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CLÁSSICOS FORENSE
PROCESSO PENAL
REVISTA FORENSE
A tentativa branca de homicídio e a desistência voluntária da reiteração de tiros, de Valdir de Abreu

Revista Forense
24/04/2025
Continua provocando às mais renhidas discussões a definição jurídica do ato de quem dispara um ou mais tiros, visando partes vitais do ofendido, e deixa, voluntàriamente, de prosseguir nos disparos, consciente embora de não ter atingido o alvo, ou apenas o tocado levemente. É velho assunto, que, pela sua importância prática, acentua COSTA E SILVA,1 merece acurado estudo:
A controvérsia não ocorre somente entre nós Estudando a questão no direito argentino, assim – se pronuncia SEBASTIAN SOLER: “Em todo delito cuja consumação importa num percurso, não se pode deixar de considerar em concreto as possibilidades que o delinqüente efetivamente tinha para continuar o seu caminho. Se um indivíduo tinha um revólver com cinco balas e fêz um disparo contra uma, pessoa sem feri-la, para poder-se afirmar que isso constitua uma tentativa punível de homicídio, não basta consultar qual era a intenção com que o primeiro disparo foi dado, para concluir que, se havia inicialmente intenção de matar, já, é punível a tentativa de homicídio. Importa isto em descuidar o valor que tem a desistência naqueles casos em que o sujeito sabe que não logrou sua intenção, dispõe de meios para prosseguir e, todavia, não o faz: Neste sentido não cremos justificada a censura que JIMENEZ DE ASÚA dirige ao Tribunal Supremo, “por não haver aplicado a figura do homicídio frustrado a um caso no qual o agressor, antes do disparo, gritava: “O que eu faço agora é matar-te”, porque o decisivo nisto não são as palavras, senão os fatos, e entre êstes, não só os fatos já executados, como também os que podia continuar executando, bastando querer prosseguir”.2 No mesmo sentido, pela imunidade da desistência, se pronunciam ZACHARIAE,3 DE MARSICO4 e, entre nós, TOBIAS BARRETO,5 BENTO DE FARIA6 e ATUGASMIN MEDICI FILHO.7
Vai mais longe, ainda, o autorizado BASILEU GARCIA, para quem a referida ação não chega a configurar a tentativa. E que, segundo o mestre paulista, se “o resultado não obtido pelo agente por ter desistido do iter criminis, por ter paralisado o procedimento criminoso, deixará de haver tentativa: “o acusado responderá, apenas, pelos atos que tiver praticado”.8 O nosso Código vigente não seguiu o exemplo do italiano Rocco, que abandonou a referência à não-consumação “por circunstâncias alheias à vontade do agente”. Vê nisto uma condição negativa da perpetração da tentativa, como VANNINI em relação ao Código Zanardelli.9 Do mesmo modo entendem COSTA E SILVA – “não sendo a suspensão resultante de circunstância alheia à vontade do autor, não existe tentativa”10 – e JORGE SEVENIANO RIBEIRO – “tôdas as vêzes que o agente recua voluntàriamente da execução, não há tentativa do crime ideado e começado”.11 Ressalva êste último que discorda por inteiro da doutrina esposada pelo nosso Código.
A interpretação da desistência voluntária perante o nosso direito positivo não é, porém, isenta de divergências. Pronunciam-se diversamente dos autores acima não só GALDINO SIQUEIRA como NÉLSON HUNGRIA. Diz o primeiro, repetindo igual interpretação dada ao Código anterior, que “a desistência voluntária e o impedimento do resultado, nos têrmos da lei, constituem causas extintivas de pena e, portanto, que eximem da pena já incorrida, e não causas dirimentes da imputabilidade, por isso que deixam intatos os elementos constitutivos da tentativa punível, afastando apenas a sanção penal, por considerações de ordem utilitária”.12 “Trata-se de causa de extinção de punibilidade (embora leão catalogadas no art. 108), ou seja, circunstância que, sobrevindo à tentativa de um crime, anulam a punibilidade do fato a êsse título. Há uma renúncia do Estado ao jus puniendi (no tocante à entidade “crime tentado”), inspirada por motivos de oportunidade. A tentativa, uma vez acontecida, não pode ser suprimida retroativamente (pois factum infectum fieri nequit“, afirma NÉLSON HUNGRIA.13
A identidade ou diversidade de opiniões, acima ressaltadas, sôbre a não-consumação do crime por motivo dependente da vontade do agente, não são, todavia, suficientes para harmonizar ou não o entendimento dos mesmos autores quanto à definição jurídica do fato que apreciamos. Assim é que a opinião de COSTA E SILVA muito difere da de SOLES e de BASILEU GARCIA, acima referidas. “O tiro que falhou representa uma tentativa perfeita ou acabada. A inação, consistente na abstenção de novos tiros, não corresponde à exigência legal de voluntário impedimento do resultado. Nem de lege ferenda as aludidas opiniões se justificam. Elas criam uma situação de favor para o indivíduo que cautelosamente carrega todo o cilindro de seu revólver. O que dispõe só de uma bala incorre em tentativa punível. O que dispõe de várias, não. É palpável o absurdo”.14
