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Recurso – Direito De Ação, de Homero Freire

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Recurso – Direito De Ação, de Homero Freire

REVISTA FORENSE 161

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23/01/2024

SUMÁRIO: Recurso, revisão, habeas corpus e ação rescisória. Doutrina nacional. Doutrina estrangeira. Ação de impugnação e meio de impugnação. Direito de ação. Direito de recorrer. O terceiro prejudicado. Identidades e confusões. Conclusão.

Recurso, revisão, habeas corpus e ação rescisória

I. A leitura do trabalho de GIOVANNI LEONE, “Sisteme delle impugnazioni penali” (Parte Geral, 1935), levou-nos a meditar acêrca da natureza íntima do recurso e de como a maioria dos processualistas, dentre êles alguns de maior renome, ainda não alçou o véu para pôr à mostra o instituto no seu verdadeiro enquadramento no sistema dos direitos subjetivos feitos valer no processo.

No Brasil, cujo atraso no estudo da ciência processual só agora começa a ser vencido, não é de admirar que os tratadistas e comentadores das nossas leis chamadas adjetivas, e até professôres, se embaracem, por exemplo, com a classificação legal da revisão e do habeas corpus como recursos (caps. V e X do tít. II do Livro III do Cód. de Proc. Penal), e com a inclusão da “rescisória de sentença” no rol. das ações (tít. III do Livro IV do Código de Proc. Civil).

GALDINO SIQUEIRA, a respeito da revisão, descobre-lhe “uma feição sui generis, mais de ação rescisória do que de recurso” (“Curso de Processo Criminal”, pág. 370), repetindo o que dizia, ARISTIDES MILTON, em 1891 (“Constituição do Brasil”, pág. 481), e contando com o apoio do eminente penalista COSTA E SILVA (“Comentários ao Código Penal”, vol. II, pág. 689).

E, com base nesse raciocínio, assevera SADI CARDOSO DE GUSMÃO que, “de fato, a revisão é no fundo verdadeira ação, ou tipo especial de ação rescisória em sede penal, obedecendo, contudo, à forma dos recursos, conforme sustentamos em nosso trabalho, já citado, sôbre os recursos” (“Código de Processo Penal, breves anotações”, pág. 199).

Da mesma forma se manifesta o ilustre comentador do Cód. de Proc. Penal, EDUARDO ESPÍNOLA FILHO, ao escrever que a revisão “participa da natureza de recurso”, “assemelhando-se, entretanto, a uma ação, como em matéria civil ocorre com as rescisórias”. Invoca ARISTIDES MILTON, COSTA E SILVA, GALDINO SIQUEIRA e WHITAKER, êste com o passo: “a revisão é recurso sui generis, mais ação rescisória do que recurso” (“O júri”, pág. 239) (“Código de Processo Penal Brasileiro”, vol. 6º, págs. 7 e 15).

O Prof. ARI AZEVEDO FRANCO permanece no mesmo plano doutrinário dos autores antes citados, repetindo as idéias da ação sui generis, do recurso sui generis, da ação rescisória em sede penal, dá participação da natureza de ação e de recurso notada em certos remédios processuais (“Código de Processo Penal”, volume II, págs. 291-292).

Quanto ao habeas corpus vemos o Prof. FLORÊNCIO DE ABREU sustentar que, enfileirado entre os recursos processuais, “nem sempre apresenta a característica fundamental dêsses remédios – impugnação de uma decisão judicial” (“Comentários ao Código de Processo Penal”; vol. V, pág. 184).

J. M. DE CARVALHO SANTOS, referindo-se à ação rescisória, alude à controvérsia até agora acesa, sôbre saber se ela é um recurso, e confessa que não faz muito tempo aderia à corrente que a considerava como tal (“Código de Processo Civil Interpretado”, vol. IX, páginas 115-116).

O mestre PONTES DE MIRANDA aponta a tradição luso-brasileira, vinda dos primeiros séculos do milênio, de considerar ação e não recurso, a rescisão (“Comentários ao Código de Processo Civil”, vol. IV, pág. 515, nota d).

Depois de oferecer uma definição simplesmente formal de recurso, SEABRA FAGUNDES coloca a ação rescisória fora do conceito de recurso, o mesmo fazendo em relação a habeas corpus, que classifica, de “remédio contra a sentença, porém não recurso” (“Dos recursos ordinários em matéria civil”, págs. 7-8, nota 1).

Em contrário, a opinião de LOPES DA COSTA que, criticando o Cód. de Proc. Civil sustenta que, “sob o ponto de vista doutrinário”, a ação rescisória “como recurso se deve classificar”. “Recurso especial, sem as vistosas roupagens da ação. Recurso, porém, assim mesmo”.

E mais adiante: “O aspecto de ação é aparente, salta aos olhos. O curioso, o que se disfarça sob as aparências, o extraordinário é o caráter oculto de recurso. O que importa é tirar a máscara à demanda, para ver que ela é, na verdade, um recurso” (“Direito Processual Civil Brasileiro”, vol. III, págs. 132-133).

Enquanto êstes autores discutem se a revisão, o habeas corpus ou a rescisória é ação ou é recurso, – o que implica fazer a distinção entre as duas atividades processuais, – o Prof. JOSÉ FREDERICO MARQUES é incisivo: o recurso é inconfundível com o jus actionis. Está escrito em seu livro “O Júri e sua Nova Regulamentação Legal”, pág. 137.

