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Revista Forense
CLÁSSICOS FORENSE
PROCESSO CIVIL
REVISTA FORENSE
Agravo no auto do processo, competência do A QUO
Revista Forense
05/07/2022
REVISTA FORENSE – VOLUME 151
JANEIRO-FEVEREIRO DE 1954
Semestral
ISSN 0102-8413
FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO
FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto,
Abreviaturas e siglas usadas
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SUMÁRIO REVISTA FORENSE – VOLUME 151
CRÔNICA
DOUTRINA
- Comissões de inquérito – Laudo de Camargo
- Comissões parlamentares de inquérito – João de Oliveira Filho
- Comissões parlamentares de inquérito nos Estados Unidos – Góis de Andrade
- As comissões congressuais de investigação no regime presidencialista – Otacílio Alecrim
- Aperfeiçoamento do Estado Democrático – Ivair Nogueira Itagiba
- Inquéritos parlamentares – Samuel Duarte
- As comissões parlamentares de inquérito na Constituição brasileira de 1946 – Alberico Fraga
- Comissão parlamentar de inquérito e governo de Gabinete – Paulino Jacques
- Comissões parlamentares de inquérito – Rosah Russomano de Mendonça Lima
- Comissões parlamentares de inquérito – Dnar Mendes Ferreira
- Natureza e função política das Comissões Parlamentares de Inquérito – Josaphat Marinho
PARECERES
- Comissão parlamentar de inquérito sôbre as atividades da comissão central de preços – Castilho Cabral
- Instituto de resseguros do Brasil – Autarquias e sociedades de economia mista – Carlos Medeiros Silva
- Governador – Impedimento – Ausência – Substituição temporária – Competência do Poder Legislativo para regulamentar os preceitos constitucionais – Francisco Campos
- Governador – Licença para ausentar-se do Estado – Poderes da Assembléia Legislativa para definir impedimentos – Substituição – Renato Barbosa
- Falência – Compensação de dívidas – Luís Machado Guimarães
NOTAS E COMENTÁRIOS
- Privilégios e imunidades dos organismos internacionais – Hildebrando Accioly
- Responsabilidade civil no Código brasileiro do ar – Prescrição da ação – Euríalo de Lemos Sobral
- Agravo no auto do processo, competência do A QUO — Alcides de Mendonça Lima
- Capacidade para testemunharem o testamento cerrado os membros da administração da instituição ou fábrica legatária – Raul Floriano
- O conceito de parte no processo – Homero Freire
- A revisão judicial e a “Lei Maior” – Edward S. Corwin
- As certidões e as comissões de inquérito – Oto Prazeres
- Homenagem ao juiz José de Aguiar Dias
- Prêmio Teixeira de Freitas
- Discurso de agradecimento do Ministro Carlos Maximiliano
- Banco do Brasil S.A. – Sua transformação em êmpresa pública – Bilac Pinto
JURISPRUDÊNCIA
LEIA:
Sobre o autor
Alcides de Mendonça Lima, professor da Faculdade de Direito de Pelotas, da Universidade do Rio Grande do Sul.
NOTAS E COMENTÁRIOS
Agravo no auto do processo, competência do A QUO
O agravo no auto do processo foi, sem dúvida, uma conquista do sistema oral adotado pelo vigente Cód. de Proc. Civil nacional. Anteriormente, no regime arcaíco, êste remédio era uma inutilidade, bem cabendo a crítica cerrada do saudoso jurista ARTUR RIBEIRO, eminente ministro do Supremo Tribunal Federal, quando, em 1922, elaborou o Cód. de Processo Civil de Minas Gerais, ao afirmar: “Se o agravo no auto do processo hoje sòmente é julgado, quando o feito sobe à instância superior, em grau de apelação, êle não tem razão de ser, por ficar compreendido o seu objeto no do outro recurso, que é o recurso por excelência, O seu papel, pois, está reduzido ao de um simples protesto ou de uma mera sub-linha traçada abaixo de qualquer falta do processo, de que a instância superior, aliás, sem esta formalidade, pode e deve conhecer, por fôrça da apelação interposta” (“Código de Processo Civil de Minas Gerais”, com. ao art. 1.476).
