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REFORMA TRIBUTÁRIA
TRIBUTÁRIO
Primeiras reflexões sobre a Reforma Tributária: CBS-IBS (PEC nº45/2019)
Solon Sehn
25/07/2023
É inquestionável a necessidade de uma reforma tributária. O Brasil, por diversas outras razões estruturais, há tempo não oferece um ambiente favorável ao empreendedorismo e ao desenvolvimento das atividades empresariais. Se nada for feito para simplificar e para racionalizar o sistema tributário, o potencial de crescimento e de geração de riquezas da população brasileira será irremediavelmente comprometido. Mas a complexidade da legislação não é o único obstáculo. A elevada carga tributária, incompatível com o nível de prestação de serviços públicos por parte do Estado, também é um problema. O País precisa de um sistema tributário melhor e menor, sem a complexidade e sem o peso do atual.
PEC nº 45/2019
A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 45/2019 (Emenda da Reforma Tributária), aprovada pela Câmara dos Deputados, resolve o primeiro problema. Nela é prevista a unificação do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), do ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação), do ISS (Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza) e das Contribuições ao PIS/Pasep e a Cofins em dois novos tributos: a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) da União; e o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
A substituição ocorrerá em três fases, com duração de sete anos. A primeira será em 2026, quando terá início a cobrança da CBS e do IBS com alíquotas de teste ou de calibração de 0,9% e 0,1%, respectivamente. O valor pago será compensável com o PIS/Pasep e a Cofins1. O objetivo é medir de forma mais precisa quais serão os reais efeitos arrecadatórios do novo tributo, permitindo a definição do percentual necessário para manter o patamar atual da carga tributária. As alíquotas de referência serão fixadas anualmente pelo Senado Federal, com base em cálculo realizado pelo Tribunal de Contas da União (TCU). A segunda fase terá início em 2027, com a cobrança da CBS, a extinção do PIS/Pasep, da Cofins e a redução a zero das alíquotas do IPI, ressalvado, quanto a esse imposto, as industrializações ocorridas na Zona Franca de Manaus2. Entre 2029 e 2032, as alíquotas do ICMS e do ISS serão reduzidas um décimo por ano, acompanhadas do aumento do IBS na mesma proporção3. Durante o período de transição, até o ano 2033, o IPI não poderá incidir sobre produtos sujeitos ao imposto seletivo4. Além disso, o ICMS, o ISS, o PIS/Pasep e a Cofins, inclusive incidentes nas operações de importação de produtos e serviços, não poderão ser incluídos na base de cálculo do IBS e da CBS5. A terceira e última fase será em 2033, quando finalmente ocorrerá a extinção do IPI, do ICMS e do ISS.6
O regime de incidência e a não cumulatividade dos novos tributos serão definidos em lei complementar, observadas algumas características previstas nos arts. 149-B, 156-A e 195, V, § 15, da Constituição Federal: (i) legislação única (art. 149-B, art. 156-A, § 1º, IV, § 5º; art. 195, V e § 15); (ii) alíquota uniforme (art. 156-A, § 1º, V e VI; art. 195, § 15); (iii) vedação para a concessão de benefícios fiscais e de tratamentos tributários diferenciados (art. 156-A, § 1º, X; art. 195, § 15); (iv) base de incidência ampla (art. 156-A, § 1º, I e II, § 7º; art. 195, V e § 15); (v) cobrança “por fora”, ou seja, sem a inclusão do próprio tributo em sua própria base imponível (art. 156-A, § 1º, IX; art. 195, § 157; (vi) princípio do destino (art. 156-A, § 1º, VII); (vii) pagamento compensatório em dinheiro, vulgarmente denominado cashback, mas que, a rigor, é uma técnica relevante de proteção do mínimo vital e de concretização do princípio constitucional da capacidade contributiva8 (art. 156-A, § 5º, VIII; art. 195, § 16); e (viii) não cumulatividade ampla (art. 156-A, § 1º, VIII; art. 195, § 15).
