo, por tempo igual ou superior a oito anos?
O disposto no art. 584, § 1.º, combinado como art. 596, impedirá a soltura do réu?
No meu modesto entender, não.
Preceitua o art. 312 do Cód. de Processo Penal que a prisão preventiva será decretada nos crimes a que fôr cominada pena de reclusão por tempo, no máximo, igual ou superior a 10 anos. Trata-se da chamada prisão preventiva obrigatória, também dita compulsória.
Mas, não há hoje qualquer dúvida de que a decretação dessa prisão também está adstrita à coexistência dos pressupostos referidos no art. 311, isto é: prova da existência do crime e indícios suficientes da autoria. Não havendo qualquer dêsses pressupostos, não poderá ser decretada a prisão preventiva, mesmo no caso do art. 312.
O despacho que decretar a prisão será sempre fundamentado (art. 315).
Por outro lado, se deixarem de existir os pressupostos, ou qualquer dêles, a prisão preventiva poderá ser revogada. Como acentuou a colenda 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de S. Paulo, por votação unânime, citando outro julgado: “Inicialmente, orientou-se a jurisprudência, com fundamento no art. 316 do citado Código, no sentido de considerar sempre irrevogável a prisão preventiva chamada “obrigatória”. A rigidez dêsse princípio foi, no entanto, posteriormente modificada, vindo a prevalecer a final, nas decisões dêste Tribunal e nas do colendo Supremo Tribunal, a jurisprudência que admite a revogabilidade ” da aludida prisão quando esta chega a ferir outros preceitos do Cód. de Processo ou não está devidamente fundamentada” (“Rev. dos Tribunais”, volume 167, pág. 477). “É revogável a prisão preventiva compulsòriamente decretada, quando se verifique no curso da instrução criminal que não há prova da existência do crime ou de indícios suficientes da autoria” (in “REVISTA FORENSE”, vol. 147, pág. 439). Nesse sentido aliás, é a lição de EDUARDO ESPÍNOLA FILHO: “Ora, se, no correr do processo, a indicação da autoria se evidencia ser falsa, em casos já examinados acima, ou se se faz contraprova mais forte da inexistência de um crime, ou de eliminação da criminalidade do infrator, a prisão preventiva, mesmo decretada nos têrmos do art. 312, é de ser revogada” (“Código de Processo Penal Brasileiro Anotado”, 3ª ed., vol. III, página 441). Em verdade, o art. 316, não proíbe a revogação por falta de pressupostos legais, mas sim apenas pelo exame de sua conveniência ou necessidade, como garantia da ordem pública ou para assegurar a aplicação da lei penal (v. o artigo 313). Isso porque a chamada prisão preventiva obrigatória tem apenas os pressupostos mencionados, independendo dos que também são exigidos para a prisão preventiva facultativa (art. 313).
No sentido da revogação, com o mesmo tópico mais acima transcrito, refere o último autor, acórdão da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, no habeas corpus n.º 8.521, a 18 de junho de 1951 (“Diário da Justiça”, de 19 de março de 1952, pág. 1.364).
Ora, se a prisão preventiva em questão para ser decretada, depende da existência de prova do crime e de indícios suficientes da autoria, pressupostos que devem ser apontados em decisão fundamentada (art. 315), é bem de ver que, se no curso do processo, desaparecer qualquer dos pressupostos, a prisão passará a ser ilegal, devendo ser revogada.
Com muito maior razão, se o juiz, após a análise de tôda a prova colhida, decretar a impronúncia do réu, por falta de prova da existência do crime, ou de indício de que seja o réu o ser autor, deverá, em conseqüência, determinar a. sua soltura, pois êsse reconhecimento do juiz, na fase da pronúncia, após o exame da totalidade da prova colhida, vale muito mais. do que uma simples revogação da prisão preventiva, antes decretada à vista de menores elementos probatórios.
A decisão de impronúncia, no caso, envolve a revogação da prisão preventiva antes decretada.
