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CLÁSSICOS FORENSE
PROCESSO CIVIL
REVISTA FORENSE
Liberdade de Agir e Litisconsórcio, de Torquato Castro
Revista Forense
18/01/2024
SUMÁRIO: O art. 88 do Cód. de Proc. Civil. Causas conexas. Singularidade e universalismo do Juízo. Direito romano. Direito alemão. Direito italiano. Direito brasileiro. O regul. nº 737, os Códigos estaduais e o Código nacional. Intervenção de terceiro. Art. 116 do Cód. de Proc. Civil. Concentração processual. Conclusão.
* Entre tantos temas jurídicos que poderia versar, neste momento, a minha escolha recaiu sôbre um tema do processo civil – o litisconsórcio.
Assunto árido – direis; imensamente complexo, não de todo dominado pela ciência, até hoje.
Mas, eu vos afirmo, não há assunto em direito que, através da máscara em que o torturam, os homens, na chamada técnica jurídica – técnica precária e discursiva, e, parece, tanto mais precária quanto mais discursiva – não ofereça, em última análise, a sua verdadeira face; bela e simples, a altura da apreensão intuitiva de todos. Esta face é a que se volta para os valores de justiça e de liberdade humana.
Esta idéia de que a técnica árida do litisconsórcio também se informava no justo e no livre, me veio a propósito de um julgado do Supremo Tribunal Federal que, pela sua Primeira Turma, assentou poder o juiz, em uma lide íntegra – estabelecida com todos os elementos subjetivos e objetivos para a sua definição ordenar a intervenção compulsória de um terceiro, contra o qual pudesse manter qualquer das partes em litígio, uma pretensão conexa com a questão ajuizada; de modo a obter no mesmo processo, e em um só julgamento, a definição, não só da primeira lide, como também desta segunda, conexa, e em que se envolve, como parte, o terceiro chamado ao pleito.
Ó acórdão em foco, proferido no recurso extraordinário nº 19.067, de Pernambuco, chamou-me a atenção por sua novidade.
O art. 88 do Cód. de Proc. Civil
A hipótese decidenda, nesse aresto, era a muito corrente de responsabilidade por acidente de veículos, em que o réu, a emprêsa transportadora, se defendera com a alegação de que a culpa não teria sido sua, mas do condutor de um outro veículo. E, sob o suposto desta culpa de terceiro, julgou-se o réu intitulado pelo art. 88 do Cód. de Proc. Civil da República, para exigir que êsse terceiro (proprietário de outro veículo) fôsse chamado compulsòriamente à lide, para nesta ser, também, condenado ou absolvido, ao lado dêle, réu, como seu litisconsorte obrigatório.
O Supremo decidiu ser irrecusável o litisconsórcio na espécie, com base no citado art. 88, dado que era evidente a conexão entre a causa em litígio e aquela outra que deveria surgir no confronto com o terceiro, a quem o réu imputara, na contestação, a culpa do evento.
Notório, no entanto, era que esta nova causa, a interessar a êsse terceiro, não estava de forma alguma ajuizada. Era uma ação ainda in fieri; e então não se poderia cogitar, no caso, da hipótese corriqueira da reunião de causas existentes e conexas perante um só juiz, com base no art. 166 daquele Código.
Tratava-se, na realidade, de trazer para dentro de uma ação singular, perfeitamente integrada em seus elementos constitutivos, uma ação nova ab origine, cuja propositura deveria surgir no curso mesmo da primeira.
A êsse obstáculo, a 1ª Turma do Supremo Tribunal responde que a lei – o art. 88 – “não exige a atualidade simultânea de duas ou mais ações. Basta que da ação proposta possa seguir-se outra“.
O Supremo reconheceu, com propriedade, a existência, no caso que passara a tolerar, de duas lides diversas. Diversas, naturalmente, por isso que eram apenas conexas.
Para a primeira – a originàriamente ajuizada – seria desnecessário qualquer trabalho de identificação, pois ela ali estava integrada de autor, que pedia, contra réu, que se defendia, um objeto certo (petitum), com uma causa certa de pedir (causa petendi).
Mas da outra lide – daquela contra o terceiro, e que o Supremo admitira surgisse currente judicio, por uma figura de intervenção – dessa o Supremo não nos dá os informes precisos de sua existência, tanto no aspecto formal, quanto no material.
Que ação nova é essa que então surge contra o terceiro, e pela qual êle se pode ver condenado ou absolvido, como litisconsorte do réu? Quem a propõe, qual o seu objeto e fundamento, e qual a forma hábil de sua propositura?
O Supremo aqui nos deixa in albis, quando em tom vago nos refere a duas espécies de ações que poderiam decorrer em conexão com o resultado do julgado daquela que fôra inicialmente proposta: nesta, ou o réu seria absolvido, quando demonstrada a culpa exclusiva do terceiro, no acidente – e então seria certa a ação do autor da primeira demanda, titular do direito de indenização, contra o terceiro; ou seria o réu condenado, e lhe restaria o direito regressivo contra o terceiro culpado, pela indenização paga.
Mas não esclarece qual dessas duas ações se encontrará ao certo especìficamente ajuizada contra o terceiro, e pela qual terá êle de ser condenado no mesmo processo: 1º) se a lide hipotética do autor da demanda principal, absolvido o réu, contra o terceiro; 2º) ou se a lide hipotética, do réu condenado, em ação regressiva contra êsse terceiro; 3º) ou se ambas em conjunto.
