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Etapas da Classificação Aduaneira de Mercadorias
11/03/2022
A classificação aduaneira tem início com a descrição completa do produto pelo declarante, o que, por sua vez, deve ocorrer na declaração de mercadorias vinculada à operação de importação (DI ou Duimp) ou de exportação (DU-E), ou ainda na admissão em um regime aduaneiro especial.
Etapas da Classificação Aduaneira de Mercadorias
Nessa etapa, havendo dúvidas relacionadas à determinação da matéria fática, pode ser necessário recorrer a especialistas de outros ramos do saber[1]. Veja-se, por exemplo, a classificação dos produtos químicos orgânicos. De acordo com as Notas do Capítulo 29, as posições nele previstas compreendem “os compostos orgânicos de constituição química definida apresentados isoladamente, mesmo contendo impurezas” (Nota 1.a). Também abrangem as respectivas soluções, desde que “[…] constituam um modo de acondicionamento usual e indispensável, determinado exclusivamente por razões de segurança ou por necessidades de transporte, e que o solvente não torne o produto particularmente apto para usos específicos de preferência à sua aplicação geral” (Nota 1.e). Se essas informações não estiverem suficientemente especificadas nos manuais e na documentação técnica do produto, ou caso existam dúvidas acerca de sua autenticidade, não há outro encaminhamento possível senão a realização de uma perícia técnica.
A perícia, por sua vez, deve se limitar aos aspectos fáticos[2]. Seu único objetivo – por meio de esclarecimentos técnicos e de resposta objetiva aos quesitos – é proporcionar ao intérprete-aplicador os elementos necessários para que esse promova a descrição completa do produto. Nada impede, entretanto, que a descrição completa constitua um dos quesitos do trabalho pericial.
Alguns exemplos de uma descrição com essas características podem ser encontrados na Coletânea de Pareceres de Classificação Aduaneira do Comitê do Sistema Harmonizado da OMA:
“Queijo fresco, composto de leite desnatado fermentado concentrado (80 %), preparac?a?o a? base de fruta (morango) (10 %), ac?u?car (7,6 %), amido modificado, sementes de morango, concentrado de suco (sumo) de cenoura preta, aromatizante natural, espessante, concentrado de minerais do leite, concentrado de suco (sumo) de lima?o e de reguladores de acidez. Conte?m igualmente duas culturas de bacte?rias la?cticas, a saber, Lactobacillus bulgaricus e Streptococcus thermophilus. O teor de protei?nas da parte (porc?a?o) la?ctea do produto e? de 9,5 % (8,4 % no total do produto). Durante o processo de produc?a?o, o produto sofre um ligeiro “choque te?rmico” e um separador quark e? utilizado para remover o soro. Ale?m disso, um processo de suavizac?a?o e? aplicado para melhorar a consiste?ncia do produto. O produto e? embalado para venda a retalho num recipiente de pla?stico com um conteu?do li?quido de 160 g e consiste em duas camadas – a camada inferior e? uma preparac?a?o a? base de fruta (morango) e a camada superior tem o aspeto de um produto la?cteo de cor branca.”
“Produto denominado ‘Aloe Vera Tablets’ acondicionado para venda a retalho em frascos de pla?stico (de 60 comprimidos, por exemplo) e composto de 3 % de po? de aloe?s (contendo 0,11 % de aloi?na) e excipientes: hidrogenofosfato de ca?lcio, talco purificado, estearato de magne?sio, hypromellose e propilenoglicol. E? empregado como complemento alimentar; esta? indicado na embalagem e na documentac?a?o que o produto permite ao corpo resistir a afecc?o?es comuns como bronquites, constipac?a?o e indigesto?es.”
Apesar de desejável e de tecnicamente recomendável, a descrição não precisa apresentar o mesmo formato dos pareceres da OMA. Porém, para não gerar equívocos nem comprometer a adequação da classificação aduaneira, sempre deve ser completa. É um dever jurídico do declarante realizá-la nesses termos, indicando todas as suas características, espécie, marca comercial, modelo, nome comercial ou científico e outros atributos estabelecidos pela Secretaria da Receita Federal que confiram sua identidade comercial[3]. A omissão, inexatidão ou incompletude da descrição é definida como infração aduaneira, punida com multa isolada prevista no art. 69 da Lei nº 10.833/2003[4].
