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A Justiça Dos Jurados, de Nélson Hungria

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A Justiça Dos Jurados, de Nélson Hungria

REVISTA FORENSE 166 — ANO DE 1954

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05/09/2024

SUMÁRIO: Competência especializada. Administração da justiça penal. Prova judiciária. Uma sessão de júri. Caricatura de Justiça. Argumento liberal. Irresponsabilidade do votante. O desgraçado art. 141, § 28, da Constituição. Fato e direito. O exemplo da Inglaterra. Conclusão.

Competência especializada

Vivemos num século em que a chave do progresso é a divisão do trabalho e a especialização das funções. Na amplitude e complexidade crescente dos dados da experiência científica, o êxito de qualquer arte, ofício ou profissão está condicionado ao particularismo e tecnicismo de conhecimentos. O especialista e o técnico são os procurados e escolhidos, porque só êles realizam o ideal prático dos right men in the right places. A improvisação, ainda que lastreada pela mais provida inteligência e o mais equilibrado bom-senso, já não pode ter possibilidade de sucesso. Os charlatães, os “curiosos”, os “carimbambas”, os “benzedores”, os leguleios, os circunforâneos, tôda a casta de sarrafaçais ou profissionais empíricos já não encontra clientela senão entre os ignorantes e incautos. Sem o acurado apercebimento dos métodos e critérios cientificamente preconizados e sem a habilidade específica que só o continuado treino pode proporcionar, o exercício de qualquer atividade material ou intelectual estará inevitàvelmente fadado ao malôgro. A competência especializada é, na atualidade, o in hoc signo vinces. Já não há lugar para os leigos matediços, para os inexpertos enxeridos, para os maléficos portadores de meia-ciência, que são, êstes, piores que os balabregas de patente e chapa. No ritmo spenceriano da civilização contemporânea, até mesmo o tour de main no fabrico de um simples palito há de ser confiado a operários que especialmente o conheçam. Nenhum mister, por mais aparentemente fácil que seja, dispensa preparo e treinamento singularizados.

Administração da justiça penal

Pois bem, há um setor da vida social que ainda se exime ao “imperativo categórico” da convocação dos capazes, persistindo em oficializar o “culto da incompetência”: é o da administração da justiça penal, com a rotineira conservação do famigerado Tribunal do Júri. Representa êste o mesmo que um agrupamento de sapateiros ou calafates apregoados para o consêrto do mecanismo de um relógio, ou uma reunião dos vereadores de Santo Antônio do Pilão Arcado ou de São José do Grugutuba para decidirem sôbre a reforma cambial.

A justiça penal tornou-se, com os modernos estudos biopsico-sociológicos do criminoso e do crime, uma função que envolve a aprofundada pesquisa da alma humana, a análise dos fatôres criminógenos, a crítica esclarecida de cada caso ocorrente, para o ajustamento da reação penal à personalidade concreta do delinqüente ou ao caráter sintomático da conduta criminosa. Já não pode deixar-se inspirar por sentimentalismos espúrios, por ódios vingativos ou ditames de piedade. Não é rigor fanático de inquisição, nem obra de caridade da Irmã Paula. A justiça penal emocional cedeu o passo à justiça penal friamente analítica, ao serviço do superior e exclusivo interêsse da defesa social contra o flagelo da criminalidade. Já não pode interferir com a sua aplicação o conceito de PASCAL, de que o coração tem razões que a razão não compreende. O juiz sentimental, o juiz à Magnaud, é um retardatário, um cabotino, ou um prevaricador. Embora se compreendam o criminoso e o crime como atestados da contingência humana, não há perdoá-los, substituindo-se o Código Penal pelo Sermão da Montanha. A impunidade de um criminoso é o maior estímulo para outros. O dia do perdão para um crime é a véspera de novos crimes.