No 1º caso, não nos explica o cresto como poderia ocorrer que o terceiro fôsse condenado ao pagamento da indenização pedida pelo autor, se o autor nada pediu contra êsse terceiro. Careceria que o Supremo nos dissesse o que seria feito, nesta hipótese, daquele princípio superior, de ordem constitucional democrática, pelo qual o juiz não pode prover sem que o legitimado lhe peça: “ne eat judex ultra petita partium”.
No segundo caso, não nos esclarece satisfatòriamente o aresto se em nosso direito é realmente admissível que o terceiro; chamado a uma lide integra inter alios, possa vir a ser condenado nessa própria lide; hipótese que, se admissível em certos ordenamentos processuais – como o da Itália, em que tal universalismo do juízo foi, e ainda é hoje, assunto regulado em lei expressa – não nos parece defensável em nosso direito, em que, desde o regul. nº 737, de 1850, até os nossos dias, o juízo civil se estrutura, sob inspiração romana, pela idéia primacial de singularidade.
É certo que, nesse aresto, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal acena com o princípio da economia de juízos, que a seu ver seria a chave do problema, ou, mesmo, princípio que norteia a irrecusabilidade do litisconsórcio, nos têrmos do art. 88 do Cód. de Processo. É esta uma tese que, por várias ordens de considerações, reputamos excessiva em sua generalização; desde que a recusabilidade ou a irrecusabilidade de um litisconsórcio se inspira em normas de ordem superior de Direito Constitucional ou substantivo – os quais transcendem a ordem puramente procedimental em que se inscreve o invocado princípio de economia de juízos. Deve-se, antes, acentuar a secundariedade deste último princípio, cujo destino é apenas o de preencher os espaços em claro, deixados por aquelas outras normas; ou seja, de vigorar nas zonas neutras ou indiferentes para estas.
De todo o modo, não podemos encontrar na simples idéia de economizar atos de procedimento a ratio suficiente, pela qual se tenham como respondidas aquelas indagações fundamentais que antes fizemos, como pontos de fundo do problema, e que restam insatisfeitas nesse estranho caso de intervenção coata admitido no aresto.
Não há lugar que a idéia de evitar juízos contraditórios, tal como a de economizar atos do processo – economia que não é sòmente de atividade do Estado e das partes, mas de tempo e de dinheiro – possa justificar, como justifica, na sistemática do nosso Direito Processual Civil, a união de causas conexas regularmente propostas. Mas, em caso nenhum, êstes princípios processuais podem ser elevados a uma razão de necessidade, a ponto de sacrificar o princípio da liberdade de agir.
A liberdade no exercício do direito de agir em juízo repousa, como tôdas as liberdades individuais, nos preceitos inalienáveis da ordem democrática constitucional, no direito moderno. Històricamente, porém, êste princípio reponta com absoluta nitidez entre os romanos, que souberam arregimentar tècnicamente a sua actio, na defesa tenaz e inquebrantável dessa liberdade, em matéria de litisconsórcio.
Desde a obra fundamental de PLANCK, em 1844,1 sôbre o tema da pluralidade de lides – obra cujas conclusões se acham divulgadas através da literatura jurídica italiana2 – que se tornou conhecida a reverência prestada em Roma à liberdade de agir em perfeita consonância com o caráter de singularidade do juízo romano, em cuja estrutura não se pode encontrar a possibilidade para a extensão do julgado para fora do objeto da lide (res ire judicium deducta) fixado pela litis contestatio.
Não são, pois, filhas do processo romano aquelas exceptiones do direito comum medieval – como a chamada exceptio plurium litisconsortium, que visava a paralisação da ação do autor enquanto não fôsse chamado à lide a pessoa estranha que ali não queria entrar, ou que o autor não quis que entrasse.
Nem de origem romana é, tampouco, aquela adcitatio do direito comum medieval, pela qual, por uma espécie de citação aditiva, se chamava à lide aquelas pessoas estranhas, contra as quais pudessem manter as partes outras pretensões, em conexão com a matéria do litígio entre elas instaurado.
Esta adcitatio tem fundo no direito dos povos bárbaros, dominadores de Roma; a sua raiz é excelentemente germânica. O processo germânico sendo eminentemente universal, em contraste com a singularidade do processo romano, nêle cabia uma extensão indefinida da causa, através da adcitatio, a alcançar outras causas além daquela que lhe dera origem.
Nem tinham os germânicos, nesse universalismo, o respeito romano ao princípio da liberdade no exercício do direito de ação. No seu instrumental técnico processual, menos afiado, passava-lhes constantemente desapercebida a elevação dêsse princípio, que sacrificavam a cada passo.
Direito romano
Basta que nos reportemos, a título de exemplo, àquelas formas bárbaras do direito comum, das provocationes ad agendum, os juízos provocatórios ou ações de jactância, que se desenvolveram largamente na Germânia, na Itália e na França, e cujas bases se supunha ilusòriamente encontrar no Direito Romano, nas leis diffamari e si contendat.
