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Realmente não cabe(ria) “prisão preventiva” de parlamentares?
Douglas Fischer
23/03/2021
Expusemos aqui as razões pelas quais entendemos ser cabível, em tese, a decretação – sempre excepcional – de prisão preventiva de parlamentares, na medida em que a Constituição Federal tratou quanto a eles (e diferentemente do Presidente da República) exclusivamente de prisões em flagrante por crime inafiançável, não vedando a incidência (pelo Princípio da Isonomia) da regra geral do art. 312 do CPP, que trata das prisões preventivas.
Já ouvimos falar que o STF teria dito que não seria possível decretar prisões preventivas de parlamentares, não é ?
Será isso mesmo ?
Então como explicar, jurídica, lógica e racionalmente, a decisão do Ministro Alexandre de Moraes, que concedeu prisão domiciliar (cautelar menos gravosa) ao Deputado Daniel Silveira no último dia 14 de março ?
Não estamos aqui, em hipótese alguma, analisando a suficiência ou não da prisão, mas unicamente o tratamento do caso ao sistema constitucional e legal.
Vamos reiterar que, em nossa concepção, partindo dos pressupostos do próprio Supremo Tribunal Federal, ninguém (repetimos: ninguém!) pode(ria) ficar preso se não presentes os requisitos da prisão preventiva, mesmo que tenha sido detido em flagrante por crime inafiançável. Para os que (ainda) pensam que o fato de o crime em flagrante ser inafiançável manterá alguém preso por si só volte e releia o texto acima indicado, com citação dos precedentes do próprio STF.
A crítica que irá ser feita aqui é exclusivamente acadêmica e dogmática, que fique muito claro, pois já dissemos inúmeras vezes que os crimes cometidos pelo parlamentar nominado não podem ser admitidos e merecem a devida (e proporcional) resposta estatal.
Pois bem.
No dia 14 de março, na Petição nº 9.456, o Ministro Alexandre de Moraes deu (para nós, inédita) decisão em que indeferiu os pedidos de concessão de liberdade provisória e, “nos termos dos artigos 282 e 319 do Código de Processo Penal, substituo a prisão em flagrante delito por crime inafiançável pelas medidas cautelares a serem implementadas em relação à Daniel Silveira, a seguir enumeradas […] Destaco que o descumprimento injustificado de quaisquer dessas medidas ensejará, natural e imediatamente, o restabelecimento da ordem de prisão (art. 282, §4°, do Código de Processo Penal)”.
Como deixamos claro em nossos Comentários ao CPP e sua Jurisprudência (13ª ed., 2021), compreendemos que não se afigura mais correto falar em liberdade provisória, mas exclusivamente em liberdade, pois a liberdade é a regra, as prisões cautelares que são provisórias.
Enfim, sigamos ao ponto central do presente e rápido texto.
O resumo do provimento jurisdicional monocrático acima já nos deixa claro duas questões indiscutíveis:
1) temos uma “nova modalidade de prisão” criada “jurisprudencialmente” (de lege ferenda): a prisão em flagrante que pode ser substituída por medidas cautelares menos gravosas;
2) o descumprimento das medidas cautelares fixadas, ex officio pelo Poder Judiciário, poderá ensejar o restabelecimento da prisão nos termos do § 4º do art. 282 do CPP (que trata da “prisão preventiva” !!!!).
Respeitosamente, e até o presente momento da jurisprudência e da legislação vigente, não nos parece juridicamente sustentável dizer que uma prisão em flagrante (mesmo que por crime inafiançável) seja substituída por medidas cautelares menos gravosas previstas no art. 319 do CPP, sem que se possa cogitar de prisão preventiva. Não esqueçamos do § 6º do art. 282 do CPP, que diz que “a prisão preventiva somente será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar, observado o art. 319 deste Código, e o não cabimento da substituição por outra medida cautelar deverá ser justificado de forma fundamentada nos elementos presentes do caso concreto, de forma individualizada”.
As medidas cautelares menos gravosas são aplicadas como opção para não decretação da prisão preventiva, pois ausentes (naquele momento) os requisitos do art. 312 do CPP. Mas nada impede que elas, as cautelares menos gravosas, sejam convertidas em prisão preventiva, nos moldes do que acima dito.
Mas será que realmente não cabe prisão preventiva em tese (não estamos falando do caso concreto, que fique bem expresso), como sempre sustentamos ?
Vamos novamente à decisão ora em exame.
Disse ainda o Ministro Alexandre de Moraes na mesma decisão monocrática: “As reiteradas condutas ilícitas do denunciado, igualmente, revelam sua periculosidade, pois não só reforçou as ameaças aos membros do STF, no momento de sua prisão – referindo-se, inclusive, a estar disposto a “matar ou morrer” –, como ainda, agressivamente, desrespeitou recomendações legais pela utilização de máscara de proteção individual (à luz do que prevê o art. 3º-A, da Lei Federal n. 3.979/20 e o art. 1º, da Lei n. 8.859/20, do Estado do Rio de Janeiro), tendo, supostamente, desacatado funcionário público no exercício da função; além de, atuar ativamente para que, ilicitamente, telefones celulares fossem introduzido no local onde cumpria sua detenção na Polícia Federal. Nos termos do artigo 312 do CPP, conforme descrito na denúncia, há prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria, e todas suas condutas ilícitas posteriores à pratica dos crimes revelam a real existência de perigo gerado pelo estado de liberdade do denunciado, dado que a prática dos atos criminosos a ele já imputadas atenta diretamente contra a ordem constitucional e o Estado Democrático e a continuidade de seu comportamento infracional atestou o pouco respeito à Polícia Federal e à Justiça; sendo essencial como garantia da ordem pública, por conveniência da instrução criminal e para assegurar a aplicação da lei penal, a manutenção de restrições ao seu direito de ir e vir; não sendo, portanto, cabível a concessão de liberdade provisória”.
Ora, se há invocação do art. 312 do CPP para justificar que todas as condutas praticadas pelo envolvido revelam a “real existência de perigo gerado pelo estado de liberdade” (periculum libertatis indiscutível – vide nova redação do art. 312, in fine, CPP), parece (parece !) que o e. Ministro Alexandre de Moraes admite que, em tese, é possível sim a decretação da prisão preventiva inclusive de parlamentares.
Efetivamente não nos parece viável que uma prisão em flagrante seja substituída por medidas cautelares menos gravosas. Elas são cabíveis, exclusivamente, em substituição à hipótese da prisão preventiva, jamais da prisão em flagrante.
Não nos alongaremos, pois tentar explicar, juridicamente, uma decisão dessa natureza não se faz possível, pois traz em si vários paradoxos.
O fato relevante que nos importa: ou o Ministro Alexandre de Moraes passou admitir, em tese, prisões preventivas de parlamentares, ou, respeitosamente, criou (antes da própria lei e da Constituição) uma nova modalidade de sistema de substituição de prisões, no caso, prisão em flagrante por medidas cautelares menos gravosas, porém dissociada (ao que parece) das prisões preventivas.
Salvo melhor juízo.
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