Em outra oportunidade, com referência aos arts. 584, § 1.º, e 596, do Cód. de Processo, tive ocasião de assim manifestar-me (“Prática dos Recursos Cíveis e Criminais”, ed. da REVISTA FORENSE”, 1957)
“A aplicação irrestrita do disposto no art. 596 oferece margem a injustas conseqüências e viola outros princípios estabelecidos no Código. Por isso mesmo, temos entendido que a sua interpretação não deve ser literal, absoluta, como desejam outros. O direito, acima de tudo, deve ser justo. Em rumoroso caso, no Tribunal do Júri, libertamos o réu impronunciado, prêso preventivamente. Pois bem: a egrégia 2.ª Câmara (recurso criminal n.º 3.765, in “Diário da Justiça”, apenso ao n.º 190, de 20 de agôsto de 1953, pág. 2.393), embora confirmando, unânimemente, a nossa sentença de impronúncia, criticou a soltura do réu, que deveria aguardar, prêso, o julgamento do recurso. A sentença foi prolatada a 16 de agôsto de 1952 e o acórdão é de 5 de janeiro de 1953. Portanto, se o réu houvesse aguardado prêso o julgamento do recurso, teria sofrido vários meses mais de prisão injusta. O acórdão foi, assim, incoerente, porque demasiado obediente à letra da lei. Para melhor compreensão, eis os fundamentos da soltura do réu, expostos na nossa sentença: “Os indícios que justificaram a decretação da prisão preventiva do acusado foram, sem dúvida, destruídos pela própria construção da prova em Juízo, transformando-se a feição oferecida, em princípio, pelo inquérito policial. Tratava-se de denúncia por crime, cuja pena é fixada, no máximo, em quantidade superior à 10 anos, o que tornava obrigatória a prisão, desde que houvesse indícios suficientes de autoria e prova da existência do crime. A prisão preventiva foi decretada pelo próprio juiz que esta subscreve, quando em exercício como juiz-substituto desta Vara e baseou-se na existência de indícios de autoria oferecidos pelo inquérito policial e indicados pela minuciosa denúncia. De acôrdo com o art. 311 do Cód. de Proc. Penal, não pode o juiz decretar a prisão preventiva se não existirem suficientes indícios de autoria. Como conclusão lógica, se os indícios que justificaram a prisão preventiva deixaram de existir, por terem sido devidamente esclarecidos pela prova colhida em Juízo, o acusado não deve permanecer prêso. De fato, assim como ao juiz não é lícito decretar a prisão preventiva sem que existam indícios suficientes de autoria, pela mesma razão deve o juiz revogar a prisão preventiva quando os indícios em que a medida se assentou deixarem de existir. Faço estas considerações para que não se invoque a aplicação do art. 584, § 1.º, do Cód. de Processo Penal, pois seria profundamente iníquo que o juiz que esta subscreve mantivesse o acusado no cárcere, por mandado assinado por suas próprias mãos, depois de reconhecer, em sentença, não haver crime a punir, o que vale mais do que uma simples revogação. Na espécie, o art. 584, § 1.º, fere os arts. 311 e 315, todos do Cód. de Proc. Penal, pois os últimos exigem, para a decretação da prisão preventiva, a existência de crime e indícios suficientes de autoria, que devem ser apontados em decisão fundamentada. Na ausência de crime ou de indícios de autoria não pode sequer ser decretada a prisão preventiva. E se esta é decretada pela indicação de indícios – assim considerados na fase inicial da ação penal – que depois se esclarecem e se desfazem, deixando de existir, não poderá ser mantida a prisão preventiva, que passaria a ser ilegal (art. 311 do Cód. de Proc. Penal). Assim, a sentença de impronúncia, que reconhece e declara a não existência de crime, ou a inexistência de indícios de autoria, vale mais do que uma simples revogação da prisão preventiva, que não poderia ser decretada sem os elementos que a sentença nega. E vale mais porque resulta de uma análise profunda da prova total. Êsse o entendimento que julgo acertado, pois a lei não pode ser injusta e seria uma iniqüidade manter prêso o acusado, depois de um magistrado, por sentença, declarar não haver crime a punir”. O acórdão não enfrentou a questão, limitando-se a declarar que não era caso de interpretação porque os dispositivos de lei são claros, precisos e taxativos, ex vi dos arts. 584, § 1.º, e 596, do Cód. de Proc. Penal.
Se o juiz poderia, na véspera, revogar a prisão preventiva, por que não aceitar-se que a impronúncia importava nessa revogação?
Conciliando os dispositivos que, ao primeiro exame, se chocam, pode-se afirmar que a soltura do réu, no caso em foco, importa em revogação da prisão preventiva decretada.
Indo bem além, na preocupação de não sacrificar a liberdade individual quando exista decisão absolutória, as Câmaras Criminais Conjuntas do Tribunal de Justiça de S. Paulo, por maioria, decidiram que: “A regra é sempre a mesma: a sentença absolutória revoga, automàticamente, a prisão preventiva”. “E o art. 596 do Cód. de Proc. Penal haverá de ser entendido sem sacrifício dessa regra tradicional”. E se tratava de absolvição, pelo juiz singular, por falta de prova suficiente para a condenação, havendo prisão preventiva decretada na forma do art. 312. Em declaração de voto vencido, o desembargador PAULO COSTA reconhece, porém, que o juiz podia revogar a prisão preventiva que antes decretara, mas antes da sentença (cf. acórdão no habeas corpus n.º 30.497, S. Paulo, de 21-8-950, in “Repertório de Jurisprudência” de DARCI ARRUDA MIRANDA, vol. IV, n.º 3.555-A).