Esta opinião abalizada influiu decisivamente, no juízo do professor COSTA CARVALHO, ao escrever sua tese de concurso para provimento da cátedra de Direito Judiciário Civil na Faculdade Nacional de Direito (“Espírito do Código de Processo Civil”), ponto de vista, aliás, que o ilustre mestre alterou, ao defender, perante a banca, a sua dissertação, sustentando então, “que, se no processo tradicional, o agravo no auto era, de fato, uma inutilidade, no processo moderno é êle, não só útil, mas necessário e mesmo indispensável. É que o processo vigente obedece a um sistema regular de preclusões sucessivas, que operam a eliminação dos incidentes e questões processuais, à proporção que forem sendo resolvidas” (“Curso Teórico-Prático de Direito Judiciário Civil”, 3ª ed., vol. 5º, pág. 117).
Realmente, pelos traços típicos do novo diploma adjetivo, impunha-se a acolhida de um recurso que visasse às interlocutórias simples que pudessem influir no curso da causa, sob pena da parte vencida, no incidente, ficar privada de manifestar sua desconformidade, com real prejuízo para sua pretensão. Se o Código estabeleceu, como um de seus princípios fundamentais, a irrecorribilidade das interlocutórias simples, era mister, porém, atender a certas situações particulares, de modo a não generalizar a norma básica, sempre que houvesse lesão ao direito dos litigantes. Na verdade, a hipótese do inciso I do art. 851 – das decisões que julgarem improcedentes as exceções de litispendência e coisa julgada – deveria comportar agravo de instrumento, pois a natureza do incidente estava a exigir um recurso de maior alcance, com a possibilidade de ser julgado antes da sentença final da ação, para evitar que, se provido o agravo na auto do processo no tribunal superior, reconhecendo-se procedente uma daquelas exceções, tivesse havido perda de tempo e de dinheiro, com o prosseguimento da causa até seu desfecho.
Sem a providência do agravo no auto do processo – art. 851, incisos I a V, – as decisões pelo mesmo atacadas cairiam no domínio da preclusão, sem que a parte prejudicada pudesse lograr êxito por via do recurso contra a decisão definitiva, que o Código admite ser apenas a apelação. Foi indispensável, pois, abrir uma exceção a um dos postulados essenciais que informam o moderno direito adjetivo, em cujos preceitos se inspirou o legislador de nosso Cód. de Proc. Civil. Sem esta iniciativa, não haveria oportunidade da parte prejudicada manifestar sua desconformidade contra uma decisão iníqua e ilegal. É, portanto, um protesto, como vulgarmente o denominam (SEABRA FAGUNDES, “Dos Recursos Ordinários em Matéria Civil”, pág. 365, nº 369; GABRIEL RESENDE FILHO, “Curso de Direito Processual Civil”, 1ª ed., vol. 3°, pág. 124, nº 951).
Falhas do agravo no auto do processo
Por sinal, que o agravo no auto do processo se apresenta, tecnicamente, com muitas falhas no Código, servindo tais omissões para gerar controvérsias em tôrno do remédio, com reflexos na jurisprudência, causando confusão nos meios forenses. Em primeiro lugar, note-se a impropriedade do termo “apelação”, na oração final do art. 852. Melhor fôra se o legislador tivesse usado da palavra “recurso”, que abrangeria a apelação e o agravo, inclusive o de instrumento, pois o agravo no auto do processo se pode tornar indispensável em qualquer processo independentemente do recurso contra a decisão que fôr proferida, LOPES DA COSTA pugnou por sua admissão nos arrestos, como exemplo de caso cuja decisão é suscetível de agravo (“Direito Processual Civil” 1ª ed., vol. 3º, pág. 231, nº 212). ODILON DE ANDRADE assevera que o Código “copiou disposições de nossas leis imperiais, sem advertir na diversidade de situações” (“Comentários ao Código de Processo Civil”, vol. 5°, pág. 267, d e página 275, n° 1). SEABRA FAGUNDES pensa que o legislador incidiu em incoerência, mas sustenta que, em face da redação do Código, não pode o remédio ser estendido a casos de outros recursos, que não o de apelação (ob. cit., pág. 265, nota 258). A jurisprudência se vem orientando no sentido liberal e racional, adotando a tese de que a palavra apelação se acha como sinônimo de recurso de sentença terminativa do feito (3ª Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo, acórdão de 27 de novembro de 1940, in “Arq. Judiciário”, vol. 57, pág. 197; 1ª Câmara, idem, acórdão de 6 de outubro de 1941, rev. cit., volume 60, pág. 61; “Rev. dos Tribunais”, vol. 150, pág. 160).