A partir da descrição completa, a etapa seguinte é o enquadramento legal do produto, dentro de uma operação lógica de subsunção. Primeiro, como fator indicativo, são considerados os títulos das Seções do SH, dentre os quais, por exemplo: animais vivos e produtos do reino animal (Seção I); produtos do reino vegetal (Seção II); produtos minerais (Seção V); produtos das indústrias químicas ou das indústrias conexas (Seção VI); metais comuns e suas obras (Seção XV); material de transporte (Seção XVII), e assim por diante. Definida a seção, segue-se ao capítulo, posição, subposição, item e subitem. Na medida em que se avança nessa análise, sempre dentro dos critérios previstos nas Regras Gerais de Interpretação e das Regras Gerais Complementares do SH, devem ser considerados os textos das posições e das subposições e as notas legais (Notas de Seção, de Capítulo e de Subposições). Além disso, como fator auxiliar, podem ser consultadas as notas explicativas (Nesh). Esses enunciados indicam possíveis enquadramentos e excluem outras opções, levando a um avanço progressivo que acaba por conduzir à classificação aduaneira aplicável.
Norma jurídica classificatória
Nesse processo, é construída uma norma jurídica classificatória, que tem a mesma estrutura sintática de qualquer outra norma. Trata-se de um juízo hipotético-condicional que, em seu antecedente, descreve abstratamente as notas de identificação de um produto e, em seu consequente, prescreve o comportamento obrigatório de designá-lo com um determinado código numérico da nomenclatura. O sujeito vinculado a esse dever instrumental é o declarante. O sujeito ativo, por sua vez, é a União, que – por meio da Receita Federal – pode exigir o uso dessa designação formal na declaração de mercadorias ou em outro documento previsto pela legislação aduaneira.
É em razão da designação formal do produto prevista na norma jurídica classificatória que se determina a alíquota empregada na operação ou, eventualmente, a aplicabilidade de desonerações fiscais. Também é em função dela que se fiscaliza o cumprimento dos requisitos legais de eventuais regimes aduaneiros especiais e a incidência de medidas não-tarifárias, no que se incluem as quotas, as proibições de importação e de exportação, o licenciamento, as exigências técnicas, sanitárias, fitossanitárias e medidas de defesa comercial.
Quer saber mais sobre a classificação aduaneira de mercadorias?
Essa matéria foi tratada em um novo capítulo incluído na 2ª edição do Curso de Direito Aduaneiro. Veja o índice com os assuntos estudados:
Capítulo V – Classificação Aduaneira
1 NOMENCLATURA COMUM DO MERCOSUL (NCM) E SISTEMA HARMO-NIZADO (SH)
1.1 Finalidade
1.2 Características
1.3 Natureza jurídica
1.4 Estrutura
2 NOTAS LEGAIS (NOTAS DE SEÇÃO, DE CAPÍTULO E DE SUBPOSIÇÕES)
3 NOTAS EXPLICATIVAS (NESH)
4 REGRAS GERAIS DE INTERPRETAÇÃO
4.1 Primeira regra (RGI-1): da hierarquia normativa ou regra básica
4.2 Segunda regra (RGI-2)
4.2.1 Artigos incompletos ou inacabados (RGI-2.a)
4.2.2 Produtos misturados ou artigos compostos (RGI-2.b)
4.3 Terceira regra: regra decisória
4.3.1 Critério da posição mais específica (RGI-3.a)
4.3.2 Critério da característica essencial (RGI-3b)
4.3.3 Critério da última posição na ordem numérica (RGI-3c)
4.4 Quarta regra: critério dos artigos semelhantes
4.5 Quinta regra
4.5.1 Estojos (RGI-5a)
4.5.2 Embalagens (RGI-5b)
4.6 Sexta regra: classificação nas subposições
5 REGRAS GERAIS COMPLEMENTARES (RGC)
6 PARECERES DE CLASSIFICAÇÃO ADUANEIRA
6.1 Pareceres do Comitê do Sistema Harmonizado da OMA
6.2 Ditames de classificação do Mercosul
6.3 Divergência entre outros órgãos locais e a Receita Federal
7 ETAPAS DO PROCEDIMENTO CLASSIFICATÓRIO
7.1 Descrição completa do produto
7.2 Enquadramento legal
8 RECLASSIFICAÇÃO ADUANEIRA
8.1 Formas de retificação no despacho aduaneiro de importação
8.2 Impossibilidade de mudança de critério jurídico no lançamento de ofício suplementar
8.3 Revisão do lançamento e canal de conferência
8.4 Limitações decorrentes do princípio constitucional da proteção da confiança
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[1] IN RFB º 1800/2018: “Art. 15. A perícia será solicitada por:
I – Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil no exercício de atividade fiscal; ou
II – importador, exportador, transportador ou depositário da mercadoria.”
