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Imposto De Consumo – Automóveis E Microônibus – Isenção – Autonomia Do Direito Fiscal, de Aliomar Baleeiro

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CLÁSSICOS FORENSE

REVISTA FORENSE

TRIBUTÁRIO

Imposto De Consumo – Automóveis E Microônibus – Isenção – Autonomia Do Direito Fiscal, de Aliomar Baleeiro

REVISTA FORENSE 165 - ANO 1954

Revista Forense

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28/08/2024

– Os automóveis tributados, segundo a lei n. 494, de 1948, são os de uso individual; gozam de isenção as ambulâncias, caminhões, ônibus e micrônibus.

– Em conseqüência de sua autonomia, a interpretação do direito fiscal só se faz com os subsídios do direito comum quando for impossível buscar-se a solução nos conceitos próprios, forjados pelas leis tributárias.

– É tendência de nossos tribunais doutrinadores interpretar as cláusulas de isenção tributária em tôda a sua força de compreensão, sem o espírito restritivo dos velhos julgados.

CONSULTA

Uma firma brasileira fabrica, em suas oficinas, carrosserias para ônibus de 13 a 20 passageiros, vulgarmente conhecidos.como “micrônibus”, destinados a transportes coletivos. Estas carrosserias são construídas de madeira sôbre chassis de caminhões importados pela firma.

Nunca se julgou obrigada a pagar, nem lhe foi exigida a patente do impôsto de consumo como “fábrica de montagem”, desde que não importa carrosserias, nem fabrica automóveis dê passeio ou transporte individual.

Sua contabilidade foi examinada por inspetores fiscais, posteriormente à lei n. 494, de 1948, sem que êles a considerassem obrigada à inscrição ou patente como contribuinte do impôsto de consumo por sua atividade de fabricante de carrosserias de micrônibus sôbre chassis de caminhões.

Recentemente, outro inspetor fiscal pretende que os micrônibus construídos por aquela emprêsa sôbre os chassis importados não estão isentos porque, segundo a opinião dêle, ônibus são sòmente carros coletivos de mais de 20 passageiros, aos quais se refere o art. 66, § 2°, do Cód. Nacional de Trânsito, conforme acórdão n. 24.242, do 2° Conselho de Contribuintes. Em conseqüência, pretende o agente do fisco que os micrônibus devem pagar impôsto de consumo como “automóveis” tributados pela lei n. 494, de 1948.

Perguntase:

1) Quais são os “automóveis” tributados pelo impôsto de consumo por fôrça da lei n. 494, de 1948, e quais os isentos por cláusula expressa dêsse diploma ?

2) Quais os fundamentos jurídicos e políticos da tributação e isenção de automóveis que inspiraram o legislador de 1948 ?

3) Os ônibus de 13 a 20 passageiros, conhecidos por “micrônibus” fabricados por firma brasileira, que importou chassis de caminhões e sôbre êles construiu carrosserias de madeira para transpor! os coletivos, estão sujeitos a impôsto de consumo estabelecido para automóveis, em geral, pela lei n. 494, de 1948 ?

PARECER

O elemento histórico. No direito positivo brasileiro, os automóveis não eram tributados pelo impôsto de consumo, embora não escapassem a êsse gravame mercadorias de ínfimo valor, destinadas ao uso das classes mais humildes, do proletariado, tamancos, por exemplo, deveriam paga Cr$ 0,10 por par.

Essa política fiscal recebeu condenação do constituinte de 1946, não só no art. 202 da Carta em vigor, disposição de caráter programático geral, senão também em cláusula específica, o art. 15, § 1°, que isenta do impôsto de consumo os artigos classificados por lei como o mínimo indispensável à habitação, vestuário, alimentação e tratamento médico das pessoas de restrita capacidade econômica.

Ainda em 5 de julho de 1948, a lei n. 299 dessa data isentava genèricamente os veículos “de qualquer espécie”, chassis e carrosserias.