Em segundo lugar, ressalte-se a redação defeituosa, no mesmo artigo, dando lugar a interpretação oscilante sôbre qual o recurso – ou apelação, na linguagem do texto, – que permite o conhecimento do agravo no auto do processo: apenas o do próprio agravante ou, também, o do agravado. A reação contra a primeira hipótese foi grande, sendo, hoje, vencedora a corrente que a repele, para aceitar, integralmente, a segunda, por mais consentânea com a lógica e com o bom-senso. A propósito de acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que rescindiu julgado de uma Câmara, que se filiara à corrente liberal, ENRICO TULLIO LIEBMAN escreveu erudita contribuição, mostrando o êrro do acórdão comentado (“Estudos sôbre o Processo Civil Brasileiro”, págs. 199-205). Nesta esteira, do notável professor italiano, que tanto influiu para o aperfeiçoamento da aplicação de nosso Cód. de Processo, se alinharam os melhores comentadores do diploma (cf. ODILON DE ANDRADE. ob. cit., pág. 300, nº 292; SEABRA FAGUNDES, ob. cit., pág. 366, nº 372; PONTES DE MIRANDA op. cit. pág. 277, nº 2; JOÃO CLAUDINO DE OLIVEIRA E CRUZ, “Do Recurso de Agravo”, pág. 218, nº 110), com o beneplácito dos tribunais, inclusive do Supremo Tribunal Federal (acórdão de 20 de janeiro de 1945, in apelação número 150, no “Diário de Justiça” de 3 de julho de 1945, pág. 2.645).
A própria questão da necessidade do preparo da agravo no auto do processo tem suscitado dúvidas, aliás infundadas, porque tal recurso não tem autonomia, vivendo “incrustado como a ostra na cabeça do mero”, na imagem de AFONSO FRAGA (“Inst. do Processo Civil Brasileiro”, 1ª ed., vol. 3º, pág. 210, nº 503), isso é, em função de outro recurso, chamado de principal, quer seja tão-somente a apelação, quer seja o agravo.
Observa-se, assim, que o legislador do Código agiu sem técnica aprimorada ao tratar do agravo no auto do processo, deixando em aberto diversos problemas, se bem que merecessem ser elucidados em texto expresso, aproveitando-se uma das leis posteriores que alteraram inúmeros dispositivos, cedendo às lições dos mestres e à orientação das Côrtes, para coibir os choques tão prejudiciais à vida judiciária. Não são, propriamente, pontos de vista isolados, cuja aceitação merecesse ser estudada com mais prudência e meditação. Tornaram-se idéias gerais, defendidas, sem discrepância, pelos autores modernos de maior prestígio, com o apoio de jurisprudência uniforme, depois de verificado o êrro em que incidiram os primeiros intérpretes, antes que o Código houvesse sido melhor compreendido, fruto da surpreendente reviravolta imprimida em nossas tradições processuais.
O objetivo, porém, de nossa dissertação é o de aflorar um dos aspectos do agravo no auto do processo que tem suscitado flagrantes divergências e que, por isso, precisa ser convenientemente abordado, pela sua importância prática.
Poderá o juiz a quo reapreciar a decisão contra a qual foi interposto agravo no auto do processo? Em caso afirmativo, qual o momento próprio?
