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Assistência judiciária: concessão dos benefícios, procedimento, impugnação e recursos
Elpídio Donizetti
04/05/2016
No caso da atividade jurisdicional, em nome do acesso à Justiça, a lei instituiu benefícios aos que necessitam recorrer ao monopólio do Estado, mas não têm condições de arcar com os ônus que decorrem do processo. É o que impõe o art. 5º, LXXIV, da CF/88: “o Estado prestará assistência judiciária integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.
Percebe-se que o dispositivo constitucional instituiu dois instrumentos de promoção do acesso à Justiça, que são comumente confundidos ou tomados como sinônimos: a assistência judiciária e a gratuidade judiciária, esta também denominada justiça gratuita.
Assistência judiciária – em sentido lato – é gênero, que compreende também a gratuidade judiciária. Direciona-se ao Estado, que deve, por meio das Defensorias Públicas ou de advogado especialmente nomeado para esse fim, patrocinar as causas daqueles que não podem arcar com os honorários contratuais de um advogado. Já a gratuidade judiciária é benefício que se traduz na suspensão da exigibilidade das custas, despesas processuais e honorários.
O novo CPC estabeleceu uma seção específica para tratar da gratuidade da justiça[1], mas, em verdade, pouco se teve de inovação com relação ao que já estava previsto na Lei nº. 1.060/50. Vejamos, então, cada um dos dispositivos.
O art. 98, ao dispor que “a pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei”, reconhece que não somente a pessoa física, mas também a pessoa jurídica faz jus a esse benefício quando comprovada a insuficiência de recursos para prover as despesas do processos. O caput expressa justamente o entendimento previsto na Súmula 481 do STJ[2].
O §1º, por sua vez, estabelece quais são as despesas abarcadas pela gratuidade. São elas:
I – as taxas ou custas judiciais;
II – os selos postais;
III – as despesas com publicação na Imprensa Oficial, dispensando-se a publicação em outros meios;
IV – a indenização devida à testemunha que, quando empregada, receberá do empregador salário integral, como se em serviço estivesse;
V – as despesas com a realização de exame de código genético – DNA e de outros exames considerados essenciais;
VI – os honorários do advogado e do perito, e a remuneração do intérprete ou do tradutor nomeado para apresentação de versão em português de documento redigido em língua estrangeira;
VII – o custo com a elaboração de memória de cálculo, quando exigida para instauração da execução;
VIII – os depósitos previstos em lei para interposição de recurso, propositura de ação e para a prática de outros atos processuais inerentes ao exercício da ampla defesa e do contraditório;
IX – os emolumentos devidos a notários ou registradores em decorrência da prática de registro, averbação ou qualquer outro ato notarial necessário à efetivação de decisão judicial ou à continuidade de processo judicial no qual o benefício tenha sido concedido.
Ressalte-se que o dispositivo reafirma o que já estava previsto no art. 3º da Lei nº 1.060/50, que foi revogado pelo CPC/2015 (art. 1.072, III). A novidade é que além das hipóteses que já estavam previstas na legislação especial, o § 1º insere na proteção da gratuidade as despesas relativas à memória de cálculo quando esta for exigida para instauração de execução (VII), bem como as taxas relativas a registro e outros atos notariais necessários à efetivação da decisão (IX). Tais inclusões aprimoram a assistência judiciária, incluindo atos que muitas vezes escapam aos olhos do processualista, mas que são essenciais para que a sentença gere seus efeitos materiais.
A concessão do benefício pode estar restrita a determinado ato processual ou consistir na redução de percentual de despesa processual (art. 98, §5º). Trata-se de novidade que visa adequar o instituto às necessidades das partes, que podem muitas vezes não ter condições de arcar com um único ato processual (perícia, por exemplo), e não com todos os que se fizerem necessários. Outro dispositivo que nos transmite essa mesma ideia é o §6º do art. 98, que permite ao juiz conceder o parcelamento das despesas processuais sempre que houver necessidade de adiantamento.
O deferimento da gratuidade está condicionado à afirmação, feita pelo próprio requerente, de que a sua situação econômica não lhe permite vir a Juízo sem prejuízo da sua manutenção ou de sua família.[3] Esse entendimento já podia ser extraído do art. 4º da Lei nº 1.060/50:
Art. 4º. A parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família.
O CPC/2015 não destoa do entendimento jurisprudencial, mas presume como verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural (art. 99, §3º). Em síntese, tratando-se de pedido requerido por pessoa física, descabe a exigência de comprovação da situação de insuficiência de recursos, salvo quando o juiz evidenciar, por meio da análise dos autos, elementos que demonstrem a falta dos pressupostos legais para concessão da gratuidade. Nessa hipótese, o juiz deverá oportunizar a manifestação da parte, a quem caberá comprovar a insuficiência.
