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TRIBUTÁRIO
IPTU e o imóvel cultivado em área urbana
Kiyoshi Harada
23/11/2016
Mediante análise do aspecto espacial do fato gerador do IPTU é possível inferir que o CTN adotou o critério geográfico.
Dessa forma, da delimitação da zona urbana pela lei municipal, de conformidade com os requisitos previstos no § 1º, do art. 32 do CTN, surge, por exclusão, o conceito de zona rural, de sorte a dirimir conflitos de competência impositiva entre o Município (IPTU) e a União (ITR).
Acontece que o crescente fenômeno da urbanização dos municípios componentes de Regiões Metropolitanas vem suprimindo, aos poucos, as zonas rurais.
Nos municípios que compõem a região conhecida por ABCD (Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano e Diadema), por exemplo, todas as áreas do território municipal foram sendo, paulatinamente, declaradas como sendo de zona urbana. Por razões de conveniência foram toleradas as atividades dos proprietários que estavam cultivando suas áreas, antes não urbanizadas, por ser de interesse da cidade o abastecimento da população local com os produtos hortifrutigranjeiros.
Só que esses proprietários rurais, agora, transformados em proprietários de áreas urbanas, não conseguem arcar com os pesados ônus da imposição tributária pelo IPTU. Como se sabe, o fato gerador do IPTU, em seu aspecto quantitativo, leva em conta a área do imóvel, mensurada em termos de m2, tornando inviável economicamente a manutenção da propriedade nessas condições. O ITR, ao contrário, é um tributo de natureza regulatória, que permite a redução do imposto em até 90%, dependendo do grau de utilização da terra e do grau de eficiência na produção. Daí a inadimplência dos proprietários que continuaram desenvolvendo atividades agrícolas em áreas que se tornaram urbanas com o passar do tempo.
Para a solução desse problema social, que surgiu com a expansão da zona urbana, deveria o município isentar do IPTU os proprietários que cultivam as áreas incluídas no perímetro urbano, contribuindo para o abastecimento da cidade com verduras e hortaliças.
Como não há iniciativa nesse sentido por parte dos municípios envolvidos essa questão deve ser solucionada com base no Decreto Lei nº 57, de 18-11-1966 , cujo art. 15 assim prescreve:
“Art. 15. O disposto no art. 32 da Lei n° 5.172, de 25 de outubro de 1966, não abrange o imóvel que, comprovadamente, seja utilizado em exploração extrativa vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial, incidindo assim, sobre o mesmo, o ITR e demais tributos com o mesmo cobrados.”
Esse art. 15 foi recepcionado como lei complementar pela Constituição Federal de 1967 e pela Emenda Constitucional de n°1/69, conforme se verifica da emenda da decisão proferida pelo STF:
“Ementa: – Imposto Territorial Urbano. Não incide sobre imóvel utilizado na exploração agro-pastoril, ainda que situado nos limites da zona urbana, definida em Lei Municipal. Negação e vigência, pelas instâncias ordinárias, ao art. 15 do Dl. 57, de 18-11-66, modificador da norma contida no art. 32 do Código Tributário Nacional. Recurso extraordinário conhecido e provido.” (RE n° 76.057, Rel. Min. Xavier de Albuquerque, julgado em 10-05-1974, RTJ 70/479).
Conforme assinalamos em nosso livro o Decreto-Lei nº 57/66 por ter sido sancionado depois da Lei nº 5.172, de 25-10-1966 – CTN – por ter natureza de lei complementar implicou alteração do conceito de zona urbana tal como previsto no § 1º, do art. 32 do CTN só podendo sofrer nova alteração por meio de lei complementar.[1]
Por isso a revogação do citado art. 15 do Decreto-lei nº 57/66 pelo art. 12 da Lei n° 5.868, de 12-12-1972 foi considerada inconstitucional pelo STF, conforme ementa abaixo:
“Ementa: – Direito Constitucional, Tributário e Processual Civil. Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). Imposto Territorial Rural (ITR). Taxa de conservação de vias. Recurso extraordinário. 1. R.E. não conhecido, pela letra ‘a’ do art. 102, III, da C.F., mantida a declaração de inconstitucionalidade da Lei Municipal de Sorocaba, de n 2.200, de 03-06-1983, que acrescentou o parágrafo 4° ao art. 27 da Lei n 1.444, de 13-12-1966. 2. R.E. conhecido, pela letra ‘b’, mas improvido, mantida a declaração de inconstitucionalidade do art. 12 da Lei Federal n 5.868, de 12-12-1972, no ponto em que revogou o art. 15 do Decreto-Lei n 57, de 18-11-1966. 3. Plenário. Votação unânime.” (RE 140773, Rel. Min. Sydney Sanches, Tribunal Pleno, julgado em 08-10-1998, DJ 04-06-1999 PP-00017).
De igual modo, o art. 6° e seu parágrafo único de Lei Federal n° 5.868, de 12-12-1972 que, para efeito de tributação pelo ITR, considerava como imóvel rural, independentemente de sua localização, aquele destinado à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal ou agro-industrial, foram declarados inconstitucionais por invasão de esfera do legislador complementar, conforme se verifica da ementa abaixo:
“Imposto predial. Critério para a caracterização do imóvel como rural ou como urbano. A fixação desse critério, para fins tributários, e princípio geral de Direito Tributário, e, portanto, só pode ser estabelecido por Lei Complementar. O CTN segundo a jurisprudência do STF, e Lei Complementar. Inconstitucionalidade do artigo 6°, e seu parágrafo único da Lei Federal 5.868, de 12 de dezembro de 1972, uma vez que, não sendo Lei Complementar, não poderia ter estabelecido critério, para fins tributários, de caracterização de imóvel como rural ou urbano diverso do fixado nos artigos 29 e 32 do CTN. Recurso extraordinário conhecido e provido, declarando-se a inconstitucionalidade do artigo 6°. E seu parágrafo único da Lei Federal 5.868, de 12 de dezembro de 1972.” (RE 93850, Re. Min. Moreira Alves, Tribunal Pleno, julgado em 20-05-1982, DJ 27-08-1982 PP-08180).
Concluindo, a competência impositiva para tributar imóvel situado na zona urbana, comprovadamente, utilizado em exploração extrativa vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial é do Município, nos termos do art. 15, do Decreto-lei n° 57/66.
Nesse sentido vem decidindo o STJ, conforme se verifica da ementa do v. acórdão proferido em caráter de recurso repetitivo:
“Tributário. Imóvel na área urbana. Destinação rural. IPTU. Não-incidência. Art. 15 do DL 57/1966. Recurso repetitivo. Art. 543-C do CPC.
- Não incide IPTU, mas ITR, sobre imóvel localizado na área urbana do Município, desde que comprovadamente utilizado em exploração extrativa, vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial (art. 15 do DL 57/1966).
- Recurso Especial provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ” (Resp 1112646/SP, Rel. Ministro Herman Benjamim, Primeira seção, DJe 28-08-2009).
Até que nova lei complementar venha restabelecer a plenitude do conceito de zona urbana previsto n§ 1º, do art. 32 do CTN, as restrições introduzidas pelo art. 15 do Decreto-lei nº 57/66 continuam sendo válidas, e cumprem a relevante função social de solucionar com justiça as situações de proprietários de áreas urbanas que continuam explorando o cultivo de verduras e hortaliças, para abastecimento da população local.
[1] Cf. nosso IPTU doutrina e prática. São Paulo: Atlas, 2012, p. 151.
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