Em outra decisão, por maioria, a Seção Criminal do Tribunal de Justiça de S. Paulo negou habeas corpus, a réu absolvido (denunciado por crime de peculato), que pleiteava fôsse libertado (estava prêso em razão de prisão preventiva decretada, art. 312). Aplicou-se o art. 596. O desembargador TOMÁS CARVALHAL, vencido, declarou: “Não foi feliz a solução, em meu entender, pois a primeira conseqüência da sentença absolutória por falta de prova da existência do crime é a revogação da prisão preventiva, à mingua de um de seus pressupostos legais”, citando, ainda, decisão anterior, nesse sentido, do mesmo Tribunal: “Também êste Tribunal de Justiça, por acórdão de 4 de fevereiro de 1947, apreciando hipótese perfeitamente semelhante à presente, considerou que, encerrada a instrução e seguindo-se a absolvição do acusado, ipso facto devem cessar os efeitos da prisão preventiva. A lógica, diante do citado acórdão, obriga o juiz a revogar a medida de exceção, porque se a absolvição é resultante de inexistência de prova do crime ou de indícios suficientes de autoria, isso importa em reconhecer que desapareceram as condições exigidas pela lei para a sua decretação” (“Rev. dos Tribunais”, vol. 167, pág. 78; idem, volume 212, pág. 37, acórdão de 11-2-953. V. “Repertório” cit., n.º 5.361, vol. VI).
Verifica-se, pois, que a questão se apresenta como uma vexata quaestio, merecendo a inteira preocupação dos juristas e magistrados.
Objetar-se-á que, se a impronúncia equivale à revogação da prisão preventiva, ficará sem aplicação o art. 584, § 1.º, que remete, por sua vez, ao art. 596. A êsse argumento, respondo com a própria orientação do Supremo Tribunal. Também no caso de absolvição in limine, havendo prisão preventiva decretada, a lei determina que o recurso obrigatório terá efeito suspensivo (art. 411). Mas o Supremo Tribunal vem decidindo no sentido de que o réu, absolvido in limine, que esteja prêso preventivamente, deve ser libertado, inclusive porque a absolvição importa na revogação da prisão preventiva (v. o início dêste trabalho).
Não pode haver orientação de dois pesos e duas medidas. O princípio é sempre o mesmo. Se há conflito de disposições, predominará aquelas que afirmem o princípio, especialmente tratando-se de restrição de liberdade individual. Como acentuou ESPÍNOLA FILHO, tratando da possibilidade do juiz da pronúncia, ao desclassificar o delito para outro afiançável, conceder êle mesmo a fiança, “é dogma do processo penal, intangível na técnica do Código atual, que só se conservam presos os acusados, quando lhes é impossível permitir a liberdade, sob condições ou não, preocupação tão viva que, no caso de prisão em flagrante, à própria autoridade policial se impõe o dever de arbitrar a caução para livrar-se sôlto o indiciado, se afiançável a infração” (ob. cit., vol. 4, pág. 275).
Antes do julgamento, a prisão é sempre provisória. Se não há prova da existência do crime ou indícios suficientes de autoria; se há sentença afirmando que não se configura qualquer dessas circunstâncias, que são pressupostos da prisão do réu, então, até mesmo por norma de coerência, não deve o réu ser mantido prêso, o que seria ilegal, pela ausência dos pressupostos para a prisão provisória.
O efeito suspensivo atingirá qualquer outra conseqüência da decisão, menos a liberdade do réu, assegurada, também dentro do Código, pela ausência de pressupostos exigidos para a prisão.
A lei deve ser aplicada, também, sem sacrifício de seu conteúdo humano. O réu absolvido, liminarmente, ou impronunciado, tem a seu favor uma forte presunção de inocência. Essa presunção, resultante de sentença fundamentada proferida por juiz togado, deve prevalecer, si et in quantum, até que a instância superior se pronuncie.*
3.° CASO: Desclassificação, pelo Júri
No julgamento, pelo Tribunal do Júri, se fôr desclassificada a infração para outra atribuída à competência do juiz singular, ao presidente do Tribunal caberá proferir em seguida a sentença (cf. o artigo 492, § 2.º, do Cód. de Proc. Penal).
Desclassificado o delito, cessa por inteiro a competência do Júri. O juiz-presidente passa a proferir a sentença. A causa será amplamente apreciada pelo juiz, que proferirá a sua sentença como juiz singular e togado, fazendo, como nota EDUARDO ESPÍNOLA FILHO, “como qualquer dêstes faz, sujeito às regras comuns, salvo a circunstância de dever mencionar que a desclassificação resultou do veredicto do conselho de jurados” (ob. cit., vol. 4, n.º 944, pág. 559).
Também o hoje ministro ARI FRANCO acentuou que, desclassificada a infração, “cessará tôda interferência dos jurados na decisão da espécie assim modificada, e ao juiz passa a competência para a decisão da causa, com ampla liberdade de apreciá-la” (cf. “O Júri é a Constituição Federal de 1946”, 1950, pág. 182). Os dois autores citados lembram que o § 2.° do art. 492 usa a expressão proferir a sentença, contrapondo-se à usada no caput do art.: lavrará a sentença.
