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Atraso premeditado na aprovação da LOA
Kiyoshi Harada
18/02/2021
Já se incorporou definitivamente na cultura do legislador brasileiro o atraso na aprovação da Lei Orçamentária Anual – LOA – no prazo constitucional para conferir eficácia ao princípio da legalidade das despesas públicas.
Esse atraso nada tem a ver com o congestionamento das atividades legislativas, notoriamente pouco produtivas, deixando de preencher as inúmeras lacunas legislativas deixadas pela Constituição. Essa omissão vem contribuindo para aumentar o ativismo judicial da Corte Suprema. A demora tem tudo a ver com as manobras para emplacar verbas oriundas de emendas que se tornam de execução obrigatória uma vez aprovadas.
E também é o desejo do Executivo governar sem as amarras do orçamento regularmente aprovado, como veremos.
Se há um prazo para o Executivo enviar ao Congresso Nacional a proposta de LOA, até o dia 22 de agosto de cada exercício (§ 2º, do art. 35 do ADCT), sob pena de o Legislativo deliberar a proposta orçamentária com base no orçamento do exercício anterior (art. 32 da Lei nº4.320/64), deve o Congresso Nacional devolver a proposta orçamentária no prazo constitucional, ou seja, até o dia 22 de dezembro de cada ano, sob pena promulgação da proposta orçamentária pelo Executivo.
Mas, por conveniência política de promover despesas à discrição das unidades orçamentárias, livre dos mecanismos de fiscalização e controle da execução orçamentária, há omissão sistemática dos Poderes Legislativo e Executivo.
Não poderia haver uma transgressão mais grave em termos de direito orçamentário do que não deliberar a tempo a proposta orçamentária. Afinal, é o orçamento anual que confere não apenas a legalidade, como também a legitimidade às despesas públicas. A legalidade das despesas é um corolário da legalidade dos tributos. Nenhum tributo sem lei prévia; nenhuma despesa sem prévia autorização legislativa.
Entretanto, para disfarçar esse comportamento omissivo deliberado, o Congresso Nacional vem propondo, com frequência, medidas legislativas que ‘resguardam” a saúde financeira do Estado, até mesmo por meio de Emendas. Se aprovassema LOA tempestivamente e cumprissem as suas normas, as contas públicas estariam sempre equilibradas.
Assim é que apresentou a PEC 20/16 que se converteu na EC nº 95/16 que congelou por vinte anos as despesas públicas, permitindo-se tão só a atualização monetária das despesas do exercício anterior. Nada mais utópico e inexequível, para dizer o menos, pois, a realidade social sabidamente não é estática, nem o crescimento populacional ficará estancado durante duas décadas. Nos debates havidos em torno dessa PEC 20 eu dizia que ela seria aprovada celeremente porque “está assegurada a garantia de não dar certo”.
Não deu outra. Bem antes da pandemia, o déficit público explodiu. Basta o simples confronto das despesas fixadas nos orçamentos dos exercícios de 2017 em diante para constatar que as despesas fixadas em cada exercício não ficaram sem crescimento real.
Agora, os parlamentares, ao invés de aprovar a LOA de 2021, estão mais preocupados em alterar o teto de gastos para fazer face à pandemia, como se a Emenda 95/16 estivesse sendo cumprida. Como se ela estivesse impedindo os gastos sem limites. E querem, também flexibilizar as normas orçamentárias que nem existem no mundo do direito, porque não aprovado o orçamento anual. Não é por acaso que Charles De Gaulle disse que o Brasil não é um país sério!
Estamos vivendo a época das cavernas em termos de orçamento público. Tudo é gasto na orelhada. Abrem-se créditos suplementares adicionais ou especiais mediante utilização de verbas previstas no projeto de lei orçamentária. É como condenar o acusado com base em projeto de alteração do Código Penal que criminaliza determinada conduta.
