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Execução simplificada e a desjudicialização do processo civil: mito ou realidade

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Execução simplificada e a desjudicialização do processo civil: mito ou realidade

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Joel Dias Figueira Júnior

Joel Dias Figueira Júnior

03/09/2020

 “A experiência tumultuada destes últimos quarenta anos nos demonstra que a imagem do Estado onipotente e centralizador é um mito, que não pode (e, talvez não mereça) ser cultivado. Deste mito faz parte a ideia de que a justiça deva ser administrada exclusivamente pelos seus juízes.” (Giovanni Verde, L`arbitrato secondo la Legge 28/1983. Arbitrato e giurisdizione, p. 168. Napoli: Jovene, 1985).

I – O nosso Homenageado e o processo civil brasileiro

Recebi com grande alegria e imensa honra o convite que me foi dirigido pela estimada amiga, Desembargadora Mara Larsen Chechi, para integrar a coletânea de estudos em homenagem ao seu dileto esposo, Araken de Assis, por razões diversas, a começar pelo parentesco afim que tanto nos une há longa data, e, como se não bastasse, por termos sido colegas de concurso para ingresso na Magistratura Catarinense, igualmente aprovados no mesmo certame e empossados em dezembro de 1984.

Fez o destino, sempre levado pela mão do Criador, que Mara prosseguisse com o concurso público a que também se submetia no vizinho e irmão Estado do Rio Grande do Sul, onde já havia exercido, inclusive, as funções de Pretora, desde 1981; então aprovada, fez a opção por prosseguir sua carreira naquele Estado, onde terminou por constituir família e criar suas novas e fortes raízes.

Destarte, é com imensa satisfação que prestamos esse merecido tributo ao mestre e amigo Araken de Assis, culto processualista que por mais de três décadas oferece sua inestimável contribuição científica ao desenvolvimento da doutrina e da legislação instrumental brasileira, notadamente no que concerne ao Processo de Execução.

O nosso Homenageado formou-se em Direito na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (seu Estado natal), em 1978 e obteve o título de Especialista em Direito Processual Civil na PUC/RS, em 1987, o título de Mestre em Direito na PUC/RS, em 1992 e o título de Doutor em Direito na PUC/SP, em 2003, sendo vasta, profunda e das mais notáveis a sua contribuição científica, pois é autor de aproximadamente 150 (cento e cinquenta) artigos publicados em renomados periódicos e 23 (vinte e três) obras jurídicas, valendo mencioná-las: 1. Manual dos recursos (Ed. RT); 2. Manual da execução (Ed. RT); 3. Cumprimento da sentença (Ed. RT); 4. Comentários ao Código de Processo Civil – arts. 566-645 (Ed. Forense); 5. Contratos nominados (Ed. RT); 6. As reformas e questões atuais de direito processual civil (Ed. Livraria do Advogado); 7. Manual dos recursos (Ed. RT); 8. Comentários ao Código de Processo Civil – arts. 421-480 (Ed. Forense); 9. Direito civil e processo – Homenagem ao Prof. Arruda Alvim (em co-autoria) (Ed. RT); 10. Aspectos polêmicos e atuais dos limites da jurisdição à saúde (organizador) (Ed. Notadez); 11. Execução civil nos juizados especiais (Ed. RT); 12. Contratos nominados (Ed. RT); 13. Da execução de alimentos e prisão do devedor (Ed. RT); 14. Resolução do contrato por inadimplemento (Ed. RT); 15. Comentários ao Código de Processo Civil – arts. 466-645 (Ed. Forense); 16. Concurso especial de credores no CPC (Ed. RT); 17. Cumulação de ações (Ed. RT); 18. Doutrina e prática do processo contemporâneo (Ed. RT); 19. Eficácia civil da sentença penal (Ed. RT); 20. Comentários ao Código de Processo Civil – arts. 646-735 (Ed. RT); 21. Procedimento sumário (Ed. RT); 22. Locação e despejo (Fabris); 23. Comentários ao Código de Proceso Civil arts. – 612-735 (Lejur).

Como se não bastasse, sua contribuição para o desenvolvimento do pensamento jurídico brasileiro, sobretudo no Direito Processual Civil, evidencia-se pela sua efetiva participação na comissão de juristas para a reforma do CPC, pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual, em 2000, além de integrar a Academia Brasileira de Direito Processual Civil e o Instituto Ibero-Americano de Direito Processual.

Ademais, as contribuições prestadas por Araken de Assis ultrapassam os limites da academia e centros de estudos, na exata medida em que foi ilustre Membro do Poder Judiciário gaúcho, passando a integrar em 1989 o Tribunal de Alçada, na forma do art. 94 da Constituição Federal, e, em 1994, promovido por merecimento ao cargo de Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Atualmente é, indubitavelmente, um dos mais brilhantes membros a enobrecer a elevada classe dos Advogados, com atuação difusa em todo o País, notadamente em São Paulo, Rio de Janeiro, Distrito Federal e Rio Grande do Sul, sendo sócio do renomado escritório Arruda Alvim.

Soma-se ao cabedal jurídico, político, filosófico e sociológico do Homenageado, a sua conduta ética e moral em suas múltiplas facetas, tratando-se ainda de aquariano espirituoso, de refinado humor e perspicácia incomparável, amável e educadíssimo, sempre alegre e disposto a superar com altivez qualquer obstáculo que a vida possa lhe apresentar – razões suficientes para ser merecedor de toda a nossa admiração e particular apreço.

Portanto, nossas modestas, porém sinceras homenagens ao Professor Doutor Araken de Assim, como reconhecimento pelos trabalhos forenses e científicos prestados com qualidade diferencia há mais 35 anos, com profundo respeito e elevada admiração.

II – Introdução

Ao concluir no Capítulo VII a Exposição de Motivos do Projeto de Lei 810/72, que daria origem ao atual Código de Processo Civil de 1973 (Lei 5.869, de 11/1/73), fez questão de ressaltar o seu artífice, o emérito Professor das Arcadas do Largo de São Francisco, o saudoso processualista e então Ministro da Justiça, Alfredo Buzaid[1], que havia atendido as recomendações constantes da mensagem enviada ao Congresso Nacional[2], in verbis: “38. (…) Na reforma das leis processuais, cujos projetos se encontram em vias de encaminhamento à consideração do Congresso Nacional, cuida-se, por isso, de modo todo especial, em conferir aos órgãos jurisdicionais os meios de que necessitam para que a prestação da justiça se efetue com a presteza indispensável à eficaz atuação do direito. Cogita-se, pois, de racionalizar o procedimento, assim na ordem civil como na penal, simplificando-lhe os termos de tal sorte que os trâmites processuais levem à prestação da sentença com economia de tempo e despesas para os litigantes. Evitar-se-á, assim, o retardamento na decisão das causas ou na execução dos direitos já reconhecidos em juízo. No tutelar-se por essa forma o interesse das partes e a dignidade da justiça, seguir-se-á, aliás, o caminho facultado pela Constituição vigente, quando no art. 112, parágrafo único, dispõe: ´Para as causas ou litígios, que a lei definirá, poderão ser instituídos processos e julgamento de rito sumaríssimo, observados os critérios de descentralização, de economia e de comodidade das partes`.”

Ao lermos essa passagem final da notável – diga-se de passagem – Exposição de Motivos da lavra do saudoso Professor Buzaid, tem-se a nítida (e falsa) impressão, quase surreal, de que o tempo não passou e que estamos vivendo hoje, ainda nos idos de 1972… Melhor talvez dizer: o tempo passou, mas apesar das boas novas trazidas pelo “movimento reformista”, pouco essencialmente mudou no que concerne a simplificação (real) do processo civil, economia e celeridade com efetivação voltada à satisfação dos jurisdicionados, consumidores diretos da justiça.

Não muito diversas, em que pese mais fantasiosa e recheada de promessas e esperanças de difícil consecução, são as palavras contidas na mensagem condutora em Exposição de Motivos do PL 166/2010 (atual PL 8046/2010), da lavra do eminente Professor, Processualista e Ministro Luiz Fux, oportunidade em que ressaltou, por diversas vezes, a importância do novo Código, anunciando-o como o novo instrumento que resgatará a imagem desgastada do Poder Judiciário perante a opinião pública em face de sua morosidade, comprometedora da celeridade e da efetividade da prestação da tutela jurisdicional.

Vale destacar alguns excertos da mencionada mensagem: “(…) É aqui e alhures não se calam as vozes contra a morosidade da justiça. O vaticínio tornou-se imediato: ´justiça retardada é justiça denegada`e com esse estigma arrastou-se o Poder Judiciário, conduzindo o seu desprestígio a índices alarmantes de insatisfação aos olhos do povo. Esse o desafio da comissão: resgatar a crença no judiciário e tornar realidade a promessa constitucional de uma justiça pronta e célere…”[3]

Contudo, em nosso modesto entender, ainda estamos muito distantes da simplificação verdadeira do processo civil e de sua simbiose com o mundo dos fatos, em sintonia fina com os interesses do consumidor final da jurisdição, de maneira que possa bem servir como efetivo instrumento de realização do direito material (violado ou ameaçado).

Não se pode negar, por outro lado, os esforços incomensuráveis envidados pelos processualistas brasileiros em busca de novos rumos para o processo civil contemporâneo, sendo que inúmeras foram as iniciativas que receberam acolhimento legislativo e, de uma forma geral, reformularam o panorama do sistema instrumental nacional em suas mais diversas facetas (v.g. Lei da Ação Civil Pública, Mandado de Segurança Coletivo, Juizados Especiais Cíveis Estaduais, Federais e Fazendários, dentre outras, somando-se às centenas de modificações realizadas – a maior parte delas com sucesso – no vetusto Código de 1973).

Como bem observou Barbosa Moreira há quase 20 anos, “…o processo civil brasileiro caminha no sentido da simplificação. O avanço, ocioso frisar, não tem sido retilíneo; mas – conforme a História, nesta e noutras áreas – toda caminhada humana sujeita-se a ziguezagues e vaivéns; desde que não se perva a bússola, preservada fica sempre a possibilidade de retomar o rumo.”[4]

De fato, desde as reformas instituídas no Código de Processo Civil a partir da década de 1990, pode-se perceber que o mote sempre foi, além da busca pela “simplificação” do instrumento, a celeridade e a efetividade, voltadas à satisfação do jurisdicionado que acessa à Justiça em busca da resolução de suas pretensões resistidas ou insatisfeitas, em dizeres carnelutianos.

Se, por um lado, andamos bem com tantas reformas já implementadas no sistema instrumental civil (sobretudo a partir da década de 90), parece-nos que muito ainda precisa ser feito, em conteúdo essencial (não meramente procedimental) no que concerne ao processo de execução fundado em título extrajudicial; referimo-nos, mais precisamente, a necessidade (por que não dizer, imprescindibilidade) de sua resistematização ôntica, transmudando-se, para tanto, a sua essência jurisdicional-adversarial para a desjudicialização (em princípio, não adversarial), com mecanismos de incremento à autocomposição extrajudicial e, se necessário, o prosseguimento contencioso extrajudicial para a realização dos créditos perseguidos e até então insatisfeitos, sem a intervenção (ao menos inícial) do Estado-juiz.

Nessa linha, afigura-se questão merecedora de destaque, neste despretensioso estudo, a resistência (ao nosso entender, injustificada) que ainda se encontra em sede legislativa e por boa parte da doutrina, no que pertine a desjudicialização[5] do processo de execução fundado em título extrajudicial e, na tentativa de derruir essa “barreira cultural”, apresentaremos as nossas razões jurídicas e de política judiciária capazes de agasalhar a tese ora esposada, inclusive com base em precedentes legislativos nacionais que já acenam positivamente para esse caminho, somando-se a experiência colhida no direito estrangeiro, com enfoque maior ao sistema lusitano que, recentemente, encampou essa de maneira mais ampla essa proposta.

Salientamos, outrossim, que não objetivamos com esse breve trabalho meramente reflexivo acerca do tema proposto, erguer um farol que venha a lançar um forte e reluzente facho de luz, capaz de desvendar todos os problemas do processo, em particular, da tutela jurisdicional em sede de execução stricto sensu e as mazelas da jurisdição estatal.

Destarte, se por um lado não pretendemos, parafraseando Roberto Campos, trazer aos leitores e estudiosos da matéria uma lanterna na popa, oxalá possamos ao menos apresentar um candeeiro na proa, capaz de sinalizar a presença dessa pequena embarcação e iluminar um pouco os novos caminhos que podem ser descortinados com a desjudicialização do processo de execução fundado em título extrajudicial, em observância aos princípios da economia, simplicidade, celeridade, efetividade, sem que se verifique a perda ou violação dos direitos e garantias fundamentais conferidos no art. 5º da Lei Maior – em sentido amplo, o devido processo legal (em especial, a segurança, o acesso à jurisdição estatal, o contraditório e ampla defesa).

III – Execução jurisdicionalizada de título extrajudicial e a crise da jurisdição estatal: “Il collo di botiglia”

Há muito preocupa-nos sobretudo a chamada “crise da jurisdição”, razão pela qual, por algumas vezes, já realizamos estudos sobre o tema.[6] Desta feita, haveremos de refletir especificamente sobre o fenômeno representado pelo excessivo volume de demandas executivas stricto sensu que assoberbam o Poder Judiciário em todas as comarcas deste País, com reflexos diretos na segunda instância e Superior Tribunal de Justiça (este último, de forma menos acentuada por razões evidentes).