Nesse ano, a Câmara dos Deputados condescendeu com a majoração do impôsto sôbre fumos, bebidas alcoólicas e outras mercadorias, a fim de equilibrar-se o orçamento, mas decidiu cumprir o art. 15, § 1°, da Constituição, isentando algumas mercadorias de uso das classes menos afortunadas. Para cobertura da receita relativa a essas rubricas abolidas, surgiu expenda ao projeto de que resultou a lei n. 494-1948, propondo a tributação dos automóveis em substituição aos artigos de vestuário, habitação, alimentação e medicação das pessoas de escassos recursos.

Foi aprovada essa emenda, ficando entretanto excetuados do tributo “as ambulâncias, ônibus e caminhões”. Por nota, ficou esclarecida a técnica de arrecadação para os demais automóveis: pagamento por verba pelo importador ou pela fábrica de montagem no território nacional, pois era notório que a General Motors e a Ford recebiam as partes integrantes dos carros, fabricadas nos Estados Unidos, e as montavam em suas oficinas de São Paulo, nelas fazendo pinturas e acabamentos finais.

“Ratio legis”. Votando a lei que tomou o n. 494, de 26 de novembro de 1948, o Congresso Nacional pretendeu desviar ônus tributário das classes menos opulentas para as mais opulentas, na conformidade dos princípios programáticos dos arts. 202 e 15, § 1°, da Constituição.

Êsse objetivo está claramente expresso na breve justificação da emenda que aprovada, se transformou no art. 7° da lei n. 494. Mas é no próprio conteúdo objetivo da lei que se apreende essa diretriz nítida do confronto entre as isenções dadas a copos, talheres, móveis, tecidos de baixo preço e medicamentos indispensáveis às zonas endêmicas povoadas de matutos e a nova tributação sobre automóveis, exceto ambulâncias, ônibus e caminhões.

A pesquisa da ratiolegis pode e deve ser feita no próprio contraste entre o gravame sobre automóveis e a isenção nos ônibus, ambulâncias e caminhões.

Transparece dêsse art. 7° da lei número 494 que a vontade do legislador consiste em onerar as classes sociais que dispõem de automóveis próprios para uso individual ou os tomam a frete, porque uma e outra atitudes regalam a capacidade econômica referida pelo art. 202 da Constituição.

Ainda em obediência ao princípio programático dêsse dispositivo, o impôsto de consumo sôbre automóveis foi decretado em escala graduada ou progressiva (2, 3, 5 e 7%). Carros de mais de Cr$ 100.000,00, em 1948, quando o dólar, no mercado livre, se cotava entre Cr$ 23,00 e Cr$ 25,00, eram só Cadillac e os modelos de luxo, que o legislador tributou em 7%, fixando em 2% os “low erice”, como Chevrolet, Ford e jipes.

Ora, se a 121 n. 494 incluí se na tributação os ônibus, isto é, carros de transporte coletivo, e os caminhões, faltaria à regra do art. 202, porque o tributo, por sucessivos fenômenos de repercussão, descritos pelos financistas desde o século passado, viria a incidir sobre os passageiros e consumidores das mercadorias transportadas.

Qualquer pessoa medianamente lúcida não necessita de iniciação em Ciência das Finanças para perceber que o impôsto de consumo sôbre veículos de transporte coletivo ou de carga é apenas adiantado pelo importador ou fabricante que o agrega ao preço de venda. Êste é suportado pela emprêsa de ônibus ou caminhões, a qual, por pua vez, através da elevação das passagens ou fretes, vai ressarcir-se do gravame fiscal, descarregando-o sôbre os passageiros.

Em última análise, suportam impôsto sôbre ônibus as classes desafortunadas que não possuam automóveis individuais, nem podem pagar táxis as mesmas que se resignam às longas filas ao sol e à chuva, nas horas do peak, para condução nos coletivos, aos solavancos, por Cr$ 3,00 ou Cr$ 5,00.

Raia pela evidência que a lei não iria aliviar essas classes do impôsto indireto sôbre copos, talheres, berços. etc., que só se compram de longe em longe, para sujeitá-las ao mesmo impôsto indireto através da elevação dos preços das passagens diárias nos ônibus e autolotações. Seria o maior atestado de inépcia ao legislador, porque agravaria a situação das classes que pretendeu proteger contra impostos, incompatíveis com limitada capacidade econômica.

