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Processo Penal Sigiloso…no século XXI?

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Marcelo Mendroni

Marcelo Mendroni

03/11/2020

O termo “república” deriva do latim, da conjunção “Res Publica”, ou seja, “coisa pública”, que diz respeito ao interesse público de todos os cidadãos. A própria abertura da Constituição Federal do Brasil, refere ser o Brasil uma República Federativa, em um regime de Estado Democrático de Direito.

O Princípio da Publicidade processual está, não só escrito, mas esculpido na Constituição Federal, no seu artigo 1° inciso II, como corolário da cidadania, quando refere expressamente que Art. 5° LX – a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem. Estando o dispositivo no artigo 5° da CF, é cláusula pétrea.

Significa que o processo penal é público na sua essência. A publicidade, além de um direito da sociedade, é a própria garantia dos acusados de como, onde e porque estão sendo acusados, para o controle, não só do Poder Judiciário, mas também – e principalmente da própria sociedade, destinatária desta justiça penal; em nome e para quem trabalha o Estado, representado, tanto pelo Ministério Público quanto pelo Poder Judiciário.

Processos Penais sigilosos remontam o período medieval em que vigorava o abusivo e indesejável sistema inquisitivo, não se coadunando com a atual sistemática do século XXI no sistema acusatório moderno. Ação Penal Pública, Incondicionada ou Condicionada – é, como o nome aduz, “pública”, e como pública imponderavelmente deve ser mantida.

Há, de fato, casos criminais cujas investigações envolvem dados como quebras de sigilos bancários e fiscais. Nestes casos, em geral, estes documentos devem ser sempre autuados em apensos, para que, na investigação e também durante o processo, em relação a eles, especificamente, sejam mantidos os sigilos que a Lei, nos termos da previsão Constitucional, protege. Veja-se que nestes casos o Juiz decreta o sigilo porque a Lei assim prevê. Não se trata de decisão discricionária do Juiz, mas vinculada.

O Processo que é público, mas a investigação pode ser sigilosa, até o momento que a sua eficácia o exija, para a prática de ações como quebras de comunicações, buscas e apreensões e eventualmente outras – sempre quando o investigado não saiba que esteja sendo investigado (aplicação do princípio da paridade de armas). Depois disso, o sigilo pode ser cancelado.

De qualquer forma, com a Denúncia oferecida à Justiça, o processo penal passa a ser orientado, inalienavelmente, pelo Princípio da Publicidade. Aqueles dados que envolvem p. ex. as quebras de sigilos bancários, fiscais ou de interceptações de comunicações, por determinação da Lei devem continuar em apenso, e em sigilo.

A Denúncia Criminal precisa descrever a conduta criminosa, e essa descrição deve ser de domínio público, para que a sociedade possa ter conhecimento do crime praticado, que abalou a ordem pública; mas também para que essa mesma sociedade possa ter conhecimento a respeito do trabalho do Estado na justiça penal, representado pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário (eventualmente também pela Defensoria Pública, conforme o caso); e poder ter acesso ao trabalho por eles realizado. Afinal, é para estes órgãos que essa mesma sociedade destina parte do valor dos tributos. A sociedade tem o direito de saber sobre a descrição dos fatos expostos na Denúncia pelo Ministério Público, sua conclusão a respeito da investigação; mas também, evidentemente, da forma como decide o Poder Judiciário em relação àqueles fatos imputados.

Nos casos de homicídio, roubo, furto, estelionato etc. o Ministério Público descreve a conduta criminosa. Descrições de ações criminosas, pela sua própria natureza, são de domínio público. Todas elas. Não podem ser sigilosas.

Nos casos que envolvem corrupção e/ou lavagem de dinheiro, dados das quebras de sigilos bancários e fiscais invariavelmente devem ser referidos expressamente na Denúncia, até para que o acusado possa deles se defender amplamente. Então como conciliar o sigilo determinado pela Lei, p. ex., a dados bancários e fiscais e a Denúncia, que necessariamente é pública, pela sua própria natureza? Pretender decretar sigilo em uma Denúncia porque ela contemple dados bancários, fiscais ou de comunicações – tidos como ações criminosas, em casos de corrupção e lavagem de dinheiro, seria inverter a situação processual da publicidade, fazendo a pretensa exceção se tornar regra, porque estas Denúncias precisam citar, referir e descrever condutas com dados bancários e fiscais.

Quando o Promotor de Justiça, representando o Estado e a Sociedade, no exercício das suas funções, coloca na Denúncia estes dados, porque entende que eles consistem em forma ou modus operandi da prática de crimes (ex. de corrupção e lavagem de dinheiro), então estes dados automaticamente passam a ser considerados criminosos pelo Estado – Ministério Público, e perdem o seu sigilo. Assim o são para o atendimento de sua finalidade pública, na persecução do interesse público, com o objetivo de executar as suas competências legais e/ou cumprir as atribuições legais do serviço público. Os demais dados referentes às quebras de sigilos bancários e fiscais, que não integraram a Denúncia (portanto não considerados criminosos), estes sim continuam com características de sigilo – autuados em apensos próprios, para que os Autos principais do processo possam ser integralmente públicos.

Então, se a Constituição Federal determina que a Lei, e somente a Lei, pode restringir a publicidade dos atos processuais, não é dado a nenhum Juiz, da primeira instância à Suprema Corte, decretar sigilo nos atos processuais dos Autos principais. Se o fizer, a decisão será tida como “manifestamente ilegal” – não podendo ser cumprida pelas partes. Para que sigilo em um Processo Penal (Autos Principais) possa ser “decretado” por um Juiz, seria necessário que houvesse uma Lei específica que referisse expressamente esta possibilidade, que, certamente contra a vontade popular, significaria admitir perigosas exceções do processo penal brasileiro, na direção da eliminação do Princípio da Publicidade, passando a ser sigiloso – e retrocedendo séculos, de volta à idade média… Impensável, portanto, em uma República Democrática.

A única exceção que vislumbramos sobre a possibilidade de que seja decretado sigilo na Denúncia e/ou no Processo Penal (Ação Penal Pública), seria no interesse da vítima, por exemplo em casos de violência sexual, com fundamento na própria Constituição Federal (Art. 5° X), pelo direito à preservação de intimidade; mas nunca no interesse dos acusados.

Publicidade significa transparência. Atividades criminosas e atividades processuais devem ser de domínio público em uma República com regime de estado democrático de direito. Sigilo, ao contrário, é atentado à República e a esse estado democrático de direito.

Ubi lex voluit dixit, ubi noluit tacuit.

Quando a lei quis falar, falou; quando não quis, calou.

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