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Nulidade De Sentença – Citação – Coisa Julgada, de Alfredo Buzaid

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CLÁSSICOS FORENSE

PROCESSO CIVIL

REVISTA FORENSE

Nulidade De Sentença – Citação – Coisa Julgada, de Alfredo Buzaid

REVISTA FORENSE 165 - ANO 1954

Revista Forense

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29/08/2024

– Nula é a sentença proferida contra outra sentença transitada em julgado, bem como em processo constituído sem a citação da parte, ou em que a citação é absolutamente nula.

– O nome da ação, errôneamente indicado, não acarreta nulidade do processo.

– A sentença de desquite, por sua índole constitutiva, não tem execução forçada contra o réu.

PARECER

Exposição – “Omissis

1. Três são as questões suscitadas pela consulente:

a) se o nome da ação é elemento decisivo para caracteriza-la, ou, em outros têrmos, se o êrro de nome anula a ação;

b) qual a eficácia jurídica da decisão que decretou o desquite, processado Perante, a 2ª Vara Cível do Distrito Federal, uma vez que nesse processo houve dois vícios insanáveis:

1°) citação nulamente feita;

2°) a sentença fôra proferida contra a autoridade da coisa julgada;

c) a terceira e última questão se refere ao direito de argüir em qualquer tempo, independentemente da ação rescisória, as nulidades da segunda sentença de desquite, prolatada pelo MM. juiz da 2ª Vara Cível do Distrito Federal.

Por clareza e ordem as questões serão tratadas pelo modo como foram indicadas.

I. Êrro de nome não anula a ação

2. Já hoje ninguém mais duvida do princípio, solenemente afirmado pela doutrina e consagrado pela legislação dos povo, cultos, de que o êrro de nome não anula a ação proposta. Não era certamente assim no direito romano, onde predominava, sob o sistema das legisactiones, um rígido formalismo a ponto de uma simples substituição de palavra acarretar a nulidade de todo o processo (KELLER-WACH, “Der römische Civilprocess und Die Actionem”, 6ª ed., Leipzig, 1883. pág. 56). GAIO, nas suas “Institutos”, IV, 11, teve a oportunidade de indicar o famoso caso em que proposta uma ação contra quem furtivamente derribasse árvore alheia e se esta fôsse uma videira (vitis) e o autor empregasse essa palavra em vez da palavra árvore (arbor), o processo seria declarado radicalmente nulo:

Actiones, quasinusuvetereshabuerunt, legisactionesappellabantur, velideo, quodlegibusproditaeerant, quinpe tuncedictapraetoris, quibuscompluresactionesintroductaesunt, nondumin uso habebantur, vel ideo, quia ipsarum legum verbis accommodatae erante et ideo immutabiles proinde atque leges observabuntur. Unde eum, qui de vitibus succisis ita egisset, ut in actione vites nominaret, responsum est rem perdidisse, cum (quia) debuisset arbores nominare eo, quod lex XII tabularum, ex qua de vitibus succisis actio, competeret, generaliter, de arboribus succisis loqueretur”.

A êsse tempo as ações tinham denominação específica, porque elas eram concedidas ou pela lei ou pelo pretor e se destinavam a fins taxativamente indicados. No direito medieval, surgiu a primeira reação contra o rigor dêsse formalismo, e já nas “Decretais” se encontram as primeiras manifestações no sentido de reconhecer que o que caracteriza a ação irão é o nome e sim o seu conteúdo.

JOÃO MENDES JÚNIOR, de modo admirável, sintetiza a evolução por que passou êsse fenômeno jurídico:

“O direito canônico, por uma “Decretal” de ALEXANDRE III, de 1160 (Lib. II, tit. I, de judiciis, cap. VI), determinou que as partes não são obrigadas a exprimir no libelo o nome da ação, mas devem propor claramente o fato do qual conclua o direito de agir. O direito canônico veio assim afirmar que o princípio – “Nulla actio sine lege” – só, teve aplicação nos primeiros tempos do direito romano, durante o regime sacramental das legisactiones. Desde o regime formulário com as ações infactum ou proescriptisverbis, e, finalmente, no último estado do direito romano, “ficou fixado que não há direito sem ação; e quando a lei declara não haver ação o faz na forma do “Digesto”‘ Livro XLIV, tít. V, quarumrerumactionondatur, por superiores considerações de ordem moral e de ordem pública, como acontece com as dívidas de jôgo e outras semelhantes. Por outra, a lei que cria e reconhece um direito não tem necessidade de exprimir a ação que lhe compete, visto que esta ação resulta da própria lei e, assim, não podemos ter a pretensão de conseguir, na enumeração acima feita, uma completa discriminação” (“Direito Judiciário Brasileiro”, 2ª ed., pág. 143).