Nestas provocações ações de jactância, alguém que se sentisse prejudicado com a jactância de outro que assoalhasse ser titular de um direito contra êle, era autorizado a pedir ao juiz que fixasse ao jactante um têrmo dentro do qual teria êle de fazer valer o direito de que se arrogava titular, pena de se lhe impor perpétuo silêncio sôbre a pretensão (impositio silentii). Assim se deturpava o conceito romano das ações puramente declaratórias das leis diffamari e si contendat;3 e ademais se demonstrava como, naquelas formas bárbaras, imperava o desprêzo, senão a incompreensão absoluta, pelo princípio romano da livre disponibilidade de ação, pelo qual o titular desta, sob nenhum pretexto, poderia ser coagido a exercê-la contra a sua vontade Invitus altere nemo cogatur.
É de ver, portanto, que o universalismo do processo germânico não tinha, de regra, limites que fôssem ditados, como em Roma, pela compreensão e aplicação dêsse princípio.
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A verdadeira índole do processo romano, como de outras instituições jurídicas dêsse povo, mantidas em confusão com instituições de fundo germânico e interpretadas até então sob o prisma dessas influências espúrias, sòmente veio à luz com a obra dos juristas alemães do século passado, que se dedicaram intensamente, sobretudo através dos pandectistas, à reposição dos conceitos jurídicos dos romanos na sua própria ambiência, e na pureza e perfeição de seus quadros técnicos e lógicos.
E é notável como – assim desligado e purificado da influência do direito germânico – o Direito Romano repontou entre os povos civilizados com um novo vigor, sendo o direito que fundamentalmente inspirou as codificações germânicas, pela excelência de seu teor que realizava uma harmonia de conceitos e de técnicas altamente civilizados.
Direito alemão
Em tema de litisconsórcio, é sabido que o direito alemão de hoje é, paradoxalmente, menos germânico que o próprio direito italiano.
O direito processual germânico, com o fenômeno da recepção do Direito Romano, repeliu de si os resquícios do universalismo do processo germânico, não admitindo a constituição obrigatória do litisconsórcio, senão: a) a pedido da parte que age, e b) por necessidade irremovível da integração da lide, no caso de litisconsórcio necessário ou unitário.
Se o autor não estendeu voluntàriamente o seu pedido, de modo a abranger vários réus, ante as relações conexas que ajuizou, não há como dilatar a relação decidenda a outras relações, não previstas e queridas, que envolvam a terceiro, como parte sujeita obrigatòriamente ao julgamento.
Se o autor não o fêz, o juiz não o pode fazer, nem por si, ex officio, nem a simples requerimento do réu. A intervenção do terceiro, por chamado da parte, à lide já instaura tem, por outro lado, o caráter não citatório, para uma lide nova, mas necessàriamente notificatório, no sentido de que a presença do terceiro, no processo, a chamado de uma das partes, não importará jamais, por si, na introdução de uma lide nova diversa da ajuizada (a lide com o terceiro) a ser decidida na própria relação processual já iniciada.
Se foi, assim, mantida aparentemente, no processo alemão moderno, aquela velha adcitatio do processo germânico, com a possibilidade que sempre resta às partes, de chamar à lide a terceiros, essa adcitatio foi, no entanto, completamente esvaziada de seu conteúdo fundamental de origem bárbara, de valer como uma intervenção coata, pela extensão do objeto da causa para abranger a lide diversa a que as partes originárias possam manter com êsse terceiro.
A adcitatio se converteu, pois, em figura processual de eficácia absolutamente diversa, visando, conforme os casos, fins específicos: ora um fim de direito material, ora um fim processual, ora ambos de uma só vez.
Tudo quanto se fêz, em substância, foi recorrer a institutos notificatórios de origem romana, com o valor de mera denúncia da lide a terceiro (litis denuntiatio, dos §§ 72 e 76 da lei processual germânica de 1898), a quem era livre ingressar ou não na lide; sem que de tal ingresso pudesse resultar o acréscimo concomitante de uma demanda nova à já existente.
A litis denuntiatio reúne, no direito alemão, como entre nós, os casos de chamamento à autoria e nomeação à autoria (laudatio auctoris). O chamamento à autoria não se restringe, como entre nós, às demandas sôbre causas ou direitos reais, mas a tôdas as situações em que a parte, que chama o terceiro a juízo, está na crença de poder agir contra o terceiro, no caso de decisão desfavorável na lide principal, para ser por êle garantida ou mantida indene (§ 72, ZPO).
Mas, a relação subordinada, entre o terceiro e a parte que nutre contra ele essa pretensão de garantia ou de regresso, não entra, absolutamente, na lide, isto é, na relação processual já existente, para ser julgada com a lide principal. Bem ao contrário, o chamado, ou o denunciado, assume na lide principal a posição de mero assistente, isto é, do interveniente adesivo à lide alheia (§ 68, ZPO). Não é êle, assim, envolvido diretamente no julgamento final.
Do mesmo modo, na laudatio auctoris do § 76, do ZPO, que se identifica com a nossa nomeação à autoria; não há como ver-se, em qualquer hipótese – mesmo quando o nomeado aceita a nomeação e substitui o réu primitivo na relação ajuizada – o exercício de uma lide nova, diversa da já existente. A lide continua a mesma: a demanda da coisa contra o seu possuidor. Apenas na determinação de quem seja o possuidor – isto é, na determinação do verdadeiro legitimado passivo da relação ajuizada – paira a dúvida. O réu originário, alegando não ter título de possuidor em nome próprio, e detendo a coisa em nome de terceiro, nada mais faz que nomear o verdadeiro possuidor que se legitimara como parte na relação processual ajuizada, e que, assim, deve ali fazer as suas vêzes.