[2] Nos termos do art. 32, § 1º, da IN RFB nº 1.800/2018, “os laudos não poderão conter quaisquer indicações sobre posições, subposições, itens ou códigos da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM)”.
[3] Nas consultas de classificações aduaneiras, a IN nº 1464/2014 requer a disponibilização das seguintes informações, quando aplicáveis: (a) nome vulgar, comercial, científico e técnico; (b) marca registrada, modelo, tipo e fabricante; (c) descrição; (d) forma ou formato (líquido, pó, escamas, blocos, chapas, tubos, perfis, entre outros); (e) dimensões e peso líquido; (f) apresentação e tipo de embalagem (a granel, tambores, caixas, sacos, doses, entre outros), com as respectivas capacidades em peso ou em volume; (g) matéria ou materiais de que é constituída a mercadoria e suas percentagens em peso ou em volume, ou ainda seus componentes; (h) função principal e secundária; (i) princípio e descrição do funcionamento; (j) aplicação, uso ou emprego; (k) forma de acoplamento de motor a máquinas ou aparelhos; (l) processo detalhado de obtenção; (m) imagens nítidas (art. 6º). Além disso, nas mercadorias passíveis de enquadramento nos Capítulos 27 a 40, é necessário ainda o conhecimento da composição qualitativa e quantitativa, da fórmula química bruta e estrutural, do peso molecular, ponto de fusão e densidade e dos componentes ativos e suas funções (§ 1º). Na consulta sobre classificação de bebidas, o consulente deverá informar a respectiva graduação alcoólica (§ 2º).
[4] “Art. 69. A multa prevista no art. 84 da Medida Provisória no 2.158-35, de 24 de agosto de 2001, não poderá ser superior a 10% (dez por cento) do valor total das mercadorias constantes da declaração de importação.
- 1º A multa a que se refere o caput aplica-se também ao importador, exportador ou beneficiário de regime aduaneiro que omitir ou prestar de forma inexata ou incompleta informação de natureza administrativo-tributária, cambial ou comercial necessária à determinação do procedimento de controle aduaneiro apropriado.
- 2º As informações referidas no § 1º, sem prejuízo de outras que venham a ser estabelecidas em ato normativo da Secretaria da Receita Federal, compreendem a descrição detalhada da operação, incluindo:
[…] III – descrição completa da mercadoria: todas as características necessárias à classificação fiscal, espécie, marca comercial, modelo, nome comercial ou científico e outros atributos estabelecidos pela Secretaria da Receita Federal que confiram sua identidade comercial;”
De acordo com o e no art. 84 da Medida Provisória nº 2.158-35/2001: “Art. 84. Aplica-se a multa de um por cento sobre o valor aduaneiro da mercadoria:
I – classificada incorretamente na Nomenclatura Comum do Mercosul, nas nomenclaturas complementares ou em outros detalhamentos instituídos para a identificação da mercadoria; ou
II – quantificada incorretamente na unidade de medida estatística estabelecida pela Secretaria da Receita Federal.”