Como a redação do art. 4º, caput, da Lei nº 1.060/50 foi expressamente revogada pelo CPC/2015 (art. 1.072, III), passando a prevalecer a redação do caput do art. 99, deve-se entender que o pedido poderá ser formulado não somente na petição inicial, mas, também, na contestação, na petição para ingresso de terceiro ou no próprio recurso. Além disso, se for superveniente à primeira manifestação da parte na instância (originária ou recursal), o pedido poderá ser feito mediante petição simples, nos autos do próprio processo e sem que isso acarrete suspensão do feito.
Vale observar que os benefícios da gratuidade judiciária são pessoais, não se comunicando ao litisconsorte e nem se transmitindo aos sucessores do beneficiário, salvo se houver requerimento e deferimento expressos (art. 99, § 5º). Assim, se houver, por exemplo, falecimento do beneficiário e consequente habilitação dos herdeiros, estes deverão formalizar novo requerimento.
Deferido o pedido, caberá impugnação da parte contrária, que deverá fazê-la na contestação, na réplica, nas contrarrazões ou, nos casos de pedido superveniente ou formulado por terceiro, por meio de petição simples, a ser apresentada nos próprios autos do processo, sem que isso implique na suspensão do mesmo. Caso o benefício seja revogado ao longo da tramitação processual, a parte deverá pagar as despesas processuais que deixou de adiantar e, no caso de comprovada má-fé, também arcará com multa de até dez vezes o valor das despesas (art. 100, caput, e parágrafo único).
A impugnação no bojo da contestação, da réplica ou nas contrarrazões privilegia a instrumentalidade das formas e a celeridade processual, indo de encontro ao disposto no art. 4º, §2º da Lei nº. 1.060/50:
Art. 4º. […]
§ 2º A impugnação do direito à assistência judiciária não suspende o curso do processo e será feita em autos apartados.
Para evitar interpretações contraditórias, tal dispositivo, como já dito, foi revogado expressamente pelo novo CPC (art. 1.072, III, CPC/2015).
Contra a decisão de indeferimento do pedido ou de revogação do benefício caberá agravo de instrumento (art. 1.015. V). Contudo, se a questão for resolvida na sentença, cabível será o recurso de apelação (art. 1.009), conforme previsto na parte final do art. 101, do CPC/2015. Nas duas hipóteses fica o recorrente dispensado do recolhimento de custas até a decisão do relator.
Sendo mantida a decisão de indeferimento ou revogação do benefício, o relator ou o órgão colegiado deverá determinar o recolhimento das custas processuais, no prazo de cinco dias, sob pena de não conhecimento do recurso interposto por aquele que pleiteou o benefício. No caso de revogação – em que caberá apelação – as demais despesas somente serão pagas com o transito em julgado da decisão, em prazo a ser assinalado pelo juiz (art. 102).
Importante:
- Se a perícia for requerida pelo beneficiário da gratuidade judiciária, as despesas poderão ser pagas com recursos reservados ao orçamento do ente público e realizada por servidor do Poder Judiciário ou por órgão público conveniado. Se realizada por particular, o valor também será custeado com recursos do poder público, excetuando-se aqueles destinados ao fundo de custeio da Defensoria Pública (art. 95, §§ 3º a 5º).
- Seguindo o entendimento jurisprudencial[4], o CPC/2015 reconheceu que a mera assistência do beneficiário por advogado particular não obsta a concessão da gratuidade (art. 99, §4º). Com efeito, a negação do auxílio só tem fundamento quando existirem elementos de evidência, e a existência de advogado particular não configura critério absoluto de possibilidade econômico-financeira.
[1] A rigor, o título da seção é impróprio, pois não se trata de “gratuidade”, mas apenas de dispensa do adiantamento das despesas. Isso porque, se vencido o beneficiário, as despesas e os honorários decorrentes de sua sucumbência não estarão dispensados. O que ocorre, na verdade, é apenas suspensão da exigibilidade do crédito referente aos valores adiantados pela parte vencedora (art. 98 §§ 2º e 3º e art. 12 da Lei nº. 1.060/50). Além disso, a gratuidade não afasta a responsabilidade do beneficiário quanto ao pagamento das multas processuais que lhe sejam impostas, por exemplo, em virtude de ato atentatório à dignidade da justiça (art. 98, §4º).
[2] “Faz jus ao benefício da justiça gratuita a pessoa jurídica com ou sem fins lucrativos que demonstrar sua impossibilidade de arcar com os encargos processuais”.
[3]?STF, RE-AgR 550202/DF, 2a Turma, rel. Min. Cezar Peluso, julgado em 11/3/2008.
[4] “Nada impede a parte de obter os benefícios da assistência judiciária e ser representada por advogado particular que indique, hipótese em que, havendo a celebração de contrato com previsão de pagamento de honorários ad exito, estes serão devidos, independentemente da sua situação econômica ser modificada pelo resultado final da ação, não se aplicando a isenção prevista no art. 3º, V, da Lei nº 1.060/50, presumindo-se que a esta renunciou.” (STJ, REsp 1153163/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, julgado em 26/06/2012, DJe 02/08/2012).
Veja também:
- Cooperação internacional
- Teorias da Exposição e da Asserção
- Informativo de Legislação Federal: resumo diário das principais movimentações legislativas
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