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PROCESSO PENAL
Assistência qualificada da mulher vítima de violência no processo penal
Franklyn Roger
25/07/2019
Ao longo da semana, diversos canais jurídicos noticiaram o ocorrido em audiência realizada na Justiça do Mato Grosso, onde o magistrado criminal teria proibido que uma Defensora Pública acompanhasse mulher vítima de violência doméstica durante seu depoimento.
Além da demonstração de desconhecimento por parte do magistrado a respeito da disciplina da Lei Maria da Penha, algo inconcebível em pleno 2019, o episódio revela a necessidade de se conferir maior cientificidade a atuação em prol da mulher vítima de violência doméstica no processo criminal, fora da clássica concepção da assistência de acusação.
O objetivo desse breve estudo é fazer um rápido panorama das formas interventivas da vítima no processo penal, especificamente sob a representação da Defensoria Pública, de modo a confirmar o equívoco do órgão jurisdicional na negativa de participação de membro da Defensoria Pública.
Assistência qualificada da mulher vítima de violência no processo penal
Sabe-se que o Código de Processo Penal reconhece a intervenção da vítima através da assistência de acusação na fase processual, com fundamento no art. 268 do CPP. Os poderes do assistente de acusação, assim compreendido como a vítima, seus representantes legais e sucessores (art. 31 do CPP), são aqueles previstos no art. 271 do CPP, lhe sendo lícito requerer a produção de provas, participar da instrução processual, interpor recursos, dentre outros.
Um aspecto importante da disciplina do assistente de acusação e que se difere da assistência qualificada prevista na Lei Maria da Penha é que a sua intervenção depende de autorização judicial (arts. 269 e 273 do CPP), sendo necessária a manifestação prévia do Ministério Público (art. 272 do CPP).
Além da atuação como assistente de acusação, o sistema jurídico processual penal brasileiro alberga hipótese em que a vítima exerce maior protagonismo na persecução penal, através da legitimação extraordinária para a deflagração da imputação por meio da ação penal privada (art. 30 do CPP). Em menor extensão, confere-se a vítima o poder para decidir a respeito da apuração da infração penal e deflagração da ação penal, por meio do direito de representação veiculado no art. 39 do CPP.
No entanto, pouco se discute a respeito da disciplina normativa da vítima na Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha). O diploma legal assegura a todas as mulheres em situação de violência doméstica e familiar o acompanhamento por advogado em todos os atos do processo, sejam de natureza cível ou criminal (art. 27).
A preocupação do legislador com a condição de vulnerabilidade é tamanha que, inobstante garantir a assistência qualificada, ao mesmo tempo confere capacidade postulatória à própria mulher para requerer o deferimento de medidas protetivas de urgência (art. 27, parte final c/c art. 19), além de mais recentemente, conceder à autoridade policial (Delegado de Polícia) a capacidade para deferir as medidas protetivas (Lei n. 13.827/2019).
Como parte da tendência moderna de implementação de ações afirmativas e de defesa dos grupos vulneráveis, o art. 4º, XI da LC nº 80/1994 prevê como função institucional da Defensoria Pública “exercer a defesa dos interesses individuais e coletivos da criança e do adolescente, do idoso, da pessoa portadora de necessidades especiais, da mulher vítima de violência doméstica e familiar e de outros grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado”.
O dispositivo reflete a preocupação constitucional de garantir a especial tutela das pessoas naturalmente frágeis, como as portadoras de deficiência (art. 37, VIII), as mulheres (art. 226) as crianças e os adolescentes (art. 227)[1], os idosos (art. 230) e outros grupos sociais vulneráveis.
É por essa razão que também é assegurado à mulher vítima de violência doméstica e familiar o acesso aos serviços de Defensoria Pública, em sede policial e judicial, mediante atendimento específico e humanizado (art. 28). Com isso, objetiva o legislador, em cumprimento ao art. 226, § 8º, da CRFB, conferir ampla proteção à família, coibindo a violência doméstica e familiar, através do rol de institutos processuais, a exemplo das medidas protetivas de urgência, bem como pelo tratamento psicossocial prestado pela equipe multidisciplinar.
Por possuírem todas as pessoas idêntico valor intrínseco, deve ser assegurado a todos igualdade de respeito e consideração, independente de raça, cor, sexo, religião ou condição social, funcionando a Defensoria Pública como instrumento de superação da intolerância, da discriminação, da violência, da exclusão social e da incapacidade geral de aceitar o diferente.
Notem que enquanto a assistência de acusação depende de autorização judicial, o mesmo não pode ser dito em relação ao que preferimos chamar de “assistência qualificada”, onde a mulher tem o direito de estar acompanhada por profissional habilitado a orientá-la e assegurar a tutela de seus interesses (advogado ou membro da Defensoria Pública).
Se ao imputado deve ser assegurada a defesa técnica, em igual condição a mulher vítima de violência doméstica deve ter assegurada para si a denominada assistência qualificada. E por essa razão é que a Defensora Pública do Mato Grosso tinha total amparo jurídico para participar do ato processual de oitiva da vítima, sendo indevida a negativa de participação manifestada pelo juízo.
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[1] Importante observar que o art. 141 do ECA garante “o acesso de toda criança ou adolescente à Defensoria Pública, ao Ministério Público e ao Poder Judiciário, por qualquer de seus órgãos”.
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