Em todas estas hipóteses de intervenção por adcitatio, no direito alemão, a lide originária permanece essencialmente a mesma, sem qualquer extensibilidade a novas relações jurídicas, não previstas na sua configuração originária.
Até mesmo a figura do depósito por conta de quem pertencer, do § 75 do regulamento processual germânico, supõe, não a extensibilidade da matéria do contencioso, mas, antes, a extinção de uma lide (aquela contra o réu originário, que deposita) e a constituição de uma nova (entre os credores que litigam entre si quanto ao recebimento da coisa depositada).
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Direito italiano
Já bem diferente é, no entanto, a regulamentação do litisconsórcio no direito italiano. Neste direito permanece a adcitatio com o seu conteúdo de universalismo que lhe veio de base germânica.
A adcitatio se configurava por disposição expressa de lei, no antigo Cód. de Proc. Civil de 1865 (art. 203), como ainda agora se configura na recente codificação de MUSSOLINI, de 1940 (arts. 106 e 107), como um poder, garantido a qualquer das partes, e ainda ao próprio juiz, ex officio, de chamar ao processo um terceiro, “a quem a causa se considera comum, ou do qual se pode pretender uma garantia”. Por comunhão de causa, no art. 106 do novo Código, se entende, não uma causa única (hipótese própria do litisconsórcio necessário previsto no art. 102) mas a causa conexa, no sentido de causa que mantém com a principal elementos em comum.
A diferença fundamental entre a lei italiana e a germânica na configuração dessa adcitatio, reside em que esta, concebida que é na Itália, na amplitude genérica que lhe dão êstes dispositivos legais, se pode muitas vêzes caracterizar como uma verdadeira citação para uma lide nova que se estende contra o terceiro, naquele mesmo processo.
O art. 106 serve, pois, para reunir num só processo muitas causas conexas que originàriamente nelas não figuravam, e que podem envolver pare diversa (o terceiro).
Assim, no chamamento à autoria (chiamata in garantia), a parte que provoca a intervenção do terceiro, pode fazê-lo, ou apenas no intuito de informá-lo da existência da causa principal, ou no intuito de, nesta chamada, deduzir desde logo contra o chamado (garante) a demanda de garantia, ou seja, de regresso (art. 32 do novo Cód. de Processo italiano; CALAMANDREI, “Ist. de Diritto Proc. Civ., secondo il nuovo Codice”, 1943, parte 2ª, § 111, pág. 220).
Portanto, nesta última hipótese, a adcitatio vale como uma verdadeira propositura de ação nova, em forma hipotética (se a parte vier a sucumbir), em que autor é quem promove o chamamento (autor o réu da lide principal), e réu o próprio terceiro, e cujo objeto é a indenização em via de regresso, em prol do adcitante, se êste fôr vencido na lide principal.
Também a forma italiana da intervenção coata por determinação judicial (jussu judice), do art. 107 do Código novo, importa em uma ordem do juiz para que as partes tragam para juízo, pela adcitatio, a terceiros, contra quem as partes possam manter lide comum, ou conexa com a principal; e para que tôdas essas lides sejam julgadas, consoante a velha idéia do universalismo medieval dos germanos, em uma só sentença, com economia de juízo e menor risco de julgados contraditórios.
Se a parte a quem possa interessar esta nova lide contra o terceiro, se nega a executar a adcitatio determinada pelo juiz, a sanção será a recusa dêste a decidir da causa principal.
A parte será, assim forçada pelo juiz ao uso de uma ação que bem poderia não estar nos seus desígnios. Coage-se, dêsse modo, o titular da ação, ao seu exercício, em contraste com o velho e, salutar princípio romano da liberdade de agir.
Esta conclusão, a que poderia levar a adcitatio jusse judice também existente no velho Código italiano, art. 205, repugnava ao espírito democrático do mais sábio de todos os cultores do processo na Itália: GIUSEPPE CHIOVENDA. Para êle, a intervenção coata jussu judice não poderia ter o mesmo escopo próprio dessa intervenção a pedido da parte, porque “ciò sarebbe contrario al principio della libertà d’agire”. Preferia êle interpretar essa forma de intervenção ex officio como um recurso meramente instrutório de que se socorria o juiz, que chamava o terceiro à lide, não como parte, mas como instrumento para dar-lhe melhores informes sôbre a causa.
Mas o novo Código impôs, mussolìnicamente, a tese do sacrifício da liberdade de agir, a modo do processo bárbaro dos germanos.
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Indagar, depois dessa rápida exposição no domínio da história e do direito comparado, qual o tipo de litisconsórcio sucessivo admitido por chamado das partes, na lei processual brasileira, com a reforma unificadora introduzida pelo Código de Proc. Civil da República, é a tarefa central do intérprete, nesse tema em que a nossa literatura jurídica se revela particularmente pobre.
Não creio – devo dizer de início – que a sistemática do nosso processo haja, mudado fundamentalmente a feição que à matéria soubera imprimir o regul. número 737, de 1850; feição que soube se manter uniforme com a descentralização da lei processual operada pelo advento da República, nas codificações processuais dos vários Estados.