O remédio de que trata o art. 851 do Cód. de Proc. Civil é, sem dúvida, uma espécie de agravo, não só pela sua denominação, como, também, pela natureza das decisões atacadas, as quais, no regime dos códigos regionais, eram, em regra, suscetíveis de agravo de instrumento, como, v. g., no Estado do Rio Grande do Sul, pelo art. 1.009, §§ 29 (exceção de litispendência), 5º e 39 (inadmissibilidade de prova ou cerceamento de defesa).
Conforme é clássico nas instituições recursais, um dos característicos principais do agravo é a possibilidade concedida ao juiz a quo de poder manter ou reformar sua decisão, reexaminando a matéria em debate, antes dos autos subirem à instância superior, na qual sòmente serão apresentados se o juiz inferior não alterar seu ponto de vista. Isso é assunto elementar em Direito Processual Civil, que independe da invocação do amparo dos mestres, antigos ou modernos.
Afora essa circunstância de ordem geral, é necessário, para melhor elucidação do problema, verificar a extensão e os reflexos das decisões relacionadas no artigo 851, incisos I a IV. dentro da causa. Na verdade, pela discussão posterior, pelos novos fatos trazidos para o ventre dos autos, pela convicção que se possa formar no espírito do juiz, é possível que surjam motivos relevantes para que o magistrado sinta haver cometido gravame à parte que teve necessidade de interpor o agravo no auto do processo. Se isso acontecer, haveria evidente prejuízo para a marcha do processo e desrespeito flagrante aos princípios de economia e de brevidade, que se tornaram fundamentais no procedimento oral e, conseqüentemente, inerentes ao Código de Proc. Civil brasileiro.
Se, por exemplo, é julgada improcedente uma exceção de litispendência e o réu agrava no auto do processo, oferecendo novos elementos e amparando-se em outros argumentos doutrinários, a ponto de convencer o juiz de seu êrro, na decisão que a repeliu, qual a vantagem prática do feito prosseguir até o fim, com desperdício de tempo e de dinheiro, para, depois de tudo, em grau de apelação, o Tribunal de Justiça, ao examinar, como preliminar do recurso principal, aquêle agravo, provê-lo e reconhecer a procedência de exceção suscitada? Todos os atos posteriores ao agravo se tornaram inúteis e só serviram para onerar as partes e os próprios órgãos do Poder Judiciário. Se o juiz então, reforma sua decisão. acolhendo a exceção, o autor tem o direito de interpor o agravo de petição, cujo julgamento poderá, então, ser decisivo, se fôr negado provimento, ou determinar o prosseguimento da ação, dando provimento ao recurso.
Na hipótese de não ser admitida a prova ou fôr cerceada, de qualquer forma, a defesa do Interessado, o juiz poderá convencer-se de seu desacêrto até sem provocação da parte prejudicada, desde que, pelo curso da ação, verifique êle a imprescindibilidade da providência antes formulada pelo litigante. Ninguém afirmará que o juiz está impedido de voltar atrás. Assim sendo, cairíamos no seguinte absurdo: havendo agravo no auto do processo, o juiz não poderá retroceder; não havendo agravo no auto do processo, porém, o juiz poderá retroceder. Ora, com mais razão, pela índole do sistema do Código, se deverá permitir que, apreciando agravo no auto do processo, possa o juiz considerar sua decisão, mantendo-a ou reformando-a. A primeira solução determinaria, então, o conhecimento do recurso, pela instância superior, ao ser julgada a apelação, de qualquer das partes.
Ainda mais. As medidas preventivas causam, em regra, grandes transtornos e, até, vexame à parte contra a qual são requeridas. Se, v. g., é concedida qualquer das medidas mencionadas nos incisos I, II, III, VIII e X, do art. 676, – para só citarmos as mais graves e de maior repercussão moral e econômica – e se, por via do agravo no auto do processo, o juiz se persuade de que a mesma é ilegal ou iníqua, por que motivo se deverá obstar que continue produzindo efeitos, em nome, apenas, de formalismo excessivo e anódino, incompatível com a moderna diretriz processual? Deverá a parte prejudicada suportar todos os ônus, aguardando o desfecho da causa, em primeira instância, para, então, esperar a solução de seu agravo, no julgamento da preliminar do recurso principal? E os males decorrentes neste interregno, alguns dos quais, quem sabe, insanáveis? Não há respeito a texto rígido da lei que possa justificar uma resposta afirmativa a tais questões.