Por outro lado, o § 3.° do art. 74 estabelece que “se a desclassificação fôr feita pelo próprio Tribunal do Júri, a seu presidente caberá proferir a sentença”.
Em tal sentido tem decidido o Supremo Tribunal Federal, em julgados referidos por ARI FRANCO (ob. cit.). E no repertório de DARCI ARRUDA MIRANDA, nos seus vários volumes, encontra-se um rol de julgados no mesmo sentido (cf. no art. 492, § 2.°).
Não há dúvida, pois, a respeito, isto é: desclassificada a infração, pelo Júri, para outra de competência do juiz singular, a sentença será proferida pelo juiz-presidente, como juiz togado, que julgará a causa, fundamentando a sua decisão.
Pergunta-se; então: desclassificada a infração, poderá o réu ser pôsto em liberdade, quer pelo já cumprimento da pena imposta pelo juiz, quer pela prestação de fiança, quer pela concessão de sursis?
De minha parte, tendo tido a honra de, por diversas vêzes, substituir o eminente desembargador FAUSTINO NASCIMENTO, além de a ambos os atuais titulares dos Tribunais do Júri, ilustres juízes SOUSA NETO e BANDEIRA STAMPA, convenci-me do acêrto do entendimento afirmativo, até mesmo, como a experiência mostra, pelas soluções injustas que provocaria, em determinados casos, a conclusão contrária, atentatória à liberdade individual.
É comum, por exemplo, a pronúncia, pela configuração de indícios de tratar-se de delito de tentativa de homicídio, com ferimentos leves, ou sem ferimentos. Desclassificado pelo Júri, é o réu condenado, em regra, pelo juiz-presidente, a uma pena inferior ao tempo em que já se encontra na prisão. Igualmente, em caso de reconhecimento de delito culposo.
Se se reconhece que, desclassificado pelo Júri o crime, cabe ao juiz-presidente, como juiz togado, proferir a sentença, julgar a causa, cessando tôda a competência do Júri, é óbvio que essa decisão do juiz produzirá tôdas as suas conseqüências comuns e terá os seus efeitos próprios. O efeito suspensivo do recurso que se interpõe da decisão do Júri não pode aplicar-se à decisão do juiz. O Júri limita-se a declarar a sua incompetência, não julga o caso. Afasta a sua competência, reconhecendo a prática de crime menor. A decisão do Júri, atribuindo crime menor ao réu, por sua relevância, afasta a pronúncia, si et in quantum. E o julgamento, pelo juiz, se equipara, in totum aos realizados pelo juiz singular, pois nesta qualidade é que julga o juiz-presidente.
A decisão desclassificatória impõe uma nova classificação ao crime, sobrepondo-se à da pronúncia (como a da pronúncia se sobrepõe à da denúncia).
O recurso do Ministério Público só atinge à parte em que o Júri se declara incompetente, quanto ao Júri. E o recurso contra decisão que conclui pela incompetência não tem efeito suspensivo. O julgamento contém uma decisão que, em seu todo, reúne: a) decisão em que o Júri se julga incompetente; b) decisão proferida pelo juiz-presidente, como juiz togado. O recurso interposto pelo Ministério Público atingirá cada decisão, em sua própria natureza, em sua essência. Não há efeito suspensivo no recurso contra decisão de incompetência. Tôda a decisão é atacada por via de apelação, recurso mais amplo, em face da regra no § 4.° do art. 593. A apelação, como recurso amplo, absorve o conhecimento de tôdas as questões tratadas na sentença. Mas isso não tira a cada decisão, autônoma, o seu próprio caráter (temos: a) decisão do Júri, declarando a sua incompetência; b) decisão do juiz, julgando a causa). Pelo menos, como é óbvio, para efeito de não se aplicar efeito suspensivo à totalidade da decisão.
Suponhamos que não existisse a regra do § 2.° do art. 492, que traduz princípio de economia processual, desde que o juiz-presidente do Júri é juiz togado. A lei poderia dizer: se fôr desclassificada a infração para outra atribuída à competência do juiz singular, o juiz-presidente remeterá o processo ao juiz competente (segundo a norma do art. 410, quando ó juiz-presidente do Júri, na pronúncia, se dá por incompetente). Em tal caso, qual teria sido a decisão do Júri? Não se teria declarado, apenas, incompetente? E o recurso dessa decisão poderia ter efeito suspensivo? Não se aplicaria a disposição do parág. único do art. 410, passando o réu à disposição do juiz competente? Não teria o réu, por exemplo, direito a prestar fiança, se o novo delito fôsse afiançável, como se dá no caso de desclassificação na fase da pronúncia?
As conseqüências são as mesmas. Apenas a lei evitou a remessa do processo ao juiz competente, de vez que o juiz-presidente, como juiz togado, poderia desde logo proferir a decisão. E num só recurso, amplo, poderiam ser apreciadas tôdas as questões debatidas.