Do mesmo modo, os impostos sobre os caminhões onerarão os preços dos alimentos e mais mercadorias, assim como óbvias razões desaconselharam o ônus sôbre as ambulâncias.

“Sòmente o conhecimento do espírito que anima a lei permite superar as dificuldades correntes da imperfeita formulação a norma, corrigir as contradições decorrentes de oposições verbais entre diferentes preceitos jurídicos, e vencer as incertezas que surgem sempre que seja necessário trazer os fenômenos da vida prática, sempre diferentes e variáveis, para debaixo do império de uma norma, cuja formulação permanece inalterada”, pondera EZIO VANONI (“Natureza e Interpretação das Leis Tributárias”, na trad. de RUBENS G. SOUSA, pág. 242). E não é diferente o predomínio da ratiolegis, através da pesquisa de sua finalidade, que GRIZIOTTI recomenda como “interpretação funcional” das leis fiscais (“L’interprétation fonctionnelle des lois financières”, na “Revoe de Science et Législation Financières”, 1950, págs. 5 a 26).

Sob essa luz, está no próprio contexto do art. 7° da lei n. 494 o objetivo de, através da isenção dos ônibus, importados ou montados no país, poupar ao fisco as pessoas de restrita capacidade contributiva que, mediante módica pagamento de passagem, se servem dos transportes coletivos para ir ou vir do trabalho, pelo mesmo princípio programático constitucional que, naquela mesma lei, inspirou a isenção do alimento, vestuário, objetos domésticos e remédios das classes menos abastadas.

Que é ônibus na lei n. 494 ? O problema. de interpretação da art. 7° da lei n. 494 jaz, sobretudo, em buscar-se o limite de compreensão da palavra ônibus naquele dispositivo e para os fins que inspiraram a isenção nêle contida paralelamente à imposição dos automóveis.

O 2° Conselho de Contribuintes procurou livrar-se da dificuldade, afastando-se da ratiolegis e aproximando da definição contida em texto isolado de Direito Administrativo, ao qual nenhuma remissão expressa fizeram a lei n. 494 e a Consolidação do Imposto de Consumo decreto n. 26.149, de 8.1.1949).

Acresce que a ordem da Diretoria das Rendas Internas, no “Diário Oficial” de 1.4.1949, não abonou essa interpretação, ressalvando, pelo contrário, a isenção dos ônibus de qualquer tipo.

Note-se que a lei n. 494 não só ordenou ao Executivo a consolidação das alterações das leis de impôsto de consumo posteriores ao dec.-lei n. 7.404, de 22.3.1945, mas também a regulamentação das isenções contidas em seus dispositivos, que mencionou expressamente, inclusive ao daquele art. 7° O regulamento n. 26.149, de 1949, nenhuma referência fêz ao Cód. de Trânsito, nem nada acrescentou à simples reprodução literal do art. 7°.

Êsse Código (dec.-lei n. 3.651, de 25.9.1941) é diploma de caráter especial, que, por conveniência técnica, adota denominações próprias para vários tipos de veículos, classificando-os com diferentes critérios nem sempre em harmonia com a linguagem comum que, aliás, usa de vários regionalismos pitorescos para designar ônibus (marinetti na Bahia, jardineiras em São Paulo, sopas em Pernambuco, etc.).

Aliás, é preciso assinalar que o artigo 66, § 2°, não é feliz como técnica legislativa. Êle, nesse art. 66 e § 1°, dispõe sôbre certas cautelas para confôrto e segurança dos passageiros. No § 2°, fora de vila e têrmo, define auto-ônibus como “veículo automóvel provido de rodas duplas no eixo traseiro, com lotação mínima de 21 passageiros”, e “autolotação” o que fôr provido de duas rodas no eixo traseiro com lotação mínima de seis e máxima de 20 passageiros.