3. Tôda doutrina, européia, antiga e moderna reconhece pacificamente que o nome da ação, errôneamente indicado, não acarreta nulidade do processo:

Dummodoenim, constetde iure petitionis, nihil admodum adremfacit, que nomine actio appelletur” (DONNEAU, “Opera Omnia”, VII, pág. 29).

An sustinetur libellus, si inepta actio nominetur? Modo narratio apta sit. Error enim nominis non vitiat actumEsiaptasi ex descriptione de ea constet, licet nomen sit ineptum” (COCCEIO, “Jus Civile Controversum”, I, pág. 176).

Nella legislazione moderna i nomi particolari delle azione civili perdettero ogni pratica applicazione: resta la loro utilità dottrinale, perocchè le azioni particolari, quali le distinguevano i romani giureconsulti, non cessarono al certo” (PESCATORE, “Sposizione compendiosa della Procedura Civile e Criminale”, volume I. parte I, pág. 133).

Laclassificazione, delleazioninonhapiúladifficoltà e l’importanza che avevaneldirittoromano

La classificazione ha poi una importanza più limitata nel diritto moderno, perchè in questo i diritti non si differenziano come in quello, por il nome e la forma dell’azione, nè la sostanza del diritto è ora, come allora, jerita dall’errore sul nome, sulla forma o sulla definizione dell’azione” (MANFREDINI. “Corso di Diritto Giudiziario Civile”, vol. I, ns. 152-154).

Nè la mancanza della designazione dell’azione, nè l’erronea indicazione duna azione per un’altra, potrebbero lar ostacolo all’accoglimento da domanda per se giustificata” (CHIOVENDA, “Dizionario Pratico del Diritto Privato”, vol. I, página 454).

4. Do mesmo modo, no direito brasileiro, os autores partilham a communisopinio consagrada no direito europeu:

“O êrro de nome não vicia a ação, desde que a intenção do autor conste em forma regular, e a lei não imponha ao caso ação especial.

É uma noção das mais elementares e das mais inconcussas” (RUI BARBOSA, “O Direito do Amazonas ao Acre Setentrional”, vol. I, pág. 381).

“Não é o nome ou denominação que caracteriza a ação. Não é a nome que dá a essência às coisas. Não é a denominação que caracteriza o ato ou contrato… É comezinho entre os intérpretes que as ações se caracterizam pela observância da forma que lhes preordenam as leis, não havendo necessidade de batizá-las ou dar-lhes apelidos” (FRANCISCO MORATO, “Miscelânea Jurídica”, vol. II, págs. 718-719).

No mesmo sentido: JOÃO MONTEIRO, “Curso de Processo Civil”, § IV, nota n. 2; LOPES DA COSTA, “Direito Processual Civil Brasileiro”, vol. I, pág. 366.

5. E, finalmente, o Cód. de Proc. Civil pôs têrmo a qualquer controvérsia, declarando, de modo expresso, no art. 276, que a impropriedade da ação não acarreta a nulidade do processo:

“A impropriedade da ação não importará nulidade do processo. O juiz anulará sòmente os atos que não puderem ser aproveitados, mandando praticar os estritamente necessários para que a ação se processe, quanto possível, pela forma adequada”.

Êste preceito do Código é dos melhores, diz LOPES DA COSTA (“Direito Processual Civil Brasileiro”, vol. I, pág. 366), porque solucionou, empregando uma fórmula geral, um velho problema, que era o tormento da prática forense.

PEDRO BATISTA MARTINS encareceu as vantagens do dispositivo do Código:

“Desdobrando-se a necessidade de atender às exigências da economia processual, já a doutrina e a jurisprudência admitiam, sem rebuços, que a denominação errônea da ação não induzia a sua nulidade, cumprindo, antes, ao juiz verificar se, na espécie, concorriam os requisitos de uma outra ação que não a designada” (“Comentários ao Código de Processo Civil”, vol. III, pág. 259).

