Cancelamento de sentenças definitivas: decisão do STF causa insegurança jurídica contribuintes
Com o entendimento firmado pelo Supremo nesta quarta-feira (8/2), se um contribuinte foi autorizado pela Justiça a deixar de pagar um imposto, mas, tempos depois, o STF entender que a cobrança é devida, ele perderá o direito e deverá fazer o pagamento. O caso tem repercussão geral reconhecida (Temas 881 e 885).
A corte também decidiu que, em tais situações, não deve haver modulação de efeitos. Dessa maneira, a Receita Federal poderia cobrar o tributo a partir da publicação da ata de julgamento do STF que permitiu a cobrança.
Além disso, o Supremo entendeu que, em decisão do tipo, deve haver respeito aos princípios das anterioridades anual (só é válida a cobrança no ano seguinte) e nonagesimal (só é válida a cobrança após 90 dias).
A discussão envolvia o interesse da União de voltar a recolher a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) de empresas que, em 1992, obtiveram decisão transitada em julgado que lhes concedeu o direito de não pagar o tributo. Em 2007, o STF validou a cobrança da CSLL. Dessa maneira, a corte agora analisou se tal entendimento atinge as companhias que estavam isentas de pagar a contribuição devido às decisões definitivas dos anos 1990.
Insegurança jurídica
A rejeição do pedido de modulação de efeitos, fazendo com que a quebra da coisa julgada retroaja a 2007, causa “total insegurança jurídica”, segundo Gabriel Neder De Donato, especialista em Direito Tributário do escritório Peixoto & Cury Advogados. “Os contribuintes confiaram justamente no título emitido pelo próprio Judiciário. Agora terão de pagar a conta retroativa pela invalidação desse título causada pelo próprio Judiciário.”
“A coisa julgada é uma garantia fundamental, que não pode sequer ser objeto de emenda à Constituição. Ao permitir que ela seja automaticamente relevada, como decidido pelo STF, a corte superou a Constituição e a própria legislação processual federal”, critica Tatiana Chiaradia, sócia do Candido Martins Advogados.
Maria Carolina Sampaio, sócia e head da área tributária do GVM Advogados, afirma que a conta, especialmente para médias e pequenas empresas, pode ser impagável. “Não se trata de ofensa à livre concorrência ou ao princípio da isonomia, mas de algo muito mais grave: é um atentado à segurança jurídica, que deixa de existir no Brasil.”
A decisão do STF corresponde, no plano institucional, aos ataques terroristas em Brasília, declara a tributarista Liz Marília Vecci, sócia fundadora do Terra e Vecci Advogados. “Ora, a permissão da relativização da coisa julgada é como construir o alicerce de um prédio com areia do mar: ruirá. A insegurança jurídica que pode vir dessa decisão é capaz de abalar todo o nosso sistema. Será um verdadeiro tsunami. Ouso arriscar que se trata de um 8 de janeiro institucional.”
Hugo Funaro, sócio da banca Dias de Souza Advogados, ressalta que o julgamento tratava de uma questão decidida em ação direta de inconstitucionalidade, que possui efeitos gerais e vinculantes, por força de disposições constitucionais expressas. “Entretanto, a tese foi aplicada também a casos julgados em repercussão geral, que, ao menos até hoje, não possuíam os mesmos efeitos vinculante da ação direta. Assim, ao menos nesse ponto, a modulação deveria ser melhor ponderada.”
Não se trata de defender a imutabilidade do entendimento jurídico, mas, sim, a estabilidade da mudança, afirma Leonardo Freitas de Moraes e Castro, sócio da área tributária do VBD Advogados.
Um exemplo de ação para garantir essa estabilidade é a instituição de regras de transição ou regras de equidade, que visam a adequar a situação particular à nova situação de forma isonômica, defende ele. Assim, o advogado entende haver necessidade de uma ação revisional ou rescisória e, a partir do trânsito em julgado dessa ação, os novos efeitos jurídicos passarem a produzir efeitos, garantindo um período de transição e adaptação ao contribuinte para que a segurança jurídica seja minimamente observada.
A tributarista Bianca Mareque, do Vieira Rezende Advogados, avalia que, se a coisa julgada sempre fortaleceu o entendimento dos contribuintes sobre determinado tema, agora os desestimula tanto a discutir tributos que lhe pareçam ilegais ou inconstitucionais quanto a fruir de eventual decisão que lhes seja favorável, ainda que já tenha transitado em julgado. “No final das contas, o que resta aumentado é o risco Brasil, que, num cenário de crise global, deve ser urgentemente mitigado”.