Doutrina estrangeira

Na doutrina estrangeira vemos o mestre CHIOVENDA acentuar a natureza de meio de impugnação (recurso) à revocazione do direito italiano, na hipótese de ataque à sentença sujeita a recurso de cassação; e a natureza de ação autônoma da mesma revocazione no caso de ataque à decisão passada em julgado (“Princípios de derecho procesal civil”, trad. castelhana de JOSÉ CASAIS Y SANTALÓ, vol. II, pág. 569) – o que demonstra o pensamento da inconfundibilidade esposado pelo Prof. JOSÉ FREDERICO MARQUES.

Confere, em face do direito argentino, a lição do Prof. NICETO ALCALÁ ZAMORA Y CASTILLO e de RICARDO LEVENE, filho, in “Derecho procesal penal”, vol. III, pág. 318.

Mais radical ainda é SALVATORE SATTA, para quem “le impugnazioni della sentenza non si possono considerare azioni, ma sono la espressione di meri poteri processuali, senza alua causa petendi – se cosi può dire – che l’ingiustizia della sentenza” (“Diritto processuale civile”, pág. 286).

Ação de impugnação e meio de impugnação

II. A doutrina mais aplaudida distingue o meio de impugnação, da ação de impugnação, ou na linguagem dos alemães, o Rechtsmittel (remédio de direito), da Anfechtunpsklage (ação de impugnação).

Mas, para tanto, ou coloca o problema no plano da sociologia jurídica, ou o situa do ponto de vista teleológico, e, portanto, extrínseco, quando não meramente formal e periférico.

O recurso pròpriamente dito (meio de gravame, da terminologia italiana) tem a finalidade de evitar que a possibilidade de êrro de julgamento da instância inferior dê lugar a uma sentença injusta. Daí a providência de submeter a questão a novo exame judicial, com o propósito de assegurar melhores garantias de uma decisão acertada (PIERO CALAMANDREI, “Estudios sobre el proceso civil”, trad. castelhana de SANTIAGO SENTIS MELENDO, págs. 439-440; CARNELUTTI, “Lecciones sobre el proceso penal”, tradução castelhana do mesmo SANTIAGO SENTIS MELENDO, vol. II, págs. 135-138; JOÃO BONUMA, “Direito Processual Civil”, vol. III, pág. 18).

Quando não leva em vista êsse aspecto sociológico do recurso, a doutrina moderna atém-se ao lado formal do Instituto; considerando-o como “o meio para passar do primeiro ao segundo grau de jurisdição” (CHIOVENDA, “Princípios”, cit., vol. II, pág. 510), ou ainda, como ensina o Prof. JOÃO BONUMÁ, “o meio de atacar os atos judiciais…” (“Direito Processual Civil”, vol. III, pág. 5).

Na ação de impugnação, ao lado do problema do êrro ou vício da decisão impugnada, sobreleva a consideração formal da oposição a um estado jurídico já estabelecido pela autoridade da coisa julgada, ao invés do que se verifica no meio de impugnação (recurso), que, ao contrário, visa a impedir que se constitua um estado jurídico ainda não concretizado, pois apenas esboçado pela sentença recorrida.

E a preocupação pela aparência exterior da questão conduz à superficialidade de apontar-se como requisito diferencial, decisivo da ação de impugnação em relação ao meio de impugnação, o fato evidentemente insignificante para o estudo ontológico da matéria, de a primeira ser exercitada através de processo novo, ao passo que o segundo apenas abre uma nova fase do processo já em andamento (v. CALAMANDREI, ob. cit., pág. 448; MATTIROLO, “Trattato di diritto processuale civile”, vol. IV, nº 289).

Dessa circunstância extrínseca tira o ilustre CALAMANDREI a conclusão claramente descomedida, de que o mezzo de gravame “é coisa absolutamente diferente (grifos nossos) das ações que podem dar-se contra os vícios da sentença” (ob. cit., pág. 449).

Sem embargos, é o próprio professor peninsular que reconhece que, na prática, o meio de gravame tem absorvido em si o exercício das ações de impugnação, ou as há revestido de suas formas processuais características; e, às vêzes, as finalidades de um e de outra se identificam; ademais de que, em certos casos, o meio de gravame funciona como verdadeira e própria querela nullitatis, tal como já notavam WACH e CHIOVENDA (“Urteilsnichtigkeit”, 394; “Princípios”, vol. II, págs. 525 e segs. e 594) (CALAMANDREI, ob. cit., págs. 449-452). Estudando o assunto à luz da lei italiana, admite CALAMANDREI que, no recurso de cassação motivado por defeitos de atividade, “o mesmo constitui, de um modo claríssimo, uma ação de impugnação” (págs. 453-454), o que também não passou desapercebido ao próprio CHIOVENDA (“Princípios”, vol. II, pág. 594).

III. Mais compreensivo se nos depara o eminente HELLWIG, para quem não é inadequada a defesa de um direito contra a sentença nas duas formas do Rechtsmittel e da Rechtsmittelklage.

A ação de impugnação e o meio de impugnação (recurso) constituem pára o autor alemão manifestações formalmente diversas de um direito de impugnação substancialmente idêntico (Widerspruchsrecht), qual seja o de obter a variação do estado jurídico criado pela sentença sujeita a recurso (cf. “Anspruch und Klagerecht”, pág. 488, apud CALAMANDREI, ob. cit., pág. 444).