Consoante ensina SEABRA FAGUNDES, “independe o recurso da oportunidade em que surja, no processo, o ato gravoso. Desde o recebimento da inicial, até a audiência de instrução e julgamento, toda decisão que afete a defesa ou a dedução de direito é agravável no auto do processo” (ob. cit., pág. 359, número 359). Por conseguinte, o dano se pode verificar desde os primórdios da marcha da ação, gerando conseqüências funestas, sem que o lesado tenha meios de obter a sua reparação, de modo mais simples e mais breve.
Estas situações levam o intérprete, sem dúvida, a aceitar a possibilidade de o juiz rever a sua decisão contra a qual foi interposto o agravo no auto do processo, para mantê-la ou reformá-la, como acontece com os demais casos de agravo – de instrumento e de petição – pelas vantagens práticas que daí decorrem.
Se bem que a tendência da maioria dos processualistas e dos tribunais seja a de vedar a reapreciação da decisão pelo juiz a quo, nos casos do art. 581, nota-se, porém, uma reação contra esta corrente rígida, em que pêse ao brilho de sua argumentação, de que é exemplo o excelente estudo “Do agravo no auto do processo”, de ELIÉZER ROSA, in “REVISTA FORENSE”, vol. 129, págs. 348 a 353.
Em favor de nossa tese, entretanto, podemos trasladar a opinião sempre valiosa do eminente professor JORGE AMERICANO, que, entre os primeiros comentadores do Cód. de Proc. Civil, foi o único que a abordou: “Todavia, é irrecusável que o juiz pode fazê-lo, porque pode sempre reconsiderar qualquer ato não passado em julgado e êste agravo é, ao mesmo tempo, uma ressalva para que não passe em julgado e um pedido de reforma que, se conhecido pelo juiz, dá em reconsideração. O juiz tem, pois, as seguintes oportunidades para reformar o despacho: a) mandando vir conclusos os autos para decidir; b) no despacho saneador, quando o despacho agravado lhe fôr anterior (art. 294); c) na audiência, quando o juiz o possa fazer, marcando outra audiência (art. 271); d) na sentença, como preliminar. Quando o juiz não remediar o agravo, nas hipóteses acima, conhece dêle o Tribunal, nos têrmos dos artigos 852, 876 e 878” (“Código de Processo Civil”, vol. 4º, pág. 96).
Entre os autores mais modernos, cujas obras já foram publicadas num período em que o Código estava melhor estudado e, cuja aplicação inspirava outros ensinamentos, cumpre-nos lembrar JOÃO CLAUDINO DE OLIVEIRA E CRUZ, em sua excelente monografia: “Interposto o agravo, o despacho saneador não passa em julgado. O conhecimento da matéria agravada não se devolve logo à segunda instância, tanto assim que, se não houver apelação, perderá o agravo a sua razão de ser. Continua, pois, a matéria agravada em suspenso, sob as vistas do juiz a quo, que poderá reconsiderar a sua decisão” (ob. cit, pág. 218, nº 109).