Estudando a questão, frente ao Código Rocco, chegam à conclusão do saudoso mestre brasileiro, além de outros, SABATINI, PANNAIN e MANZINI. “Disparando o tiro”, diz o primeiro, “o agente ultima a sua ação criminosa; mas se falha o tiro, o fato fica no âmbito da tentativa, porque não se verificou o evento mortal ou a lesão corporal”.15 Portanto, diz o segundo, “quem omite repetir uma possível tentativa (ex.: aquêle que, depois de ter em vão disparado sôbre determinada vítima um tiro de revólver, se arrepende e renuncia a disparar um segundo, ou se abstenha de vibrar curtos golpes de navalha na vítima, considerando suficientes os já vibrados), não pode acampar na desistência voluntária”.16 Adverte, enfim, MANUNI que “o não repetir a tentativa, já obstada por causas independentes da vontade do agente, não equivale nunca à desistência voluntária. Doutra forma os crimes tentados ficariam, as mais das vêzes, impunes”.17
O eminente NÉLSON HUNGRIA concorda em que não se verifique a desistência voluntária, porquanto considera a ação em aprêço uma tentativa perfeita, acabada. Contesta, no entanto, as razões de COSTA E SILVA e conclui, afinal, parece-nos, pela ocorrência do arrependimento eficaz. “É fôrça reconhecer que se, na hipótese de tentativa acabada ou perfeita, o voluntário impedimento do resultado extingue a punibilidade, com maioria de razão deve ter êsse efeito a voluntária abstenção de repetir o ataque, quando não haja resultado a conjurar. A objeção de COSTA E SILVA não é intransponível: o indivíduo que, cauteloso ou não, tinha completa a carga do seu revólver e, frustrado o ataque, deixou de repetir o disparo, não obstante a incolumidade real ou aparente da vítima, dá prova inegável de que assim procedeu porque quis; enquanto que aquêle que dispunha de um só tiro deixou de reiterar o ataque porque não podia agir de outro modo, e não passaria de gratuita conjetura o supor-se que, ainda no caso de dispor de mais balas no revólver, se teria abstido de novos disparos”.18
Ousando tomar posição nesta polêmica de gigantes, somos também do parecer que não ocorre desistência voluntária, a menos que a confundíssemos com desistência da atitude criminosa do agente. Pensamos, muito ao contrário do mestre SOLER, que se um indivíduo tem um revólver com cinco balas e faz um disparo contra outrem sem feri-lo, para poder-se afirmar que isto constitua tentativa punível de homicídio, basta apurar qual era a intenção com que o disparo foi dado, salvo se o tiro não tivesse pôsto em risco a vida da vítima. Suponhamos que na hipótese aventada tivesse a vítima tombado mortalmente; haveria quem duvidasse de estarmos diante de um rematado homicídio? Ora, se na tentativa branca a punição ocorre em conseqüência do perigo de vida impôsto à vítima pelo agente animus necandi, que desistência seria possível, capaz de retroativamente extinguir um perigo já passado? Como também nenhum arrependimento poderia ter a virtude o perigo resultante do tiro disparado. Eis por que não podemos concordar com o esclarecido NÉLSON HUNGRIA. Além disso, como ressaltam todos os autores, inclusive o citado mestre, “o arrependimento eficaz exige necessàriamente uma atuação militante”19 e é evidente que isto não se dá pela simples omissão em repetir golpes.
Indagando-se, porém, das razões da imunidade penal, prevista no art. 13 do nosso Código, prepondera hoje entre os mestres o reconhecimento de serem os puros motivos de política criminal tão bem expressos há meio século por VON LISZT: “No momento em que se ultrapassa a linha divisória entre ou atos preparatórios impunes e os atos de execução puníveis, incorre-se na pena estabelecida para a tentativa. Este fato não mais pode ser mudado nem “retroativamente cancelado”, nem suprimido. Mas pode a “lei, por motivos de política criminal, construir uma ponte de ouro para a retirada do agente já sujeito a pena”.20 “Tem o Estado interêsse em que os crimes não sejam levados à consumação”, diz COSTA E SILVA.21 Neste interêsse chega a renunciar o seu direito e, porque não, também dever de punir. Não indaga, por isso, se o desistente ou arrependido se deixa mover por sentimentos altruísticos ou egoísticos; satisfaz-se com a voluntariedade do procedimento.