Diante desse festival de gastos sem controle, a doutrina preconiza e o governo tem adotado uma dessas medias propostas:
a) Abertura de créditos adicionais extraordinários
Ora, se inexistente a lei orçamentária anual, descabe a cogitação de abertura de crédito adicional extraordinário por via de medida provisória. A abertura desse crédito só se justifica na hipótese em que a lei orçamentária deixou de fixar determinada despesa porque não era previsível na época de sua elaboração.
b) Abertura de créditos adicionais suplementar ou especial
A exemplo da hipótese anterior, a abertura de tais créditos pressupõe a existência do orçamento aprovado. As hipóteses previstas no § 8o do art. 166 da CF correspondem aos recursos que ficaram sem despesas correspondentes em face de veto, emenda ou rejeição.
c) A execução de até dois doze avos de cada dotação
A Lei de Responsabilidade Fiscal em seu art. 6o autorizava a execução de até dois doze avos do total de cada dotação, mas ele foi vetado pelo Executivo, provavelmente para poder valer-se de alternativas que escapam da alçada da lei complementar referida no § 9o do art. 165 da CF.
d) A prorrogação do orçamento anterior
Prescrevia a Constituição Federal de 1934 no § 5o de seu art. 50 que “será prorrogado o orçamento vigente se, até 3 de novembro, o vindouro não houver sido enviado ao Presidente da República para a sanção”.
Não há dispositivo correspondente na Constituição Federal vigente.
e) A publicação do orçamento pelo Presidente da República
O art. 72 da Carta Política de 1937 dispunha:
“O Presidente da República publicará o orçamento:
[…]
d) no texto da proposta apresentada pelo Governo, se ambas as Câmaras não houverem terminado, nos prazos prescritos, a votação do orçamento.”
A publicação, no caso, equivale à promulgação. Não há semelhante dispositivo da Carta Magna vigente.
f) A promulgação do projeto de lei pelo Presidente da República
O art. 68 da Constituição de 1967, repetido no art. 66 da Emenda no 1/69, dispunha:
“Art. 68. O projeto de lei orçamentária anual será enviado pelo Presidente da República à Câmara dos Deputados até cinco meses antes do início do exercício seguinte; se, dentro do prazo de quatro meses, a contar de seu recebimento, o Poder Legislativo não o devolver para sanção, será promulgado como lei.”
Não há essa previsão na Constituição atual, mas, a tese da promulgação da proposta orçamentária como lei encontra amparo no § 2o do art. 35 do ADCT se examinado com cuidado:
“§ 2o Até a entrada em vigor da lei complementar a que se refere o art. 165, § 9o, I e II, serão obedecidas as seguintes normas:
[…]
III – o projeto de lei orçamentária da União será encaminhado até quatro meses antes do encerramento do exercício financeiro e devolvido para sanção até o encerramento da sessão legislativa.”
Nota-se o tom de comando contido no inciso III: o projeto de lei será encaminhado até… e devolvido para sanção até o encerramento da sessão legislativa”. Implícito resta o verbo “será” antes da palavra “devolvido”.
A Lei nº 1.848/91 do Estado do Rio de Janeiro continha dispositivo autorizando o Poder Executivo a executar o Projeto de Lei Orçamentária originalmente encaminhado, na hipótese de omissão do Legislativo, deixando de devolver dentro do prazo constitucional.
Entretanto o STF suspendeu liminarmente a eficácia do ato impugnado sob o fundamento de que o dispositivo transitório “ao dispor sobre a matéria, conferiu à inércia do Poder Legislativo, apenas um único efeito jurídico: o da imediata remessa do projeto orçamentário anual, no estado que se achar, ao Chefe do Executivo, em ordem a possibilitar o exercício da prerrogativa constitucional da sanção” (ADI nº 612, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 26-3-1993).
O governo vem utilizando o critério da letra “b”, isto é, abertura de crédito adicional ou especial valendo-se de anulação parcial de verbas previstas nas dotações consignadas na proposta orçamentária, de tal sorte que quando aprovado o orçamento é possível que nada mais reste em determinada dotação inteiramente esvaziada antes de sua aprovação.
O absurdo salta aos olhos. A única tese razoável e juridicamente sustentável é a da promulgação do projeto de lei orçamentária pelo Executivo na hipótese de omissão do Legislativo, ignorando as eventuais emendas em curso no Parlamento Nacional.
Se não o faz é porque essa situação promíscua no manuseio do dinheiro público interessa também ao Executivo.
Toda essa ginástica legislativa para flexibilizar as normas orçamentárias em nível constitucional, ou em nível infraconstitucional, como o “orçamento de guerra”, e, agora, pretendida alteração do teto de gastos não passa de um disfarce procurando conferir o manto de legalidade às despesas públicas desordenadas e sem controle. Até os recursos especificamente destinados ao combate à covid 19 vêm sendo desviados por governantes inescrupulosos como resultado da cultura de afronta às leis orçamentárias, a começar pela sua fonte legislativa.
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