Se, na verdade, a decisão agravada fôsse intangível para seu prolator, de modo a ser atribuída competência para seu exame sòmente ao tribunal superior, qual a vantagem de ser marcado um prazo para a interposição do recurso? Se a manifestação do prejudicado não surtisse qualquer efeito imediato, dentro da instância, qual o inconveniente de ser produzida a qualquer momento, sem lapso fixo? O essencial que, como frisamos, o Código haja oferecido uma oportunidade para que a parte lesada exteriorize sua desconformidade, para que as decisões não calam sob os domínios da preclusão. Mas daí não se pode deduzir que a comunicação deva ser feita em tempo certo salvo se se admitir que a mesma se revista de uma importância a mais, qual seja a de criar a possibilidade do juiz reexaminar a decisão recorrida. Aí, sim se compreende a marcação do prazo estabelecida pelo Código. Sem isso, o juiz teria sua atividade ao sabor das iniciativas das partes, que poderiam agir com malícia, quando lhes interessasse procrastinar o andamento da ação. É preciso, portanto, que, num prazo expresso, o juiz saiba que houve, ou não, conformidade da parte prejudicada com sua decisão. Silêncio e tempo são os fatores que geram a preclusão. Desde, pois, que a parte prejudicada manifestou sua contrariedade, no prazo marcado em lei, não houve preclusão. E por que ficar o juiz privado de corrigir seu êrro, se ficar convencido de que o litigante merece reparação imediata, para evitar mal maior?
Jurisprudência
Expressivo é o despacho, reformando a decisão agravada no auto do processo, proferido pelo magistrado OLIVEIRA RAMOS, como titular da 14ª Vara Cível do Distrito Federal: “Sou dos que entendem que, interposto ao despacho saneador o recurso cabível, o agravo no auto do processo do art. 851, nº IV, do Cód. de Proc. Civil, pode o seu prolator, de vez que não tem êle por si a autoridade da coisa julgada, reformá-lo, reexaminar as questões que nêle foram resolvidas, dando-lhes nova solução, e isso, até mesmo, por ocasião da decisão final. Desconheço uma razão relevante, suficientemente forte, que desaconselhe um exame da matéria debatida no saneador, quando da decisão final. Se é a mantença ou a reforma da decisão agravada pelo próprio prolator uma das características do recurso de agravo, por que não permitir novo exame na sentença, das questões do saneador agravado? Por que obrigar, muitas vêzes, o juiz, que já está convencido do desacêrto das deliberações assentadas no saneador, a se deter respeitoso diante delas? Por que não ter o juiz agravado a oportunidade – que lhe deveria ser dada na sentença final – de reparar os erros que cometeu no saneador?” (“O Processo Civil à Luz da Jurisprudência”, de A. PAULA, vol. 4º, pág. 681, nº 4.602). No mesmo sentido se pronunciaram os magistrados ELMANO CRUZ e ACIÓLI TENÓRIO (ob. cit., vol. 6º, pág. 770, ns. 7.634 e 7.635), HUGO AULER (ob. cit., vol. 4º, pág. 676, nº 4.581), e BULHÕES DE CARVALHO (apud “Código de Processo Civil”, de CÉSAR C. L. DE VASCONCELOS, pág. 99).
Nós tribunais de justiça, porém, prepondera a jurisprudência de que ao juiz a quo falece competência para reexaminar a decisão suscetível de agravo no auto do processo. Em sentido contrário à corrente majoritária, encontram-se os seguintes julgados: “O agravo no auto do processo deve ser apreciado pelo juiz, ao proferir a sentença definitiva, seja para manter a decisão agravada ou para reformá-la, cabendo ao tribunal decidir, em última instância, a questão” (4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, de 4 de julho de 1944, relator o então desembargador RIBEIRO DA COSTA, atual ministro do Supremo Tribunal Federal, in “REVISTA FORENSE” vol. 101, pág. 94); “também não constitui nulidade o juiz, na sentença, haver reparado o agravo de que se agravante dois réus, por agravo no auto do processo. Esta espécie de agravo está sujeita, nesse particular, ao mesmo regime das outras duas: o agravo de petição e de instrumento (arts. 845, § 7º, e 847, in fine). Sempre foi assim (GOUVEIA PINTO, “Manual das Apelações e Agravos”, edição de 1820, pág. 187)” (8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, de 31 de julho de 1946, reator o desembargador GUILHERME ESTELITA, in “REVISTA FORENSE”, volume 112, pág. 142); “sem o objetivo de proporcionar ensejo ao juiz prolator do despacho impugnado de poder reformá-lo ou, não o fazendo, a instância superior, como nos agravos em geral, sem a finalidade de fazer transitar em julgado a decisão de que caiba agravo, seria inocuidade, o que é inadmissível na lei, notadamente no Cód. de Proc. Civil, em que o legislador se preocupou em acelerar a marcha dos feitos” (Tribunal de Justiça de Alagoas, acórdão de 29 de novembro de 1946, relator o desembargador ARAÚJO SOARES, in “Direito, vol. 46, págs. 282-285); no mesmo sentido a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (acórdão de 31 de dezembro de 1948, publicado no “Diário da Justiça” de 21 de março de 1949, pág. 1.051).