Parece-me fora de dúvida, que as considerações acima invocadas militam inteiramente no caso que ora discutimos. A vítima não merece aqui menos proteção que nos casos que antecedem a desistência voluntária ou o arrependimento eficaz. Assim sendo, em face da omissão legal, será caso de aplicar-se, por analogia, o art. 13 do Cód. Penal. Opõe-se NÉLSON HUNGRIA a êste meio de aplicação da lei no direito penal;22 aceitam-na, todavia; a quase unanimidade de autores nacionais: NARCÉLIO DE QUEIRÓS,23 COSTA E SILVA,24 OSCAR STEVENSON,25 BASILEU GARCIA.26 ROBERTO LIRA.27 ROBERTO MEDEIROS, segundo informa SOUSA NETO e êste próprio.28 O mesmo ocorre entre os autores alemães e, sem maioria tão expressiva, também se pronunciam os italianos. A argumentação contrária dos penalistas italianos gira sempre em tôrno do art. 14 das disposições sôbre a lei em geral, semelhantes à norma do art. 6º da nossa revogada introdução ao Cód. Civil. Como demonstra NARCÉLIO DE QUEIRÓS em magnífico trabalho, não contendo a nossa nova Lei de Introdução nenhuma norma que impeça a analogia, na ampliação dos caos de exceções a regras gerais, a oposição já não mais se justificará.29 Repele NÉLSON HUNGRIA êste entendimento e diz que em Código como o nosso, “que enumera, em têrmos suficientemente dúcteis, as causas descriminantes ou de imunidade penal”… “haveria pouquíssimo espaço para a analogia in bonam partem“. Embora não se possa deixar de reconhecer que a analogia deva ser admitida com rigorosa parcimônia, como nota BASILEU GARCIA,30 a necessidade no caso desta forma de aplicação da lei transparece dos próprios argumentos do eminente NÉLSON HUNGRIA, acima referidos. “É fôrça reconhecer que se, na hipótese de tentativa acabada ou perfeita, o voluntário impedimento do resultado extingue a punibilidade, com maioria de razão deve ter êsse efeito a voluntária abstenção de repetir o ato que, quando não haja resultado a conjurar”. Vale ressaltar ainda que neste caso as razões de política criminal, pela impunidade da tentativa, visam à vítima, em perigo iminente de sucumbir, impotente a autoridade pública para defendê-lo e só, por conseqüência, beneficia o acusado.
Enfim, isento de punição o agente pela tentativa, responderá todavia pelo atos praticados, que, se não constituírem crime mais grave, incidirão necessàriamente no art. 132 do Cód. Penal – “perigo para a vida ou a saúde de outrem”. Esta é a conclusão quase unânime de nossos autores e da jurisprudência. É êste um crime subsidiário, absorvido pelo homicídio e o delito de lesões e necessàriamente pela tentativa dêsses crimes. Desprezada a tentativa, permanece como resíduo o crime do art. 132 do Cód. Penal. Quanto à natureza do dolo nas referidas infrações, bem demonstra VANNINI31 a nenhuma valia das objeções, que se oferecem, mormente para os que, como nós, não encontram no campo da culpabilidade lugar para a species dolo de perigo.
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Notas:
1 “Código Penal”, vol. I, pág. 93.
2 “Derecho Penal Argentino”, vol. III, páginas 204-205.
3 “Die Lehre vou Versuch der Verbrechen”, vol. II, pág. 266.
4 “Diritto Penale”, pág. 346.
5 “Estudos de Direito”, pág. 209.
6 “Código Penal do Brasil”, de 1890, página 48.
7 “Crime de Perigo de Vida”, in “REVISTA FORENSE”, vol. 125, pág. 33.
8 “Instituições de Direito Penal”, vol. I, tomo I, págs. 232-233.
9 “Il Problema Giuridico dei Tentauvo”, pág. 126.
10 Ob. cit., pág. 87.
11 “Código Penal dos Estados Unidos do Brasil”, vol. I, pág. 317.
12 “Tratado de Direito Penal”, vol. II, página 588, e “Direito Penal Brasileiro”, vol. I, página 178.
13 “Comentários ao Código Penal”, vol. I, págs. 265-266.
14 “Código Penal”, vol. I, págs. 92-93.
15 “Instituzioni di Diritto Penale”, Parte Generale, vol. I, pág. 390.
16 “Manuale di Diritto Penale”, vol. I, página 468.
17 “Diritto Penale”, nuova edizione, vol. II, pág. 456.
18 Ob. e vol. cits., págs. 269-270.
19 Ob. e vol. cits., pág. 270.
20 “Lehrbuch des Deutachen Strafrechts”, 1903, pág. 342.
21 Ob. cit., pág. 94.
22 Ob. e vol. cits., pág. 75-78.
23 “Analogia in bonam partem e a Lei de Introdução ao Código Civil”, in “Arquivos M. J. N. I.”, nº 7, págs. 12-23.
24 Ob. e vol. cits., pág. 22.
25. “De Exclusão do Crime”, pág. 90.
26 Ob., vol. e tomo cits., pág. 154.
27 “Expressão mais Simples do Direito Penal”, pág. 63.
28 “O Motivo e o Dolo”, pág. 117.
29 Ob. cit., págs. 12-23
30 Ob., vol. e tomo cits., pág. 154.
31 Ob. cit., págs. 134-135.
LEIA TAMBÉM O PRIMEIRO VOLUME DA REVISTA FORENSE
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 1
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