Já afirmamos alhures[7] – e vale aqui repetir o alerta – que há muito dois problemas gravíssimos e umbilicalmente interligados afligem os profissionais do Direito e os jurisdicionados brasileiros: a crise do processo e a crise da jurisdição apresentadas num quadro de patologia crônica e endêmica, em que nenhum cidadão ou pessoa jurídica consegue ficar imune a elas, direta ou indiretamente.

Nesse contexto, por si só suficientemente grave, amplo, complexo e de difícil solução por razões múltiplas, acrescenta-se outro componente complicador capaz de agravá-las ainda mais – a crise do ensino jurídico – e, por conseguinte, a crise dos operadores do Direito.

Vê-se, pois, sem maiores dificuldades, que o fenômeno apontado pode ser comparado metaforicamente com a mitológica figura do leviatã[8], no caso, capaz de instituir o caos silencioso e ameaçador do estado democrático e constitucional de direito. Aliás, a ameaça já se faz presente (e não é de hoje), e está comprovada por meio de abalizadas pesquisas oficiais atinentes ao aumento da descrença da população nos três Poderes da República, sobretudo no Judiciário, em face de sua crônica ineficiência operacional, ou, em outros termos, a inaptidão para oferecimento de tutela jurisdicional quantitativa e qualitativamente adequadas.[9]

Portanto, a minimização e a posterior solução da complexa crise da jurisdição, para surtir efeitos (a curto, médio e longo prazo) há de atacar de maneira contundente às verdadeiras causas da patologia ora descrita, sem, contudo, perder de vista que o agir há de ser articulado e harmonioso, fundado inexoravelmente em programas, projetos e metas governamentais previamente estabelecidas para o cabal conseguimento de seus escopos, sintonizando-se, para tanto, políticas publicas definidas pelo Executivo, Legislativo e, em particular, pelo Judiciário, com a coordenadoria do Conselho Nacional de Justiça.

Sem essa “cumplicidade política”,[10] parece-nos que mudanças setoriais isoladas e independentes, sobretudo porque desarticuladas de um macroprojeto unificado de reforma da República, por melhores que possam ser consideradas quando analisadas de per si, não serão capazes de, isoladamente, causar o efeito terapêutico anunciado.

Nesse contexto, parece-nos que a minimização da crise da jurisdição estatal haverá de passar pela reforma do processo de execução, mediante a sua desjudicialização.[11]

No Brasil, em especial, o fenômeno atinente ao sempre crescente aumento de demandas executivas stricto sensu é de fácil compreensão, bastando que miremos as origens que remontam aos percalços econômicos e financeiros que, nas últimas décadas, o país foi submetido, assim como a espiral inflacionária – ainda não suficientemente controlada – a baixa renda da população, em contraposição ao elevado custo de vida nacional e a alta carga tributária, além de outros fatores, mesclam-se com a infeliz cultura brasileira forjada na inadimplência e recalcitrância no cumprimento de obrigações e decisões judiciais. Esse fenômeno encontra também suas raízes na descrença do Judiciário em face de sua ineficiência e inoperância, notadamente no que concerne a morosidade da Justiça (razoabilidade de tempo para a resolução de controvérsias). Assim, como as demandas tendem à eternizar-se (inclusive as execuções), o não pagamento de dívidas, para muitos, torna-se um excelente e lucrativo negócio…

Não é por menos que os escaninhos dos cartórios estão abarrotados de processos de execução (o que dizer então das execuções fiscais?), sendo comum a prática forense de designação de grupos de serventuários destacados somente para atender esse tipo de demanda, ou, ainda, a criação de varas especializadas em execuções.

Não é muito diferente a realidade em Estados que já implementaram o processo eletrônico, pois a novidade em si faz apenas “desaparecer” o elemento físico atinente aos autos do processo, remanescendo, outrossim, as atividades virtuais informatizadas praticadas pelos serventuários e a atuação do Estado-juiz.

E mais: estamos longe de alcançar o esperado estágio de excelência do processo eletrônico puro, pois em muitos Estados, a dita inovação, ainda que implementada paulatinamente, mais tem atormentado os seus operadores do que contribuído efetivamente para a sua simplificação e celeridade.[12] Como se não bastasse, vivemos num País de dimensões continentais e repleto de grandes diferenças regionais, configurando-se realidades totalmente distintas, sobretudo de ordem sócio-econômica, o que dificulta a resolução dos problemas administrativos da Justiça em seu todo, verdadeiro elemento complicador de equacionamento duvidoso enquanto não sanadas essas discrepâncias (algumas gritantes …).

Em síntese, a crise da jurisdição (também, em parte, atribuída à crise do processo) é fenômeno pernicioso e vem contribuindo sensivelmente para aumentar a descrença da população no Judiciário que, por sua vez, não consegue dar vazão em tempo hábil e com a qualidade esperada às milhares de demandas que diuturnamente aportam nos gabinetes dos juízes, formando, como diriam os italianos, um verdadeiro collo de botilglia[13] de difícil solução.

Basta um rápido lançar de olhos para os dados estatísticos fornecidos pelo Conselho Nacional de Justiça[14] para constatar-se que, em 2010, tramitavam somente nas varas cíveis estaduais nada menos do que 3.046.649 execuções de títulos extrajudiciais e, nos Juizados Especiais 271.285 execuções da mesma natureza. Em 2011, as estatísticas apontam para a tramitação de 3.699.541 execuções fundadas em títulos executivos extrajudiciais e, nos Juizados Especiais, 256.018 processos.[15]

Vejamos agora os dados referentes às execuções fiscais (estaduais e federais): em 2010, na Justiça Estadual, foram ajuizados 2.827.870 ações executivas, sendo que estavam pendentes 20.854.973, o que perfaz um total de 23.682.843; na Justiça Federal, entraram 275.232 novos processos, enquanto pendentes haviam 2.946.612, totalizando em 3.221.844 processos; em 2011, na Justiça Estadual deram início 3.327.639 feitos, sendo que haviam pendentes 21.542.169, totalizando 24.869.808 processos, enquanto a Justiça Federal recebeu 446.875 novos processos, e, pendentes, restaram 3.012.868, totalizando em 3.459.743 processos.

Somando-se todos os processos de execução de título executivo extrajudicial na Justiça Estadual, em 2010, chega-se ao total de 27.000.777 e na Justiça Federal, 3.221.844, perfazendo um total geral de 30.222.621 processos; em 2011, na Justiça Estadual, chega-se a um total de 28.825.367 demandas e, na Justiça Federal 3.459.743, perfazendo um total geral de 32.285.110 processos.

Esses números ficam ainda mais estarrecedores quando confrontado com o total geral de processos em tramitação no Poder Judiciário brasileiro, vejamos:

em 2010 – a) Justiça Estadual: a1) total de processos novos: 17.743.996; a2) total de processos pendentes: 47.960.519 – total geral 65.704.515;

b) Justiça Federal: b1) total de processos novos: 3.166.766 e b2) total de processos pendentes: 7.927.287 – total geral 11.094.053

Somando-se o total de processos pendentes em 2010 nas Justiças Estadual e Federal chega-se a um montante de 76.798.568 feitos!

em 2011 – a) Justiça Estadual: a1) total de processos novos: 18.688.234; a2) total de processos pendentes: 51.628.147 – total geral: 70.316.381.

b) Justiça Federal: b1) total de processos novos: 3.329.780; b2) total de processos pendentes: 8.144.002 – total geral 11.473.782

Somando-se o total de feitos pendentes em 2011 nas Justiças Estadual e Federal chega-se a um montante de 81.790.163 processos![16]

Com base nesses dados, chega-se a conclusão de que, aproximadamente 40% das demandas em tramitação no Poder Judiciário brasileiro nos exercícios de 2010 e 2011 são de natureza executiva fundadas em título extrajudicial.

Esse elevado número de demandas executivas – verdadeiro quadro surreal[17] – apontado por dados fidedignos oriundos do Conselho Nacional de Justiça é, sem dúvida, a bussola que aponta para um novo norte e exige um novo paradigma a ser pensado e definido com urgência (questão de política legislativa e política judiciária), apresentando-se como forte e viável alternativa a desjudicializar o processo.

O cenário português que levou à reforma do processo de execução em 2003, pelo Decreto-Lei 38/2003 e, mais recentemente, pelo Decreto-lei 226/2008, e, com isso, a progressiva desjudicialização desses feitos, foi a percepção da situação caótica atinente ao elevadíssimo número de processos dessa natureza em tramitação no Judiciário, e a compreensão de que, a maior parte dos atos praticados nesses feitos pelos magistrados são meramente administrativos ou de supervisão, portanto delegáveis ao agente de execução, o que exigiu uma mudança de paradigma.

Analisando dados estatísticos e comparando a situação do Brasil e Portugal escreve Raquel Duarte Garcia[18], com base em estudos dos professores portugueses Boaventura de Souza Santos, João Pedroso, Maria Manuel Leitão Marques e Pedro Ferreira[19], relata-nos que, separadas as ações cíveis por objeto, predominariam as ações de cobranças de dívidas (civis, comerciais e prêmios de seguro), seguidas das ações familiares – tal como divórcio.

Escreve ainda que, segundo João Pedroso e outros estudiosos,[20] que desde 1992 tem-se verificado verdadeira explosão no número de ações de execução e, se considerado uma período de 30 anos, entre 1970 e os anos 2000, o número de ações de execução aumentou 1000% em Portugal. Esse fato é apontado como principal fator da “crise da justiça” naquele país. Nas últimas décadas ocorreu em diversas sociedades, designadamente em Portugal, uma ruptura que deu origem a uma crise da justiça, decorrente do crescimento da demanda judicial e da sua “colonização” pela cobrança de dívidas”. Essa situação de ruptura é comum à generalidade dos denominados países desenvolvidos e é originada, essencialmente, como referimos, num crescimento explosivo da procura dos tribunais pelas empresas que, como litigantes frequentes, demandam, em regra, cidadãos consumidores, que não pagam atempadamente os bens e serviços que adquirem. Esses autores concluem pela necessidade de uma intervenção desjudicializadora sobre litígios de cobrança de dívida.

No mesmo sentido Armindo Ribeiro Mendes escreve: “Face à crueza desses dados estatísticos que demonstram uma evolução caracterizada por um ´aumento exponencial do número de execuções pendentes` com correlata diminuição da ´percentagem das execuções findas em cada ano`, pode concluir este Processualista: Foi esta situação de completa falência do sistema da acção executiva singular que motivou o legislador a encetar uma revisão global do seu regime (…) É igualmente ela que a recente Reforma da Acção Executiva pretende dar resposta, procurando instituir um sistema que, no seu  âmbito próprio, possa assegurar a justiça distributiva numa sociedade cuja economia se baseia no crédito e no consumo”.[21]

Assinala Raquel Garcia, com percuciência que, no Brasil, a situação não é diferente, pois só as execuções fiscais eram, já em 2010, 52% de todas as ações judiciais ajuizadas no Brasil, totalizando 25 milhões de processos.[22] Em 2004, o Banco Mundial elaborou o relatório Brasil: fazendo com que a Justiça conte – medindo e aprimorando a Justiça no Brasil, o qual faz vasta análise do Judiciário brasileiro. O relatório demonstra, claramente, que, a partir da década de 1990, houve um aumento no número de demandas judiciais no país – assim como visto na Europa. Esse aumento se distribui por quatro áreas principais: 1. demandas trabalhistas; 2. de direito de família; 3. Demandas envolvendo as várias esferas do governo; e 4. demais ações civis comuns e criminais. Surpreendentemente, os processos civis comuns e os criminais representam, se comparados às outras três áreas, uma participação muito menor no crescimento geral da quantidade.[23]

E mais: Os dados levantados apontam os processos fiscais como “parte desproporcional” do acúmulo de demandas judiciais no Brasil.[24] Os processos que envolvem matéria fiscal, ainda que teoricamente simples, representam uma parte desproporcional do acúmulo, tanto em tribunais federais quanto estaduais. Este fato sugere um problema em si mesmo – a falta de capacidade do governo para cobrar os impostos devidos –, que não pode ser atribuído ao desempenho do Judiciário, mas sim aos procuradores do governo, aos obstáculos processuais e à falta de cooperação dos réus. Com base nos resultados, o relatório propõe que se fale em 05 (cinco) “crises do Judiciário” brasileiro – baseando-se nas cinco áreas mais problemáticas. Frise-se que duas delas são, exatamente, a crise das execuções fiscais – em que o governo é autor – e a crise relacionada à cobrança de dívidas dos particulares, também ligadas aos processos de execução.[25] Para ambas, o relatório sugere que soluções extrajudiciais podem e devem ser encontradas.

“A mesma falta de efetividade que a Administração Pública encontra em suas execuções fiscais também é enfrentada pelos particulares. Sobretudo porque, uma vez não encontrados bens passíveis de constrição judicial, nenhuma consequência surgirá para o devedor inadimplente. Segundo o Banco Mundial, 70% dos processos no Brasil se extinguem sem solução efetiva. A maioria por desistência do credor, que não encontra bens do devedor. Só na fase do pedido inicial, tem-se a extinção de 48% dos processos, seja porque o credor não dá continuidade ao processo, seja porque o devedor sequer é encontrado para citação. Dos 52% dos processos a que se dá continuidade, em 41% não se consegue penhorar bens, pois estes não são encontrados.”