PONTES DE MIRANDA é original em sua interpretação: “Dentro dêsse prazo é possível o pedido de reconsideração, correndo o prazo. Nada obsta ao pedido alternativo: reforma ou tomada do agravo. A data do despacho (ou da entrega, em cartório, se não puder ser despachado) fixa a interposição, interposto, sem aquêle pedido alternativo, o juiz – dentro dos cinco dias – pode, sponte sua, reformar a decisão. Vencido o prazo, sem interposição, nada mais pode inovar que “ofenda a preclusão” (ob. cit., pág. 278, nº 4). Pela teoria do mestre, ninguém deixará de fazer o pedido alternativo, porque sempre abre possibilidade ao reexame pelo juiz, sem que a parte tenha prejuízo com essa fórmula dupla. Além do mais, se o juiz pode, por iniciativa própria, ex officio ou sponte sua (na linguagem de PONTES DE MIRANDA) reformar o despacho, com mais razão isso será possível mediante provocação do interessado. Das duas uma: ou o juiz não pode mais inovar decisão sujeita a agravo no auto do processo, seja por deliberação própria, seja por via do recurso do prejudicado; ou o juiz pode reapreciar a matéria, não se concebendo, aí, que a reforma espontânea seja permitida, mas não a provocada pelo interessado direto. Seria tudo uma questão meramente de forma, cuja obediência incondicional e severa e inconciliável com o sentido moderno da atividade jurisdicional.
A tese de PONTES DE MIRANDA foi acolhida, expressamente, por JÔNATAS MILHOMENS, sem qualquer outro aditamento (“Manual de prática Forense”, volume 4º, pág. 240, art. 852).
Não se pode, portanto, em face da omissão do legislador, ao tratar do agravo no auto do processo, deixar de admitir que o juiz tenha competência para reexaminar a decisão impugnada, pois isso seria favorecer o retardamento injustificado da ações e, ao mesmo tempo, violentar a própria consciência do magistrado, forçado, muitas vêzes, a agir sob o pêso de um êrro, de cuja existência se convenceu, mas sem meios legais de repará-lo. Enquanto não houver alteração nos dispositivos do Código, não deverá o intérprete submeter-se a uma tese que prima pelo fetichismo das fórmulas. Sòmente se opera a preclusão se a parte prejudicada não usa do remédio facultado pelo art. 851 do Código de Proc. Civil. Em caso contrário, o juiz poderá reexaminar a questão mantendo ou reformando sua decisão. Apenas na primeira hipótese – manutenção – caberá à instância superior julgar a matéria, como preliminar do recurso principal – apelação – interposto por qualquer das partes. Parece-nos que o momento próprio do juiz pronunciar-se será logo após a interposição do agravo no auto do processo; ou no despacho saneador ou, finalmente, na própria sentença, segundo a lição transcrita de JORGE AMERICANO.
Aplicando-se o princípio da igualdade das partes no processo – “princípio jurídico”, na classificação de MANCINI, – deverá o juiz, naturalmente, mandar ouvir a parte contrária sôbre o agravo, para que, não decida apenas ante alegações unilaterais. É um complemento indispensável da tese, sob pena de desvirtuar as finalidades do processo. Mas esta providência o juiz sòmente deverá tomar se entender que deva manifestar-se sôbre o recurso; em caso contrário, será inútil, pois na discussão do recurso principal, se interposto, o agravado terá ensejo de rebater a minuta do agravante.
LEIA TAMBÉM O PRIMEIRO VOLUME DA REVISTA FORENSE
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 1
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 2
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 3
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