Que será o veículo coletivo de 20 passageiros com rodas duplas no eixo traseiro como o micrônibus do Distrito Federal? Nem ônibus nem lotação. Tem rodas duplas traseiras, logo não é autolotação. Carrega menos de 21 pessoas, logo não é ônibus. É coletivo, logo não é automóvel individual. Tudo leva a crer que o art. 66, § 2°, definindo autolotação, visa aos coletivos antigos de 10 a 16 lugares, com aparência externa de limousines, embora mais longos, côr amarela, que conhecidos como camarões, trafegavam no Rio em 1941, data daquele Código, e desapareceram depois da guerra, mais ou menos entre 1947 e 1948. Só depois de 1948, surgiram os micrônibus, com a largura e aparência externa e interna de ônibus (corredor interno entre duas filas de assentos, recipiente para dinheiro, porta automática de dobrar, altos em relação ao solo, etc.).

Mas a ineficácia do art. 66, § 2°, do Cód. de Trânsito para esclarecer o alcance da palavra “ônibus” no art. 7° da lei nº 494 ainda se observa no art. 43, n. 1, do mesmo Código, quando emprega “auto-ônibus” em sentido genérico para designar todos os veículos de transporte coletivo de passageiros:

“Art. 43. São considerados veículos automotores:

1. Os automóveis, caminhões e auto-ônibus”.

É por demais evidente que, nesse dispositivo, “auto-ônibus” está escrito pelo legislador ditatorial não no sentido restrito definido no art. 66, § 2° – veículo de rodas duplas traseiras para mais de 21 passageiros – mas na acepção genérica e da linguagem universal de veículo para transporte coletivo, por oposição aos automóveis de uso individual, quer próprios, quer a frete ou taxímetro.

Outra vez, êsse art. 43 emprega ônibus no sentido genérico. É ler o parág. único:

“Art. 43…

“Parág. único. Os veículos automotores são de três espécies:

a) veículos de passageiros – os destinados ao transporte de pessoas e construídos nos tipos conhecidos sob as denominações de limousines, phaetons, sedans, doublephaetons, baratas, etc., bem assim os bondes, ônibus e similares”.

No art. 44, em outra classificação, usa a palavra “ônibus” genèricamente:

“Art. 44. Conforme a categoria, os veículos se classificam em: …

“5, de transporte coletivo – os de construção especial e destinados ao transporte de pessoas, entre pontos determinados, mediante aluguel ou pagamento de passagem individual (ônibus ou outros)”.

Ainda no art. 101, há emprêgo da palavra “ônibus” em sentido genérico, por oposição a automóveis, caminhões e motocicletas.

Em resumo, o Cód. Nacional de Transito é inadequado para esclarecer sistemàticamente o art. 7° da lei n. 494, porque:

a) ora usa a palavra “ônibus” em acepção restrita para o coletivo de rodas duplas e mais de 21 passageiros, ora o faz em sentido genérico como sinônimo de coletivos sem exigência daqueles caracteres técnicos, de sorte que abrange os autolotaçães definidos no art. 66;

b) é lei especial – poder de polícia sôbre o trânsito – imprópria para complementar outra lei especial que se insere em diferente e também especial ramo do direito, o financeiro, cuja autonomia, no sistema jurídico do Brasil, resulta expressamente de sua menção no artigo 5°, alínea XV, b, da Constituição.

Logo, com a devida vênia do ilustrado 2° Conselho de Contribuintes, o Código Nacional de Trânsito, no art. 66, § 2°, não fornece suplementos para interpretação do art. 7° da lei n. 494. Se dá sentido restrito a ônibus naquele parágrafo – uma só vez – emprega a mesma palavra genèricamente em relação a todos os coletivos nos arts. 43 e 44.

Ora, foi no sentido genérico que ônibus aparece na lei n. 494, que, como disposição de direito fiscal, deve ser interpretada à luz de outras disposições do mesmo direito fiscal.