“Como se vê, os atuais instrumentos judiciais não têm sido suficientes para que se encontrem soluções para as execuções por dívida nem no Brasil. O relatório do Banco Mundial questiona a necessidade da intervenção do Judiciário em todas as demandas de execução e, assim como na Europa, recomenda que se encontrem alternativas extrajudiciais para a solução de cobranças de dívidas como estratégia crucial para solucionar a crise do judiciário. Até porque, dada a relevância desse Poder e a imensa gama de funções que ele tem a exercer, sitiá-lo com execuções fiscais ou particulares é forma de negar acesso à Justiça a milhares de pessoas que dela precisem.”[26]

Se no passado não muito distante não tinhamos praticamente nenhum dado estatístico a nossa disposição para chegarmos à conclusões que fossem capazes de ensejar um posicionamento ou decisão de política judiciária ou legislativa mais segura, com o advento do CNJ e o fornecimento sempre crescente de dados em seus bancos informativos e estudos estatísticos, a partir de 2003, essa questão passou a ser  paulatinamente tratada e desmistificada, sendo que, nos dias de hoje, grande parcela dos problemas que envolvem a jurisdição estatal no Brasil, podem ser detectados e mapeadas em números que servem de agulha magnética aferida com segurança para o estabelecimento de políticas capazes de mudar a realidade nacional.

Nesse sentido, ao escrever sobre a “efetividade do processo de execução”, em estudo destinado a homenagear Alcides de Mendonça Lima, bem ressaltou o Professor Egas Dirceu Moniz de Aragão, nos idos de 1994, logo no início de seu trabalho: “Sérios obstáculos devem ser vencidos por quem seja incumbido de apreciar tal matéria. O mais grave, sem dúvida, decorrência da ausência de dados estatísticos que permitam analisar adequadamente a situação. Por isso mesmo tudo quanto pode ser dito ressente-se de forte dose de empirismo, que impede exame seguro.

“Com efeito, a ausência de dados estatísticos obsta que os problemas do aparelho judiciário, do qual depende essencialmente a efetividade do processo, sejam  convenientemente solucionados, do que resulta que as medidas adotadas em geral seguem sempre o mesmo rumo – aumento do número de juízos e juízes. Poucas exceções a essa regra podem ser apontadas, sobrelevando a criação de tribunais de alçada e a descentralização do foro, o que é muito pouco. Urge investigar os fatores determinantes da insatisfação, que não  é apenas dos litigantes, mas da sociedade, com o funcionamento do aparelho da distribuição  da justiça. Quais são os pontos de estrangulamento? Como removê-lo? Há excesso de  burocracia? Onde se localiza? Como eliminá-lo? O pessoal é suficiente? Produz o mínimo desejado? É caso de aumentar seu número ou aprimorar os atuais servidores e os  métodos de trabalho? A cada juízo deve corresponder um cartório, ou uma secretaria, ou mais de um juízo pode valer-se da mesma infra-estrutura? Enfim, como estas, inúmeras perguntas poderão ser formuladas, cujas respostas não serão confiáveis sem o auxílio de dados corretos e sérios, que somente a pesquisa científica através da estatística poderá fornecer.”[27]

Ao nosso sentir, com todos os dados fidedignos estatísticos que possuímos, fornecidos pelo Conselho Nacional de Justiça, é mais do que chegada a hora de reformularmos radicalmente o processo de execução de título executivo extrajudicial, mudança esta que haverá de passar pela sua desjudicialização, de maneira a proporcionar maior celeridade, efetividade e satisfatividade aos jurisdicionados credores, sem descurar dos direitos e garantias fundamentais dos devedores (versaremos sobre esse tema, com mais vagar, mais diante – n. V, infra) e, simultaneamente, proporcionar ao Judiciário a redução de carga significativa de processos para que seus juízes administrem melhor e com mais celeridade a justiça em demandas de conhecimento e de urgência.

Para tanto, haveremos de mudar também a nossa mentalidade e a nossa cultura, de maneira a compreender que a realidade e as exigências do mundo contemporâneo são muito distintas do passado (próximo ou remoto), valendo lembrar exemplificativamente a revolução criada com a denominada “era cibernética”.

Não será com o simples aumento do número de juízes, tribunais, serventuários, em fim, aumento da estrutura da máquina administrativa da Justiça que a complexa problemática da crise da jurisdição estará resolvida. Sim, por certo haverá de passar também pelo aumento de estrutura e de juízes proporcionalmente ao número de habitantes de cada comarca ou circunscrição, mas essa providência, sempre tomada após análise e estudos criteriosos do caso concreto (pois o custo para o Estado é elevadíssimo e deve acarretar em sensível melhora real), mas acompanhada da reformulação do sistema instrumental e redefinições de políticas administrativas judiciárias, aliás, o que já se vem fazendo e bem coordenado pelo Conselho Nacional de Justiça.

O Judiciário do século XXI haverá de “delegar”, mediante autorização legislativa, uma parcela de suas funções, avanço este já verificado, por exemplo, com as partilhas, inventários, separações e divórcios extrajudicias (Lei 11.441/2007) sem contar com a legalidade e constitucionalidade da jurisdição privada, para a resolução de conflitos de natureza patrimonial disponível, mediante juízo arbitral (Lei 9.307/1996).

Vale lembrar o pensamento de Giovanni Verde, com o qual comungamos integralmente, lançado no início da década de 80: “A experiência tumultuada destes últimos quarenta anos nos demonstra que a imagem do Estado onipotente e centralizador é um mito, que não pode (e, talvez não mereça) ser cultivado. Deste mito faz parte a idéia de que a justiça deva ser administrada exclusivamente pelos seus juízes.”[28]

É assente que no conceito de “administração da justiça” exercida por juízes togados, não se enquadra apenas a função jurisdicional stricto sensu (dizer o direito), mas também a efetivação ou exercício do direito reconhecido em prol da satisfação do jurisdicionado vencedor em demanda de conhecimento, mediante a execução de seus julgados (cumprimento de sentença), ou, através de procedimento expropriatório (execução por subrrogação) em favor do credor que ostenta título executivo extrajudicial revestido de liquidez, certeza e exigibilidade, além das demandas e processos de urgência (acautelatórios ou satisfativos autônomos) ou ações constitucionais (individuais ou coletivas).[29]

De outra parte, é inegável que as reformas implementadas no Código 73 a partir da década de noventa, revolucionaram de certa maneira o processo civil brasileiro – tornando-o até vanguardista em alguns aspectos – e, particularmente no tocante ao processo de execução, as alterações se deram pelas Leis 11.382/2006 11.232/2005 que instituíram o sincretismo processual estabelecendo, dentre outras inovações, a fase de cumprimento das sentenças e a revogação dos dispositivos relativos à execução fundada em título judicial.

Contudo, por exemplo, o PL 8046/2010, desde a sua origem (PL 166/2010), até o presente momento, no que concerne ao processo de execução de título extrajudicial (Livro III, Capítulo IV), mantém praticamente a mesma sistematização do atual Código, com as inovações introduzidas pela Lei 11.382/2006, abstendo-se o legislador, lamentavelmente, de inovar de forma ousada, para desjudicializar o processo executivo, perdendo com isso, momento histórico que não poderia passar em branco. Diga-se o mesmo acerca da ausência de Projeto de Lei em tramitação no Parlamento sobre esse tema.

Cândido Rangel Dinamarco, há duas décadas já alertava para as mazelas da execução forçada, pois “… são demasiadas as oportunidades de defesas e retardamentos que a lei oferece ao executado, beneficiando inúmeras vezes o mau pagador, sendo indulgente com chicanas em detrimento da plena satisfação do credor e do correto exercício da jurisdição. Sem dizer do mau funcionamento da Justiça, cartórios desaparelhados, juízes pouco participativos.”[30] Parece que o tempo não passou e que o mestre Dinamarco fez a assertiva constatando a nossa realidade atual… É lamentável que as necessidades do homem contemporâneo apareçam em velocidade de chip de computador, enquanto as mudanças legislativas e políticas judiciárias se façam em lombo de jumento e passos de cágados.

É necessária e sem demora a desjudicialização do processo de execução, pois nada obstante as inúmeras inovações e aprimoramentos processuais e procedimentais já implementadas, todas voltadas à celeridade, economia e simplificação, ainda continuamos com a demanda executiva a ser processada perante o Estado-Juiz, que de maneira insana absorve boa parte de seu tempo.

Nesse contexto, assim como já fizeram com sucesso outros países que nos podem oferecer modelos a serem adaptados à nossa realidade, parece-nos que a opção legislativa pelo sistema da execução extrajudicial, com a utilização do aparato legal das serventias extrajudiciais, em muito poderia contribuir para minimizar a crise da jurisdição estatal, reduzindo sensivelmente o seu espectro de demandas em tramitação e, o que é mais importante, oferecendo ao credor um mecanismo muito mais ágil, simples, econômico e, sobretudo efetivo.[31]

Não nos esqueçamos que após o advento da Carta de 1988 e a regra insculpida no art. 236 que dispõe sobre os serviços notariais e de registro, e a sua regulamentação pela Lei 8.935/1994, aplicada e operacionalizada nos últimos 25 anos, conferiu-nos serviços extrajudiciais de qualidade digna de reconhecimento, tanto da sociedade como da comunidade jurídica, pois o ingresso nesses quadros passou a depender de rigoroso concurso jurídico de provas e títulos, enquanto as serventias passaram a bem selecionar e especializar o pessoal que a compõe e conferir infraestrutura adequada para atender a demanda.[32]

Como bem adverte Samy Garson, em sua Dissertação de Mestrado apresentada em 2006 na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, em estudo sobre a desjudicialização da execução com enfoque comparatista acentuado para o direito brasileiro, “urge a necessidade de revisar a idéia de que a exclusividade da competência da realização dos atos executivos, tal qual ainda regulada no Brasil, é puramente estatal (incluindo-se aí a reserva do juiz), tratando-se tal solução de um fenômeno tipicamente ibérico, ligado a ideia medieval do officium judicis, como se tal modelo fosse estático e sem nuances de relevo, para que se alcance uma maior reflexão em termos de busca de novas soluções.”[33]

IV – Execução extrajudicial e a sua constitucionalidade

O sistema jurídico nacional admite a execução extrajudicial de créditos imobiliários, previstas nas Leis dos Condomínios e Incorporações (Lei 4.591/1964), da Cédula Hipotecária (Dec.-lei 70/1966) e do Sistema Financeiro Imobiliário/Alienação Fiduciária de bem imóvel (Lei 9.514/1997), já tendo sido a matéria alusiva a constitucionalidade desses diplomas, no que concerne ao modo de satisfação dos créditos decorrentes da inadimplência do adquirente do bem, submetida à apreciação pelo Supremo Tribunal Federal que, por diversas vezes, chancelou a legalidade das normas em questão e a recepção pela Constituição de 1988 daqueles diplomas que lhe antecedem, de maneira a não se vislumbrar qualquer violação aos direitos e garantias fundamentais.

Por exemplo, da ementa do aresto da lavra do Min. Ilmar Galvão[34], no Recurso Extraordinário 223.075-1/DF extrai-se que “a execução extrajudicial de contratos de compra e venda regidos pelo Sistema Financeiro da Habitação, prevista no Dec.-lei 70/66, não ofende as normas dos incisos XXXV, XXXVII e LII do art. 5º da CF, de molde a configurar ruptura do monopólio do Poder Judiciário, uma vez que, além de prever uma fase de controle judicial, antes da perda da posse do imóvel pelo devedor, não impede que eventual ilegalidade perpetrada no curso do procedimento de venda do bem seja reprimida pelos meios processuais próprios.” Diga-se o mesmo acerca das outras duas normas específicas já mencionadas.

Em que pese sempre haver alguma resistência acerca da constitucionalidade das execuções extrajudiciais, por parte de tribunais ou doutrinadores,[35] parece-nos que a orientação firmada pela Corte Constitucional afigura-se cabalmente acertada, seja pelo seu conteúdo argumentativo doutrinário, seja pelo próprio peso e respeitabilidade que merecem ser conferidas às decisões do aludido Tribunal.[36]

Nada obstante, e com propriedade que lhe é peculiar, observa Araken de Assis que “Todos os juízes têm jurisdição. Incompreensível se mostraria, realmente, a prática desses atos, cuja virulência em geral é superior ao próprio efeito vinculístico da coisa julgada, por órgão estatal estranho ao aparato judiciário, principalmente no sistema que consagra o princípio da inafastabilidade do controle judiciário.”[37]

Na mesma linha, escreve Lebre de Freitas, Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa: “A jurisdicionalização do processo executivo constituiu, no seu tempo, uma conquista democrática: nele, o juiz apareceu como guardião dos direitos individuais, em intervenção que, mesmo quando o direito tivesse sido já definido na sentença declarativa, se justificava pelo facto de na execução se jogar a garantia da norma jurídica, coagindo à satisfação do direito subjectivo quem a ela voluntariamente se negasse; tratando-se de fazer valer a coacção, o que postula o exercício de poderes de autoridade, a mesma razão que exclui a competência do tribunal arbitral para a execução das suas próprias decisões levou a entregar ao juiz do tribunal do Estado a tutela e o controlo do processo executivo. [38]

Contudo, como bem observa o Professor português, o mundo mudou e, com o que ele denomina de “massificação das ações”, sobretudo de pequenas dívidas, “a perspectiva alterou-se e razões de ordem prática impõem distinções sem as quais a realização do direito se pode encontrar em perigo. Em 1999, 67% das execuções foram de pequenas dívidas. A submersão dos tribunais e dos juízes torna imperioso conceber meios mais expeditos de conseguir, ou de verificar a impossibilidade prática de conseguir, a cobrança das pequenas dívidas, sobretudo daquelas, que ainda em 1999 eram a maioria, que já constituíram objecto dum anterior processo de declaração ou de injunção. Para elas é desejável um meio processual desconcentrado, em que seja concedida larga autonomia procedimental a agentes de execução, criteriosamente recrutados e devidamente responsabilizados, que, além de reunirem as funções dos actuais avaliador, depositário e encarregado da venda, assumirão muitas das actuais tarefas que, sendo hoje dos juízes, podem, sem quebra da função jurisdicional, passar a ser da sua esfera de competência, bem como a realização de actos, como o do registo da penhora e os de publicação de anúncios, que hoje são assegurados pelo exequente. Creio, porém, que não deve ser rompida a ligação com o tribunal, neste se continuando a gerar, sem soluções de rotura com o regime actual, o processo executivo.”[39]

Se, por um lado, é acertado afirmar-se que a natureza jurisdicional da execução deriva do imperium emanado do Estado-juiz, que constitui o núcleo de seus atos executivos, não menos acertado é afirmar-se também que, uma parcela desses “atos executivos”, podem (e devem) ser delegados às serventias extrajudiciais, desde que as atribuições e procedimentos estejam bem delineados em lei federal específica sobre a matéria e não se perca de vista o macro princípio processual constitucional do due process of law.