Como tipos de intervenção de terceiro, aquêle regulamento alinhava, em numerus clausus, apenas os clássicos: os que envolviam a adcitatio, isto é, eram provocados por pedido da parte na lide originária, a compreender a autoria (artigo 111) e a nomeação à autoria (laudatio auctoris, art. 112); e os que não envolviam a adcitatio – não supunham a inclusão do terceiro por pedido da parte, mas, sim, simples intervenção por deliberação livre do próprio terceiro – casos êstes em que se arrolavam a oposição (propositura livre de ação própria do terceiro contra ambas as partes da lide originária) e a assistência (pedido livre do terceiro, para ingresso na lide principal, com escopo ad adjuvandum).
Interessa ao assunto desta palestra o exame dos tipos da adcitatio no processo brasileiro; e não os demais, de intervenção voluntária de terceiros na lide; pois que nestes tudo se passa sem maiores anomalias, como manifestações, de maior ou menor plenitude, do livre poder de agir, que a êsses terceiros cabe, em qualquer momento.
E, nos dois tipos de intervenção pela adcitatio – a autoria e a nomeação à autoria – não ocorria, de forma alguma, no regul. nº 737, a adjunção, à lis coepta já existente, de uma nova lide contra o terceiro, que tivesse de ser julgada, por universalismo do contencioso, na sentença da causa principal.
Não ocorria na nomeação, porque êste tipo de intervenção supõe, de essência, uma lide material única, que anda em busca do seu verdadeiro legitimado passivo.
E – o que é sintomático – não ocorria onde poderia ocorrer: no chamamento à autoria, em que manifestamente o terceiro é chamado à lide em virtude de manter a parte que o chama, com êle, uma lide conexa (dependente) da principal: a lide de regresso, ou melhor, a lide de evicção.
Pois bem; mesmo nesta hipótese de intervenção, com semelhante pressuposto de conexão de causas, a lide principal permanece singular, à boa feição romana, sem que envolva, na matéria do seu contender, a lide conexa de regresso ou de evicção, que ali não se ia decidir.
O regul. nº 737, os Códigos estaduais e o Código nacional
E assim era, porque assim o dispunha expressamente a lei. O art. 117 do regul. nº 737 estabelecia textualmente: “a evicção terá lugar por ação competente”.
Essa era bem uma disposição-chave, a definir da índole da adcitatio do direito brasileiro, cujo escopo não era o de universalizar o juízo, fazendo-o abranger em seu bôjo o maior número de questões outras, conexas ou dependentes, a critério das partes ou do juiz, e sob o fundamento de economizar atos de processo ou de evitar julgamentos contraditórios. Bem ao contrário, êste escopo é deliberadamente afastado pela lei, tal como ocorre no direito alemão atual, que, visando imprimir ao juízo, tanto quanto possível, uma feição singular, utilizava a adcitatio para fins diversos, na ordem processual ou mesmo material.
A par dessa disposição-chave do artigo 117 do regul. nº 737, de 1950, é fundamental a circunstância de não encontrarmos na sua sistemática nenhum dispositivo capaz de impor à adcitatio aquela fôrça universalizante do juízo, com o mesmo caráter daquelas normas generalizadoras que fazem praça no velho e no novo direito italiano, e que imprimem à Roma atual um direito espúrio, que, não foi o seu.
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Dispenso-me de minúcias, na pesquisa do assunto através da legislação processual brasileira, ao tempo em que andou ela esparsa nas leis dos Estados.
Êstes Códigos, tanto neste assunto como em outros capitais, moldaram-se em geral no regul. nº 737, sem maiores discrepâncias.
Aqui, na Bahia, como lá, em Pernambuco, a lei processual foi modelada por dois professôres igualmente baianos. O primeiro, EDUARDO ESPÍNOLA, regulou a intervenção sob o padrão do mais moderno direito germânico, garantindo ao juízo civil a singularidade românica. O segundo, o Prof. MÁRIO CASTRO, não discrepou neste acêrto, quando visualizou, no chamamento à autoria, sobretudo, aquêle escopo de processo, de fins nìtidamente instrutórios, pelo qual se realiza a mera substituição processual da parte legitimada, por um terceiro, no suposto de ter êste terceiro melhores elementos para a defesa (Cód. de Proc. Civil de Pernambuco, art. 26).
Os Códigos estaduais não procuraram modêlo diverso, no estruturar a intervenção de terceiro pela adcitatio. Apenas os Códigos do Ceará (art. 158) e do Rio de Janeiro (art. 1.200) se reportavam a uma acumulação de processo, nas causas principais e naquela dirigida contra o chamado à autoria.
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O Cód. de Proc. Civil da República – em que pêse à autoridade da egrégia 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, no aresto a que nos reportamos de início não conferiu à adcitatio, para a intervenção de terceiros, o caráter de uma citação contra o terceiro, com o efeito de instaurar contra êle, no mesmo processo, uma demanda diversa da principal, ainda que conexa com esta.
Os casos de intervenção de terceiro, regulados esse Código, são os afixados nos arts. 95 a 105; o chamamento e a nomeação à autoria, e a oposição.