IV. Já agora a verdade desponta. Contudo, é preciso mostrar tôda a verdade, indo às últimas conseqüências. A concepção de HELLWIG deixa transparecer um raio de luz, mas, a nosso ver, não é o resplendor solar a iluminar os quatro cantos do instituto.

A orientação metodológica prenuncia o bom resultado do trabalho de desbravamento que se apoie na proposição do mestre tedesco.

O que deve interessar é o estudo da essência, da substância do instituto, da sua natureza íntima, sem deixar que o modo ou a forma por que êle se exterioriza nos desvie a atenção e nos tolde a visibilidade.

Direito de ação

V. Pois bem, quem se detenha a perquirir a essencialidade do recurso, descobrirá que a sua manifestação não é mais do que a manifestação do direito de ação.

Quem tem ação tem recurso, bastando, para tanto, o suposto legal da jurisdição em duplo grau. O recurso é o direito de ação exercido perante o órgão judicante superior, ou perante o mesmo órgão em reexame do litígio; às mais das vêzes é a continuação ou persistência na segunda instância (empregamos aqui “instância” no sentido do segundo grau de jurisdição) do exercício da ação-formulada na primeira.

Dizer, como HELLWIG, que a ação de impugnação é substancialmente idêntica ao meio de impugnação, é dizer uma verdade. Mas, parece-nos, não basta. A identificação deve ser e tem de ser generalizada, para considerar um mesmo direito, o direito de ação (qualquer ação, e não só a impugnativa de sentença transitada em julgado) e o direito de recorrer. Todo direito de impugnação objetivado no “meio de impugnação”, é ação, do que decorre que tôda e qualquer ação (e não sòmente a impugnativa ou constitutiva) é substancialmente, essencialmente, ìnsitamente idêntica ao direito de impugnação, ao recurso enfim. Analisemos a coisa.

VI. Temos para nós que, em síntese, a ação é o direito de pôr em funcionamento a máquina judiciária do Estado para julgamento de uma questão, de um litígio, e de vincular a parte adversa aos efeitos dêsse julgamento (cf. WINDSCHEID, “Abwehr gegen Dr. Theodor Muther”, §§ 11 e 12; WACH, “Handbuch”, páginas 14 e 91, nota 49).

A direção contra o Estado deriva não só da monopolização estatal da justiça e da conseqüente proibição da autotutela dos interêsses (MARCO BOSCARELLI, “La tutela penali del processo”, vol. I, páginas 135 e segs.; REDENTI, “Diritto processuale civile”, vol. I, pág. 15), como da necessidade sócio-política de subordinar o exercício da jurisdição à iniciativa dos jurisdicionados (MANFREDINI, “Programma del corso di.diritto giudiziario civile”, nº 779), de modo a obrigar o juiz a fazer justiça sòmente a quem a pede, como condição de imparcialidade (CALAMANDREI, ob. cit., pág. 140).

A vinculação da parte contrária aos efeitos da decisão é necessidade óbvia à finalidade do processo. Se a sentença não valesse em relação a ambos os litigantes, de nada adiantaria o aparelho judiciário, e o direito de ação seria uma mera ficção (cf. nosso “Estudo sôbre o litisconsórcio necessário ativo”, págs. 34 e 52).

Pois bem, o recurso participa da mesma natureza, é ação dirigida perante o Estado, representado pelo órgão judicante superior, ou, algumas vêzes, pelo órgão judicante prolator da decisão recorrida (agravo, embargos), e subordinadora do recorrido e também do recorrente aos efeitos autoritários da decisão de mérito.

Por isso que a parte contra quem decidiu o juiz a quo não pode desconsiderar

a decisão que lhe foi desfavorável (definição estatal da relação jurídica controvertida) para fazer justiça com as próprias mãos, resta-lhe o direito de formular nova exigência de tutela jurídica, para reapreciação da sua pretensão, sujeitando o recorrido ao novo julgamento. Típico direito de ação.

VII. Tanto tem ação o autor como o réu (cf. GROSSE, “Der Rechtsschutzenspruch des Beklagten, Zeitschrift”, páginas 36 e 113 e segs.; PIETRO CASTRO, “Derecho Procesal Civil”, pág. 94; REDENTI, “Profili pratici del diritto processuale civile”, págs. 96-97; CALAMANDREI, “Instituciones de derecho procesal civil”, trad. castelhana de SANTIAGO SENTIS MELENDO, pág. 162; EDUARDO COUTURE, “Introducción al estudio del proceso civil”, pág. 30).

Havendo legitimação, ambas as partes têm direito de ação, isto é, o direito de exigir um julgamento de fundo.

Exatamente por isso é que o autor não pode desistir da demanda sem o consentimento do réu (art. 181 do Cód. de Processo Civil), salvo se a êste faltar o elemento do interêsse (parág. único do citado artigo), que é requisito necessário, embora não suficiente, do direito de ação (art. 2º do Cód. de Proc. Civil).

No plano do processo penal, vemos a desistência da ação penal chamada privada, decorrente de perdão, depender da aceitação do querelado (arts. 51 e 58 do Cód. de Proc. Penal); quando não, prosseguirá a demanda, malgrado o desejo de desistência do queixoso.