Os novos tributos serão instituídos por meio de lei complementar federal, que deverá dispor sobre os pressupostos de incidência e a não cumulatividade9. Apenas a alíquota será definida pelos entes federativos, que deverá ser uniforme para todas as operações tributadas, observada a alíquota de referência fixada em Resolução do Senado Federal10. É vedada ainda a concessão de benefícios fiscais ou financeiros, assim como de regimes específicos, diferenciados ou favorecidos de tributação.
Novos tributos
Não obstante, no § 5º do art. 156-A, são previstos regimes específicos de tributação para serviços financeiros, operações com bens imóveis, planos de assistência à saúde e concursos de prognósticos, combustíveis e lubrificantes e compras governamentais. Outros segmentos e atividades, relacionados taxativamente no § 1º do art. 9º da PEC, ficarão submetidos a uma alíquota reduzida em 60%11, parte dos quais, nos termos do § 2º, poderão ser isentados por meio de lei complementar12, inclusive com alíquota zero13.
Esse é um ponto preocupante da Reforma. Não houve uma clareza quanto à futura alíquota dos novos tributos, o que criou em muitos, não sem razão, o justo receio de que poderia ocorrer um aumento da carga tributária. Com isso, grupos de pressão agiram no Congresso Nacional, levando a Câmara dos Deputados a criar desonerações não previstas no projeto, ampliando a lista de atividades contempladas com a alíquota reduzida, além de aumentar o próprio percentual de redução. Esse movimento está sendo ainda intenso no Senado Federal, de modo que, ao final, será necessária uma alíquota padrão maior para a manutenção do nível de arrecadação. Se antes comentava-se informalmente que essa seria de 25%, hoje já se fala em 28% ou até mais, o que seria um verdadeiro absurdo, considerando a média de 19,3% da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). A alíquota brasileira seria maior que a de países em que o Estado oferece um nível de prestações sociais e de serviços públicos muito maior (v.g., Suécia, Dinamarca, Itália, Espanha, França e Alemanha). Espera-se, portanto, uma necessária revisão das desonerações e das exceções.
A base de incidência ampla decorre da abertura semântica dos incisos I e II do art. 156-A14:
Art. 156-A. Lei complementar instituirá imposto sobre bens e serviços de competência dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
§ 1º O imposto previsto no caput atenderá ao seguinte:
I – incidirá sobre operações com bens materiais ou imateriais, inclusive direitos, ou com serviços;
II – incidirá também sobre a importação de bens materiais ou imateriais, inclusive direitos, ou de serviços realizada por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade;
Por outro lado, de acordo com o § 7º do art. 156-A, o legislador complementar é livre para estabelecer o conceito de operações com serviços: “§ 7º Para fins do disposto neste artigo, a lei complementar de que trata o caput poderá estabelecer o conceito de operações com serviços, seu conteúdo e alcance, admitida essa definição para qualquer operação que não seja classificada como operação com bens”. Isso rompe com uma regra que decorre da reserva de constituição em matéria de competência impositiva, enunciada no art. 110 do CTN: “Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias”. Com isso, diferentemente do que ocorre com os demais tributos, o legislador infraconstitucional não está vinculado ao conteúdo e ao alcance do conceito no direito privado. Poderá ser alcançada qualquer operação, desde que não configure uma “operação com bens”.
CSB e IBS
No comércio exterior, por sua vez, a CSB e o IBS incidirão na importação de bens e de serviços por pessoa física ou jurídica. No § 5º do art. 156-A, foi previsto que a lei complementar deverá dispor sobre: “IX – as hipóteses de diferimento do imposto aplicáveis aos regimes aduaneiros especiais e às zonas de processamento de exportação”. Esse dispositivo pode gerar prejuízo aos exportadores, especialmente no drawback suspensão, que é responsável por mais de 20% das exportações brasileiras15. Nesse regime aduaneiro especial, o ingresso de produtos estrangeiros no território aduaneiro é autorizado – sem o pagamento de tributos – para fins de utilização como insumo na fabricação de produto nacional a ser exportado, de forma combinada ou não com outros insumos nacionais igualmente desonerados. Atualmente, o drawback suspensão desonera o exportador do pagamento dos tributos federais (II, IPI, PIS- Cofins e AFRMM) e do ICMS16. Com a redação aprovada do § 5º do art. 156-A, não haverá mais uma isenção, mas apenas o diferimento (postergação) da CBS e do IBS. O mesmo ocorrerá em outros regimes relevantes para a manutenção do equilíbrio da balança comercial brasileira, como o entreposto industrial (Recof Sistema e Recof Sped), o Repetro e a admissão temporária para utilização econômica. Trata-se, portanto, de algo que precisa ser alterado no Senado Federal.