Quanto à assistência – diga-se de passagem – está ela admitida no capítulo anterior, como forma de litisconsórcio. O art. 93 permite a intervenção na lide do terceiro, como assistente, equiparado ao litisconsorte, “quando a sentença houver de influir na relação jurídica entre qualquer das partes e o terceiro”. E, se bem que equiparado, nessa hipótese, ao litisconsorte, é claro que o terceiro, que nessa qualidade intervém, não é parte na causa, não é autor nem é réu. Quando êle entra no feito, nenhum pedido novo surge, e “nem o processo, que havia e que está correndo se altera” (PONTES DE MIRANDA, “Comentários ao Código de Processo Civil”, vol. 1º, pág. 357).
Interessa-nos, aqui, retomar o exame dos casos de adcitatio, no Cód. de Processo. E a lei apenas focaliza os do chamamento à autoria e nomeação à lide.
Ambos são inteiramente estruturados com o mesmo escopo que tinham, já no regul. nº 737. Por êles não se aduz qualquer lide nova contra o terceiro, cumulada no mesmo processo. O chamamento tem apenas o valor de mera denúncia da lide ao terceiro; denúncia de que resultam efeitos, ora de ordem material – como pressuposto, que é, em face da lei civil (Cód. Civil, art. 1.116), do exercício do direito que da evicção resulta – ora de ordem processual, abrindo margem a uma substituição processual que se reputa proveitosa, sob o aspecto da melhor instrução da causa.
Mas o chamamento jamais induz a instauração de uma lide nova – a lide de regresso – contra o chamado. Também a lei processual nova (Cód. de Processo Civil, art. 101) retira-lhe expressamente semelhante escopo: “a evicção pedir-se-á em ação direta”.
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Dir-se-á que a adcitatio, com o valor de uma verdadeira propositura de ação conexa, de ordem diversa da ajuizada, estará admitida pelo art. 88 do Código de Processo, no tópico em que a norma admite a instituição do litisconsórcio em causas conexas “a requerimento de qualquer das partes”.
Que o litisconsórcio se possa instituir entre partes de causas conexas, e que se, possa constituir a requerimento de qualquer dessas partes – em dependência da direção de suas pretensões – é coisa sôbre que não resta dúvida, na mais antiga tradição do direito brasileiro.
E tudo quanto – a meu ver – o dispositivo focaliza é essa possibilidade de um litisconsórcio voluntário, constituído originàriamente entre mais de um autor, ou contra mais de um réu, em função da acumulação objetiva de lides conexas que envolvem a muitas partes.
O art. 88 se situa no plano da constituição originária do juízo que se há de instituir com muitas partes. E, portanto, quando dispõe que a constituição do litisconsórcio não se recusará, nas causas conexas, quando requerido por qualquer das partes, alude naturalmente às partes das causas conexas a serem propostas. Como várias são as causas conexas, várias podem ser as partes desta. Pode-as propor, uma ou muitas destas, contra uma ou muitas, desde que qualquer delas tenha titularidade ativa para fazê-lo. E o requerimento de qualquer delas, propondo-as, pode realizar o litisconsórcio, resultante da acumulação objetiva das causas conexas deduzidas em juízo.
Não haverá propriedade no admitir-se que o art. 88 no tópico, pressuponha outro plano, senão êste, de causas conexas ainda a propor. Pois, a regular causas conexas já propostas, existem dispositivos diversos – os dos arts. 116 e 93 do Cód. de Processo – os quais lhes asseguram um regime absolutamente diverso do previsto no art. 88.
As causas conexas já propostas podem ser reunidas a requerimento de qualquer das partes; e também, por determinação, ex officio, do juiz. Mas tal reunião – que pode, até, chegar ao grau mais íntimo, de serem tôdas elas decididas por um só julgamento – não é irrecusável, como o é no art. 88. O juiz pode recusá-la e até ordenar o seu desmembramento (art. 116) salvo se a conexão é tal, que induza o litisconsórcio unitário, por depender a eficácia da sentença da presença de todos os autores, ou de todos os réus, na fórmula do art. 94.
Só nesta última hipótese é que será irrecusável a união dos processos, quando requerida por qualquer das partes. Mas é evidente que ai, sendo unitário o litisconsórcio, a lide é una, tanto formal, como materialmente (PONTES DE MIRANDA, “Comentários”, cit., vol. 1º, pág. 351).
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Excluídas, assim, da esfera de aplicação do art. 88 as causas conexas já propostas, experimentemos agora a suposição de uma hipótese mista – uma lide já proposta, conexa com outra lide, á propor, sendo que nesta última fôsse legitimado um terceiro, que não era parte na lide originária.
Nessa hipótese – que é aquela em que se coloca declaradamente o julgado da 1ª Turma do Supremo – o dispositivo do artigo 88 tornaria irrecusável a qualquer das partes da lide já existente o direito de universalizar o juízo instaurado pelo autor sôbre o objeto singular do seu pedido, para fazer dito juízo compreender a ação nova de que seria titular uma dessas partes (uma, note-se bem: não qualquer), contra o terceiro, estranho à lide originária.
Ora, de início, o que me parece irrecusável é que o art. 88 não se coloca nesse plano, na sua natural interpretação. Com a devida vênia de tantas autoridades que vislumbram no art. 88 uma revolução radical contra o singularismo tradicional do nosso processo – devo dizer, em primeiro lugar, que não é própria do art. 88, nem nêle deve ser investigada, a idéia da existência de uma lide proposta e íntegra, em seus elementos constitutivos, e a da extensão do juízo, que a comporta, para envolver um terceiro, estranho a essa lide.