No caso de execução de título extrajudicial, o credor é detentor de cártula revestida de liquidez, certeza e exigibilidade, o que por si só, coloca-o em posição de manifesta superioridade jurídica em relação a parte ex adversa, assim como, sem dificuldades, percebe-se que a natureza do conflito sociológico (extrajudicial) instaurado é eminentemente patrimonial, disponível e transacional, nada obstando que se proceda a busca da satisfação do crédito (pretensão insatisfeita) por meio das serventias extrajudiciais, ou seja, a promoção de “execução” não jurisdicionalizada, ou, meramente administrativa, preservando-se, contudo, a possibilidade de acesso à jurisdição estatal (se e quando necessário) e a estrita observância ao devido processo legal, como veremos com mais vagar nos itens seguintes deste estudo.

Não resta dúvida de que os atos de expropriação de bens do executado são considerados atos de “força” realizados pelo Estado; contudo, nada obsta que sejam delegados, por lei, às serventias extrajudiciais que atuarão como longa manus do Estado-juiz e, por conseguinte, sob seu permanente controle, inclusive de ordem jurisdicional quando provocado (demandado) por qualquer dos litigantes.

A resistência jurisprudencial e doutrinária com a tese da execução extrajudicial funda-se, sobretudo, na preocupação com a observância dos preceitos constitucionais garantidores do devido processo legal (art. 5º, inciso LIV, CF), em especial a inafastabilidade da jurisdição estatal (art. 5º, inc. XXXV, CF),[40] o contraditório, ampla defesa e recursos (art. 5º, inciso LV).

No tocante ao princípio da inafastabilidade da jurisdição estatal, é importante que se tenha nítida a necessidade de sua relativização, para melhor adequar-se às necessidades sociais, jurídicas e jurisdicionais contemporâneas,  harmonizando-o com outros princípios igualmente constitucionais, sem que, com essa revisão conceitual, possa sair arranhado o estado democrático de direito.

Sobre a revisão e superação do conceito clássico de jurisdição, leciona José Joaquim Gomes Canotilho: “(…) a forma tradicional de solução de litígios através dos tribunais e mediante decisão de um juiz imparcial é considerada, hoje, como incapaz de assegurar, por só, a paz jurídica e de garantir em tempo razoável alguns direitos e interesses das pessoas. (grifamos)[41]

O princípio em voga é muito bem tratado por Nelson Nery Jr. quando leciona com propriedade: “Bastaria a norma constitucional haver adotado o princípio do due process of law para que daí decorresse todas as consequencias processuais que garantiriam aos litigantes o direito a um processo e uma sentença justa.” E, mais adiante arremata: “Resumindo o que foi dito sobre esse importante princípio, verifica-se que  a cláusula procedural due process of law nada mais é do que a possibilidade efetiva de a parte ter acesso à justiça, deduzindo pretensão e defendendo-se do modo mais amplo possível, isto é, de ter his Day in Court, na denominação genérica da Suprema Corte dos Estados Unidos.”[42]

A questão referente a observância do devido processo legal, em sede jurisprudencial, parece-nos que foi muito bem sintetizada no entendimento do extinto Tribunal Federal de Recursos, em aresto lapidar do Ministro Décio Miranda quando assentou não ser inconstitucional o processo de execução extrajudicial de hipoteca, regulado nos arts. 31 a 38 do Dec.-lei 70/1966, in verbis: “(…) Esse processo não suprime o controle jurisdicional, previsto no art. 153, § 4º, da Constituição. Apenas institui uma deslocação do momento de atuação do Poder Judiciário. No sistema tradicional, ao juiz se cometia em sua inteireza o processo de execução, e dentro deste se exauria a defesa do devedor, de caráter impediente. No novo procedimento, a defesa do devedor, de caráter rescindente, sucede ao último ato da execução, a entrega ao arrematante do bem excutido. No procedimento antigo, único, o receio de lesão ao direito do devedor tinha  prevalência sobre o temor de lesão ao direito do credor. No novo procedimento, opcional, inverteu-se a ordem, deu-se prevalência à satisfação do crédito em atenção ao interesse social da manutenção da liquidez do Sistema Financeiro de Habitação. Igualmente inaceitáveis as alegações de ofensa ao art. 6º (independência dos poderes) e aos §§ 1º e 22 do art. 153 da Constituição (igualdade perante a lei e garantia do direito de propriedade).”[43]

Vê-se, portanto, que as conclusões decorrem de simples perspectiva analítica do fenômeno da execução extrajudicial, na exata medida em que, se ancoradas nos fundamentos ora demonstrados, inarredável o acolhimento de sua constitucionalidade, pois o que se verifica, apenas, é uma inversão de tempo e forma de acesso à jurisdição estatal, se e quando o devedor tiver interesse de agir em juízo.

Nesses casos, a defesa do executado ou “embargos à execução extrajudicial” revestir-se-ão de natureza jurídica autônoma e incidental com o escopo de desconstituir o título que legitima a execução ou com o escopo de reverter eventual ilegalidade praticada durante o trâmite da execução não jurisdicional (execução “administrativa” ou extrajudicial), de maneira que o contraditório se estabeleça com o controle judicial estatal no curso da execução extrajudicial ou posteriormente, na forma preconizada em lei, com todas as garantias do devido processo legal.

Veja-se que essa questão em muito se assemelha a opção legislativa feita em sede de antecipação de tutela (genérica ou específica) inserida no processo de conhecimento de rito comum. É assente que a inovação trazida ao CPC com a reforma do art. 273, 461 e 461-A, através das Leis 8.952/1994 e 10.444/2002 não só rompeu com o princípio mitológico da nulla executio sine titulo como também, aparentemente, violou o contraditório, tendo-se como certo que o juiz pode conceder no plano factual a satisfatividade do autor, sem a oitiva (defesa) do réu, total ou parcialmente, o bem da vida litigioso por ele perseguido, desde que presentes os requisitos legais.

Em outros termos, postergou-se o contraditório (diferido) com receio de causar prejuízos ao autor da demanda (detentor de verossimilhança do direito alegado somado a outros requisitos), em detrimento (temporário) do eventual direito réu. Por opção e política legislativa, mudou-se o enfoque do processo para conferir maior prestígio ao autor aos fatos e fundamentos jurídicos comprovados de plano pelo autor, carreados na peça inaugural, invertendo-se, desta feita, o contraditório.

Mutatis mutandis, é o que ocorre com as execuções extrajudiciais (no Brasil e nos demais países que adotam esse sistema); passa-se a prestigiar mais o credor (autor/exequente) que ostenta título revestido de liquidez, certeza e exigibilidade, conferindo-lhe a possibilidade de buscar a satisfação creditícia mediante a utilização de mecanismos mais simples, econômicos e céleres, sem precisar acessar a Jurisdição estatal. Em contrapartida, garante-se ao devedor (réu/executado), o acesso ao Judiciário para a defesa de seus direitos eventualmente maculados durante o procedimento execucional administrativo ou com o escopo de desconstituir a cártula em que se funda a pretensão do credor (ação desconstitutiva autônoma).

Inegável que na contemporânea compreensão do processo como fenômeno de instrumentalização voltado à satisfação dos consumidores do direito, encontra amplitude muito maior e transcende aos ultrapassados conceitos que o limitavam à jurisdição estatal.

Há mais de vinte anos Cândido Rangel Dinamarco assim já pontificou: “Esse modo de ver o processo corresponde ao pensamento mais moderno da teoria processualística e é de cômoda assimilação na teoria do Estado e do poder. Diz-se que o processo é todo procedimento realizado em contraditório e isso tem o mérito de permitir que se rompa o preconceituoso vício metodológico consistente em confiná-lo nos quadrantes do ´instrumento da jurisdição`; a abertura do conceito de processo para os campos da jurisdição voluntária e  da própria administração ou mesmo para fora da área estatal constitui fator de enriquecimento da ciência ao permitir a visão teleológica dos seus institutos além dos horizontes que as tradicionais posturas introspectivas impunham.”[44]

Nessa linha, aponta com acuidade Ubirajara Costódio Filho: “De início, propomos que a locução ´devido processo legal` seja lida como ´processo devido segundo a ordem jurídica vigente`. Entendemos o vocábulo ´legal`no sentido de ´ordem jurídica vigente`, pois o termo inglês law designa tanto o todo (o direito positivo, a ordem jurídica de um país) quanto a parte (uma lei específica deste), sendo preferível aquele primeiro significado por sua amplitude e melhor adequação à noção de due process of law.”[45]

Portanto, a execução extrajudicial não se consubstancia sem a presença do processo, mas se perfectibiliza mediante instrumento desjudicializado igualmente revestido de direitos e garantias constitucionais fundamentais.

Não nos esqueçamos que processo é ponte imaginária que permite a realização de pretensões de naturezas diversas, formado por procedimentos previamente estabelecidos como garantia daqueles que o utilizam, sem o qual o direito insatisfeito, resistido, violado ou ameaçado não se realiza, exceto se superada a crise de cooperação entre as partes envolvidas de maneira a operar-se a autocomposição. Portanto, processo é instrumento de legitimação do exercício de pretensões.

V – Precedentes legislativos nacionais de “ações” extrajudiciais

Não é novidade que o legislador há muito desjudicializou algumas espécies de demandas, permitindo que as pretensões dos jurisdicionados fossem satisfeitas sem a utilização da jurisdição estatal, sem abrir mão, como demonstramos no item precedente deste estudo, das garantias constitucionais do devido processo legal, notadamente a possibilidade de ser acessado o Estado-juiz desde que demonstradas as condições da ação e pressupostos processuais para a hipótese vertente.

Em sede de execução extrajudicial o sistema jurídico nacional admite a execução de créditos imobiliários, previstas nas Leis dos Condomínios e Incorporações (Lei 4.591/1964), da Cédula Hipotecária (Dec.-lei 70/1966) e do Sistema Financeiro Imobiliário/Alienação Fiduciária de bem imóvel (Lei 9.514/1997).

Verificamos ainda na década de 90 o fenômeno da desjudicialização do processo civil com a edição da Lei 8.951/1994 ao acrescentar o § 1º ao art. 890 do CPC que permite a consignação em pagamento extrajudicial, em obrigações de dinheiro por parte do devedor ou terceiro, depositando a quantia devida em estabelecimento bancário oficial, onde houver, situado no lugar do pagamento, em conta com correção monetária, cientificando-se o credor por carta com aviso de recepção, assinado prazo de 10 dias para manifestação de recusa.

De forma assemelhada, com a edição da Lei 9.703/1998 tornou-se admissível os depósitos extrajudiciais de tributos e contribuições federais, efetuados junto a Caixa Econômica Federal, mediante Documento de Arrecadação de Receitas Federais – DARF, específico para essa finalidade.

Verificou-se também a desjudicialização de demandas atinentes a retificação do Registro Imobiliário, inovação introduzida pela Lei 10.931/2004 que alterou a Lei dos Registros Públicos (arts. 212, 213, 214) e instituiu o processo administrativo que tramitará perante o oficial do Registro, levando-se ao conhecimento do Estado-juiz somente as situações em que o confrontante impugnar e as partes não compuserem amigavelmente ou verificar-se eventual lesão ao direito de propriedade.[46]

Na mesma linha, a Lei 10.267/2001, que dentre outras disposições, alterou alguns artigos da Lei 6.015/1973 e Lei 6.739/1979 permitindo, por exemplo, que a União, o Estado, o Distrito Federal ou o Município prejudicado promova, via administrativa, a retificação da matrícula, do registro ou da averbação feita em desacordo com o art. 225 da Lei no 6.015, de 31 de dezembro de 1973, quando a alteração da área ou dos limites do imóvel importar em transferência de terras públicas.

O legislador brasileiro já deu os primeiros passos no que concerne a desjudicialização de uma parcela do procedimento realizado no bojo da própria execução (judicial) fundada em título executivo extrajudicial, quando acrescentou no Capítulo IV que trata “da execução por quantia certa contra devedor solvente”, pela Lei 11.382/2006, a Subseção VI-B que dispõe sobre a alienação por iniciativa particular, admitindo, assim, a alienação do bem penhorado, caso não verificada a adjudicação, por iniciativa própria do exequente ou por intermédio de corretor credenciado perante a autoridade judiciária (art. 685-C, CPC).