6. Ora, a intenção da autora foi exposta com clareza e precisão; não dá lugar a dúvidas. Não cerceia o direito de defesa. Ocorrendo o falecimento da mãe da autora, abriu-se ipsoiure a sucessão. O domínio e a posse da herança transmitiram-se, desde logo, à herdeira universal (Cód. Civil, art. 1.572). José Murino era casado com Sebastiana Constantino, sob o regime de comunhão de bens. A autora ignorava a sentença que nulamente decretou o desquite do casal. Era-lhe lícito requerer o inventário e partilha dos bens, ou a hereditatispetitio. Fê-lo de modo regular. O réu pôde discutir largamente a pretensão ajuizada. Se houve êrro de denominação, daí não deriva a nulidade do processo. A petição inicial não é inepta. Descrevera, o fenômeno jurídico da sucessão. Justificou a causa de pedir e concluiu reclamando o a que a autora tem direito: a herança. O êrro de nome é de todo irrelevante. A ciência do processo não importa o nome pelo qual se designa a ação, desde que do pedido conste claramente o direito pleiteado.

II. O segundo processo de desquite é visceralmente nulo

7. O processo de desquite, ajuizado perante a 2ª Vara Cível do Distrito Federal, contém duas nulidades insanáveis:

a) uma referente à citação, feita por editais, sob o fundamento de que a ré se encontrava em lugar incerto e não sabido, quando a verdade é que o autor não ignorava a residência certa de sua mulher; o autor agiu com dolo, visando deformar a vontade judicial, a quem incumbe a aplicação do direito ao caso concreto;

b) outra referente à natureza da sentença, que violou a autoridade da coisa julgada, qualificadora da primeira sentença de desquite prolatada pelo MM. juiz Dr. VICENTE RODRIGUES PENTEADO.

A. Citação nulamente feita

8. O primeiro requisito, para constituição do processo, é a citação inicial válida. O Cód. de Proc. Civil dispõe que:

“Será necessária a citação, sobpenadenulidadenocomêçodacausae da execução” (art. 165).

ALEXANDRE CAETANO GOMES observou que:

“O princípio e fundamento de tôda a ordem judicial é a citação, de sorte que sem ela se não pode tomar conhecimento de causa alguma, ainda nas executivas” (“Manual Prático, Judicial, Civil e Criminal”, pág. 1).

Os autores realçaram de tal modo a importância da citação inicial, que chegaram a considera-la não apenas de direito positivo, instituído pelo homem, senão também de direito natural e divino, criado por Deus:

“Por ser a citação primeiro de Direito Divino, Natural, e Canônico, Civil, e Régio. Peg. Tom. 8 ad Ord. lib. 2, tít. 1, § 13, à n. 4. E já Deus Senhor nosso no primeiro processo, que julgou no mundo quando quis punir a primeira culpa, usou da citação em Adão delinqüente: Ubies, Adam? (“Gênese”, cap. 3)” (ALEXANDRE CAETANO GOMES, ob. cit., pág. 2).

9. Nulo é o processo que e fizer sem citação da parte ou com citação nula.

MENDES DE CASTRO ensinou:

AdJudiciuminchoandumomninonecessariaestcitado, sinequaprocessus&sentenciaestnulla” (“Practica Lusitana”, Lib. III, cap. I, 1).

Ausência de citação ou citação nula são conceitos que se equivalem. MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA, estudando o efeito das sentenças nulas, declarou que elas não produzem coisa julgada. E em boa técnica processual, considerou idênticamente nulo o processo movido contra o não-citado ou o nulamente citado:

“Não produz efeito de coisa julgada a sentença nula: …se proferida contra o não-citado, ou nulamente citado (confirma-se o muito, que escreveu o “Repertor. das Conclusões” – Nulo é o processo que se fizer sem citação)” (“Segunda Linhas sôbre o Processo Civil”, vol. I, nota 578).