E não é própria, porque êsse conjunto de emergências – ou suposto de fatos – seria suporte natural da figura da intervenção de terceiros na lide, e não o suposto normal do litisconsórcio, cuja regulação é o que visa o art. 88, e cujas formas de existência superam a semelhante casuísmo.
E quando mesmo na hipótese gratuita, o art. 88 tivesse compreendido também a êsse caso especial, isto teria de refletir-se, adequadamente, no capítulo concernente à intervenção de terceiros, o qual seria – êste sim – alvo de reforma capital, com a admissão do intervento coacto, de feição italiana, ou, pelo menos, com a adoção de uma norma com a função generalizadora semelhante à do artigo 106 do Código italiano.
Bem ao contrário, a lei brasileira, repelindo a essas inovações, regulou a intervenção de maneira profundamente contrastante com a daquele Código, no que seguiu a sua melhor tradição. Os únicos casos de intervenção pela adcitatio são aquêles mesmos de origem romana – a litis denuntiatio ou a laudatio auctoris que não valem como adcitatio para uma causa nova, no velho sentido medieval, mas como simples aviso dado ao terceiro, e do qual resultam efeitos materiais ou processuais diversos.
Se, no seu lugar próprio, isto é, dentro do capitulo da intervenção, o art. 101 do Cód. de Processo, se proibiu que o chamado à autoria, contra o: qual o réu, ou mesmo o autor, tem lide conexa com a ajuizada, fôsse compelido a figurar como parte dessa lide conexa, no próprio juízo inicial, como então se admitir, sob forma generalizante, a adcitatio com este mesmo efeito que, quando possível naquele caso, a lei veio proibir?
Não é preciso teste interpretativo mais claro.
*Art. 116 do Cód. de Proc. Civil
Mas não é só a pura implantação sistemática da norma do art. 88, no capítulo do litisconsórcio, e não no da intervenção, que nos autoriza os resultados hermenêuticos até agora colhidos.
Há, também, a considerar outro aspecto de interpretação sistemática da qual, a admitir-se como certo o sentido dado ao art. 88 pela 1ª Turma do Supremo, a lei teria seguido uma política legislativa incongruente, neste tema de união de causas conexas, e em choque manifesto com aquela que adotou no art. 116 do próprio Cód. de Processo.
Se as causas conexas já estão propostas – diz o legislador no art. 116 – o juiz tem o mais amplo poder de reuni-las, ou de desmembrá-las.
É fácil alcançar a razão desse poder de unir, ou de desmembrar, causas conexas, que a lei atribuiu ao prudente arbítrio do juiz. E que, nem por serem conexas (de manterem em comum alguns de seus elementos), as causas dessa espécie oferecem, necessàriamente, homogeneidade de questões de fato, ou mesmo de direito, no juízo. O legislador conta, no art. 116, com a possibilidade de que o acúmulo destas causas constitua, antes que uma vantagem, um estôrvo, uma para a outra, pelo acúmulo e pela diversidade dos elementos instrutórios, e sobretudo pela quebra do ideal de concentração; ideal êste de que o legislador fêz alarde, como a pedra de toque da reforma que êle buscava introduzir, com o processo oralizado.
Êste ideal de concentração – adite-se mais – o legislador não foi buscá-lo em outra fonte, senão no tipo da actio romana, sempre singular e sempre idêntica a si mesma, do princípio ao fim do processo.
A concentração nasce do singularismo, do juízo romano; ela é inimiga do universalismo do direito germânico.
O poder conferido pelo art. 116 do Cód. de Processo, ao juiz, para desmembrar causas conexas, é bem uma das grandes defesas que o legislador impõe, em prol de seu mais dileto princípio, da mais cara de suas criações como reformista do processo brasileiro: a concentração processual. O juiz desmembra, porque, só desmembrando, pode êle tratar acuradamente dos elementos instrutórios de cada causa, divisando-a melhor na unidade lógica de seus contornos próprios e possibilitando, enfim, a concentração dêsses elementos e contornos sob a visão de julgador.
Ora, tudo isto que é certo, que está na lei e no espírito da reforma, passa a não valer um caracol, quando se interpreta o art. 88 – como o fêz o venerando aresto do Supremo – como uma porta aberta ao mais incontrolável universalismo do juízo; um universalismo impôsto por qualquer das partes de um juízo já instaurado. Qualquer das partes, só por sua livre vontade, poderia trazer para dentro dêsse, juízo questões conexas que passa manter até com terceiros.
E o que mais agrava, e o que torna mesmo intolerável aquêle entendimento, é que nenhuma recusa pode prevalecer contra semelhante poder de vontade.
Eis o que resulta da letra, assim, a meu ver, mal-entendida, do art. 88: a irrecusabilidade de uma infinita acumulabilidade de causas conexas, entre partes diversas, dentro de uma lide. De modo que nada pode obstar a que qualquer das partes transforme, a um mero requerimento. seu uma lide originàriamente simples, em um pélago de lides conexas de tôda a ordem bastando que sejam conexas.