É facultado ao réu dar andamento ao processo tôda vez que o autor se mostre inativo (art. 886 do Cód. de Proc. Civil); e, em defesa, como demandado, pode o titular do direito perempto de demandar (art. 204) opor ao antagonista a sua pretensão de direito material (parág. único do ref. artigo), sem embargo da tríplice absolvição da instância.

Direito de recorrer

Não se altera a situação do ponto de vista do recurso. Tanto o autor como o réu são titulares do direito de recorrer, isto é, do direito de ação perante a Instância superior ou mesmo primeira instância, para reapreciação da matéria de fundo.

Se é verdade que a lei permite ao recorrente desistir do recurso “sem anuência do recorrido” (art. 819 do Cód. de Processo Civil), isso resulta da interferência de outro princípio básico do direito das gentes, ou seja, do fato de haver sido satisfeita a finalidade do processo, de haver sido cumprida a obrigação estatal da definição judiciária do litígio, através da sentença, e, sendo esta favorável ao recorrido, afastado fica o seu interêsse (condição do direito de ação) de forçar o prosseguimento da demanda. Nato fora assim, ter-se-ia esvaziado o processo do seu conteúdo deontológico, para transformá-lo em veículo de propósitos demandistas. O Cód. de Proc. Penal tem dispositivo expresso a êste respeito:

“Não se admitirá, entretanto, recurso da parte que não tiver interêsse na reforma ou modificação da decisão” (parág. único do art. 577).

E o princípio é proclamado pela doutrina (CARNELUTTI, – “Sistema de derecho procesal civil”, trad. castelhana de NICETO ALCALÁ ZAMORA Y CASTILLO e SANTIAGO SENTIS MELENDO, vol. III, pág. 595; PAUL CUCHE, “Précis de procedure civile et commerciale”, pág. 538; E. GARSONNET, “Cours de procedure”, vol. II, pág. 56; SALVATORE SATTA, ob. cit., pág. 293; AFONSO FRAGA, “Instituições de processo civil do Brasil”, volume II, págs. 18-19).

Fora daí, o direito de ação perante o juízo do segundo grau de jurisdição, ou perante o mesmo juiz prolator da sentença recorrida, cabe igualmente aos dois sujeitos da relação da ação, e, conseqüentemente, da relação processual, sem importar a posição formal, ativa ou passiva, que guardem no processo.

VIII. Sendo o recurso direito de ação, tanto vale dizer arma; exige os mesmos requisitos:

a) legitimação ad causam, isto é, direito dê exigir do juiz o provimento sôbre o mérito da questão debatida na demanda, seja favorável ou desfavorável à pretensão do litigante;

b) interêsse de agir (de recorrer);

c) possibilidade jurídica do pedido, segundo LIEBMAN (“Estudos sôbre o processo civil brasileiro”, págs. 139-140), ou, como prefere CARNELUTTI, idoneidade do objeto (“Lecciones sobre el proceso penal”, vol. III, pág. 76), todos êsses requisitos constituindo os pressupostos do julgamento de fundo (REDENTI, “Profili”, nº 152; JOSÉ ALBERTO DOS REIS, “Processo ordinário e sumário”, vol. I, páginas 252 e sega.).

A demanda, como continente, poderá ser formalmente válida, isto é, idônea a provocar o pronunciamento do juiz, mas êste não entrará na apreciação do mérito se não tiver diante de si, no processo, as partes sôbre quem vàlidamente poderia incidir a autoridade da sentença, (legitimação, para a causa), e a quem pertence o interêsse em obter a decisão Judicial. Eis aí o fenômeno da “carência de ação” (denegatio actionis).

A lei confirma:

“O direito de recorrer da sentença competirá a quem fôr parte na causa (dominus litis), ou quando expresso em lei, ao órgão do Ministério Público (legitimação legal)” (art. 814 do Cód. de Proc. Civil).

Consulte-se, também, o art. 577 do Cód. de Proc. Penal.1

A parte final do art. 814 da lei processual civil alude ao recurso do juiz, ex officio, o que configura a hipótese excepcional no sistema das modernas legislações processuais, da derrogação dos postulados: ne procedat judex ex officio, nemo judex sine actore. Porém, confirmando a identidade apontada, vemos, também, a atividade oficial do juiz independentemente de provocação de parte, nos casos de demanda penal nas contravenções, e de habeas corpus de oficio (artigo 26 e § 2º do art. 654 do Cód. de Processo Penal).

Como quer que seja, quer na ação penal em matéria de contravenção, quer na impetração de habeas corpus, quer no recurso ex officio, trata-se sempre do exercício da jurisdição independentemente de estímulo do particular.

Quanto ao requisito do interêsse, que remonta ao direito romano, (non colent audiri appellantes, nisi hi quorum interest), já foi pôsto em relêvo e está expresso na eloqüência do art. 2º da lei processual e do parág. único do art. 577 do Cód. de Proc. Penal.

Enfim, a “idoneidade do objeto” ou “possibilidade jurídica do pedido”, tendo sido apreciada e passada pelo cadinho da prova e da discussão processual no juízo a quo. (art. 160 do Cód. de Proc. Civil), não oferece problema a exigir maior esfôrço do juiz ad quem, razão por que aparenta posição secundária e fica como que sombreada pelos dois outros requisitos da ação. Contudo, existe e demonstra a identidade conceitual.do direito de ação, in genere.

