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Juiz de garantias não garante a imparcialidade

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Kiyoshi Harada

Kiyoshi Harada

28/02/2020

O juiz de garantias foi instituído pela Lei nº 13.964, de 24-12-2019, para vigorar a partir do dia 23-1-2020, com o fito de assegurar a imparcialidade na condução de procedimentos investigatórios na esfera penal. Porém, ela não assegura, por si só, a imparcialidade que é um princípio ínsito da judicatura.

Se o juiz que preside as investigações e ao mesmo tempo procede a instrução criminal e profere a  sentença pode incorrer em parcialidade de conduta, nada garante que o juiz de garantias na supervisão de procedimentos investigatórios, autorizando a quebra do sigilo de dados, as diligências de busca e apreensão, assim como expedindo mandados de prisão cautelar ou de prisão preventiva não venha incorrer nos mesmos vícios da parcialidade.

Afinal, ambos pertencem ao mesmo quadro da magistratura, assentada no princípio da imparcialidade. Desvios de condutas que existem no exercício de qualquer profissão não se corrigem por instrumentos legislativos. Basta lembrar que não há lei que transforme o ímprobo em cidadão probo, o desonesto em honesto.

Essa figura jurídica importada do estrangeiro, onde a realidade judiciária é completamente diferente da nossa, resultou de um jaboti colocado pela deputada Margarete Coelho no bojo do projeto de lei anticrime de iniciativa do Executivo, celeremente encampada por seus pares, sem maiores discussões. Em que pese as boas intenções da ilustre deputada, que certamente levou em conta as exageradas acusações do ex-presidente Lula contra o então juiz Sergio Moro que teria faltado com o dever de imparcialidade, essa nova figura jurídica em nada contribui para o aperfeiçoamento do sistema processual penal.

Não se atentou para o fato de que existem centenas de comarcas com um único juiz, inviabilizando a implementação da medida proposta. Na hipótese, de duas uma: ou se promove as investigações a distância valendo-se do auxílio de um juiz da comarca vizinha, ou se pratica os atos processuais de investigação mediante presença física, ensejando a figura de juiz itinerante, ou então, estabelecendo um rodízio de juízes das comarcas circunvizinhas. Qualquer que seja o meio eleito será sempre de difícil execução e demandará um tempo considerável com as andanças do juiz ou dos autos.

Outrossim, a  medida aprovada não regula a sua aplicação no tempo, não bastando a invocação da regra geral segundo a qual a norma processual alcança o processo na fase em que se encontra. Certamente essa omissão ensejará infindáveis incidentes de nulidade do processo a conspirar contra o princípio da celeridade processual.

A AMB e a AJUFE, bem como três partidos políticos ingressaram com ADI perante o STF alegando, dentre outras coisas, a elevação de custos e a exiguidade do prazo de vigência do novo regime (dia 23 de janeiro de 2020). O Ministro  Presidente da Corte, Dias Toffoli durante o recesso do Judiciário concedeu a liminar para adiar a vigência do novo regime por seis meses e excepcionar a sua aplicação em relação a crimes de homicídio doloso, de crimes apurados segundo a Lei Maria da Penha e a infrações apuradas no âmbito da Justiça Eleitoral por causa do dinamismo peculiar desses processos, praticamente reconhecendo a morosidade que acarreta o novo regime processual penal.  E o Ministro Toffoli  emendou a lei lacunosa determinando que o novo regime não se aplica a processos em curso. O Ministro Fux, Relator das ADIs suspendeu definitivamente a aplicação do novo regime processual, por vislumbrar vícios de inconstitucionalidade. Alegou que a aplicação das novas normas irá onerar os custos, provocar morosidade processual e que não houve estudos prévios acerca do impacto na criminalidade.

Não é preciso novo instrumento normativo para corrigir o eventual desvio de conduta do juiz que se afasta do dever de imparcialidade que é da essência da magistratura, tanto aqui como lá fora. Basta acionar as normas da Corregedoria Geral da Justiça existentes no nível local (Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais) e no nível nacional (Conselho Nacional da Justiça).

A criação dessa nova figura só contribuirá para acentuar a morosidade do processo, já reconhecida pelo Ministro Dias Toffoli, trazer confusões e dificuldades antes inexistentes, e aumentar o elevado custo da prestação jurisdicional. Já há propostas no Conselho Nacional de Justiça prevendo a criação de Varas Regionais de Juiz de Garantias.

Mais órgãos para inchar o nosso Judiciário exageradamente composto de quatro instâncias a retardar o trânsito em julgado da decisão judicial, impedindo a prisão do condenado. A nova ordem processual penal é um verdadeiro tiro no pé. Muitos criminosos ficarão impunes por conta das discussões periféricas que surgirão com toda certeza, prejudicando o exame do mérito como vem acontecendo nos processos cíveis. Ironicamente  essa medida resultou de um contrabando legislativo inserido no bojo do projeto anticrime que, diga-se de passagem, foi convolado pela Casa do Povo em projeto pró crime.

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