Desde o velho LOBÃO, que vem de sr citado, até o recentíssimo “Tratado” de PONTES DE MIRANDA, ninguém duvidou do acêrto da lição. Êste último jurista, festejado nas letras nacionais, ensinou:

“Tôdas as sentenças sôbre as quais se pode propor a rescisória têm eficácia (fôrça e efeito). Tôdas as sentenças que, se não fôr proposta a rescisória, continuarão, como estavam, sem serem nulas ipsoiure, pois que não foi intentada a ação no qüinqüênio, são inimpugnáveis. A sentença proferida à revelia e sem citação inicial da parte continuará suscetível de impugnação em embargos de executado, sem preclusão possível, porque esta sim, não é só rescindível – é nula ipsoiure. Se o que foi citado e contra o qual correu, à revelia, o processo, foi citado nulamente, a sentença também é nula ipsofure. Pode o nulamento citado opor-se a qualquer fôrça ou efeito que se pretenda atribuir a tal sentença” (“Comentários ao Código de Processo Civil”, vol. IV, páginas 530-531).

Pelas lições dos autores ficou evidenciado que nulo é o processo feito sem citação inicial da parte, ou com citação nula.

10. A sentença proferida em processo nulo não é sentença. Não produz jamais autoridade de coisa julgada. Esta é a lição uniforme dos autores:

Inprimisexceptionullitatisopponipotestadversusexecutionemsententiae, & illa recipitur, ut per DD. in L. 4. § condemnatun, ff. de re jud. facit L si cum nulla 58. ff eodem, L. 1 C. de executione rei jud. Nam sententia nulla non est sententia, cap. fin. de sentencia, etc. re jud. in 6 Clementina pastoralis eodem tit. & quae nulla sunt, non producunt aliquem juris effectum” (MENDES DE CASTRO, “Practica Lusitana” Lib. III, cap. 21. n. 43).

“… sententianullanullotemporetransitinremjudicatam, & omni tempore potest opponi contra eam de nullitate, nec est necessarium, quod ab ea appellatum sit” (SILVA, “Commentaria ad Ordinationes Regni Portugalliae”, vol. III; pág. 130).

“A sentença nula não tem fôrça de coisa julgada, L. 19, D. deappellat. L, 1. § 2. D. quaesent, sineappellatrescind. L. 4. Cod. de sent. et interlóc. L. ult. Cod. de sente. ex recil. L. 2, Cod. quand. provoc. nonestnecess. Tais são: “L. a sentença dada contra parte não “citada. Ord. L. 3, tit. 75, pr. tit. 87 §, 1. cuja nulidade se não pode suprir” (PEREIRA E SOUSA, “Primeiras Linhas sôbre o Processo Civil”, nota 578).

B. Sentença contra a coisa julgada

11. Nula é também a sentença proferida contra outra sentença já transitada em julgado. Desde o mais antigo direito português, sempre se estabeleceu que nula é a sentença dada contra sentença já transitada em julgado. As Ordenações Filipinas, Livro III, tít. 75, diziam:

“A sentença, que é por direito nenhuma, nunca em tempo algum passa em coisa julgada, mas em todo tempo se pode opor contra ela, que é nenhuma e de nenhum efeito, e por tanto não é necessário ser dela apelado. E é por direito a sentença nenhuma, quando é dada sem a parte ser primeiro citada, ou é contra outra sentença já dada…”

No “Repertório das Ordenações do Reino”, sob a rubrica “Nula é a sentença contra outra que já foi dada”, escreveu-se:

Secundus casus est in sententia prolata contra aliam sententiam, quae transitum escrit in rem judicatam; qui est ipso jure nulla, ut declarat haec Ordinatio, & de jure probatur ex Text. In L. 1, Cod. Quando provocare non est necesse, L. Post sententiam. Cod. de Sent. etc, interlocut, omn, Judio., Cap. Inter Manasterium, de Re judicat.; Gonzal. ad Text. in cap. 1. de Sentent. etc. re judicat.. n. 10; Scacc. de Appell., q. 11, a. n. 1.94; Salgad. de Reg. protect., p. 1, cap. 8. n. 3, etc. p. 3, cap. 17, n. 28; Valenzuel. con f. 72. n. 49; Parex. de Instrum. edit. tom. 1, tit. 2, reforl. 6, specie 4, n. 314; Canrer. p. 3, Var.. cap. 17, a n. 1; Silv. in Commentar, ad hanc Ordinat., n. 31” (“Repertorio”, vol. III, pág. 756).

Primus casus est: quando fait exceptum, & probatum de re iudicata: & isto caso dico, quod sententia, lata contra rem judicatam, est nulla” (SCACCIA, “Tractatus de Appallationibus“, Quaestio XI, n. 194).