IX. Interessante verificar como a posição processual do “terceiro prejudicado”, se aclara com esta construção doutrinária.

O seu recurso é sua ação. Êle, legitimado pela lei e pelo prejuízo (interêsse de agir) (art. 815 do Cód. de Proc. Civil), pode invocar a tutela jurídica do Estado para reapreciar, em seu interêsse, no grau superior da jurisdição, a matéria decidida na instância inferior, com a sujeição das partes contendentes ao que fôr julgado: outro típico direito de ação no juízo ad quem.

O terceiro prejudicado

Veja-se o que escreveu PONTES DE MIRANDA:

“O terceiro prejudicado recorre em intervenção recursal: a sua ação (grifo nosso) toma a forma de recurso. Êle opõe e êle se insere no processo, para que a sua posição siga a relação jurídica processual na outra instância. Trata-se de ação (grifo nosso) que se acomoda ao grau em que vai estar o processo da ação de outrem” (ob. e vol. cita., página 68).

Semelhante a hipótese de ofendido ou de qualquer das pessoas enumeradas no art. 31 do Cód. de Proc. Penal: diante da omissão de Ministério Público; concede-lhes a lei legitimação ad causam para interpor apelação (art. 598 do Cód. de Processo Penal), o que não é senão legitimação para agir, direito de ação perante o órgão judicante, com subordinação das partes ao juízo.

X. Ressalta ainda a identidade em outros aspectos:

Atente-se para o paralelismo da “impropriedade de ação” (art. 278 do Cód. de Proc. Civil) com a “interposição de um recurso por outro” (art. 810), em ambos os casos devendo o juiz dar ao processo o andamento e rito adequados, com o aproveitamento dos atos processuais isentos de vício.

No processo penal, veja-se o princípio dominante do pas de nullité, sans grief, objetivado concomitantemente no juízo a quo (art. 589) e no juízo ad quem (artigo 579).

O jura novit curia é moeda corrente, não apenas para o juiz do primeiro, como também para o juiz do segundo grau de jurisdição (acórdão do Supremo Tribunal Federal de 5 de outubro de 1950, in “Arquivo Judiciário”, vol. XCVIII, fasc. 6, pág. 322; FLORÊNCIO DE ABREU, obra e vol. cits., págs. 235-236), e daí a faculdade concedida ao julgador de dar ao fato definição jurídica diversa da que constar da queixa ou da denúncia (artigo 383 do Cód. de Proc. Penal), de extensão óbvia ao Tribunal superior, e foi sublinhado pelo art. 617 do mesmo diploma legal.

A indisponibilidade da demanda penal corresponde à mesma indisponibilidade do recurso quando de iniciativa do órgão do Ministério Público (arts. 42 e 576 do Cód. de Proc. Penal); a contrario sensu, vige a disponibilidade de um e de outro, nos casos de ação penal impròpriamente denominada privada.

Identidades e confusões

XI. O mal tem sido confundir a relação processual com a relação da ação, a qual, por sua vez, não é a mesma coisa que a relação jurídica objeto de julgamento. Dizem que a primeira é processual, a segunda pré-processual, a terceira de direito material (HÉLIO TORNAGHI, “Processo Penal”, pág. 9).

Bem pensado, é difícil estabelecer a linha divisória, desenhar as lindes das três espécies de relações subjetivas. Talvez até tôdas sejam de direito material: direito ao processo, direito à ação, direito ao pedido – no sentido de consubstanciarem um poder-exigir com o correspondente dever-fazer(jus et obligatio sunt correlata). Não descaracterizaria êsses direitos a circunstância de serem feitos valer no processo, mesmo porque a própria pretensão ajuizada, reconhecidamente de natureza substancial, quando contestada, só através do processo e do reconhecimento judicial se constitui em direito.

Todavia, a diferença existe e mereceu a atenção de REDENTI:

“Ciò posto, deve esser chiaro intanto, che altro è l’aver legalmente posizione di parte in un rapporto di diritto sostanziale (diritto soggettivo primario), altro è l’avere tale posizione in una azione e altro ancora è l’averla in un rapporto processuale” (“Diritto processuale civile”, volume I, pág. 107).

De modo que, quando se fala em “parte”, caberá a natural indagação: parte de que coisa: parte da lide, ou parte da ação, ou parte do processo?

Essa tríada é bem apreciada no processo penal, a partir do momento em que o Estado proibiu a justiça de mão-própria: nas demandas penais de iniciativa particular, o queixoso é parte da relação processual tanto baste formular a queixa e recebê-la o juiz; e, verificada a sua legitimação para exigir o julgamento de fundo (reconhecimento das condições da ação), é-lhe reconhecida a qualidade de parte da relação da ação. No entanto, falece-lhe a qualidade de parte da relação substancial, eis que não lhe pertence o direito de punir, que o Estado reserva para si.

Dispõe o queixoso, como pessoa de direito, como cidadão, do direito de demandar, de querelar, res merae facultatis, idôneo a levar o querelado às barras do Tribunal, e pode ser titular do jus persequendi (direito de ação), hábil a levar o querelado ao sofrimento da pena; mas escapa-lhe o jus puniendi (direito de infligir a pena) (cf. com ERNST BELING, “Derecho procesal penal”, trad. castelhana de MIGUEL FENECH, pág. 74).

