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A Apelação no Processo Penal e Possíveis Influências do CPC de 2015

APELAÇÃO NO PROCESSO PENAL

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CPC DE 2015

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PROCESSO PENAL

Marcellus Polastri

Marcellus Polastri

16/08/2018

O art. 3º do Código de Processo Penal dispõe que as regras do Código de Processo Civil se aplicam subsidiariamente ao processo penal ao fazer menção aos princípios gerais do direito, pois, considerando a unidade do direito processual, obviamente que, em caso de necessidade de aplicação subsidiária, deve o intérprete se socorrer ao processo civil, que é a parte tecnicamente mais aperfeiçoada do Direito Processual, e, assim, ali estão seus “princípios gerais do direito”.

Art. 15. Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente.

Apesar de o dispositivo do CPC de 2015 não indicar o processo penal como ramo processual no qual exerce aplicação subsidiária, não obstou que seja aplicado o CPC subsidiariamente ao CPP, já que, por óbvio, o artigo só cita processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos porque estes são do âmbito da legislação “civil” em sentido lato, se contrapondo à legislação “criminal”. Assim, o que importa é que o CPP determine que se possa socorrer do CPC para aplicação subsidiária, e assim o faz em seu art. 3º, e, portanto, continua inteiramente aplicável a interpretação subsidiária das normas do Código de Processo Civil ao Processo Penal, desde que não exista previsão própria divergente no CPP.

De pronto, verifica-se que no CPC de 2015 houve duas novidades: a revogação do duplo juízo de admissibilidade da apelação e a extensão das causas que ensejam o julgamento do mérito diretamente pelo tribunal, desde que o processo esteja em condições de imediato julgamento (CPC, arts. 1.010, § 3º, e 1.013, § 3º). No último caso, é o que a doutrina passou a denominar princípio da “causa madura”.

Ocorre que o Código de Processo Penal adota um controle recursal das apelações quanto às sentenças e às decisões com força de definitivas (CPP, art. 593, I e II), sempre mediante um duplo juízo de admissibilidade, diferentemente do processo civil e, como se vê do art. 581, XV, do CPP, fica clara a adoção no CPP do duplo juízo de admissibilidade do processo penal na apelação, visto que, da decisão que denegar o seguimento do recurso para o juízo ad quem, caberá recurso em sentido estrito. Desse modo, havendo disposição específica no CPP, a retirada do duplo juízo de admissibilidade na esfera processual civil na recente reforma não poderá alterar o disposto no processo penal.

Também quanto aos prazos e ao procedimento, o CPP traz disposições específicas e, assim, não se aplica a nova modalidade de contagem de prazos ou especificidades procedimentais da apelação do processo civil no processo penal.

O CPC, ao dispor sobre as hipóteses em que o tribunal ad quem anula ou reforma a decisão de primeiro grau, estabelece poder haver o julgamento direto do mérito quando houver omissão do julgador a quo em relação a um dos pedidos, ou, ainda, quando este acolher a prescrição ou a decadência, além de, quando a sentença houver extinto o processo sem julgamento do mérito (CPC/2015, art. 485), decretar a nulidade por incongruência ou falta de correlação com os limites do pedido ou da causa de pedir ou anulá-la por falta de fundamentação (CPC/2015, art. 1.013, §§ 3º e 4º).

No processo penal, temos a situação especial da apelação contra as decisões proferidas pelo Tribunal do Júri (CPP, art. 593, III), na qual o cabimento do recurso é vinculado, e isto se dá em razão da garantia constitucional da soberania dos veredictos (CRFB, art. 5º, XXXVIII, c)[2], e, no citado procedimento, já previa o CPP que o tribunal ad quem pode, desde logo, examinar o mérito da ação penal quando for proferida sentença contrária à lei expressa ou à decisão dos jurados, ou quando houver erro ou injustiça no tocante à aplicação da pena ou da medida de segurança (CPP, art. 593, III, b e c), fazendo a devida retificação, no primeiro caso, ou corrigindo a aplicação da pena ou da medida de segurança no segundo (CPP, art. 593, §§ 1º e 2º).

Se, entretanto, o recurso de apelação for interposto por ocorrência de nulidade posterior à pronúncia, ou mesmo quando o tribunal ad quem for provocado para ser convencido de que a decisão dos jurados é manifestamente contrária à prova dos autos (art. 593, III, a e d), deverá ser determinado, necessariamente, novo julgamento pelo Conselho de Sentença (CPP, art. 593, § 3º), em observação ao princípio da soberania dos veredictos (CRFB, art. 5º, XXXVIII, c).

