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Prazos, dias úteis e Juizados Especiais: uma luz no fim do túnel
06/03/2017
A Justiça – aquela com “J” maiúsculo, do mundo real, e não a idealizada noção do justo, com “j” minúsculo – é um túnel estreito e escuro. E que caminha para ainda maior estreitamento e escuridão. Queremos passar por dentro dela cada vez mais causas, que se acumulam, se esmagam, e se mutilam ao tentarem sair açodadamente, sem contato visual, sem referências confiáveis de direção. Muitas vezes, sem sequer esperança de luz!
Confesso que esta visão me vem constantemente, com letargia. A advocacia tem dessas coisas, superamos pesadelos cotidianos, e devo lhes dizer que me valho muitas vezes desta coluna como uma forma de catarse, colocando para fora as frustrações e a sensação de impotência sobre os improvisos que acontecem nesse (sub)mundo hermético, onde parecem existir apenas “Jotas” maiúsculos.
Um desses dias, em que me senti assim, foi 21 de junho de 2016, dia da coluna “Prazos nos Juizados Especiais em dias corridos: não esperávamos por esta do FONAJE”, na qual relatei como a Justiça tentava empurrar ao jurisdicionado a ideia de que o Novo CPC, no que tange à contagem de prazos em dias úteis, não seria aplicável aos Juizados Especiais Cíveis (CPC/2015, art. 219).
Ora: (a) o Novo CPC entrou em vigor em março de 2016, prevendo expressamente tal norma; (b) os Juizados Especiais Cíveis não possuem norma específica indicando o modo de contagem de prazos; e (c) historicamente sempre buscaram aplicação subsidiária do CPC neste quadrante. No entanto, por um ato voluntário, em algum momento, alguém, ou alguéns, decidiram refutar o evidente, negando a contagem de prazos em dias úteis nos processos sob competência dos Juizados Especiais Cíveis. Assim relatei o caso:
“Tudo começou com ato administrativo da Corregedoria de Justiça do Conselho Nacional de Justiça, mantido pelo Encontro do Colégio Permanente de Corregedores-Gerais dos Tribunais de Justiça do Brasil (Encoge), conforme carta de Cuiabá. No “calor” dos acontecimentos, desta “mudança brusca de leis”, era natural que questões dessa natureza pudessem surgir, mas que fossem corrigidas com o tempo. Boas, portanto, eram as expectativas para o encontro do Fórum Nacional dos Juizados Especiais – FONAJE marcado para a bela cidade de Maceió, nos dias 08, 09 e 10 de junho de 2016. O resultado saiu frustrante, especialmente depois de excelentes trabalhos feitos por outros órgãos compostos de membros do Judiciário, especialmente FONAJEF e ENFAM. Os congressistas de Maceió, ao argumento de buscarem a “celeridade” necessária aos Juizados Especiais, entenderam que os prazos das causas que tramitam perante estes órgãos jurisdicionais devem continuar a seguir o parâmetro do Código revogado, contagem de prazos em dias corridos”.
O que se sucedeu foi a mais absoluta escuridão, a qual impediu inclusive que o artigo 926 do Código de Processo Civil fosse enxergado. Cada juiz, uma Justiça. Injusta. Impedir que a parte e seus advogados possam saber, com segurança e previsibilidade, como devem ser contados seus prazos é lhes privar o que mais há de fundamental no processo civil. Especialmente diante da constatação de que o problema, supostamente hermenêutico, nunca foi um problema.
Como disse naquela ocasião, não existe mais lei vigente no Brasil que permita contagem de prazos em dias corridos no processo civil, tampouco seria minimamente razoável imaginar que esta contagem contribuiria para a celeridade do processo:
“A verdade, no entanto, é que esse problema hermenêutico não existe. A aplicação do artigo 219 do CPC/2015 aos Juizados Especiais não é inconstitucional e não ofende a garantia da razoável duração do processo (CF, art. 5º, LXXVIII), ou a celeridade como supostamente vislumbrariam os congressistas de Maceió. Todos os estudos realizados pelo Conselho Nacional de Justiça mostram que o tempo morto do processo, o qual não é medido em dias, mas em meses e comumente em anos, está no tempo parado nos escaninhos da Justiça. E mais. A Lei 9.099/95 tem pouquíssimos prazos, como também as leis do Juizado Especial Federal e da Fazenda Pública (Lei 10.259/2001 e 12.153/2009). Ao contrário do procedimento comum, não tem prazo para contestar, para réplica, para indicar provas ou mesmo para alegações finais. A preclusão temporal se estabelece em fase, e não prazo! São basicamente 3 prazos na fase cognitiva/recursal. Fala-se apenas em prazo de (i) 10 (dez) dias para recorrer e contrarrazoar recurso (Lei 9.099/95, art. 42, caput e § 2º), (ii) 5 (cinco) dias para embargos de declaração (Lei 9.099/95, art. 49); e (iii) 30 (trinta) dias para habilitação do sucessor do falecido (Lei 9.099/95, art. 51, V e VI)”.
Apertados, lá dentro do túnel de escuridão, como na caverna de Platão, somos às vezes despertos por feixes de luz que surgem repentinamente. Isso também acontece com a Justiça, que muitas vezes surpreende.
Recentemente, uma boa notícia circulou, sobre turmas recursais que resolveram revidar ao obtuso entendimento do FONAJE. Em especial, no julgamento do Turma Recursal de Campinas, São Paulo, no qual o Relator Ricardo Hoffman proferiu voto iluminista. Não apenas reconheceu que “alguns dias a mais na contagem de prazos processuais não implicam morosidade nem retardam o processo por tempo significativo”, como também arrematou com um tiro certeiro:
“se adotarmos a teoria do Diálogo das Fontes, tão festejada ultimamente pelos operadores do direito, teremos de considerar que a norma geral (NCPC), por trazer modo de contagem mais benéfico ao exercício do contraditório e da ampla defesa, deve ser aplicada em detrimento à orientação restritiva de contagem de prazos de modo contínuo, como indicado nos Fóruns de Encontros dos Juízes dos Juizados Especiais e demais defensores dessa posição”.
Perdoem as hipérboles pessimistas deste autor, professor e advogado. As emoções da profissão exigem aceitar a realidade, mas o que importa aqui, o que fica de lição, é a necessidade de não perder a esperança, de aguardar a luz, a qual, ainda que diminuta, pode ser capaz de iluminar a saída, desse túnel escuro e apertado chamado Justiça.