Na esfera civil podemos focalizar um exemplo: A propõe contra B uma ação de despejo. Na contestação, alega o réu que não mantém com o autor a relação ex locato. O juiz aceita a alegação e julga A “carecedor de ação”. Houve processo, houve relação processual, mas faltou a relação da ação. O autor foi julgado capacitado ad processum, para o que bastava que tivesse a capacidade jurídica de ser parte, equivalente à capacidade jurídica de exercer direitos e contrair obrigações; mas faltou-lhe a legitimidade ad causam. Se o réu não nega o contrato locativo, mas pretende que o autor não tem razão, e o juiz reconhece a existência da relação contratual, há ação, há relação de ação, ou, em outros têrmos, há legitimação causal das partes, ao lado da relação processual inconfundível. Nessa hipótese, o juiz obriga-se a um julgamento de mérito. Porém, o juiz ainda não julgou o pedido, não disse quem está com a razão (jus dicere). Esse é o terceiro trabalho construtivo do juiz, definidor da relação litigiosa deduzida na demanda, isto é, declaratório da fundabilidade ou infundabilidade da pretensão ajuizada, também, como se vê, inconfundível com as duas relações precedentes.

O Prof. HÉLIO TORNAGHI também faz o discrime: a) processo – relação processual; b) ação ou direito de ação; c) litígio, a res in juditio deducta. Para o processo, exigem-se os pressupostos processuais; para a ação, as condições da ação; para a satisfação do pedido, as razões (ob. cit., págs. 7-8).

São situações distintas e autônomas, e isto mesmo certifica o ilustre professor. Todavia, sòmente explicável como equívoco, lê-se sua afirmativa de que, “negada a ação, pela falta de condição exigida em lei para o exercício dela, negado está o processo em que ela corre….” “Negado o pedido, por via de conseqüência, tudo o mais está negado” (pág. 9).

Ousamos discordar. Quando se nega a ação, não se nega o processo, pois é justamente através do processo que o juiz verifica a falta de condições da ação; quando se nega o pedido (infundabilidade da pretensão ajuizada), não se nega o processo e a ação, eis que, da mesma maneira, foi por intermédio do processo e depois do reconhecimento do direito à ação (condições da ação) que lhe possibilitou a apreciação do mérito, que o juiz pôde concluir pela improcedência do pedido.

Não fôra assim, a que se reduziria a autonomia das citadas relações, que o próprio ilustre processualista aceita e proclama? (v. págs. 8 e 87). Tanto que o professor TORNAGHI reconhece que “a relação processual surge no instante em que o juiz e as partes ficam vinculadas entre si para uma atividade conjunta, segundo normas distintas das respeitantes à relação substancial…”; “surge desde que um sujeito capaz e legítimo declara a vontade de ver resolvida qualquer questão de competência do juiz penal” (pág. 87), ou mais pràticamente, “…a relação processual surge, em regra, com a demanda, e, por vêzes, com um ato jurisdicional contra o indiciado, antes que haja ação penal” (grifo nosso) (ob. cit., pág. 96).

Exatamente. O problema do direito de ação vem depois, conforme confessa o professor TORNAGHI, é objeto de decisão sôbre “questão intermédia” entre o “despacho preliminar” que decide sôbre o direito de demandar (pressupostos processuais), e a sentença final que deslinda o mérito (pág. 9), o que melhor aparece na estrutura do nosso processo civil, com o despacho saneador “intermédio”, destinado justamente a decidir das condições da ação (art. 294, I e III) antes do Julgamento de fundo, e como pressuposto dêsse julgamento.

Logo, não se pode dizer que, negado o direito de ação e o pedido, “tudo mais está negado”, como não se pode dizer que, negado o pedido (infundabilidade da pretensão), esteja negado o direito de ação e, a fortiori, o direito de demandar.2

XII. Diversas entre si a relação processual e a ação, sobressai o caráter autônomo de uma e de outra.

Do ângulo do recurso, persiste essa mesma fisiologia. Formalmente, o recorrente aproveita o processo já instaurado, abre, como disse CHIOVENDA, o segundo estádio da relação processual (“Princípios”, vol. II, pág. 525 da ed. espanhola), ao passo que o autor em sentido estrito, ao demandar, provoca a abertura de uma relação processual nova.

Porém, substancialmente, o recurso é exercício do direito de ação, quer por parte dos sujeitos originários (autor e réu), quer por parte de terceiro até então estranho à relação processual como também estranho à ação, verificando-se, nesta hipótese, a substituição da parte sem quebra da unidade do processo, ad instar dos casos comuns de morte, provocando a habilitação de herdeiro, dos casos de inércia, determinando a apelação do terceiro prejudicado (processo civil), ou da vítima e seus parentes (processo penal), na ausência de recurso do órgão do Ministério Público.3

Trata-se do exercício do direito de ação, com o aproveitamento de processo já instaurado, pondo à mostra o que é forma e o que é conteúdo.

Por não alcançarem essa diferença metodológica, não joeirarem a relação processual da relação da ação, o processo da ação, foi que ARISTIDES MÍLTON e, mais modernamente, o Prof. JOSÉ FREDERICO MARQUES puderam atribuir à revisão criminal o caráter de ação, só porque ela exige um novo processo, não podendo exercer-se através do processo criminal já findo (“A Constituição do Brasil”, cit., pág. 481; “O júri e sua nova regulamentação legal”, pág. 137), quando, na verdade, essa circunstância exterior nenhuma relevância tem para a definição científica do instituto.