O universalismo à outrance, que resulta dessa interpretação – que ultrapassaria, na sua falta de limites legislados, o próprio universalismo do juízo italiano – contrastaria, sem nenhuma razão plausível, com o contrôle que o art. 116 garante ao juiz, quanto à acumulabilidade de lides conexas.
*
Para um último aspecto ainda peço a vossa paciente atenção.
É para o perigo a que, semelhante interpretação do art. 88, ficam expostos o poder e a liberdade individual de agir em juízo.
Lembro, aqui, no encerrar esta nossa palestra, que a liberdade aparente que esta interpretação parece garantir a qualquer das partes, nesse poder de requerimento, é uma falsa liberdade. Porque não é justa a liberdade que tenha o réu, e transformar a causa que lhe propôs o autor, em um infindo rosário de causas conexas com terceiros, transformando o juízo inicial, que poderia ser célere, em um vasto comboio, pesado carregado de lides, lerdo no andar, difícil e embrulhado no decidir.
Quem ousaria aventurar-se a tomar paisagem nesse trem que a meio caminho se transforma em pesado bagageiro?
E, por outro lado, não há a liberdade pretendida, para qualquer das partes do litígio. Porque a parte nem sempre terá título para chamar ao juízo a um terceiro envolvido em causa conexa à ajuizada. Far-se-ia mister; necessàriamente, que a parte que promovesse a adcitatio do terceiro, possuísse a legitimação ativa, na causa conexa; para agir como autora, contra o terceiro, então réu.
Fora disso, essa adcitatio seria uma aberração, seria uma coação inominável para o verdadeiro legitimado ativo, que veria o seu direito usado, contra a sua vontade, por quem não tinha titulo para fazê-lo; e uma coação não menos monstruosa para o terceiro, que teria de ser julgado sem que o verdadeiro legitimado – o seu credor – o tivesse pedido.
Qualquer subversão fundamental na ordem da legitimatio ad causam é uma subversão da própria essência dessa virtude social que se chama Justiça.
Se esta é à gesto humano de dar a cada um o que é seu, êste gesto implica numa relação de homem a homem, cada qual em seu lugar: o que dá, porque deve, e o que recebe, porque é seu.
E esta alternidade bipolar da justiça – esta correlação entre o poder de um lado, e o dever do outro – é a mesma que, em última análise; se traduz na correlação bipolar, ativa e passiva, da legitimação para a causa.
Subverter esta correlação é esvaziar de sentido o ato de justiça e não só isto: é ferir a liberdade naquilo em que ela é essencial à perfeição do justo.
Aquêle que tem o poder de exigir o que é seu, há de ter a liberdade, também, de deixar voluntàriamente de fazê-lo. Porque não se faz injustiça a quem voluntàriamente se dispensa de receber o seu. E a justiça mesma só é a virtude das virtudes, porque dentro dela cabe lugar, sem contradição, para a renúncia magna, para a caridade confortadora.
______________
Notas:
* N. da R.: Conferência pronunciada na Faculdade de Direito da Universidade da Bahia, por ocasião da semana Jurídica realizada em outubro de 1953. Antes de abordar o tema principal, disse o orador o seguinte:
“Esta oportunidade que professores e alunos baianos me oferecem, de privar de seu convívio intelectual, de suas idéias, de suas aspirações e de suas realizações; de participar de sua semana jurídica, esta grande e excelente tertúlia em que se agremiam os moços ao lado dos mais velhos, em torno do ideal do direito, para que êste ideal melhor os aqueça e também para que mais vivida seja a luz que dêle se desprenda, é para mim a mais grata e mais emotiva de quantas hei tido, no caminho que percorro, e que já se alonga, de estudioso do direito.
Neste caminho tenho encontrado, fora de minha província, outros centros de estudos jurídicos, que me acolheram com igual solicitude. Da Bahia, porém, guardo comigo impressão diletíssima. Impressão que, sinto, já viera comigo antes de qualquer contate experimental com esta terra, e se estabelecera a priori no meu espírito. Filho que sou de baiano e de um baiano que era um cultor, no sentido exato do têrmo, do direito, devo eu a êste baiano, mais de que a qualquer outro ente sobre a terra, a inclinação intelectual irrefragável que fêz de minha vida a vida humilde de um escravo das letras e da ciência do direito.
E chegando agora a esta radiosa Bahia, aquêle sentimento a priori se expande em mim em uma certeza, a certeza de que devo a esta terra algo de imponderável na minha formação – já não tanto o que desde moço recebi na lição e no exemplo de vida de juristas baianos – na lição e no exemplo de vida de um RUI, o patrono do vosso Centro Acadêmico – mas o que recebi pelo sangue e pelo exemplo de vida daquele outro baiano reto que era meu pai, que também a seu modo na sua simplicidade cultivou de fato o direito pelo espírito e pela ação.
Eu não podia, assim, faltar a êste encontro com a Bahia. E vos sou sinceramente grato pela oportunidade de vosso convite”.
1 PLANCK, “Mehrhelt der Rechtsstreitigkeit”.
2 CHIOVENDA, “Sul Litisconsorzio Necessario”, in “Saggi di Diritto Proc. Civ.”, 1930, 2º vol.
3 Vide “Ação Declaratória”, de minha autoria, ed. saraiva, São Paulo, nº 14.
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- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 1
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