A sentença proferida contra outra, transitada em julgado é, portanto, absolutamente nula. Não produz nenhum efeito jurídico. Nem mesmo merece o nome de sentença. Assim é que se expressa GOMES, assinalando que se a sentença é nula ou por defeito da jurisdição, ou por nulidade semelhante, não merece o nome de sentença (nomem sententiae nos meretur), nem pode ser executada (“Tractatus de Executionibus”, vol. III, lib. VI, cap. VI, n. 6).

12. No sistema do Cód. de Processo vigente, encontramos elemento; decisivos para demonstrar que jamais se interrompeu a linha do pensamento jurídico, que herdamos de Portugal. Relativamente ao processo nulo, por falta de citação, ou citação nulamente feita, convém lembrar o disposto no art. 1.010, I, do Código, que dispõe:

“Sòmente se suspenderá o curso da execução quando nos embargos se alegar um dos seguintes fatos:

I. Falta, ou nulidade, da citação inicial se a ação houver corrido à revelia do embargante”.

O enunciado dêsse artigo indica que falta e nulidade da citação são conceitos coincidentes. O processo iniciado sem citação da parte equivale ao processo feito com citação absolutamente nula. Numa e noutra hipótese, pode o executado oferecer embargos de nulidade e atacar a sentença em seu efeito executório. Ora, se, em relação às sentenças condenatórias, pode o executado impedir-lhe os efeitos, demonstrando que houve falta de citação ou nulidade de citação, com mais razão pode qualquer litigante, vítima de um processo visceralmente nulo por tal vício de constituição, impugnar a sentença contra êle proferida.

13. É notòriamente conhecida a distinção, entre sentenças declaratórias, constitutivas e condenatórias. As duas primeiras são desprovidas de execução forçada; sòmente a última possui efeito executório ou seja o de submeter o réu a um complexo de ator, que se realizam com, sem, ou contra a sua vontade. A sentença, condenatória confere, portanto, ao autor; o direito de realizar a sanção executória. As duas primeiras espécies de sentenças exaurem, com o pronunciamento judicial, a totalidade do seu vigor (LIEBMAN, “Estudos sôbre o Processo Civil Brasileiro”, págs. 31 e segs.). As sentenças declaratórias e constitutivas podem ter uma execução, denominadaimprópria, porque ela não é voltada contra o réu, mas sim contra o funcionário subordinado à autoridade judicial. É o que ocorre com a expedição do mandado ao oficial do registro, a fim de proceder à necessária, averbação nos assentos constantes dos registros públicos confiados a seu cargo. A relação jurídica, que se forma entre o juiz e o funcionário público, não é de exeqüente e executado, e sim de serviço público (CHIOVENDA, “Saggi di Diritto Processuale Civile”, I, pág. 81).

14. A sentença de desquite é, por sua índole, constitutiva. Não tem execução forçada contra o réu. Transitada em julgado a sentença, expede o juiz um mandado contra o oficial do registro, para proceder à averbação. Dêsse ato, nenhum conhecimento teve Sebastiana Constantino Murino. Falecendo, sua filha só veio a ter conhecimento da existência da decisão do desquite, proferida pelo MM. juiz da 2ª Vara Cível do Distrito Federal, quando seu pai exibiu o documento no processo de inventário. Esta sentença é radicalmente nula, porque proferida em processo constituído dolosamente pelo cônjuge-varão, que para conseguir seu objetivo, não hesitou em prestar falsas declarações em juízo, particularmente a de que sua mulher se encontrava em lugar incerto e não sabido. Sendo radicalmente nula, tal decisão não pôde produzir nenhum efeito jurídico. A rigor não merece nem mesmo o nome de sentença. Contra ela pode ser alegado o vício de nulidade absoluta, em qualquer tempo, e em qualquer instância.