É verdade que aquêle Conselho de Contribuintes, embora se socorresse inadequadamente do art. 66, § 2°, do Código de Trânsito, não fêz injustiça no caso concreto em que foi prolatado o acórdão n. 24.242 (“Rev. Fiscal”, n. 789, pág. 247), porque se tratava de camionetas rurais, que não são ônibus, nem veículos de carga, mas carros, de uso individual, freqüentemente vistos na zona urbana pela ótima aparência de que se revestem. Se a lei n. 494 não isentou o jipe, que é veículo rústico e de acabamento grosseiro para a zona agrícola ou serviço militar, não havia razão para fazê-lo com as camionetas (stationwagon).

O mal da invocação do art. 66, § 2°, do. Cód. de Trânsito pelo acórdão número 24.242, reside em que pode provocar errônea interpretação da lei n. 494 se forem excluídos da isenção assegurada aos ônibus em geral os micrônibus construídos e empregados exclusivamente no transporte coletivo, quer de passageiros que pagam individualmente a passagem, quer de colegiais, escolares, etc.

AsoluçãodoDireitoFiscal. A controvérsia básica em relação à autonomia didática e dogmática do Direito Financeiro reside na sua especialidade em relação ao Direito comum. Logo, com mais razão, sua especialidade em relação a qualquer outro texto de Direito especial, come o Cód. de Trânsito, que, com fôrça de lei, é substancialmente apenas um regulamento de miudezas de tráfego.

Em conseqüência desova autonomia do Direito Fiscal, bandeira do movimento universitário da Escola de Pavia, TROTABAS e outros mestres insignes nos últimos 25 a 30 anos, a sua interpretação só se faz com os subsídios do Direito comum, seja o Civil, seja o Administrativo, se fôr absolutamente impossível buscar-se solução nos conceitos próprios forjados pelas leis tributárias.

A situação. é a mesma das leis civis como fontes do Direito Comercial: o intérprete só poderá invoca-las se a controvérsia, antinomia, lacuna ou obscuridade não puder ser dirimida por uma lei comercial.

A influência das idéias favoráveis à autonomia do Direito Financeiro na Constituição de 1946 é transparente do art. 5°, XV, b, além de ser histórico que o assunto foi objeto de debate na Grande Comissão e no plenário da Constituinte.

Ora, por efeito dessas idéias que, dia a dia ganham firmeza e extensão, consagrando-se nos modernos textos, como o Cód. Fiscal de Buenos Aires, no qual se percebe a penetração doutrinária de DINO JARACH, ou como o do México, notòriamente inspirado em MARIO PUGLIESE, por efeito dessas idéias, não só as lacunas do Direito Fiscal são preenchidas pelos conceitos que êle formula diferentemente do Direito comum, mas, em caso de inexistência dêsses conceitos, o intérprete deverá guiar-se pela substância e pelos efeitos econômicos das situações e não pelos aspectos aparentes dos negócios jurídicos que as envolvem e lhes dão forma legal.

Essa corrente preponderante do pensamento jurídico e financeiro contemporâneo, em coerência com aquelas teses, proscreveu os velhos brocardos que, desde o tempo de MODESTINO mandavam que se aplicassem restritivamente não só as lei fiscais quando tributam (o famoso in dubto contra Fiscus) mas também quando asseguram isenções. Por consenso que tende a ser geral, hoje, uma e outra devem ser interpretadas e aplicadas até a exaustão de seu conteúdo, como o Direito comum.

Quando o texto é obscuro ou contraditório, ensina MORANGE, “il faut rechercher la volonté du législateur, telle qu’elle a pu s’exprimer dans les travaux préparatoires, l’exposé des motifs, les discussions parlementaires, etc.” “Lorsque cette recherche s’impose, il est d’ailleurs inexact d’affirmer que l’interprétation peut être extensive ou doit être restrictive. L’interprétation à laquelle le juriste se trouve contraint, n’appelle, à vrai dire, aucun qualificatif spécial. La volonté du législateur, dúment établie, permettra Simplement de donner à la disposition legislative un seus plús large que celui qu’elleparaissait, à tort, présenter ou, tout au contraire, l’interprétation qui prévaudrasera plus étroite que celle que favaudra, toujoursà tort, la formule malheureuseemployée” (GEORGES MORANGE, “L’interprétation des lois fiscales”, na “Rev. Sc. Leg. Fin.”, 1951, vol. 43, pág. 641).