Outra característica da CBS e do IBS é a não cumulatividade ampla, que deverá compreender todas as aquisições de bens ou de serviços, ressalvadas apenas as de uso ou consumo pessoal, nos termos da lei complementar, além das exceções previstas no próprio texto constitucional:
Art. 156-A. […]
VIII – com vistas a observar o princípio da neutralidade, será não cumulativo, compensando-se o imposto devido pelo contribuinte com o montante cobrado sobre todas as operações nas quais seja adquirente de bem, material ou imaterial, inclusive direito, ou serviço, excetuadas exclusivamente as consideradas de uso ou consumo pessoal, nos termos da lei complementar, e as hipóteses previstas nesta Constituição;
Não cumulatividade tributária
Esse é um aspecto bastante positivo da PEC. O inciso VIII do art. 156-A reverterá uma distorção histórica do sistema tributário brasileiro, que nunca teve uma não cumulatividade tributária efetiva. Desde as Leis nº 297/1956 e nº 4.502/1964, relativas ao imposto sobre o consumo, precursor do atual IPI, até as Leis nº 10.637/2002, nº 10.833/2003 e nº 10.865/2004, que disciplinam o PIS/Pasep e da Cofins, a implementação da não cumulatividade sempre foi errática, inadequada e não uniforme.
A unificação da não cumulatividade é importante porque, atualmente, os contribuintes estão submetidos a regras diferentes para o PIS/Pasep e a Cofins, o IPI e o ICMS, nesse último caso, com as variações normativas e interpretação díspares vigentes em cada Estado e no Distrito Federal. Em nenhum desses tributos a não cumulatividade é ampla, como será na CBS e no IBS. Entre a produção até o consumo final, sempre há um resíduo de PIS/Pasep, de Cofins, IPI e ICMS, gerando um efeito cascata ou de piramidização. Isso torna a carga tributária artificialmente maior em função do aumento do número de etapas de circulação. Os produtos industrializados, assim, acabam sendo mais onerados que os semielaborados ou não industrializados. Por outro lado, como os bens importados são destinados quase que diretamente ao consumidor final, esses ficam submetidos a uma cadeia de circulação menos complexa que a dos produtos de fabricação nacional. Por conseguinte, sofrem um efeito cascata menor que os similares nacionais, o que favorece os produtos importados e prejudica a indústria local. Além disso, a cumulatividade potencializa a verticalização de empresas, que são estimuladas a concentrar todas as etapas de produção e de circulação na mesma pessoa jurídica, gerando prejuízos ao consumidor.17
A Emenda da Reforma Tributária, evidentemente, não é perfeita. Há aspectos preocupantes, como a alíquota, o tratamento inadequado aos regimes aduaneiros e, sobretudo, o longo período de transição, quando os contribuintes ainda serão obrigados a observar as regras dos novos e dos antigos tributos, até o ano de 2033, isso se não ocorrer uma prorrogação. Muito do sucesso da CSB e do IBS ainda depende da futura regulamentação na lei complementar. Nela, se ocorrer uma mitigação da não cumulatividade ou se não forem definidos com clareza aspectos como o conceito de destino e a competência fiscalizatória, há risco de piora da situação atual. Imagine-se os embaraços burocráticos que teria um contribuinte em razão de múltiplas fiscalizações por parte de 5.568 municípios, 26 Estados, o Distrito Federal e a União. Apesar disso, mesmo não sendo ideal, com alguns aperfeiçoamentos, a PEC nº 45/2019 tem potencial para a melhorar o sistema.
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NOTAS
1 – ADCT, art. 124, caput. De acordo com o § 2º do art. 124, “caso o contribuinte não possua débitos suficientes para efetuar a compensação de que trata o § 1º, o valor recolhido poderá ser compensado com qualquer outro tributo federal ou ser ressarcido em até 60 (sessenta) dias, mediante requerimento”.