Se a instância superior reforma a decisão do Júri, declarando-o competente, mandará submeter o réu a novo julgamento. A sentença do juiz, então, estará atingida por nulidade, por incompetência. Só poderá fazê-lo, a instância ad quem, com as restrições impostas pela soberania do Júri.
O principal argumento, porém, levantado contra a possibilidade de libertação do réu, em caso de desclassificação, pelo Júri, e que acaba de ser acolhido pelo Supremo Tribunal Federal, é o seguinte: se no caso de absolvição, pelo Júri, sem unanimidade, o réu não é sôlto, com muito mais razão não deverá ser sôlto quando condenado, por efeito de desclassificação, mesmo por crime culposo. A libertação do réu, em caso de desclassificação e condenação por crime menor, mesmo por efeito de sursis ou fiança, importaria em conferir-se ao réu condenado tratamento melhor que ao réu absolvido, que aguarda prêso o recurso.
Já vimos antes que não procede o argumento, que só impressiona prima facie. Tratando-se de desclassificação, o réu assa a ser julgado pelo novo delito que e foi atribuído. A imputação passa a ser de prática de delito de competência do juiz singular. O Júri declara a sua incompetência, reconhecendo a prática de crime menor. Em conseqüência, o réu é julgado pelo juiz-presidente, como juiz togado, com todos os efeitos próprios às sentenças de tal natureza.
No caso de absolvição, o réu é julgado pela prática do delito maior, de competência do Júri. A decisão, tôda ela, é do Júri. A acusação, de acôrdo com a pronúncia, permanece de pé, até o trânsito em julgado da decisão absolutória.
Disse o eminente ministro LUÍS GALLOTTI, em voto adotado, recentemente, pelo Supremo Tribunal Federal, no recurso extraordinário n.º 25.172, do Paraná: “Os réus de homicídio doloso, não logrando unanimidade, prefeririam obter, dos jurados, em vez da total absolvição, a condenação por homicídio culposo, de modo a serem soltos imediatamente, apesar da apelação do Ministério Público, que tal não permitiria na hipótese de absolvição total!”
Tratar-se-ia de um argumento ab absurdo.
No entanto, data venia, não passa a afirmação de mera confusão de princípios. Se pudesse prevalecer o argumento, o próprio ministro LUÍS GALLOTTI estaria agindo com incoerência. Explico-me: S. Ex.ª entende que, quando o réu é absolvido, liminarmente, pelo juiz, não pode ser libertado. No entanto, se, ao invés de absolver, o juiz desclassifica a infração, o réu será libertado, se, por exemplo, tratar-se de delito afiançável. Estaria também o réu absolvido, na fase da pronúncia, sendo tratado de maneira inferior? Quando o juiz absolve, o recurso de ofício teria, no caso, efeito suspensivo, segundo o entendimento de S. Ex.ª. Mas quando o juiz desclassifica, o recurso cabível não tem efeito suspensivo (art. 581, II). E a fiança pode ser arbitrada desde logo pelo próprio juiz que proferiu a sentença desclassificatória, libertando-se o réu.
Poder-se-ia dizer, igualmente, para impressionar, que o réu preferiria ter a infração que lhe é atribuída desclassificada, do que ser absolvido dela?
Lê-se, ainda, no citado voto: “Seria realmente absurdo dar-se tratamento pior ao réu totalmente absolvido (que não pode ser pôsto em liberdade, havendo apelação do Ministério Público) do que ao réu absolvido de homicídio doloso mas condenado por homicídio culposo (havendo também apelação do Ministério Público). Quer dizer: o réu in totum absolvido não teria como obter imediata liberdade; mas, se condenado, em parte, poderia obtê-la, ficando, porque condenado, em melhor situação do que alcançaria se totalmente absolvido! (…)”. E ainda: “Não foi da condenação que o promotor apelou. Êle apelou da absolvição por homicídio doloso”. “No caso, o juiz condenou por “homicídio culposo, jungido à desclassificação imposta pelo Júri. E, se por ser o processo movido por homicídio doloso, é que o réu se beneficiou com o julgamento pelo Júri, justo é que sofra a conseqüência correspondente, de não ser sôlto havendo apelação do Ministério Público”. O egrégio Supremo Tribunal acompanhou o voto do ministro GALLOTTI, citado pelo relator, ROCHA LAGOA.
No caso acima citado, o juiz de primeira instância não se pronunciou sôbre o pedido de sursis feito pelo réu. O Tribunal do Paraná concedeu o habeas corpus requerido. Houve recurso extraordinário, interposto pela Procuradoria-Geral. A 1.ª Turma do Supremo Tribunal, por unanimidade, segundo o voto do ministro GALLOTTI, deu provimento ao recurso. Apresentados embargos, foram rejeitados pelo Tribunal Pleno, também por unanimidade (“Diário da Justiça”, de 3 de agôsto de 1957, publicação da ata, conclusão do julgamento). Trata-se de decisão muito recente, não publicada (recurso ext. n.º 25.172; embargante: Orlando Cheirossa; embargado: o Dr. procurador-geral do Estado).