Tôda essa doutrina já ganhou direito de cidade no Brasil e alhures. Tribunais e doutôres reconhecem que não há lógica jurídica na interpretação restritiva das isenções fiscais, como há algumas décadas proclamava a jurisprudência. Exemplifiquemos essa evolução. As Câmaras Cíveis do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, no acórdão de 15.12.1954 (recurso de revista n. 2.521, “Diário da Justiça” de 1.9.1955, pág. 3.056), sustentaram que:

“A isenção fiscal instituída em benefício das emprêsas concessionárias do serviço aeronáutico estende-se às suas agências e escritórios, não tendo amparo na lei, nem nos princípios da hermenêutica, a interpretação restritiva, contrária a êste entendimento”.

No mesmo-sentido decidira a 1ª C.C. de Buenos Aires, conforme julgado na “Rev. de Derecho y Admin. Munic.”, fevereiro de 1942, pág. 131 e segs. Há alguns anos, quando prevalecia a tese de que a interpretação da lei fiscal e da cláusula de isenção deveria ser restritiva, já alguns julgados ressalvavam que se deveria buscar, entretanto, tôda a fôrça de compreensão do dispositivo (p. ex., “REVISTA FORENSE”, vols. 100, pág. 59, e 102, pág. 71). Já se pretendeu o extremo, a nosso ver indefensável, de ampliar-se a imunidade fiscal do art. 31, V, a, da Constituição, que, por fôrça de compreensão, só se refere a impostos, para que abranja também taxas (ver parecer do consultor jurídico do Ministério da Viação, Dr. R. MATOS REIS, no “Diário Oficial” de 24.1.1955, pág. 1.101).

No acórdão do Tribunal Federal de Recursos de 30.4.1953, na “Rev. de Direito Administrativo” vol. 36, pág. 183, figura a ementa: “As leis fiscais são entendidas restritivamente”, mas a leitura dos votos mostra que os ilustres ministros sustentaram a interpretação extensiva da isenção, que, no caso, era de caráter parcial, isto é, a dedução do seguro dotal no cômputo da renda global sujeita ao impôsto complementar progressivo. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal, por acórdão de 6.10.1952, na “Rev. de Direito Administrativo”, vol. 35, pág. 203, estendeu à casa residencial do pastor protestante a imunidade dos templos, ad instar do art. 31, V, b, da Constituição, citando expressamente PONTES DE MIRANDA, que concordou com a nossa interpretação a êsse dispositivo, no sentido de que a palavra “templo” é não só o edifício e pertenças para o culto mas também a embarcação exclusivamente destinada a missionários e atos religiosos. E o Supremo Tribunal Federal, em vários julgados, tem ela tecido a isenção tributária talvez limitada, de que goza o Banco de Brasil como agência pública (ver, p. ex., acórdão de 15.10.1951, “Rev. de Direito Administrativo”, vol. 35, pág. 209).

Êsses exemplos testificam a tendência atual de nossos Tribunais e doutôres para interpretação das cláusulas da isenção tributária em tôda sua fôrça de compreensão, sem o espírito restritivo dos velhos julgados.

Mas o importante é verificar-se se ônibus, para nosso Direito Fiscal, e apenas o veículo de rodas traseiras duplas e mais de 21 pessoas como se lê no artigo 66, § 2°, do Cód. de Trânsito, ou se abrange coletivos em geral, inclusive micrônibus de rodas duplas para 13 a 20 pessoas, como, aliás admitem os arts. 43 e 44 do mesmo Código. O exame de textos tributários não deixa dúvida de que ônibus, para efeitos fiscais, são os coletivos em geral.