O argumento do equilíbrio concorrencial não basta para a subsidiar a tese da flexibilização, alega Alexandre Vidigal de Oliveira, sócio do Caputo, Bastos e Serra Advogados.
“Equilíbrio concorrencial se firma no presente e para o futuro. Para o passado, e com relação aos que pagaram e não pagaram o tributo, as situações de fato já se constituíram e se consolidaram. Se houve desequilíbrio concorrencial, isso é fato que, para as situações já ocorridas, não se reverte mais. Portanto, não cabe aos contribuintes que não pagaram o tributo terem de fazê-lo agora para se resgatar um pretenso equilíbrio concorrencial do passado”.
Poder de norma
A decisão do STF deixou clara a nova tendência do Judiciário, que já vem sendo implantada desde o Código de Processo Civil de 2015, de que os precedentes judiciais que configuram unicidade de julgados possuem um caráter de norma, segundo Ana Cristina Mazzaferro, sócia do contencioso tributário do escritório Rayes e Fagundes Advogados Associados.
E isso nem sempre é positivo, de acordo com Diego Diniz, sócio do Daniel e Diniz Advocacia Tributária. “A decisão do STF encontra-se equivocada por dois motivos. Primeiro por entender que decisão judicial incide, como se lei fosse, ensejando a indevida conclusão de haver rescisão automática da coisa julgada com base em precedente vinculante daquela corte. Em segundo lugar, porque empregou mal o instituto da modulação de efeitos. O que deveria ter sido debatido nesse ponto era o momento a se iniciarem os efeitos da tese então fixada pelo STF, o que não necessariamente tem a ver com a eficácia prática da decisão no caso concreto”, opina ele.
Outras discussões
Devido ao grande impacto da decisão do STF na sistemática jurídica da coisa julgada em matéria tributária, haverá discussões em casos já julgados, como a “tese do século” e o IPI na revenda de mercadoria importada, afirma Juliana Camargo Amaro, sócia do escritório Finocchio & Ustra Advogados.
“Tratando-se de teses tributárias, no mais das vezes, nesse amplo universo contencioso estão presentes tanto empresas de grande porte como outras de estruturas operacionais muito enxutas. Dessa forma, o STF acabou por instituir uma nova obrigação para todos os contribuintes, a de acompanhar não somente o emaranhado de obrigações fiscais impostas pelos Fiscos, mas também a posição deste tribunal quanto à exigibilidade dos tributos”, opina Rejiane Prado, advogada especialista da área tributária do Barbosa Prado Advogados.
Outros precedentes que podem ser atingidos pela nova tese do STF são o do recolhimento de Cofins pelas prestadoras de serviços e a própria tese da exclusão do ICMS da base do PIS/Cofins, destaca Fernando Lima, sócio do Lavocat Advogados.
Por sua vez, Eduardo Muniz Machado Cavalcanti, sócio fundador do escritório Bento Muniz Advocacia, analisa que as empresas atingidas são especialmente aquelas que possuem decisões de inconstitucionalidade de tributos, objetos de trânsito em julgado, como no caso julgado da CSLL, por ter o Supremo declarado, de forma superveniente, a constitucionalidade do tributo.
Ponto positivos
Janssen Murayama, advogado tributarista e sócio do Murayama & Affonso Ferreira Advogados, destaca que o Supremo reconheceu a importância da isonomia ao igualar todos os contribuintes que devem recolher os mesmos tributos.
Além disso, aponta ele, a corte privilegiou a segurança jurídica fazendo com que todos os contribuintes que tinham uma decisão transitada em julgado a seu favor, e não precisavam pagar esse tributo, organizem-se para pagar em 90 dias ou no ano que vem.
“Em princípio, é uma decisão justa, em obediência à isonomia e, por outro lado, trazendo o respeito à segurança jurídica, permitindo que o contribuinte se organize de forma a pagar o tributo a partir da decisão do Supremo”, opina Murayama.
Izabela Fernandes, especialista em Direito Tributário Contencioso da Lira Advogados, diz que “um ponto de respiro” é que, a depender do tributo, os contribuintes que tiveram a quebra da decisão judicial transitada em julgado terão a aplicação das anterioridades de exercício e nonagesimal. Ou seja, só deverão voltar a pagar o tributo no próximo exercício financeiro ou depois de 90 dias.
Fonte:Conjur/Bento Muniz
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