Foram feitas afirmações em tese, abrangedoras das hipóteses de desclassificação. O ministro-relator limitou-se a adotar o voto do ministro GALLOTTI. Também assim procedeu o ilustre ministro ARI FRANCO. Era o que existia, quando consultei as notas taquigráficas (dia 16 de agôsto de 1957).
Há, porém, uma distinção que deve ser salientada, pois o acórdão parece confundir hipóteses diversas. Quando o Júri, julgando o caso, apreciando a alegação de legítima defesa, decide que houve excesso culposo (art. 21, parág. único, do Cód. Penal), não está desclassificando a infração. Ao contrário, aceita a sua competência, aprecia a defesa e dá pela configuração de um excesso culposo dos limites da legítima defesa. Nesse caso, o Júri julga a causa, tanto assim que decide que o réu agiu em legítima defesa, mas excedeu-se culposamente. Responde o réu pelo excesso, se êste constitui fato punível como crime culposo. A condenação pelo crime culposo, resultante do excesso reconhecido pelo Júri, não resulta de nenhuma desclassificação, que não há. O Júri reconhece a sua competência, julga a causa, dá pela legítima defesa, mas com excesso culposo. Não é o juiz-presidente, em tal caso, quem profere a sentença; lavra-a apenas. Não há, na hipótese, condenação por crime culposo, pròpriamente, mas punição do excesso de legítima defesa. Êste fato, o excesso, é que é punível da mesma forma que o crime culposo (parág. único do art. 21 do Cód. Penal).
Dois exemplos elucidarão o meu ponto de vista: 1.º) um motorista, no volante de seu carro, mata um transeunte, provando-se que êste era seu inimigo; pelas circunstâncias do caso, o motorista é denunciado, pronunciado e julgado por homicídio doloso. O Júri, porém, decide que não se trata de homicídio doloso, mas culposo, tendo o fato resultado de mera imprudência do réu. Trata-se de desclassificação do delito, que será julgado pelo juiz-presidente. 2.º) em outros caso, o Júri decide que o réu agiu em legítima defesa, mas que se excedeu, culposamente (quesito que é pelo Júri votado e afirmado). Foi o Júri que assim decidiu. Como do excesso, reconhecido pelo Júri, resultou à morte da vítima, o réu deve ser punido por êsse fato. Não se trata de homicídio culposo, como no primeiro exemplo, mas de excesso, de fato punível como tal.
A distinção parece-me clara: no segundo caso, não se tratando de desclassificação, o recurso interposto pelo Ministério Público é contra a decisão do Júri, que condenou pelo excesso culposo de legítima defesa. No primeiro caso, havendo desclassificação, a causa é julgada pelo juiz-presidente, com tôdas as conseqüências próprias às sentenças proferidas pelo juiz singular.
Essa distinção não foi feita pelo venerando acórdão, que generalizou-se seus fundamentos, embora se tratasse de hipótese de condenação por excesso culposo de legítima defesa.
Tratando-se de mera desclassificação (outro exemplo: de tentativa de homicídio para lesões corporais leves), é que a causa será julgada pelo juiz e o réu poderá ser pôsto em liberdade, quer pelo cumprimento da pena imposta, quer pela concessão de fiança, quer pela concessão de sursis.
Quando há, verdadeiramente, a desclassificação, quem julga a causa é o juiz competente. O Júri se limita a declarar-se incompetente. Em caso de desclassificação de homicídio doloso para homicídio culposo, o Júri não absolve réu de homicídio doloso. O Júri se declara incompetente. Em seguida, recebendo a causa para julgar, o juiz-presidente, como juiz competente, julga-a. Não se pode dizer que o juiz julgou-a porque o Júri absolveu o réu da acusação maior. Diga-se antes: o juiz julgou porque o Júri declarou-se incompetente. E as decisões do Júri, por sua relevância, se sobrepõem à pronúncia, mesmo porque, só excepcionalmente, poderão ser invalidadas. Enquanto isso não acontecer, pelo próprio sistema, deverão prevalecer. Se se tratar, porém, de condenação por excesso de legítima defesa, aí sobra razão ao argumento do ministro GALLOTTI. O que é preciso é não se generalizar e, sobretudo, não se falar em desclassificação, como fêz o acórdão; confundindo hipóteses diferentes.
Se o juiz julga como juiz singular, o resto é conseqüência dessa circunstância. A sua sentença produzirá os mesmos efeitos que os produzidos pelas sentenças dessa natureza. Poderá haver fiança e sursis. Cumprida a pena, poderá ser o réu pôsto em liberdade, observada a regra do art. 673. Que esta última providência deve ser adotada pelo juiz de primeira instância, não hesitaram em afirmar EDUARDO ESPÍNOLA FILHO (ob. citada, vol. VII, n.º 1.412) e ROBERTO LIRA (“Comen. ao Cód. de Proc. Penal”, ed. “REVISTA FORENSE”, vol. VI, pág. 91, n.º 20).