Vejamos, p. ex., a Tarifa das Alfândegas (dec.-lei n. 2.878, de 18.12.1940), classe 33ª, art. 1.779: automóveis a gasolina. Aí estão discriminados para impostas mais elevados (até 2.000 k, Cr$ 7,20 na máxima; Cr$ 4,71 na convencional) os “próprios para passageiros, como landaulets, limousines,phaetons, sedans, spiders e outros” isto é, os tipos de uso individual. Adiante, os “próprios para passageiros ou carga, entrega de encomendas, socorros pessoais, serviço funerário e fins semelhante, como ambulâncias, ônibus e outros”, que pagam direitos mais suaves (até 2.000 k, Cr$ 2,20 na máxima, e Cr$ 1,45 na convencional).

Esse tratamento diferencial – drástico para os automóveis individuais, brando para os veículos coletivas, “ônibus e outros”, ambulâncias, caminhões e carros funerários – é exatamente o mesmo do art. 7° da lei n. 494, que isentou êstes últimos e tributou aquêles em escala progressiva.

A conexão das duas leis é perfeita, porque a de 494 estabeleceu como técnica de cobrança do impôsto de consumo sôbre os automóveis importados exatamente a guia de pagamento quando fôssem despachados nas alfândegas.

Vejamos agora outro texto fiscal, a lei n. 2.004, de 3.10.1953, que dispõe sôbre a política do petróleo, distribui o impôsto, único, decreta um empréstimo forçado e determina que êle seja resgatado em ações da Petrobrás a serem entregues ao contribuinte (art. 15). A tabela a que se refere êsse dispositivo contém uma seção A de automóveis, inclusive camionetas (Cr$ 1.000,00 a Cr$ 8.000,00); seção B de caminhões e veículos de carga (Cr$ 200,00 a Cr$ 2.000,00); seção Cexclusivamente de ônibus, com a seguinte graduação: “com capacidade até 20 passageiros – Cr$ 1.600,00; com capacidade de 21 a 30 passageiros – Cr$ 2.400,00; com capacidade de 31 a 40 passageiros Cr$ 3.200,00; com capacidade de 41 ou mais passageiros – Cr$ 4.000,00″. Seguem-se veículos aquáticos, aéreos, etc., tributados violentamente se de transporte privado ou de recreio, em contraste com o tratamento brando para os de transporte industrial ou comercial.

Logo:

a) “ônibus”, no direito fiscal, é expressão genérica que prescinde da particularidade das rodas traseiras duplas para caracterização e que abrange expressamente os coletivos de menos de 21 passageiros;

b) impera no direito fiscal critério severo para os carros de uso individual ou privado em contraste com critérios benévolos rara os carros coletivos ou de carga, tal como se vê na lei n. 494, de 1948.

Aliás, se não existissem êsses diplomas expressos acêrca do conceito fiscal de Ônibus, nem tal conceito se pudesse inferir dos arts. 43 e 44 do Cód. de Trânsito o sentido genérico da palavra, a ponto de compreender autolotações de 13 a 20 passageiros, poder-se-ia construir por assemelhação. Já demonstramos que tanto em relação ao dispositivo que tributa, quanto ao dispositivo que isenta, tende a ser pacífica a doutrina favorável à ampla interpretação da lei fiscal.

Eminente estudioso do Direito Público, o Dr. CARLOS MEDEIROS SILVA, consultor geral da República, a propósito dos automóveis tabelados na lei n. 2.004. escreveu recentemente:

“É pacífico que, em tais casos, havendo um critério seguro de assemelhação, ela se pode dar, sem ofensa aos princípios gerais de direito. Assim ocorre, por exemplo, em se tratando de tarifa aduaneira, com o beneplácito do Supremo Tribunal Federal” (acórdão na apelação cível n. 8.297, in “REVISTA “FORENSE”, vol. 112, pág. 107).

“As motocicletas se devem incluir entre os automóveis (particulares ou de aluguel, conforme o calo) e os respectivos proprietários pagarão a contribuição de acôrdo com o pêso e as demais condições estabelecidas nas notas da Tabela citada” (“Rev. de Direito Administrativo”, vol. 36, pág. 409).