15. Outro vício da sentença consistiu em violar a autoridade da coisa julgada. O Estado, avocou a si a competência de prestar a atividade jurisdicional. Mas o faz uma única vez. Constituído regular e vàlidamente um processo, deve desenvolver-se em tôdas as suas fases, até atingir o momento culminante, que é o da prolação da sentença pelo magistrado. Uma vez prestada a atividade jurisdicional, é expressamente vedada a propositura de nova demanda, entre as mesmas parte, fundada na mesma causa de pedir e visando ao mesmo fim. O respeito à autoridade da coisa julgada se inspira em uma regra de direito público, inserta no Código de Proc. Civil, art. 798, I, letra b, que declara nula a sentença proferida com ofensa à coisa julgada. LIEBMAN assinalou, com rigor, o caráter absoluto da coisa julgada:

“Aliás, o caráter absoluto da exceção de coisa julgada decorre do artigo 798, I, b, do Cód. de Proc. Civil, que, declarando nula a sentença proferida com ofensa à coisa julgada, estabelece implicitamente o poder e o dever do juiz de considerar mesmo de ofício a existência de um precedente julgado e de recusar-se por conseguinte a proferir uma sentença fadada irremediàvelmente à nulidade. Pelas mesmas razões, a exceção de coisa julgada pode alegar-se em qualquer tempo ou instância: seria ilógico e contrário à economia do processo impedir sua alegação no próprio processo e obrigar as partes a instaurar depois ação rescisória da sentença” (“Instituições de Direito Processual Civil”, de CHIOVENDA, vol. I, pág. 529, nota 10).

Tal é a importância da coisa julgada, que ela pode ser alegada em qualquer tempo e instância e o juiz deve reconhecê-la, até mesmo de oficio (cf. GABRIEL DE RESENDE FILHO, “Curso de Direito Processual Civil”, vol. II, n. 557).

16. Chegados a êste ponto, duas graves questões surgem:

a) Há necessidade de ação rescisória para casar a sentença que violou a autoridade da coisa julgada?

b) Ou, ao contrário, a alegação de violação da autoridade de coisa julgada pode ser feita em qualquer tempo e instância e qualquer juiz pode negar os efeitos da sentença nulamente proferida ?

A nosso ver, qualquer juiz pode recusar obediência a sentença radicalmente nula. A característica da coisa julgada está na indiscutibilidade e imutabilidade dos efeitos declarados judicialmente. Ela opera não apenas no processo em que veio a qualificar a sentença; sua função é de valer para todos os processos futuros (CHIOVENDA, “Instituições de Direito Processual Civil:”, vol. I, pág. 518). Isto significa que todos os juízes estão vinculados à declaração contida na sentença transitada em julgado, porque é um ato estatal que obriga, para todos os processos futuros (ROSENBERG, “Lehrbuch des Deutschen Zivilprocessrechts”, pág. 672). No antigo direito português, a sentença proferida contra a autoridade da coisa julgada não tinha nenhuma eficácia jurídica. É a lição de SILVA:

In testu ibi: Centra outra sentença. Ex his verbis desumitur, quod sententia, quae in judicatum transivit, in eadem causa, & inter easdem personas facit jus; & ideo se talis exceptio rei judacatae opposita fuerit, & probata, eaque non obstante, judex adversus illam proferet sententiam contrariam, proinde ac si foret contra jus expresse lata, non valebit” (“Commentaria”, cit., vol. III, pág. 134).

No direito brasileiro vigente, que continuou a tradição do direito português (cf. “Direito”, vol. 61, pág. 54), sustentou FRANCISCO MORATO que as sentenças nulas podem ser reconhecidas e declaradas como tais, independentemente de ação rescisória:

“Trata-se de ato contra disposição literal e proibitiva da lei, de ato nulo de pleno direito, de ato contaminado de nulidade absoluta, que pode per ser conhecida e declarada independentemente de ação rescisória.

“É pacífico na doutrina e na jurisprudência que nulidades desta natureza independem de ação rescisória. Em rigor independe até mesmo de qualquer ação anulatória, podem ser invocadas a todo tempo, são insuscetíveis de prescrever pelo lapso de tempo – quod initio vitiosun est, non potest tractu temporis convalescere – ou, segundo alguns, só estão sujeitos à prescrição trintenária (Cód. Civil, arts. 146 e 152; TEIXEIRA DE FREITAS, “Consolidação das Leis Civis”, not. 30, art. 25; CARLOS DE CARVALHO, “Nova Consolidação”, arts. 271 e 274, parág. único; COELHO DA ROCHA, “Direito Civil”, § 109; PLANIOL, “Traité de Droit Civil”, 12ème, ed.; RIPERT, I n. 338; “Rev. dos Tribunais”, vols. XXVI, pág. 400. e XXXV página 326) (“Miscelânea Jurídica” vol. I, pág. 75).