Julgando, o juiz, em sentença definitiva, esta não pode ficar adstrita à pronúncia, nem à declaração de incompetência, feita pelo Júri.
Deve ser entendido o julgado do Supremo Tribunal, não com a amplitude com que foi redigido, talvez inadvertidamente, mas apenas com referência à hipótese de condenação por excesso culposo de legítima defesa, condenação que resulta, efetivamente, de decisão inteira do Júri. Aí sim, valem as ponderações do acórdão.
Se o Júri absolve, o recurso tem efeito suspensivo e o réu continuará prêso, se não fôr unânime a decisão. Se o Júri, ao invés de absolver por legítima defesa, reconhece e proclama que se configurou excesso culposo, condenando o réu, o recurso terá também efeito suspensivo. O Júri, no caso, reconhece o estado de legítima defesa, mas com excesso punível. É julgamento inteiro do Júri, que absolve o réu da acusação de homicídio doloso.
No entanto, se o Júri desclassifica, como no exemplo acima dado, do motorista que matou, de homicídio doloso para culposo, aí há uma declaração de incompetência. O Júri não julgou, declarou-se apenas incompetente; reconheceu que o réu não praticara crime de sua competência. A votação é encerrada e o juiz-presidente, como juiz togado, passa a proferir a sua sentença, passa a julgar. Em tal caso, não há absolvição de homicídio doloso, pois o Júri não absolveu, apenas desclassificou. Suponha-se, ainda, a hipótese de morte acidental. Havendo suspeitas e indícios de tratar-se de homicídio doloso, o réu é julgado pelo Júri. Feita a prova em plenário, verifica-se que tudo resultara de um êrro. A arma dispara, enquanto o réu a limpava. O Júri desclassifica o crime, para culposo. O juiz julga-o. Deverá pronunciar-se sôbre o sursis (art. 697). Seria justo manter o réu prêso?
Tanto assim que, no caso de reconhecimento, pelo Júri, do excesso culposo de legítima defesa, os jurados devem pronunciar-se sôbre tôda a relação de quesitos, pois há uma afirmação de existência de um estado de legítima defesa, com excesso culposo. Ao contrário, quando o Júri desclassifica (digamos ainda: de tentativa de homicídio para lesões corporais), cessa a sua competência. A votação é encerrada e o juiz passa a julgar.
Diz-se, enfim, que quando o Júri desclassifica, o juiz julga, mas por fôrça da decisão do Júri, ou melhor, “jungido à desclassificação imposta”. Mas isso é claro. Também no caso de conflito negativo de jurisdição, quando dois juízes se dão por incompetentes, o juiz a final declarado competente terá de julgar, jungido à decisão da instância superior e abstraindo-se de sua anterior, convicção. Nem por isso deixará de julgar plenamente.
Figure-se o seguinte: no Distrito Federal, o juiz de uma Vara Criminal singular, ao apreciar um caso de denúncia por lesões corporais leves, entende que se trata de tentativa de homicídio, declarando-se incompetente e remetendo o processo ao Tribunal do Júri, onde o juiz, por sua vez, também se declara incompetente,
afirmando tratar-se, efetivamente, de lesões leves. Chamada a decidir, a instância superior conclui pela competência do primeiro, que terá de julgar o caso, assim, com abstração de sua anterior convicção (de tratar-se de tentativa), como de delito de lesões leves.
Outra coisa não se dá com o juiz-presidente do Tribunal do Júri, ao sentenciar, por efeito de desclassificação imposta pelo Júri. Apenas a lei manda que o juiz profira logo a sua sentença, dado o caráter de supremacia conferido às decisões do Júri.
Acentue-se, porém, para finalizar, e mais uma vez, que, no caso de condenação por excesso culposo de legítima defesa, não há desclassificação, como disse o venerando acórdão citado. Há, sim, condenação pelo excesso cometido, se êste é punível como crime culposo (art. 21, parág. único; art. 121, § 3.°). Quem assim condena é o próprio Júri, não o juiz.
Assim apreciadas as questões referidas, só espero que os doutos, com maior autoridade, melhor focalizem os problemas em debate.