Ora, se é lícito ao intérprete libertar-se da aplicação restritiva para sustentar, por analogia, que motocicleta é tributável como automóvel, mais lícito ainda é equiparar-se o micrônibus ao ônibus para isenção, se por absurdo entender-se que não são a mesma coisa pela destinação econômica, largura feitio exterior e arranjo interno.

Dir-se-á que, no caso da consulta, há beneficiamento dum produto importado aumentando-lhe a utilidade e o valor, a firma importa chassis de caminhões e sôbre êles constrói uma estrutura de micrônibus.

Não há impôsto a pagar. Não existe transformação no sentido dos arts. 6° e 7° da Consolidação do Impôsto de Consumo, porque a construção da carrosseria não deslocou o produto de uma para outra alínea da Tabela A. Não houve beneficiamento tributável, porque um produto isento – a chassi (inc. e das isenções da alínea I da Tabela A) – foi beneficiado com o, recebimento de outro produto isento – a carrosseria (inc. e, alínea I, da Tabela A). A justaposição das duas coisas isentas formou uma terceira igualmente isenta – o ônibus.

A Junta Consultiva, em pareceres números 1.409, de 21.9.1946, e 2.750, de 1949, já se pronunciou no sentido de que fabricantes de produtos isentos estão desobrigados do dever de pagar patente de registro, estando “neste caso os que montam e preparam carrosserias com elementos e matérias-primas adquiridas de terceiros” (W. GUENA, “Pag. Elucid. Imp. Cons.”, págs. 84-85).

A nota que prevê o pagamento do impôsto de consumo por verba pelo importador ou pela fábrica de montagem refere-se aos automóveis desmontados que são instalados no Brasil. Em nada se reflete sôbre a posição fiscal do micrônibus resultante da construção de carrosseria sôbre chassi de caminhão importado.

RESPOSTAS

A primeira pergunta:

– Os “automóveis” tributados por efeito do art. 7° da lei n. 494, de 26 de novembro de 1948, consolidada e regulamentada pelo dec. n. 26.149, de 8.1.1949, são os de uso individual, tais como limousines, phaetons, landaulets, baratas, etc., do grupo A da tabela a que se refere o art. 15 da lei n. 2.004, de 3.10.1953, ou do primeiro item do art. 1.779 da Tarifa das Alfândegas. Gozam da isenção dêsse art. 7° da lei n. 494 as ambulâncias, ônibus e caminhões, dos grupos B e C da tabela da lei n. 2.004, exemplificados no segundo e terceiro itens do art. 1.779 da Tarifa das Alfândegas.

A segunda pergunta:

– Os fundamentos políticos e jurídicos da tributação dos automóveis e isenções dos ônibus, ambulâncias e caminhões, resultam dos princípios programáticos da capacidade econômica do contribuinte, graduação e personalização dos impostos que a Constituição consagra nos arts. 202, 15, § 1°, e outros dispositivos, conforme está exposto no corpo dêste parecer.

A terceira pergunta:

Os micrônibus, entendidos como tais os ônibus de 13 a 20 passageiros, para transporte coletivo, fabricados por firma brasileira, que constrói carrosseria de madeira sôbre chassis importados, não estão sujeitos a impôsto de consumo decretado pelo art. 7° da lei n. 494, de 1948. Esses micrônibus se incluem entre os ônibus de que tratam o art. 1.779, item 2°, das Tarifas das Alfândegas e a letra c da tabela integrante do art. 15 da lei número 2.004, de 1953. Gozam da isenção assegurada aos ônibus pela lei n. 494, quando os excetuou do impôsto sôbre automóveis.

S. m. j.

Rio 23 de setembro de 1955. – AliomarBaleeiro, professor da Faculdade de Direito da Universidade do Distrito Federal.

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  2. Os trabalhos podem ser submetidos em português, inglês, francês, italiano e espanhol;
  3. Devem apresentar o título, o resumo e as palavras-chave, obrigatoriamente em português (ou inglês, francês, italiano e espanhol) e inglês, com o objetivo de permitir a divulgação dos trabalhos em indexadores e base de dados estrangeiros;
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