A idéia de diferençar o recurso e a ação em função do aproveitamento do mesmo processo ou da abertura de processo novo, revela a costumeira balbúrdia entre relação da ação e relação processual, encontradiça até mesmo entre os estudiosos estrangeiros, ao separarem conceitualmente o meio de impugnação da ação de impugnação em razão do aproveitamento ou não-aproveitamento do mesmo processo, esquecidos, todos êles, de que, em um e outro casos, em têrmos de ação, o que se verifica é, em última análise, a exigência de tutela Jurídica do Estado, ou para rescindir um estado jurídico já estabelecido por sentença passada em julgado, ou, antecipadamente, para impedir que se constitua um estado jurídico ainda não concretizado, pois, como dissemos antes, apenas esboçado pela sentença sujeita a recurso.

Igualmente a autonomia da ação relativamente à razão (pretensão fundada). Vemos a maioria dos autores apontar como nota característica do recurso; o visar a reforma da sentença, o ser dirigido contra a decisão recorrida (SEABRA FAGUNDES, ob. cit., pág. 7; JOSÉ FREDERICO MARQUES ob. e pág. cits.; RAMALHO, “Elementos de processo criminal”, § 311, pág. 128; FLORÊNCIO DE ABREU, ob. e vol. cits., pág. 178; CARVALHO SANTOS, “Código de Processo Civil Interpretado”, vol. IX, pág. 200). LOPES DA COSTA chega a estabelecer o sinal distintivo:

“A atividade de uma parte, contra outra (grifo nosso), não representa recurso, mas meios de ataque (ação, reconvenção) ou meios de defesa (contestação, objeção, exceção)” (pág. 131).

“Na técnica processual… a palavra recurso tem um significado mais restrito” (pág. 131), “é meio de ataque à sentença” (grifo nosso) (pág. 132).

Ainda no mesmo sentido BONUMA (ob., vol. e pág. cits.), e a própria nomenclatura usada pelos processualistas denuncia a convicção dominante acêrca do traço caracterizador do recurso: “meio de impugnação“, “ação de impugnação“, “via impugnativa“.

Estamos aqui diante de uma má observação do complexo jurídico que estamos estudando, da confusão entre ação e razão, entre direito ao reexame do litígio e direito ao pedido.

O visível e ostensivo ataque do autor ao réu, e do réu ao autor na primeira fase do exercício da ação, explica-se pelo fato de um e outro pretenderem definir a relação litigiosa que os liga, de maneira contrária aos respectivos interêsses. Cada parte investe contra o ponto de vista jurídico do contendor, argumentando em defesa do seu interêsse perante o juiz.

No entanto, desde o momento em que o juiz, substituindo-se aos litigantes, pela sentença define a relação, ou a favor do autor ou a favor do réu, o que sobreleva é essa definição judiciária, mais autorizada, mais importante, mais solene, decisiva, cheia de conseqüências para o destino das pretensões ajuizadas; e daí, no exercício do seu direito de ação, que não se exaure com a decisão recorrida, o recorrente preocupar-se em contraditar as razões (atente-se: as razões!) do julgador que, às mais das vêzes, reproduzem as razões (hipotéticas) da parte vencedora, ou são o seu substitutivo judicial (síntese do juiz, em frente à tese e à antítese das partes), de qualquer maneira, um equivalente.

Mas, abstraída a definição jurídica da res in juditio deducta, posta, de lado a questão dos fundamentos, descobre-se que o “recurso”, à semelhança da “ação”, que é atividade dirigida a provocar do Estado-julgador a definição do litígio, não tem objetivo diferente, pois a parte recorrente pleiteia do juízo ad quem aquela mesma definição pretendida desde o início e não satisfeita pela sentença recorrida; em síntese, o recurso é a mesma ação, é o mesmo direito de exigir do órgão judicante o deslinde da controvérsia, isso porque o recorrente, seja o autor seja o réu; não se conformou com o provimento elaborado pelo juiz a quo.

Para ver claro basta que o espectador não se deixe impressionar com a arremetida do recorrente contra a decisão recorrida, que isso diz com as razões da sentença, com os fundamentos, com a definição da lide; mas atentar para o pedido de reexame da causa, para a exigência de reiteração do julgamento da questão, que exatamente isso é ação, é exercício do direito de ação, no lídimo valor do conceito.

Aquêle ataque à sentença, a dialética contida nas razões-recurso, esta se refere à pretensão ajuizada, pertence à discussão sôbre o mérito, é res de qua agitur, é a razão do pedido que, como vimos, guarda inteira autonomia diante da relação da ação, e com ela não se confunde, como não se confunde com a relação processual.

Afirmar, pois, que a ação é atividade dirigida por uma parte contra outra, enquanto o recurso é a atividade dirigida contra os fundamentos da sentença, é não sòmente esquecer a triangularidade da relação da ação, como baralhar ação e razão, direito de ação e direito ao pedido.

XIII. Se, substancialmente, não há diferençar ação e recurso, de tal modo que tem sabor de barbaridade jurídica o pensar-se que uma coisa é absolutamente diferente da outra (perdõe-nos o mestre CALAMANDREI!), formalmente não existe inconveniência nessa duplicidade terminológica que visa discriminar o exercício da ação antes da decisão da causa pelo órgão judiciário de primeira instância, do exercício da ação depois da primeira decisão e em face dela, ou para o mesmo juiz (agravo, embargos) ou para o juiz de grau superior (agravo não provido pelo juízo agravado, apelação, recurso extraordinário). Considera-se pràticamente o momento do exercício da ação e o plano da competência funcional em que esse exercício se verifica e se renova para efeito de duas denominações formais de um direito único em sua essência.