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Notas:
* Já estava concluído o presente estudo quando um acontecimento, no 1.º Tribunal do Júri, veio trazer grande refôrço prático ao ponto de vista que foi adotado no texto. O réu Aristides Guimarães foi denunciado como tendo ordenado ao seu filho menor, S. F. G., que matasse Francisco Mendes Oliveira. A denúncia foi recebida, mas o juiz da instrução, prudentemente, não decretou a prisão preventiva do réu. No sumário, algumas testemunhas afirmaram terem ouvido da vítima, antes desta falecer, que havia sido ferida por Aristides e por seu filho. O fato se dera em local deserto, sem qualquer testemunha. Os indícios. existentes contra Aristides levaram o juiz titular a pronunciá-lo sendo então recolhido ao cárcere. Dias depois da prisão do réu, apresenta-se Gumercindo Flozino, tio do menor S. F. G., dizendo-se autor do crime, que cometera em defesa do menor, que estava sendo espancado pela vítima. Como não tinha transitado em julgado a sentença de pronúncia, determinei a tomada de suas declarações e de outras, reformando depois a decisão anterior para impronunciar o réu Aristides, ordenando a sua soltura. Veja-se o seguinte: E se o juiz de instrução houvesse decretado a prisão preventiva do réu, não poderia êste ser sôlto pela impronúncia? Mesmo quando o verdadeiro criminoso se apresenta e confessa, o réu, prêso preventivamente, deverá continuar prêso, impronunciado? Terá o réu de aguardar, na prisão, o escoamento do prazo para o recurso? E se o Ministério Público, em dúvida sôbre a nova confissão, recorrer da impronúncia?
É possível que, no caso, a vítima tenha confundido o tio do menor com o pai dêste, pois o fato se deu em local escuro e êrmo. Isso tudo mostra que a lei tem seus temperamentos, especialmente quando se trata de restrição à liberdade individual, não se podendo adotar fórmulas intransigentes. O que se exige é que se faça sempre justiça.
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NORMAS DE SUBMISSÃO DE ARTIGOS

I) Normas técnicas para apresentação do trabalho:
- Os originais devem ser digitados em Word (Windows). A fonte deverá ser Times New Roman, corpo 12, espaço 1,5 cm entre linhas, em formato A4, com margens de 2,0 cm;
- Os trabalhos podem ser submetidos em português, inglês, francês, italiano e espanhol;
- Devem apresentar o título, o resumo e as palavras-chave, obrigatoriamente em português (ou inglês, francês, italiano e espanhol) e inglês, com o objetivo de permitir a divulgação dos trabalhos em indexadores e base de dados estrangeiros;
- A folha de rosto do arquivo deve conter o título do trabalho (em português – ou inglês, francês, italiano e espanhol) e os dados do(s) autor(es): nome completo, formação acadêmica, vínculo institucional, telefone e endereço eletrônico;
- O(s) nome(s) do(s) autor(es) e sua qualificação devem estar no arquivo do texto, abaixo do título;
- As notas de rodapé devem ser colocadas no corpo do texto.
II) Normas Editoriais
Todas as colaborações devem ser enviadas, exclusivamente por meio eletrônico, para o endereço: revista.forense@grupogen.com.br
Os artigos devem ser inéditos (os artigos submetidos não podem ter sido publicados em nenhum outro lugar). Não devem ser submetidos, simultaneamente, a mais do que uma publicação.
Devem ser originais (qualquer trabalho ou palavras provenientes de outros autores ou fontes devem ter sido devidamente acreditados e referenciados).
Serão aceitos artigos em português, inglês, francês, italiano e espanhol.
Os textos serão avaliados previamente pela Comissão Editorial da Revista Forense, que verificará a compatibilidade do conteúdo com a proposta da publicação, bem como a adequação quanto às normas técnicas para a formatação do trabalho. Os artigos que não estiverem de acordo com o regulamento serão devolvidos, com possibilidade de reapresentação nas próximas edições.
Os artigos aprovados na primeira etapa serão apreciados pelos membros da Equipe Editorial da Revista Forense, com sistema de avaliação Double Blind Peer Review, preservando a identidade de autores e avaliadores e garantindo a impessoalidade e o rigor científico necessários para a avaliação de um artigo.
Os membros da Equipe Editorial opinarão pela aceitação, com ou sem ressalvas, ou rejeição do artigo e observarão os seguintes critérios:
- adequação à linha editorial;
- contribuição do trabalho para o conhecimento científico;
- qualidade da abordagem;
- qualidade do texto;
- qualidade da pesquisa;
- consistência dos resultados e conclusões apresentadas no artigo;
- caráter inovador do artigo científico apresentado.
Observações gerais:
- A Revista Forense se reserva o direito de efetuar, nos originais, alterações de ordem normativa, ortográfica e gramatical, com vistas a manter o padrão culto da língua, respeitando, porém, o estilo dos autores.
- Os autores assumem a responsabilidade das informações e dos dados apresentados nos manuscritos.
- As opiniões emitidas pelos autores dos artigos são de sua exclusiva responsabilidade.
- Uma vez aprovados os artigos, a Revista Forense fica autorizada a proceder à publicação. Para tanto, os autores cedem, a título gratuito e em caráter definitivo, os direitos autorais patrimoniais decorrentes da publicação.
- Em caso de negativa de publicação, a Revista Forense enviará uma carta aos autores, explicando os motivos da rejeição.
- A Comissão Editorial da Revista Forense não se compromete a devolver as colaborações recebidas.
III) Política de Privacidade
Os nomes e endereços informados nesta revista serão usados exclusivamente para os serviços prestados por esta publicação, não sendo disponibilizados para outras finalidades ou a terceiros.
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