Assim, basta o exemplo do Tribunal do Júri, em que só se admite o julgamento direto pelo tribunal em exceções taxativas, para se constatar que não se aplica no processo penal a regra imposta no CPC de 2015 do chamado julgamento da “causa madura”, pois o processo penal cuida da restrição à liberdade do indivíduo e, assim, é cercado constitucionalmente por garantias que asseguram o devido processo legal, o que torna incompatível a novidade do CPC de 2015, que consiste no chamado princípio da “causa madura” assegurando a possibilidade de julgamento direto pelo tribunal, e, se considerarmos que, inclusive no processo civil, já causa estranheza que se dê o julgamento diretamente pelo tribunal ad quem, sem manifestação das partes, no processo penal teremos uma real afronta aos princípios do contraditório e da ampla defesa, já que as partes não podem ser surpreendidas.

A impossibilidade se dará não só nos casos apontados do Tribunal do Júri, ou seja, de decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos ou de verificação de nulidade posterior à pronúncia, quando o tribunal anula a sentença e devolve os autos ao juízo de primeiro grau para novo julgamento, justamente para não incorrer em violação à garantia da soberania do veredicto do Tribunal do Júri, mas também em outros procedimentos penais, pois, caso aplicado o princípio da causa madura com o julgamento direto pelo tribunal ad quem, estariam sendo violados os princípios da ampla defesa e do contraditório (CRFB, art. 5º, LV). É que se o Tribunal ad quem anular a decisão proferida e julgar a causa, contra esse acórdão caberiam apenas recursos excepcionais, que só tratam de questões de direito, não se destinando ao exame se foi aplicada a justiça no julgamento da causa no caso concreto ou mesmo não sendo possível o reexame da prova dos fatos.

No caso de procedimentos do Tribunal do Júri, ao rever uma injustiça praticada no caso concreto diretamente pelo juiz-presidente, o tribunal ad quem estaria cometendo igual ou superior injustiça, sendo que a acusação não teria o devido contraditório e faltaria, também, a indispensável ampla defesa para combater a decisão, ainda mais se prevalecer o entendimento (que até se acredita seja o mais acertado) de que o tribunal poderia, inclusive, aplicar pena superior àquela imposta pelo juiz-presidente, em vista da anulação do julgado antes proferido em primeiro grau, não afrontando a vedação à reformatio in pejus (CPP, art. 617), ressalvada a hipótese descrita na súmula 160, do Supremo Tribunal Federal[3].

Em se tratando de sentenças proferidas em outros procedimentos penais, ao se dar o reexame pelo tribunal ad quem, o raciocínio é o mesmo, não sendo, também, cabível a aplicação do art. § 3º do art. 1.013 do CPC de 2015 (julgamento da causa madura), pois não se pode privilegiar a efetividade processual em detrimento do contraditório e da ampla defesa, já que se fosse aplicado o princípio da “causa madura”, ao ser declarada a nulidade da sentença, similarmente às hipóteses previstas pelo CPC de 2015, o julgamento da causa poderia ser feito exclusivamente pelo tribunal, o que seria, evidentemente, impossível no processo penal. Passaria, nesse caso, o tribunal a ter competência originária para o julgamento da causa, impedindo que a parte pudesse fazer o reexame e contraditar a decisão judicial, o que não estaria em sintonia com as garantias mínimas dos princípios do contraditório e da ampla defesa e do próprio duplo grau de jurisdição.[4]

Assim, no processo penal, a aplicação imediata do art. 1.013, § 3º, do CPC de 2015, a chamada teoria da causa madura, se traduziria em um julgamento com surpresa para o acusado, provocada pelo Tribunal ad quem, limitando a sua defesa, com violação aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, sem duplo reexame profundo da prova dos fatos do processo.

1) O julgador reconhece a prescrição, em sentença, após o transcurso do processo, e dessa decisão o Ministério Público recorre por discordar da contagem do prazo que resultou na decisão do juiz. Se o Tribunal acolhe a tese de que não ocorreu a prescrição no caso concreto, poderia decidir desde logo o mérito da ação penal e, eventualmente, condenar o acusado?