E mais: a lei 8.560/1992 (com as alterações aportadas pela Lei 12.010/2009) permitiu que os Oficiais do Registro Civil realizassem procedimento administrativo de investigação de paternidade, bem como fizessem administrativamente retificações de assentos tratando-se de erros de fácil constatação, conforme disposição contida na Lei 12.100/2009, que alterou o art. 110 da LRP.

Com o advento da Lei 11.441/2007, foi alterado o art. 982 do CPC que passou a prever a possibilidade de realização de inventário e partilha extrajudicialmente, in verbis: “Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial; se todos forem capazes e concordes, poderá fazer-se o inventário e a partilha por escritura pública, a qual constituirá título hábil para o registro imobiliário.“ §1º O tabelião somente lavrará a escritura pública se todas as partes interessadas estiverem assistidas por advogado comum ou advogados de cada uma delas ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura constará do ato notarial. § 2º A escritura e demais atos notariais serão gratuitos àqueles que se declararem pobres sob as penas da lei.”[47]

Igualmente, a Lei 11.441/2009 introduziu outra inovação no CPC, dessa feita com a inserção do art. 1.124-A, in verbis: “A separação consensual e o divórcio consensual, não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o casamento.[48] § 1º A escritura não depende de homologação judicial e constitui título hábil para o registro civil e o registro de imóveis. § 2º O tabelião somente lavrará a escritura se os contratantes estiverem assistidos por advogado comum ou advogados de cada um deles ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial. [49] § 3º A escritura e demais atos notariais serão gratuitos àqueles que se declararem pobres sob as penas da lei.”

Mais recentemente, a Lei 11.977/2009 versou sobre a usucapião administrativa em sede de regularização fundiária urbana e a regularização dos terrenos públicos urbanos (Lei 12.424/2011).

Vê-se, pois, que o Estado já delegou às serventias extrajudiciais atividades jurisdicionais até então privativas do Juiz togado.

Registra-se, ainda, que parcela considerável da jurisdição estatal foi também delegada, facultativamente, à jurisdição privada (arbitragem), desde que o conflito se verifique entre pessoas capazes e o objeto litígios verse sobre direitos patrimoniais disponíveis (que admitem transação), segundo se infere do disposto no art. 1º da Lei 9.307/1996. Esse modelo normativo de jurisdição privada – hoje reconhecido e vitorioso no Brasil – que se espelhou nas regras UNCITRAL, equipara os árbitros aos juízes togados, de forma que as suas sentenças não se sujeitam a recurso ou homologação pelo Poder Judiciário, e, para efeitos penais, quando no exercício de suas funções ou em razão delas, equiparam-se aos funcionários públicos (arts. 17 e 18 da Lei 9.307/1996).

Lembramos en passant que o Supremo Tribunal Federal já se manifestou sobre a constitucionalidade da Lei da Arbitragem.[50]

Façamos a seguinte linha de raciocínio lógico dedutivo: seguindo a lição kelseniana, poderíamos então afirmar: se a execução hipotecária extrajudicial é considerada constitucional, igualmente constitucional haverá de ser toda e qualquer outra espécie de execução extrajudicial (fundada em título executivo extrajudicial).[51] Eis a equação simplificada: “Se A é, então B deve ser”; ou, ainda, se as execuções hipotecárias são constitucionais, igualmente constitucionais haverão de ser as demais execuções extrajudiciais.

Tendo-se como certo que o motivo preponderante pelo qual se acolheu o sistema das execuções extrajudiciais hipotecárias foi a prevalência do crédito em atenção ao interesse social da manutenção da liquidez do Sistema Financeiro de Habitação[52], por razões similares, de cunho civil, econômico, empresarial e mercantil, e, em linhas gerais, em prol do fomento da própria economia nacional e geração de renda, e, por conseguinte, de interesse social difuso, há de se admitir também que se processe extrajudicialmente as demais espécies de execuções.

VI – Breves notas sobre os sistemas alienígenas em sede de execução extrajudicial[53]

Ao confrontarmos diversos modelos de processo executivo existentes em ordens jurídicas distintas, constatamos que todos apresentam um tronco comum de apreensão e satisfação, do qual não podem prescindir: tratando-se de executar um crédito pecuniário, ou o direito à prestação dum facto que o devedor não realize, penhoram-se bens e, seguidamente, vendem-se, adjudicam-se ou consignam-se-lhes os rendimentos; estando em causa a prestação duma coisa, é ela apreendida e entregue ao exequente; além disso, há, no primeiro caso, atos implicados pela existência, conhecida ou desconhecida, de outros credores do executado.

Nada obstante esse tronco comum, os regimes das várias ordens jurídicas diferem, fundamentalmente, em cinco pontos essenciais: quanto ao grau de intervenção na execução do tribunal e do juiz; quanto à extensão do título executivo; quanto às formas de processo executivo; quanto à posição dos credores em face da ação executiva alheia; quanto à descoberta dos bens patrimoniais do devedor.

No caso deste estudo, ficaremos adstritos ao primeiro ponto de divergência entre os sistemas – o grau de intervenção do Estado-juiz na execução.

Pode falar-se de desjudicialização quando o tribunal não tem de intervir e de desjurisdicionalização quando, dentro do tribunal, é dispensada a intervenção do juiz. Em alguns sistemas jurídicos o tribunal só tem de intervir em caso de litígio, exercendo então uma função de tutela.

O exemplo extremo é dado pela Suécia, país em que a execução é encarregada ao Serviço Público de Cobrança Forçada, que constitui um organismo administrativo e não judicial; mas, noutros países da União Europeia, há um agente de execução (huissier em França, Bélgica, Luxemburgo, Holanda e na Grécia; sheriff officer na Escócia) que, embora seja um funcionário de nomeação oficial e, como tal, tenha o dever de exercer o cargo quando solicitado, é contratado pelo exequente e, em certos casos (penhora de bens móveis ou de créditos), atua extrajudicialmente, sem prejuízo de poder recorrer ao Ministério Público, quando o devedor não dê informação sobre a sua conta bancária e a sua entidade empregadora, e de poder desencadear a hasta pública, quando o executado não vende, dentro de um mês, os bens móveis penhorados (o que normalmente ele não faz); pela sua atuação, não só responde perante o exequente, mas também perante o executado e terceiros.

Alemanha e Áustria também têm a figura do agente de execução (Gerichtsvollzieher), tratando-se de funcionário judicial pago pelo erário público, ainda que os encargos decorrentes da sua intervenção sejam suportados, no final, pelo executado, quando lhe são encontrados bens, e excepcionalmente pelo exequente, no caso de execução injusta.

Quando a execução é de sentença, o processo é desjurisdicionalizado e o juiz só intervém em caso de litígio; mas, quando a execução se baseia em outro título, o juiz exerce também uma função de controlo prévio, emitindo a fórmula executiva, sem a qual não é desencadeado o processo executivo. Ao invés, em Espanha e Itália o juiz não se limita às funções de tutela e controlo prévio; a ele cabe também a direção de todo o processo, sem prejuízo de haver atos que são da competência da secretaria. O juiz da execução é, na maioria dos países, o juiz ordinário; mas noutros, é um juiz especializado no seio do tribunal comum (França, Itália, Bélgica, Dinamarca).

É, finalmente, de referir o papel desempenhado, em alguns sistemas jurídicos, pelo notário, que neles procede à venda dos bens.

Em arremate, no que concerne ao fenômeno da desjudicialização de uma maneira geral, vale lembrar que há muito é crescente na União Européia a tendência em buscar mecanismos alternativos de resolução de controvérsias, fora do aparato Estatal.

Por sua vez, o Professor Armindo Ribeiro Mendes, fundado em Teixeira de Souza, esquematiza três modelos de execução em sede de Direito Comparado: a) execução puramente administrativa, que aparece em países escandinavos; b) execução concentrada no Estado-juiz (“tribunal judicial”), que era, por exemplo, o modelo português até 2003 e que é ainda o modelo bigente nos países de tradição latino-americana); c) o modelo misto que atribui a função material de execução a um órgão não jurisdicional (como se verifica com o huissier de justice, em França ou do Gerichtsvollzieher germânico ou do bailiff anglo-americano).[54]

VII – O modelo português de execução desjudicializada de título extrajudicial

De início, vale assinalar que, segundo Jorge Miranda, no Direito Constitucional português não se aplica o princípio do “monopólio da função jurisdicional” ou a exclusividade da “justiça pública”, tendo em vista a possibilidade de surgirem normas que institucionalizem instrumentos e formas de composição não jurisdicional de conflitos (art. 205º, n. 4, após 1989), sem se diminuir o postulado da tutela jurisdicional dos direitos.[55]

Assim como no Brasil as reformas implementadas no CPC em sede de execução não atingiram a celeridade e efetividade esperadas – em que pese alguma  melhora tenha ocorrido – em Portugal[56] diferente não foi, nada obstante as sucessivas modificações operadas desde 2003 e, mais recentemente com o advento do Decreto-lei 226 de 26 de novembro de 2008, com entrada em vigor em 31/3/2009,[57] que teve por escopo, à semelhança do sistema francês, viabilizar a execução extrajudicial, por meio da conferição de papel ainda mais relevante ao “agente de execução”, em busca de simplificação e celeridade.[58]

É bom lembrar que o Decreto-lei 38 de 2003 trouxe a lume um novo modelo que passou a definir um certo grau de desjudicialização ou privatização da fincão executiva, mormente no que concerne a prática de atos de penhora e venda de bens.

O juiz deixou de ter a direção do processo de execução e o dever de promover as diligências executivas, atribuições que passaram a ser realizadas pelo agente de execução; por outro lado, manteve o magistrado as suas funções de tutela, intervindo sempre em questões litigiosas surgidas na pendência da execução, além de outros controles (despacho inicial, resolução de dúvidas, proteção de direitos fundamentais em matéria sigilosa, garantia da realização geral dos fins da execução. O art. 809-1 conferia ao juiz o “poder geral de controle do processo”, enquanto o art. 808-1 estabelecia a competência geral do agente de execução para as diligências do processo de execução.[59]

Em 5 de junho de 2006, a Portaria n. 512 criou mais depósitos públicos com o escopo de ampliar os espaços para a recepção de bens penhorados em demandas executivas, e, com isso, propiciar a retirada imediata do bem da esfera de poder e uso do devedor, de maneira a constrange-lo a pagar a dívida mais rapidamente, na exata medida em que passa a ter a certeza de que, se assim não proceder, haverá de perder o bem que até então integra o seu patrimônio para quitação do débito.

Em síntese, as principais alterações trazidas pelo Decreto-lei 226/2008 foram as seguintes: a) retira-se da secretaria judicial e do juiz atuações pertinentes a traça de informações entre mandatário, tribunal e o agente de exceção; b) não mais são enviados ao juiz relatórios para análise dos agentes de execução sobre diligências realizadas e os motivos de suas respectivas frustrações; c) admite-se a execução eletrônica, a começar pelo requerimento, recebimento e distribuição do pedido ao agente de execução, sem a necessidade de envio dos documentos na forma original; d) permite-se a execução imediata da sentença condenatória de pagamento em quantia certa; e) amplia-se as atribuições dos advogados, conferindo-lhes o desempenho de funções até então praticadas  por agentes de execução; f) possibilita maior controle do agente de execução pelo credor exequente, agilizando, assim, as decisões atinentes a penhora e venda de bens; g) disponibiliza-se na internet listas públicas contendo dados sobre execuções frustradas, isto é, que não atingiram a satisfação do crédito perseguido pelo exequente; h) medidas outras diversas de simplificação do processo de execução extrajudicial.

Assinala Armindo Ribeiro Mendes que “Na Reforma da Reforma de 2008, o legislador mostrou-se mais ousado, ao pôr em causa o princípio da reserva do juiz, favorecendo uma apreciável transferência de competências deste para o agente de execução.[60]

“De facto, eliminou-se o poder geral de controlo da execução pelo juiz (cfr. art. 809 na redacção de 2003 e na redacção introduzida pelo Decreto-lei 2. 226/2008), acentuou-se a vertente do mandato atribuído ao agente de execução pelo exequente quando se passou a dispor que o exequente pode destituir livremente este último, retirando-se ao juiz o poder de destituição – atribuído agora a um organismo regulador, a Comissão para a Eficácia das Execuções (art. 808, n. 6). Aparecem-nos divrsas competências decisórias a cargo do agente de execução que abrangem a resolução de verdadeiros conflitos de interesses ou litígios. A título exemplificativo, limito-me a recensear os casos mais flagrantes: isenção de penhora até 6 meses dos rendimentos do executado ou redução para metade da parte penhorável (arts. 824.º, nos 4 e 5); concessão de autorização para proceder ao fraccionamento do prédio penhorado, a requerimento do executado e depois de ouvido os interessados (art. 842.º-A); decisão sobre a modalidade de venda executiva, ouvidos o exequente, o executado e os credores com garantia sobre os bens a vender (art. 886.º-A, n.º 1); autorização para venda antecipada dos bens, sendo ouvidas ambas as partes (art. 886.º-C, nos 1 e 2); aprovação das contas na obrigação de custeio de realização da obra na execução para prestação de facto positivo, ainda que contestadas pelo executado (arts. 936.º, n.º 3, e 938).