No direito medieval a prescrição era trintenária e podia ser invocada pela querelanullitatis, que não era pròpriamente uma ação, nem um recurso, mas uma invocação do officiumjudicis (LIEBMAN, “Estudos”, cit., pág. 184; BIENERI, “Systema Processus Iudiciarii”, Lipsiae, vol. II, pág. 77).

17. Da exposição que acaba de ser feita, bem se pode ver que no domínio jurídico, nula é a sentença proferida contra outra sentença transitada em julgado, bem como em processo constituído sem a citação da parte, ou em que a citação é absolutamente nula. Trata-se de nulidade absoluta, cuja declaração independe de ação rescisória. O argumento tirado do art. 1.010, I, do Cód. de Proc. Civil é irrespondível. Se o processo é nulo, por falta de citação, ou em conseqüência de nulidade de citação, nula é também a sentença proferida. Os embargos do executado visam atacar a eficácia da sentença, para o fim de impedir a realização prática dos seus efeitos. Os embargos do executado são julgados pelo juízo da execução, não por um tribunal hieràrquicamente superior. Visam atacar a validade da sentença e, verificando o juiz da execução que não houve citação ou que esta é nula, nega a eficácia à sentença. Se isso ocorre no processo de condenação, cujo efeito consiste em submeter os bens do devedor a um conjunto de operações que se realizam sem e até contra sua vontade, por que razão não se há de aplicar a mesma regra jurídica em relação às sentenças declaratórias e constitutivas, que não têm efeito sancionário, pois são destituídas da execução forçada? A identidade de razão permite lògicamente ao não-citado, que fôra vítima de um processo dolosamente constituído e no qual fôra condenado sem ser ouvido argüir em qualquer tempo e instância a nulidade da sentença, visando, assim, negar-lhe a eficácia jurídica. Por outro lado, nula é a sentença proferida com ofensa à coisa julgada. Tal nulidade, desde o direito romano até os nossos dias, em todo tempo pôde ser declarada, porque por direito a sentença é nenhuma.

18. Sabemos que há, em sentido contrário à opinião aqui expendida, a lição de LOPES DA COSTA que, estudando o conflito entre duas sentenças, ambas transitadas em julgado e insuscetíveis de cassação por via da rescisória, chegou à conclusão de que deve prevalecer a última, embora ofenda a autoridade da coisa julgada da primeira. São suas palavras:

“Não alegada, assim, na execução a nulidade da decisão proferida contra coisa julgada e prescrita (cinco anos – Cód. Civil, art. 178, § 10, n. VIII) a ação rescisória, remédio não há senão prevalecer a segunda sentença, que se revestirá, ela então da autoridade que à outra deveria caber (GAUP e STEIN ao § 322 Z.P.O. II, 7) (“Direito Processual Civil Brasileiro”, vol. III, pág. 73).

Lamentamos ter de divergir da lição dêsse eminente processualista. Seu ensinamento conduz a uma conclusão verdadeiramente anômala. Houve duas sentenças. A primeira transitou em julgado, resolvendo de modo definitivo um conflito de interêsses. Inconformado com a situação criada por tal sentença, o autor propõe uma segunda demanda, em tudo idêntica à primeira. Concorrem os três requisitos identificadoras da ação: as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido. O juiz profere sentença neste novo processo, por desconhecer a existência de decisão anterior já transitada em julgado. Duas hipóteses podem ocorrer: a) ou a segunda, sentença é em tudo idêntica à primeira e nesse caso inutiliterdatur; b) ou a segunda sentença é diversa da primeira e nesse caso é nula, por ofender a coisa julgada.

Se a segunda sentença pudesse preponderar, sôbre a primeira cuja coisa julgada ofendeu, chegar-se-ia à conclusão, positivamente inaceitável, de declarar nula uma sentença rigorosamente válida e considerar válida uma sentença que inicialmente era nula. Isso opera uma inversão na ordem das coisas que repugna ao mais elementar sentimento jurídico. Permitir que, pelo mero decurso do tempo, uma sentença rigorosamente válida passe a ser nula, e uma sentença visceralmente nula se convalide, significa contrariar a finalidade da coisa julgada, que consiste em obrigar todos os juízes à obediência ao ato jurisdicional, vinculativo não só das partes, como também do próprio poder público.