HOMERO FREIRE, Advogado em Pernambuco

______________

Notas:

1 A legitimação para um julgamento de mérito é sempre ad causam, e não ad processam, como pensa SEABRA FAGUNDES (“Doc. recursos ordinários em matéria civil”, págs. 30, 40 e 48). A capacidade ad processam diz respeito ao direito de abrir o debate judicial, de movimentar a demanda, de obrigar o juiz a um pronunciamento que pode ser apenas para parar que não pode prover ao pedido, não pode entrar no julgamento do mérito da questão, por exemplo, pela carência de legitimação causal (carência de ação) das partes (cf. com CARNELUTTI, “Sistema”, volume II, pág. 640, da trad. castelhana cit.).

O direito de recorrer, ou seja, de obrigar o juiz ad quem ao julgamento de fundo, pressupõe, além da capacidade ad processam (pressupostos processuais), a legitimação para a causa (condições da ação). Neste ponto, ver PONTES DE MIRANDA, “Comentários ao Código de Processo Civil”, vol. V, pág. 67.

O juiz, que também é sujeito do processo e da ação (triangularidade da relação processual e da relação da ação), está subordinado ao mesmo crivo: a capacidade ad processam resulta da qualidade de juiz (juiz nomeado, juiz exercente da função julgadora) – (capacidade de ser parte), e da insuspeição, inimpedimento, sanidade mental. etc. – (capacidade de exercício da função em determinado processo); a legitimação ad causam deriva da competência (juiz competente para a decisão da causa).

Quando as partes – autor-réu – argúem a ilegitimidade ou incapacidade processual do juiz (incompetência, falta de qualidade de juiz, suspeição, impedimento), o juiz passa a ostentar, com maior clareza, as roupagens de verdadeira parte, descendo da sua posição superpartes. Parte, aliás, não só formal, como material, esta relacionada com a sua legitimação e capacidade para o julgamento do mérito. Opera-se aí, um processo preliminar dentro do processo principal, e é no primeiro, referente á discussão sobre a capacidade e legitimação do Juiz, que êste se constitui em sujeito de uma relação material (relação jurídica de ser obrigado a julgar e de obrigar os demandantes ao seu julgamento). Ver, em parte, EDUARDO COUTURE, “Estudios de derecho procesal civil”, vol. III, pág. 130.

2 A êste respeito, até o grande processualista CALAMANDREI incorre em capital contradição. Êle, de um lado, seguindo a CHIOVENDA, assenta que só há direito de ação a favor da parte que tem razão, o que equivale a identificar o direito de ação com o direito substancial submetido a julgamento, identificar a relação da ação com a relação in judituo deducta; enfim, nega o caráter autônomo das duas relações. De modo que a ação julgada improcedente faz significar que o autor era, “carecedor de ação” não era titular do direito de ação (v. “Instituciones”, cit., págs. 180-181).

Pois bem, de outro lado, o mesmo CALAMANDREI, apreciando a bilateralidade da ação e da relação processual no que tange com as partes, ensina que o réu, na demanda contra êle proposta, “faz valer diante do juiz todas as razões de direito e de fato que possam servir para demonstrar a falta de fundamento da demanda, e para fazê-la rechaçar” (pág. 161), do que resulta que “a ação como atividade dirigida a apresentar ao juiz uma proposta de providência, “não é sòmente própria do autor”, pois “também a atividade do demandado se pode fazer entrar assim, sob êste aspecto, no conceito de ação” (pág. 162).

E, confirmando o acêrto dessa tese, CALAMANDREI faz ver que as condições da ação são exigidas não só em relação ao autor como em relação ao réu; a legitimação causal abarca não apenas a legitimação para agir como a legitimação para contradizer (pág. 181-185); e o interêsse de agir deve exigir-se tanto do autor como do réu, o que ressai da própria lei italiana (artigo 100 do Cód. de Proc. Civil) (pág. 191), à semelhança da lei brasileira (art. 2°).

Ora, sendo assim, se como é certo a defesa do réu é uma ação, se do réu exigem-se as mesmas condições da ação, conclui-se que, em uma determinada demanda, em um determinado processo, tanto o autor como o réu devem ser legitimados para a causa, ter interêsse de agir, ser titulares do direito de ação.

E, como, por ser absurdo, não é possível que ambos tenham razão, como o senso comum repele a idéia da procedência simultânea de duas pretensões antagônicas, capazes, uma e outra, de conseguir uma sentença favorável, segue-se que um dos litigantes terá de ser irremediàvelmente considerado sem-razão. No entanto, foi acertadamente considerado legitimado para a causa, foi considerado titular do direito de ação!

3 Até em relação ao juiz (sujeito do processo e da ação), opera-se o fenômeno da substituição de parte, quer nos casos de transferência da causa em virtude de aposentadoria, morte, superveniente impedimento ou suspeição, quer em resultado da interposição de recurso, com subida do litígio ao Tribunal superior, mantendo-se, a par disso, a unidade do processo.

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