“Para mim, é nítido que o legislador de 2008 foi tão longe quanto supôs poder ir sem risco de uma contestação jurídica generalizada, sendo certo que na resolução dos conflitos de interesses acima referidos não me parece ser constitucionalmente lícito reservar apenas a última palavra ao juiz, mediante a decisão proferida sobre reclamações de actos do agente de execução. É patente a desconfiança do legislador quanto ao juiz de execução, visto como uma entidade que impede a eficácia da execução.

Por outro lado, a Reforma da Reforma atribui crescentes competências de qualificação jurídica aos agentes de execução, apesar de aos solicitadores não ser exigida uma licenciatura em Direito ou em Solicitadoria. Bastará ler os complexíssimos arts. 812.º-C a 812.º-F para comprovar o afirmado: desde logo, a análise do título executivo para concluir sobre se o pedido executivo ultrapassa os limites daquele; o domínio da qualificação como devedor 13 subsidiário do fiador e de outras entidades em situações previstas na lei substantiva; o conhecimento sobre se certo litígio confiado a um tribunal arbitral podia ser confiado ao mesmo, nomeadamente no caso de se tratar de direitos indisponíveis (cfr. alíneas a) e g) do art. 812.º-D); as qualificações necessárias para remeter o processo ao juiz para despacho liminar e quando haja sempre citação prévia (art. 812.º-F, n.º 2).

“16. A verdadeira cereja no topo do bolo da Reforma da Reforma, é a previsão da atribuição de competências executivas a tribunais arbitrais voluntários institucionalizados (arts. 11.º a 18.º do Decreto-Lei n.º 226/2008).

“Espero bem que nunca venha a ser regulamentada tal matéria, sob pena de assistirmos a uma subversão de conceitos bem sedimentados sobre o processo executivo, em termos de Direito Comparado.

“Para além das dúvidas de constitucionalidade suscitadas, creio que o problema é bem mais profundo: a criação de instituições privadas com competência para levar a cabo execuções sem controlo de juízes e da Comissão para a Eficácia das Execuções, cabendo a árbitros designados pela própria Instituição a presidência do tribunal arbitral que julga as reclamações dos actos dos executores, implica uma apreciável concentração de poderes numa instituição que pode ter fins desviantes, não assegurando uma comissão presidida por um Juiz Conselheiro um controlo efectivo e prévio a eventuais tropelias perpetradas por tais instituições. Tão-pouco a anulação de decisões arbitrais proferidas pode constituir antídoto para eventuais comportamentos desviantes(…).”[61]

Contudo, as inovações introduzidas no sistema português que, em breves pinceladas acabamos descrever, ainda não foram suficientes para atender os anseios dos jurisdicionados e operadores do Direito lusitano, sobretudo por falta de organização do sistema e de pessoal, inclusive a insuficiência de agentes de execução, somando-se a inadequação de mecanismos coercitivos para obtenção do pagamento das dívidas, tendo recebido diversa críticas de parcela considerável da comunidade jurídica lusitana.[62]

Destarte, os frutos efetivamente colhidos ficaram muito aquém dos efeitos esperados pelo legislador e pela comunidade jurídica portuguesa, “seja por efeito da crise econômica, seja por falta de um número adequado de solicitadores de execução tecnicamente bem preparados, seja por um recurso crescente de certos operadores econômicos, sobretudo instituições financeiras, fornecedores de serviços telefônicos e entidades de vendas de bens e serviços a crédito, à cobrança coercitiva dos seus créditos, durante os anos de 2008 e 2009 não parou de subir o número de execuções pendentes, tendo-se ultrapassado no último trimestre de 2009 a mítica barreira do milhão de execuções pendentes.[63]

VIII – Uma proposta para o sistema brasileiro  – “il processo che non c`è”

Já tivemos oportunidade de demonstrar neste estudo quando tratamos dos precedentes legislativos nacionais de “ações” extrajudiciais (item n. V, supra) que o Brasil há muito vem desjudicializando, pouco a pouco, algumas demandas, processos e procedimentos civis, algumas vezes com a chancela do Supremo Tribunal Federal, sobre a constitucionalidade dessas leis específicas.

Portanto, desjudicializar (privatizar) paulatinamente o processo de execução fundado em título extrajudicial, afigura-se uma proposta inarredável para satisfação mais rápida e econômica do exequente em busca de seu crédito, tendo como um de seus efeitos principais a diminuição de demandas perante o Estado-juiz que, por sua vez, terá mais tempo para dedicar-se a resolução de controvérsias de processos de conhecimento e de natureza urgente, além da efetivação do cumprimento de seus próprios julgados.

Os resultados serão a sensível minimização da crise da jurisdição, a retomada de credibilidade do Judiciário perante a população diante da melhora do funcionamento da máquina administrativa da Justiça, somando-se ainda aos efeitos positivos de ordem sócio-econômicas decorrentes da circulação de renda e ingresso de receitas aos cofres públicos.

Nesse ponto, pretendemos apenas, de maneira despretensiosa, traçar algumas linhas iniciais que nos parecem básicas para o esboço de uma futura (e próxima) normativa que venha a dispor sobre a matéria em questão.

Para tanto, o processo extrajudicial executivo haverá de tramitar perante as serventias extrajudiciais (jamais privatizado)[64], sendo que seus titulares e auxiliares haverão de preparar-se qualitativa para essa nova e árdua atribuição que lhes será conferida, além de aprimorar a infraestrutura e aumentar o número de pessoal de apoio, a fim de que se processe administrativamente em tempo razoável essas demandas executivas, tudo sob o comando e supervisão permanente do Poder Judiciário.

A lei haverá de delinear com precisão os contornos procedimentais desses feitos extrajudiciais, a começar pela tentativa efetiva de conciliação entre as partes e, sobretudo, prever as hipóteses de fundo e a de forma em que o Estado-juiz poderá ser provocado pelos litigantes (credor ou devedor) para o controle do devido processo legal ou analisar pretensões que objetivem a desconstituição do título que legitima o pedido executivo.

O acionamento do Judiciário em violação ao princípio da boa-fé processual haverá de ser reputada litigância de má-fé e punido o sujeito que assim procede com as penas pertinentes à espécie, assim como a presença de advogado em todos os seus trâmites e instâncias haverá de ser uma constante.

A gratuidade desse processo extrajudicial aos que se declarem pobres, sob as penas da lei,[65] haverá de ser regra basilar para garantir o acesso amplo e irrestrito de todos aqueles que necessitem buscar os seus créditos insatisfeitos, se a hipótese não agasalhar quantitativamente a fixação da competência dos Juizados Especiais Cíveis.

Esperamos que amadureça e consolide o mais breve possível a ideia da desjudicialização dos processos de execução, de maneira que esses feitos existam, extrajudicialmente e deixem de existir perante o Estado-juiz que passará a exercer o controle das formas já apontadas neste estudo. Sim, haverá processo, ma, il processo che non c`e …

IX – CONCLUSÃO:

O processo de execução de título extrajudicial ainda nos dias de hoje tal como se encontra legalmente posto, centralizado na figura do Estado-juiz é, por certo, um mito que merece e deve ser desfeito, para o bem dos jurisdicionados que acessam a Justiça sem a perspectiva de obtenção de satisfação em tempo razoável, e, para o próprio Poder Judiciário, que há muito não consegue mais administrar com qualidade e rapidez a carga de demandas que aportam diuturnamente em todas as suas instâncias.

Desjudicializar o processo de execução não significa a declaração da incapacidade administrativa do Poder Judiciário para gerir milhares de processos que lhe são confiados hodiernamente, mas sim a tentativa de equacionamento do fenômeno da multiplicidade das demandas[66] e a imprescindibilidade de mudança de paradigmas, exigência que se evidencia em face da nova realidade social, política e econômica do País, totalmente distinta do século passado, em que as demandas eram ainda, por assim dizer, romanceadas na presença do Estado-juiz. Por certo, não será apenas com o aumento simplista do número de magistrados, unidades jurisdicionais e tribunais que o problema da crise da jurisdição estará solucionada – sem contar com o aumento de despesa aos cofres públicos que providências dessa ordem acarretam.

A mudança de paradigma objetiva estancar esse estado pré-falimentar em que se encontra mergulhada a jurisdição estatal, enquanto o processo de execução de título executivo extrajudicial é, sem sombra de dúvida, um de seus principais pontos de estrangulamento (il collo di botiglia), estando a exigir providencia político-legislativa imediata.

A delegação dessas atribuições executivas podem perfeitamente ser conferidas às serventias extrajudiciais que se encontram em condições de bem desenvolver esse novo mister, seja pela qualificação de seus titulares e auxiliares, seja pelas condições de infraestrutura que a grande maioria ostenta.

Porém, como o Direito não possui laboratórios que permitam testar as fórmulas alquimicamente elaboradas pelos legisladores (não raramente fruto da criação cerebrina dos doutrinadores ou da reiteração de julgados), a mudança de paradigma há de ser instaurada com planejamento e comedimento, de maneira a não frustrar as expectativas dos jurisdicionados e profissionais do foro, bem como não deixar de conferir aos consumidores desse novo mecanismo as garantias do devido processo legal.

A busca de solução ou de minimização do problema em voga não foi diferente em outros país (vg. mais recentemente em Portugal) e não será também no Brasil, não nos restando outra via di uscita, senão a desjudicialização do processo de execução, mantendo-se com o Estado-juiz o controle atinente ao devido processo legal, quando provocado pelos interessados, somando-se ao controle administrativo das serventias que já realiza atualmente.

Apenas devemos tomar o cuidado para não chegar aos extremos, a exemplo do que se verificou com a legislação portuguesa (hoje criticada pela doutrina lusitana), no que concerne a eliminação do poder geral de controle da execução por parte do juiz ou em conferir a instituições arbitrais a prática de atos executivos. Por outro lado, também não podemos mais permanecer com o poder concentrado do Estado-juiz para a prática e controle de toda e qualquer atividade realizada em processo de execução de título extrajudicial.

A resistência à ideia da execução extrajudicial se apresenta em facetas diversas: de um lado, os advogados temerosos em perder um nicho do mercado de trabalho; de outro, os magistrados que temem perder parcela do poder jurisdicional sob o palio da inafastabilidade da jurisdição estatal.

Assim, como num filme, vê-se em breve retrospectiva as diversas resistências que se repetem e foram criadas, por exemplo, quando editada a Lei da Arbitragem, dos Juizados Especiais (estaduais, federais e fazendários), da execução extrajudicial hipotecária (Decreto-lei 70/1966), da execução extrajudicial de alienação fiduciária de bem imóvel (Lei 9.514/1997) e das leis que instituíram a admissibilidade de utilização das “vias administrativas” (serventias extrajudiciais) para a realização de inventários, partilhas, separação e divórcio (Lei 11.441/2007, que alterou parcialmente o art. 982, caput e 983, ambos do CPC e introduziu o art. 1.124-A ao CPC).

O sucesso real que se pode obter com essa prática, sobretudo pelo prisma da simplificação, economia, celeridade, efetividade e satisfatividade, são inúmeros e factíveis, pois haverá repercussão direta para os consumidores da justiça e no âmbito jurisdicional estatal, no que tange a liberação de tempo para os juízes melhor atenderem aos processos de conhecimento e de urgência, na exata medida em que a desjudicialização das demandas executivas representará sensível desafogo à máquina da Justiça que hoje administra um acervo descomunal de processos de execução, com todos os seus consectários (em torno de 40% do acervo!).

Para tanto, o processo extrajudicial executivo deverá tramitar perante as serventias extrajudiciais que, por sua vez, haverão de preparar-se qualitativa e quantitativamente para essa nova e árdua atribuição que lhes será conferida, tudo sob o comando do Poder Judiciário.

Encerramos com a lição do sempre lembrado Barbosa Moreira, lançada em 1994, mas tão viva e atual como se tivesse sido escrita hoje, fazendo nossa, as sábias palavras do Mestre: “… Não temos a ingenuidade de supor que seja fácil modificar o mundo com puros instrumentos jurídicos. Se falta a vontade política da mudança, pouco se pode fazer, operando no plano específico do direito. Nem por isso havemos de quedar-nos inertes, ou de encerrar-nos de uma vez por todas na famosa “torre de marfim”, vista por tantos como retiro inevitável de juristas, e particularmente de processualistas. Reconhecer que o direito não é onipotente de modo nenhum nos obriga a havê-lo por impotente. No processo evolutivo, sua palavra está longe de ser a única, ou a definitiva. É em todo caso, imprescindível; mais do que isso, insubstituível; e algumas vitórias permitem-nos acreditar que não tem sido, nem será, totalmente inútil.”[67]

Outros dogmas, mitos e princípios que vigoraram milenarmente, terminaram por ruir nos tempos atuais, por deixarem de atender aos anseios do processo civil contemporâneo em face das exigências do consumidor do Direito (v.g. o princípio da nulla executio sine titulo e o instituto da antecipação de tutela ou a separação ou divórcio extrajudicial); que se faça realidade, em breve futuro, também a simplificação do processo de execução de titulo extrajudicial, permitindo-se ao credor a rápida satisfação de seu crédito líquido, certo e exigível mediante legítimo instrumento desjudicializado.