Diante do exposto, podemos responder às perguntas formuladas:

a) o êrro de nome não anula a ação;

b) a sentença de desquite, proferida pelo Juízo de Direito da 2ª Vara Cível, do Distrito Federal é nula, por vício de citação;

c) a referida sentença de desquite é também nula por ofender a autoridade da coisa julgada;

d) tais nulidades podem ser alegadas em qualquer tempo e instância e reconhecidas judicialmente, independentemente de ação rescisória.

É o nosso parecer, salvo melhor juízo.

Alfredo Buzaid, advogado em São Paulo.

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I) Normas técnicas para apresentação do trabalho:

  1. Os originais devem ser digitados em Word (Windows). A fonte deverá ser Times New Roman, corpo 12, espaço 1,5 cm entre linhas, em formato A4, com margens de 2,0 cm;
  2. Os trabalhos podem ser submetidos em português, inglês, francês, italiano e espanhol;
  3. Devem apresentar o título, o resumo e as palavras-chave, obrigatoriamente em português (ou inglês, francês, italiano e espanhol) e inglês, com o objetivo de permitir a divulgação dos trabalhos em indexadores e base de dados estrangeiros;
  4. A folha de rosto do arquivo deve conter o título do trabalho (em português – ou inglês, francês, italiano e espanhol) e os dados do(s) autor(es): nome completo, formação acadêmica, vínculo institucional, telefone e endereço eletrônico;
  5. O(s) nome(s) do(s) autor(es) e sua qualificação devem estar no arquivo do texto, abaixo do título;
  6. As notas de rodapé devem ser colocadas no corpo do texto.

II) Normas Editoriais

Todas as colaborações devem ser enviadas, exclusivamente por meio eletrônico, para o endereço: revista.forense@grupogen.com.br

Os artigos devem ser inéditos (os artigos submetidos não podem ter sido publicados em nenhum outro lugar). Não devem ser submetidos, simultaneamente, a mais do que uma publicação.

Devem ser originais (qualquer trabalho ou palavras provenientes de outros autores ou fontes devem ter sido devidamente acreditados e referenciados).

Serão aceitos artigos em português, inglês, francês, italiano e espanhol.

Os textos serão avaliados previamente pela Comissão Editorial da Revista Forense, que verificará a compatibilidade do conteúdo com a proposta da publicação, bem como a adequação quanto às normas técnicas para a formatação do trabalho. Os artigos que não estiverem de acordo com o regulamento serão devolvidos, com possibilidade de reapresentação nas próximas edições.

Os artigos aprovados na primeira etapa serão apreciados pelos membros da Equipe Editorial da Revista Forense, com sistema de avaliação Double Blind Peer Review, preservando a identidade de autores e avaliadores e garantindo a impessoalidade e o rigor científico necessários para a avaliação de um artigo.

Os membros da Equipe Editorial opinarão pela aceitação, com ou sem ressalvas, ou rejeição do artigo e observarão os seguintes critérios:

  1. adequação à linha editorial;
  2. contribuição do trabalho para o conhecimento científico;
  3. qualidade da abordagem;
  4. qualidade do texto;
  5. qualidade da pesquisa;
  6. consistência dos resultados e conclusões apresentadas no artigo;
  7. caráter inovador do artigo científico apresentado.

Observações gerais:

  1. A Revista Forense se reserva o direito de efetuar, nos originais, alterações de ordem normativa, ortográfica e gramatical, com vistas a manter o padrão culto da língua, respeitando, porém, o estilo dos autores.
  2. Os autores assumem a responsabilidade das informações e dos dados apresentados nos manuscritos.
  3. As opiniões emitidas pelos autores dos artigos são de sua exclusiva responsabilidade.
  4. Uma vez aprovados os artigos, a Revista Forense fica autorizada a proceder à publicação. Para tanto, os autores cedem, a título gratuito e em caráter definitivo, os direitos autorais patrimoniais decorrentes da publicação.
  5. Em caso de negativa de publicação, a Revista Forense enviará uma carta aos autores, explicando os motivos da rejeição.
  6. A Comissão Editorial da Revista Forense não se compromete a devolver as colaborações recebidas.

III) Política de Privacidade

Os nomes e endereços informados nesta revista serão usados exclusivamente para os serviços prestados por esta publicação, não sendo disponibilizados para outras finalidades ou a terceiros.


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