2 – ADCT, art. 125.
3 – ADCT, art. 127. PEC nº 45/2019: “Art. 19. Ficam revogados: […] I – em 2027, o art. 195, I, “b”, IV e § 12, da Constituição Federal;”
4 – CF, art. 153, § 3º, V, na redação dos arts. 1º e 3º da PEC nº 45/2019.
5 – ADCT, art. 132.
6 – ADCT, art. 128. PEC nº 45/2019: “Art. 19. Ficam revogados: […] II – em 2033: […] a) os arts. 153, IV e § 3º, 155, II e §§ 2º a 5º, 156, III e § 3º, 158, IV, ‘a’, e § 1º, e 161, I, todos da Constituição Federal; e”
7 – CF, art. 156-A, § 1º, IX; art. 195, § 15.
8 – TIPKE, Klaus; LANG, Joachim. Direito tributário. Trad. Elisete Antoniuk. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2013, p. 203; MOLINA, Pedro M. Herrera. Capacidad económica y sistema fiscal: análisis del ordenamento español a luz del Derecho alemán. Madrid: Marcial Pons, 1998, p. 126.
9 – CF, art. 149-B.
10 – CF, art. 156-A, § 1º, IV, V, VI e XII; art. 195, V, § 15.
11 – Serviços de educação; serviços de saúde; dispositivos médicos e de acessibilidade para pessoas com deficiência; medicamentos e produtos de cuidados básicos à saúde menstrual; serviços de transporte coletivo de passageiros rodoviário, ferroviário e hidroviário, de caráter urbano, semiurbano, metropolitano, intermunicipal e interestadual; produtos agropecuários, aquícolas, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in natura; insumos agropecuários e aquícolas, alimentos destinados ao consumo humano e produtos de higiene pessoal; produções artísticas, culturais, jornalísticas e audiovisuais nacionais e atividades desportivas; bens e serviços relacionados à segurança e soberania nacional, segurança da informação e segurança cibernética.
12 – Serviços transporte coletivo de passageiros rodoviário, ferroviário e hidroviário, de caráter urbano, semiurbano, metropolitano, intermunicipal e interestadual.
13 – Dispositivos médicos e de acessibilidade para pessoas com deficiência, medicamentos e produtos de cuidados básicos à saúde menstrual; produtos hortícolas, frutos e ovos; e, em relação à CBS, serviços de educação de ensino superior nos termos do Programa Universidade para Todos (Prouni) e os serviços beneficiados com o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse).
14 – CF, art. 195: “§ 15. Aplica-se à contribuição prevista no inciso V o disposto no art. 156-A, § 1º, I a VI, VIII, X a XII, § 3º, § 5º, II, III, V, VI e IX, e §§ 6º a 10”. Ademais, de acordo com o art. 149-B, os fatos geradores, bases de cálculo, hipóteses de não incidência e sujeitos passivos, imunidades, regimes específicos, diferenciados ou favorecidos de tributação, regras de não cumulatividade e de creditamento devem ser os mesmos para o IBS e para a CBS.
15 – De acordo com relatório do Ministério da Economia, em março de 2020, “nos últimos 12 meses, as exportações com drawback atingiram US$ 46,9 bilhões, representando 21% do total exportado”. Disponível em: http://www.siscomex.gov.br/wp-content/uploads/2020/07/202003.pdf. Acesso: 14/08/2020.
16 – Convênio Confaz nº 27/1990.
17 – SEHN, Solon. Curso de direito tributário. Rio de Janeiro: Forense, no prelo. Cf. ainda: BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 392; FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. ICMS: não cumulatividade e suas exceções constitucionais. RDT nº 48, p. 19; MORAES, Bernardo Ribeiro. O imposto sobre circulação de mercadorias no sistema tributário nacional. In: MARTINS, Ives Gandra (org.). O fato gerador do I.C.M.. São Paulo: Resenha Tributária-Centro de Estudos de Extensão Universitária, 1978, Caderno de Pesquisas Tributárias n. 3, p. 38; BELTRAME, Pierre. Introducción a la fiscalidad en Francia. Barcelona: Atelier, 2004, p. 125-126.