Trata-se de simples questão de boa vontade política de nossos legisladores para transformarem o mito em realidade,[68] cujos benefícios e frutos a serem colhidos por todos serão inúmeros, repita-se, pois tal providencia alvissareira além de reduzir sensivelmente o elevado espectro de demandas judiciais executivas stricto sensu que tanto tempo absorvem dos magistrados e serventuários da justiça, viabilizará a rápida satisfação da pretensão do credor, em sintonia com a orientação insculpida no art. 5º, inciso LXXVIII da Constituição Federal, com todas as garantias conferidas às partes para a observância do devido processo legal (administrativo ou extrajudicial) a ser definido em lei específica (art. 5º, inciso LIV, CF) e de pleno acesso à jurisdição estatal para a defesa de seus direitos em face de desdobramentos que mereçam a intervenção tutelar do Estado-juiz (art. 5º, inciso XXXV, CF).

Razões de ordem jurídica e sócio-econômica, além de precedentes já consolidados em nossos sistema não faltam para dar suporte ao avanço que apontamos neste estudo.

Faço minhas as palavras do douto professor português, Armindo Ribeiro Mendes: “Penso que a questão da acção executiva é, em grande parte, política e, nessa medida, pressupõe opções claras do legislador, sobretudo quando sobem em flexa situações de sobreendividamento.

“Sendo, pois, tal questão eminentemente política, há-se de desculpar-se a um jurista a singeleza das propostas avançadas.”[69]

Florianópolis, agosto de 2013.

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LEIA TAMBÉM


[1] . V. Joel Dias Figueira Júnior, “Alfredo Buzaid – O grande processualista, Mestre e Chefe de Escola (homenagem póstuma)”, Repro vol. 71.

[2]Diário do Congresso Nacional, ano XXVII, n. I, p. 5).

[3] Para uma análise sobre a necessidade e oportunidade de edição de um novo CPC,  v. o nosso estudo intitulado “Projeto Legislativo de novo Código de Processo Civil e a crise da jurisdição”, in Revista dos Tribunais, vol. 101/455-480. Dez/2012.

[4] “Os novos rumos do processo civil  brasileiro”, Temas de Direito Processual (Sexta Série). P. 68.

[5] Conferimos ao fenômeno chamado “desjudicialização” amplo espectro de abrangência, designando tal expressão, ao nosso entender, todas as formas de delegação ou retirada de atribuições, competências, atos inclusive de natureza decisória e até mesmo uma parcela da jurisdição (v.g. arbitragem) do Estado-juiz para as serventias extrajudiciais, orgãos ou organismos paraestatais, entidades particularidades ou para o privado, como se verifica, por exemplo, no caso da arbitragem.

Por outro lado, vale registrar que alguns doutrinadores distinguem esse fenômeno de outro chamado “desjuridicionalização”. Este último, refere-se aos casos em que a tutela de determinadas pretensões é retirada dos tribunais, enquanto o outro fenômeno, mais restrito, “designa os casos em que determinados atos são retirados do juiz no contexto de um processo judicial”, nos dizeres de Maria José Capelo, em conferência proferida em 29 de junho de 2001, em Coimbra (cf. Samy Garson. “A desjudicialização da execução hipotecária como meio alternativo de recuperação de crédito.” Dissertação de Mestrado apresentada na Universidade de Coimbra, Faculdade de Direito, sob a orientação do Professor Doutor José Coelho de Souza Ribeiro, 2006).

[6] V. Joel Dias Figueira Jr., “A trama recursal no processo civil brasileiro e a crise da jurisdição”, RePro, vol. 188; “Projeto legislativo de novo Código de Processo Civil e a crise da jurisdição”, RT vol. 926/455-480.

[7] “Projeto legislativo de novo Código de Processo Civil e a crise da jurisdição”, RT vol. 926/456-457.

[8] O monstro do caos da mitologia fenícia.

[9] O binômio celeridade compatível com a complexidade da lide pendente, segurança e a justiça da decisão.

[10] Referimo-nos a efetiva e perfeita realização do que se denominou de pacto republicano. Assinala-se, por outro lado, que o fenômeno conhecido como “ativismo judicial” é uma realidade e decorre da judicialização da política nacional. Contudo, para que esse pacto cumpra o seu verdadeiro papel na história, mister se faz que se restabeleça o equilíbio entre os Poderes. Sobre o tema, Luiz Werneck Vianna, “Judicialização da Política e das Relações Sociais no Brasil”.

[11] Ao escrever sobre a “Alienação fiduciária de coisa móvel”, afirmou José Eduardo Loureiro: “Fala-se em ´crise da hipoteca`, tendo em vista o custo, a morosidade e a dificuldade da execução. A crítica aponta fatos verdadeiros, mas erra na causa. O problema não se situa no instituto civil da hipoteca, mas no processo de execução. Custo, morosidade e dificuldade no recebimento do crédito, em juízo, alcançam todo e qualquer processo de execução, seja ele resultante de sentença, ou de título executivo extrajudicial, provido de garantia real, ou desprovido dela. Nessa linha de pensamento, deve-se ir além: a crise do processo de execução confunde-se com a crise do Poder Judiciário, desestruturado para prover, para receber o crédito, é ao devedor a quem se faculta fazê-lo, para a defesa do seu direito.” Revista do Advogado, n. 63, junho de 2001.

[12] Apenas a título ilustrativo, v. os sérios problemas recentemente enfrentados com o processo eletrônico e divulgados pela mídia, em particular nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro.

[13] A expressão utilizada designa “gargalo de garrafa”, para representar o excesso de líquido contido em um recipiente e a dificuldade verificada para ser despejado em face do reduzido gargalo que dificulta a sua saída.

[14]Os dados “do Justiça em Números” disponíveis no link Relatórios do CNJ, até a data de hoje, referem-se ao ano de 2011.

[15] As estatísticas de 2012 e 2013, até a presente data, não estão disponíveis no site do CNJ.

[16] Para esse estudo, não foi levado em consideração o número de demandas em tramitação da Justiça Eleitoral, do Trabalho e Militar.

[17] Penso que Salvador Dalí não conseguiria representar em seus quadros o fenômeno ora descrito.

[18] GARCIA, Raquel Duarte. “Importância dos tabelionatos de protesto como instrumento de desjudicialização das cobranças de créditos no Brasil” www.jusnavegandi julho 2013.

[19] . “Os tribunais nas sociedades contemporâneas: o caso português.” Porto: Afrontamento/CES/CEJ, 1996 (apud Raquel Garcia).

[20] “Percursos da informalização e da desjudicialização – por caminhos da reforma da administração da justiça (análise comparada).” Observatório Permanente da Justiça Portuguesa. Centro de Estudos Sociais. Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra: nov. 2001. http://opj.ces.uc.pt/pdf/6.pdf. Acesso em: 22 jul. 2012. p. 28 (apud Raquel Garcia).

[21] “Forças e fraquezas do modelo português de acção executiva no limiar do século XXI – Que modelo para o futuro?” – Conferencia proferida no Colóquio sobre Processo Civil realizado em 27 de maio de 2010, no Supremo Tribunal de Justiça.

Lembra Arlindo Mendes o estudo de Teixeira de Souza, sobre a situação em que se encontrava o Judiciário português, era o seguinte: em 1 de janeiro de 1992, estavam pendentes 80.948 execuções, tendo entrado 97.452 processos executivos e terminando 78.003 (cerca de 44% das execuções pendentes). Dez anos depois, em 1 de janeiro de 2002, encontravam-se pendentes 516.780 execuções (um aumento de 638% em relação a 1992), tendo sido instaurados 268.894 (um acréscimo de 275% em relação a 1992) e terminando apenas 174.285 (ou seja, uma percentagem de 22%, metade da verificada em 10 anos).

[22] Agência de Notícias do CNJ. CNJ reúne especialistas para solução conjunta de 25 milhões de processos de execução fiscal. In: http://www.cnj.jus.br/component/content/article/96-noticias/8887-cnj-reune-especialistas-para-solucao-conjunta-de-25-milhoes-de-processos-de-execucao-fiscal Acesso em 26 jul. 2012 (apud Raquel Garcia).

[23] Associação dos Magistrados Brasileiros. Resenha da associação dos magistrados brasileiros sobre o relatório do Banco Mundial – Brasil: fazendo com que a Justiça conte. Disponível em: <bibliotecadigital.fgv.br/dspace /bitstream/…/73070100004.pdf?…1> Acesso em 29 jul. 2012. p. 35. (Sugere-se também: Banco Mundial: fazendo com que a Justiça conte – medindo e aprimorando a Justiça no Brasil. Disponível em: < www.amb.com.br/docs/bancomundial.pdf> Acesso em: 29 jul. 2012.) (apud Raquel Garcia).

[24] . Idem, p. 34.

[25] As cinco crises do Judiciário são assim resumidas pela resenha feita pela Associação dos Magistrados Brasileiros (p. 34 a 37): Crise 1:  O excessivo ajuizamento de processos judiciais que envolvem questões de natureza administrativa, decorrentes do mau serviço prestado por órgãos do governo – quando estes são “réus” – e da suspeita de que tais órgãos retardem pagamentos devidos a atores privados – por exemplo, os precatórios. Crise 2: As execuções fiscais – nas quais o autor é o governo – nos juízos federais e estaduais, onde o problema corresponde tanto ao crescimento da demanda quanto ao trabalho acumulado e atrasado, indicando que esses processos não estão sendo resolvidos. A alocação de recursos do Judiciário para esta área pode não ser necessária. Mesmo assim, a responsabilidade direta reside, aparentemente, junto aos procuradores do governo, normalmente sobrecarregados, mal supervisionados ou insuficientemente incentivados, e à dificuldade de encontrar bens dos devedores a serem gravados. Crise 3: Um problema relacionado à cobrança de dívidas de particulares que parece também ligado ao processo de execução. A solução deste problema certamente ajudaria o governo e os credores privados. Crise 4: A aparente custo-ineficiência dos juízos trabalhistas, em outros aspectos altamente produtivos. O governo brasileiro e os réus particulares investem grandes somas neste sistema, em comparação com os retornos relativamente modestos para os reclamantes particulares. Além de qualquer impacto negativo sobre o emprego e sobre o custo Brasil, a questão que se coloca é se os objetivos que estão sendo perseguidos, em si mesmos não claros, poderiam ser alcançados de uma forma mais eficiente e possivelmente não-judicial. Crise 5: O crescente congestionamento dos juizados especiais e as pressões que exercem sobre os orçamentos dos judiciários estaduais. Esses tribunais não parecem aliviar a jurisdição comum da sua carga de processos, mas terminam, sim, atraindo processos que não teriam sido levados ao sistema Judiciário caso não existissem. É isso que explica a sua popularidade entre os reclamantes. Grande parte da sua carga de trabalho envolve queixas de consumidores. Esses tribunais representam um passo importante na direção da simplificação da Justiça, mas, para evitar o seu colapso, parece ser necessário um melhor entendimento de sua carga de processos, de sua clientela e de suas alternativas. (apud Raquel Garcia).

[26] Raquel Garcia, artigo citado.

[27]“Efetividade do processo de execução”, Revista Forense, vol. 326/33, item 1.

Ao introduzir o tema em exame, assinala que “O vocábulo ´efetividade` enraíza no verbo latino efficere, que corresponde a produzir, realizar, e significa ´qualidade do que está efetivo; estado ativo de fato`. Relacionado ao processo, o vocábulo traduz preocupação com a eficácia da lei processual, com sua aptidão para gerar os efeitos  que dela é normal esperar.”

 [28] L`arbitrato secondo la Legge 28/1983. Arbitrato e giurisdizione, p. 168.

[29] É possível ainda acrescentar outras atividades ou atribuições conferidas e praticadas pelo Judiciário que não são propriamente ditas aquelas denominadas de “atos do juiz”, tais como, por exemplo, as atividades correicionais (judiciais e extrajudiciais), poder de polícia etc.

[30]Execução civil, p. 104.

[31] Nessa mesma linha, v. a monografia de Dalmo Vieira Pedrosa, intitulada “Da possibilidade de se processar execução por quantia certa nos Tabelionados de Protesto e de Títulos”, vencedora do título “Prêmio Tabelião Maurício Leonardo”, em concurso realizado pela realizado anualmente pela SERJUS-ANOREG/MG, durante o 18º Encontro Estadual de Notários e Registradores de Minas Gerais, cujo tema central foi “A atividade notarial e registral e a desjudicialização” (Belo Horizonte, de 20-22/8/2009).

  1. também o estudo de Raquel Duarte Garcia, intitulado “Importância dos tabelionatos de protesto como instrumento de desjudicialização das cobranças de créditos no Brasil” (www.jusnavegandijulho 2013).

[32] Destacamos alguns dispositivos da Lei 8.935/1994 que demonstram a importância e o comprometimento legal desses profissionais: Art. 1º Serviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos. (…)  Art. 3º Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro.  Art. 4º Os serviços notariais e de registro serão prestados, de modo eficiente e adequado, em dias e horários estabelecidos pelo juízo competente, atendidas as peculiaridades locais, em local de fácil acesso ao público e que ofereça segurança para o arquivamento de livros e documentos (…).”

[33] . “A desjudicialização da execução hipotecária como meio alternativo de recuperação de crédito.” Dissertação de Mestrado apresentada na Universidade de Coimbra, Faculdade de Direito, sob a orientação do Professor Doutor José Coelho de Souza Ribeiro, 2006), item 3.3, nr. n. 176.

[34]DJU 06/11/1998.

[35] Araken de Assis, por sua vez, ancorado em Pontes de Miranda, escreve que “a natureza jurisdicional da execução deriva do imperium, que constitui o núcleo dos atos executivos, exercido pelos magistrados.“ (Manual da execução, item 16, p. 124, ed. 13ª).