2) O Ministério Público apresenta denúncia em desfavor de um indivíduo, pedindo que seja condenado pelo cometimento dos delitos A, B e C. Transcorrido o processo com observância de todas as garantias que são devidas ao acusado, o magistrado profere sentença condenando o réu quanto ao crime A e absolvendo-o quanto ao crime B, sem, contudo, manifestar-se sobre o crime C. Propõe o parquet embargos de declaração, visando sanar a omissão da sentença, mas os declaratórios sequer são conhecidos. Proposto recurso de apelação ao Tribunal, este entende que deve acolher o recurso da acusação de nulidade da sentença por omissão de julgamento em relação ao crime C. Poderia, em seguida e de forma direta, decidir sobre o cometimento ou não da infração penal?

Nos dois casos o julgamento diretamente pelo tribunal ad quem implicaria violação aos princípios da ampla defesa e do contraditório, haja vista que, contra o acórdão que afastou a prescrição e julgou o mérito da ação penal ou aquele que reconheceu a nulidade parcial da sentença e condenou o acusado no crime C, caberiam apenas recurso especial e recurso extraordinário, sem que pudesse o acusado se contrapor às alegações do tribunal recorrido, alicerçando-se nas provas produzidas nos autos (não se admite no recurso excepcional o exame de prova).[5]

De outra parte, seguindo no processo penal, o art. 1.013, § 3º, do CPC/2015, a decisão do mérito pelo tribunal prescindiria, inclusive, de pedido expresso do órgão de acusação no recurso de apelação, pois, de acordo com o dispositivo do CPC, “o tribunal deve decidir desde logo o mérito”. Se aplicado ao processo penal, haveria julgamento de ofício, em ofensa ao ne procedat ex officio.

O mesmo se dá nos casos em que a sentença violar o dever constitucional de fundamentação (CRFB, art. 93, IX), não observando o art. 489, § 1º, do CPC/2015, que é inteiramente aplicável ao processo penal na forma do art. 3º do CPP. Se for um vício intrínseco (da própria sentença), não poderá o Tribunal aplicar a teoria da causa madura, pois a decisão seria derivada de um processo que, por exemplo, violou as garantias processuais do acusado e, assim, terá o Tribunal ad quem que remeter os autos à primeira instância para que seja repetido o ato defeituoso, e o processo tenha regular tramitação, tudo em nome do devido processo legal.[6]

Tratando-se, ainda, de um vício intrínseco, por ausência de fundamentação, a sentença será considerada nula, como seria, por exemplo, o caso de o magistrado não ter analisado todos os argumentos da defesa, capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador (CPC/2015, art. 489, § 1º, IV), e, também nesse caso, deve ser adotada a mesma solução remetendo-se os autos à primeira instância para suprir o defeito, porque, se for reconhecida a nulidade pelo tribunal e, a seguir o mesmo tribunal passar diretamente ao exame das teses em segundo grau, haveria insuportável limitação ao direito de ampla defesa, que não mais poderá revolver o acervo probatório para poder comprovar que procedem os argumentos deduzidos em sua defesa acerca do vício (oriundo do processo ou do procedimento).[7]

Em síntese, quer seja no Tribunal do Júri, quer seja nos demais procedimentos penais, a aplicação da teoria da causa madura encontra forte resistência nos princípios da ampla defesa e do contraditório pelos fundamentos antes declinados, incorrendo o acórdão em irremissível inconstitucionalidade e constrangimento indevido da liberdade do acusado, o que poderá desafiar habeas corpus.

Entre as novidades advindas com a reforma processual civil, só terá aplicação no processo penal a cláusula de sanabilidade dos vícios que levariam à inadmissibilidade do recurso de apelação, já que será possível, no processo penal, o relator, antes de considerar inadmissível o recurso, conceder o prazo de cinco dias ao recorrente para que seja sanado o vício ou complementada a documentação exigível (CPC/2015, art. 932, parágrafo único).


Referências
STF, súmula 713: “o efeito devolutivo da apelação contra decisões do júri é adstrito aos fundamentos de sua interposição”.
“É nula a decisão do tribunal que acolhe contra o réu nulidade não arguida no recurso da acusação, ressalvados os casos de recurso de ofício”.
CHEIM JORGE, Flávio. Teoria geral dos recursos cíveis. 7. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
LIMA, Marcellus Polastri; TORES, João Gualberto. Impactos do Novo Código de Processo Civil nos Recursos em Processo Penal. Repercussões no Novo CPC. Processo Penal. Coord. Geral DIDIER, Fredie Jr.; Coords. CABRAL, Antonio do Passo; PACELLI, Eugenio; CRUZ, Rogério Schietti, Salvador: JusPodivm, 2016, p. 476-477.
MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal, vol. I, Campinas: Bookseller, 1997, p. 53.

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