[36] Nesse sentido, v. Arruda Alvim, “Alienação Fiduciária de bem imóvel – o contexto da inserção do instituto em nosso direito e em nossa conjuntura econômica. Características”, Revista de Direito Privado, vol. 2/147-176, abril-junho/2000; Samir José Cartano Martins, “Execuções extrajudiciais de créditos imobiliários: o debate sobre sua constitucionalidade”, RePro 196/21-65; Ubirajara Costódio Filho, “A execução extrajudicial do Decreto-lei 70/66 em face do princípio do devido processo legal”, Revista de Direito Constitucional e internacional, vol. 37/147-174; Manoel Justino Bezerra Filho, “A execução extrajudicial do contrato de alienação fiduciária de bem imóvel – Exame crítico da Lei 9.514, de 20.11.1997”, RT 819/65-76.

[37]Idem, ibidem.

[38]“Os paradigmas da acção executiva”, inEstudos de Direito Civil e Processo Civil e http://www.dgpj.mj.pt/sections/informacao-e-eventos/anexos/sections/informacao-e-eventos/anexos/professor-doutor-lebre/downloadFile/file/plf.pdf?nocache=1210676672.22

[39] Idem, ibidem.

[40] V. Samy Garson Samy Garson. “A desjudicialização da execução hipotecária como meio alternativo de recuperação de crédito.” Dissertação de Mestrado apresentada na Universidade de Coimbra, Faculdade de Direito, sob a orientação do Professor Doutor José Coelho de Souza Ribeiro, 2006),  item 3.3, em que versa sobre a “necessária superação do dogma da reserva de jurisdição e da inafastabilidade do juiz”.  Retira-se o seguinte excerto da mencionada Dissertação, item 3.3.: “Com efeito, se a atividade jurisdicional é típica mas não é exclusivamente estatal, a nosso ver, torna-se absolutamente despicienda  qualquer discussão acerca da natureza administrativa, satisfativa ou jurisdicional, dos atos essencialmente executivos (penhora, venda e pagamento). Não é o simples critério funcional, ou seja, o órgão incumbido de exercer uma atividade jurisdicional que vai determinar se a natureza dos atos a serem realizados no processo de execução é administrativa, satisfativa ou jurisdicional.”

[41]Direito constitucional e teoria da Constituição, p. 664, 2003.

Escreve ainda o renomado constitucionalista português no sentido de que “… a formação constitucinal da jurisdição assenta, em grande medida, no modelo clássico de juízes, tribunais  e jurisprudência. Não há, porém, obstáculos incontornáveis à institucionalização de formas alternativas (ou complementares) de justa composição dos conflitos por acordo das partes e/ou com auxílio de um mediador (cfr. Lei n. 78/2001, de 13.7, que criou os julgados de paz). Tratar-se-ia de uma forma de prestação de justiça própria de um estado cooperativo.”

No tocante as ações de execução escreve Canotilho que “é possível distinguir no processo dimensões processuais materialmente jurisdicionais e dimensões processuais que não exigem intervenção do juiz, podendo ser dinamizadas por outros agentes ou operadores jurídicos (cf. por ex., o Decreto-lei n. 38/2003, de 8.3, que confia ao agente de execução importantes funções no âmbito da ação executiva.” (idem, ibidem).

[42]Princípios do processo civil na Constituição Federal,  pp. 30 e 40, ed. 5ª.

Sobre o tema v. também José Rogério Tucci e Rogério Lauria Tucci, Devido processo legal e tutela jurisdicional.

Especificamente sobre a constitucionalidade da execução hipotecária e o princípio do devido processo legal, v. interessante estudo de Ubirajara Costódio Filho, intitulado “A execução extrajudicial do Decreto-lei 70/66 em face do princípio do devido processo legal” (Revista de Direito Constitucional e Internacional, vol. 37/147-174).

[43] TFR,  Ap. em Mand. Seg 77.152/SP, j. 5/3/1976

Anota-se que esse entendimento foi sufragado, igualmente, pelo Supremo Tribunal Federal após o advendo da Carta de 1988, razão pela qual mantém-se atual o entendimento esposado no voto trazido a lume.

[44]A instrumentalidade do processo, p. 132, ed. 3ª.

[45] . Ob. Cit., p. 169-170.

[46] Sobre o tema, v. Chalhub Melhim Namem, “A reforma por caminhos alternativos.” www.anoregbr.org.br/?action=doutrina&iddoutrina=121

[47] O § 2º do art. 982 foi acrescido pela Lei 11.965/2009.

  1. Resolução CNJ 35/2007 que disciplina a aplicação da Lei 11.441/2007 pelos serviços notariais e registro.

[48] A Resolução CNJ 35/2007 disciplina também essa matéria em face dos serviços notariais e registro.

[49] O  2º teve redação alterada pela Lei 11;965/2009.

[50] O entendimento foi firmado no julgamento de recurso em processo de homologação de Sentença Estrangeira (SE 5.206), em 2001, em que foi relator o Min. Sepúlveda Pertence.

[51] Em outras palavras, se uma parcela da jurisdição estatal, de espectro muito mais amplo, como se verifica com o processo de conhecimento e cautelar, pode ser conferida aos privados (árbitros), não há razão plausível para obstar-se a busca da satisfação creditícia fora dos limites da jurisdição estatal, em que o titular do crédito reclamado apresenta-se munido de título executivo extrajudicial, válido e eficaz para atingir o fim colimado.

[52] V. o voto do Min. Décio Miranda, TFR, Ap. Mand. Seg. 77.152/SP, j. 5/3/1976 (Jur.Bras, vol. 136/47).

[53] A matéria contida neste tópico é, em parte, uma síntese extraída do estudo realizado Prof. Doutor José Lebre de Freitas, da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, intitulado “Os paradigmas da acção executiva”, in Estudos de Direito Civil e Processo Civil, pp. 787 e segs.

Do mesmo renomado Professor v. “A reforma do processo de execução.”, pp. 731-757. Revista da Ordem dos Advogados, ano 62, vol. III, 2002 e http://www.dgpj.mj.pt/sections/informacao-e-eventos/anexos/sections/informacao-e-eventos/anexos/professor-doutor-lebre/downloadFile/file/plf.pdf?nocache=1210676672.22).

[54] “Forças e fraquezas do modelo português de acção executiva no limiar do século XXI – Que modelo para o futuro?” – Conferencia proferida no Colóquio sobre Processo Civil realizado em 27 de maio de 2010, no Supremo Tribunal de Justiça. (http://www.stj.pt/ficheiros/coloquios/coloquiprocessocivil_ribeiromendes.pdf)

[55] Jorge Miranda, Manual de direito constitucional, vol. IV, p. 29 ( apud  Samy Garson, cit. Item 3.3.

Diga-se o mesmo sobre o Brasil, conforme exposto no item V deste estudo, (supra).

[56] . Assinala-se que até pouco tempo, as ações executivas representavam em torno de 1/3 de todas as demandas judiciais pendentes no País.

[57] Denominada por José Lebre de Freitas como sendo “a reforma da reforma da acção executiva”.

[58] Para um aprofundamento sobre o tema da execução no direito português, v.: LOURENÇO, Paula Meira. “A acção executiva em Portugal” – 2000-2012”. Julgar, n. 18/77-10, dez 2012;   “O papel da Comissão para a Eficácia das Execuções”. Boletim da Ordem dos Advogados, n. 85/64-65, dez. 2011 e http:/www.cpee.pt/media/uploads/pages/Artigo_da_Presidente_CPEE_o_Papel_da_Comissao_Para_a_Eficacia_das_Execucoes_BOA_Dezembro_2011.pdf;  “A relevância do papel da Comissão para a Eficácia das Execuções no sistema português. I Jornadas de Direito Processual Civil –  Olhares Transmontanos, Valpaços, Novembro, 2011, PP. 233-246; “Du droit à exécutiom au droit de l`exécution”. “Actes Du Colloque International de Sibiu (Roumaine), mai 2009 –  L`Europe judiciaire: 10 ans après Le conseil de Tampere; Le droit de l`exécution – perspectives transnationales.” Éditions Juridiques et Techniques, Paris, p. 165-172. http:/www.cpee.pt/media/uploads/pages/Artigo_da_Presidente_CPEE_droit_a_l_execution_et_droit_de_l_execution_2011.pdf; “As tecnologias de informação e a Comissão para a Eficácia dsas Execuções: em busca de maior celeridade, eficiência, rigor, qualidade e transparência.” Interface – Administração Pública, n. 57/25-32, jan. 2011; “A comissão para a Eficácia das Execuções”. Scientia Iuridica, Tomo LVIII, n. 317/129-157, jan-mar 2009; http:/www.cpee.pt/media/uploads/pages/Artigo_CPEE_Presidente_pdf; “As medidas de descongestionamento dos tribunais tomadas entre 2005 e 2008”. Interface – Administração Pública – Anuário de 2008; http://algebrica.pt/files/050920081344.pdf; “Regime Processual Civil Experimental – Simplificação e Gestão Processual.” Obra coletiva organizada pela Direcção-Geral da Política de Justiça, CEJUR, Coimbra, PP 81-97, mar. 2008; “ Metodologia e Execução da reforma da Acção Executiva”. Themis, Revista da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, ano IV, n. 7/262-284. Almedina. Mar. 2003; & SILVA, Paula Costa; PINTO, Rui & SANTOS, Elsa Sequeira. Processo Executivo – Elementos de Trabalho. Coimbra: Coimbra Editora, 2004.

[59] Cf. José Lebre de Freitas, “Apreciação do projecto de diploma de reforma da acção executiva.” http://www.oa.pt (Revista eletrônica, ano 68, vol. I, jan. 2008).

[60] Em Portugal, assim como no Brasil, a desjudicialização de actos do processo executivo foi, de um modo geral, aceite como forma constitucionalmente lícita de associação de privados ao exercício de funções públicas. De facto, em 1992 o Tribunal Constitucional tivera ocasião de apreciar a constitucionalidade do sistema das execuções fiscais, admitindo que boa parte dos actos executivos pudesse ser praticado no domínio da função administrativa, desde que fosse observado o núcleo irredutível de actos reservados à função jurisdicional, nomeadamente a resolução de quaisquer litígios surgidos no processo executivo (Acórdão n.º 33/92 (relator Cons. Bravo Serra -, inAcTC, 23.º vol., págs. 427) (cf. Armindo Ribeiro Mendes, idem, item n. 14).

[61] Armindo Ribeiro Mendes, idem, itens ns. 15 e 16.

[62] V. http://www.advogados.in/index.php?option=com_content&view=article&id=78:novas, em 15/10/2012

[63] Armindo Ribeiro Mendes, idem, item n. 5.

Anota também o festejado professor português o comentário crítico feito pelo e Presidente Anibal Cavaco Silva no discurso pronunciado na abertura do ano judicial de 2010, no sentido de que um Estado que tem um milhão de execuções pendentes nos seus tribunais, “enfrenta um sério problema de credibilidade como Estado de Direito.” (idem, n. 6).

[64] Assim entendida a expressão como utilização de entidades particulares, tais como câmaras de comercio, entidades de mediação e arbitragem etc.

[65] Haverá de repetir-se o que hoje é contemplado na Lei 11.965/2009 (inventário e partilha extrajudicial), que prevê a gratuidade aos que se declarem pobres.

[66] Esse fenômeno tem causas diversas, sendo que além de aspectos culturais, há de se considerar a consolidação do sentido de cidadania do povo brasileiro, com o conhecimento sempre crescente de seus direitos e a ampliação do acesso à Justiça conferido pela Carta de 1988, tendo como um de seus escopos a extirpação ou minimização do perverso fenômeno denominado “litigiosidade contida”.

Essa questão foi muito bem observada por Roger Perrot (Institutions judiciaires, p. 491, ed. 10, 2002) para o sistema francês que também serve como uma luva para a nossa realidade: “O aspecto mais visível e também mais espectacular [da Crise da Justiça] reside no aumento constante da massa contenciosa e na invasão dos nossos Palácios [de Justiça] por um volume de processos que duplicou no espaço de dez anos. Infelizmente, é demasiado evidente que a multiplicidade dos textos [legislativos], elaborados frequentemente em condições de urgência, suscita o contencioso. De resto, o homem moderno, mais bem informado dos seus direitos, não hesita em defendê-los perante a Justiça e, se necessário, percorrendo todos os graus da hierarquia judiciária. Pode-se, com decência, censurá-lo por isso? Mas não há milagres. Com um pessoal judiciário que quase não aumentou, é impossível fazer face à maré que transborda perigosamente em todos os graus de jurisdição. Como [sucede com] muitas outras instituições do Estado, a justiça acha-se confrontada com um fenómeno de massa, que dificilmente consegue dominar. Tudo isto é demasiado verdadeiro, mas repeti-lo não serve de grande coisa.” (apud Armindo Ribeiro Mendes, idem, n; 27).

[67]Temas de Direito Processual (Sexta Série), p. 80. Palestra proferida em Florianópolis, em 15-9-1994, na I Jornada de Direito Processual Civil da Universidade Federal de Santa Catarina, publicado em várias revistas

[68] No atual momento político-legislativo, seria ideal que a matéria fosse tratada no PL 8046/2010  dispõe sobre o novo Código de Processo Civil. Infelizmente, isso não ocorre…

[69] Idem, item n. 27.

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