 Prova judiciária

Por outro lado, a justiça penal de nossos dias, no tocante à apreciação da prova judiciária, é todo um sistema de lógica, de técnica, de análise comparativa, de crítica psicológica, a reclamar dilatada experiência e continuado exercício mental de deduções e induções. Para concatenar e avaliar provas, evitando-se o deplorável descarrilamento da justiça penal, não basta o superficial e desprevenido senso comum, pois é indispensável exercitada perspicácia, amestrado raciocínio, atenção vigilante e traquejado espírito de observação. Entretanto, essa justiça, e precisamente no que diz com os crimes mais graves, continua sendo confiada à bisonhice, à simpleza, ao canhestrismo de juízes de acaso, aos quais se teima em chamar “jurados”, embora já não se lhes peça juramento, desde a remota época da separação entre o Estado e a Igreja. Sorteados para o “conselho de sentença” (afastados os menos incompetentes pelas “recusas peremptórias” da acusação e da defesa), investem-se êles na soberania do despropósito, no incontrolado arbítrio da imperícia, transformando a justiça penal num “jôgo-de-cabra-cega” ou no azar de uma rinha de galos.

Uma sessão de júri

Fixemos os episódios de uma sessão de júri, e risum teneatis. Os sete jurados, os sete recrutas, os sete soldadosde leva da justiça reservada aos assassinos, são colocados entre duas espetaculares tribunas de oratória, para julgarem o celerado que estrangulou uma criança por fútil motivo. Um juiz de direito, revestido de sua toga, está no alto de um estrado, de onde, com vez a escorrer monótona, enfadonha e anestesiante, faz o relatório do caso. Não pode ter vivacidade alguma, para não deixar perceber inclinação pró ou contra o réu. A seguir, começa a acusação, e os jurados despertam da modôrra. Irrompe a Promotoria com palavras de execração, objurgatórias rascantes, anátemas, maldições, tremolos de ator trágico, dedo em riste contra o “monstro lombrosiano” sob acusação, impropérios tresandantes a cólera bíblica em nome do interêsse social, que, para os jurados, burgueses individualistas e egocêntricos, é uma pura abstração ou qualquer coisa distante como a “serra que azula no horizonte”. Depois, vem a defesa. A teatralidade aumenta. Entram em cena os sofismas e os truques de dialética, os gestos dramáticos e o latim de CÍCERO. O vermelhão da China com que a acusação pintara o réu de alto a baixo vai-se apagando sob uma caiação em regra. Nada do que disse o promotor é verdade. O réu é uma pomba sem fel, um manso cordeiro que se pretende sacrificar a uma justiça esquerda e caolha. Sua condenação seria um êrro judiciário como fôra a de JESUS CRISTO (e neste momento o defensor aponta para o Crucifixo pendurado no fundo da sala por mero ornamento). O réu agiu em legítima defesa, pois a criança chegara a tomar uma pedra, ameaçando a sua integridade física… Nesta altura, o promotor aparteia; mas o defensor, que não espera outra coisa, retruca com seus melhores “agudos” e “altíssimos”, para alegar que apenas houve um desculpável excesso do réu, conturbado, que estava, pelo mêdo da agressão iminente, pelo alvorôço do instinto de autoconservação, pelo cego ímpeto do serva te ipsum… Os dois, acusador e defensor, põem-se a falar ao mesmo tempo. Faz-se a confusão, rompe-se o fio do processo, esfumam-se os pontos centrais, substituídos por questiúnculas de lana caprina, a que se procura dar relêvo decisivo, para distrair a atenção dos jurados, que ali estão, passivos, perplexos, desprecatados contra os recursos tribunícios, inscientes da solução na órbita legal, jejunos de literatura jurídica, carentes do mais elementar senso do direito, tão deslocados naquele recinto como jacus em festa de nhambus. Os fatos são hábil e escrupulosamente deformados pela defesa, e com tal ênfase ou fingida convicção, que os jurados passam a formar do acontecimento criminoso uma idéia inteiramente erradicada da realidade dos autos, cuja leitura ouviram distraídos, pensando na “morte da bezerra” ou, no meio de inventar o motu continuo. Perde o interêsse a prova coligida no processo, e tudo se esvai em verborréia, em logomaquias, em torneio de oratória. Palavras, palavras, nada mais que palavras. O “monstro” cabisbaixo no banco dos réus, o “bebedor de sangue” descrito pela Promotoria Pública vai, aos poucos, pelo “passe de mágica” da defesa insidiosa e eloqüente, sempre a falar por último, adquirindo asas de anjo, véu de serafim, auréola de santo, fardão de benemérito, e o resultado é sabido: absolvição unânime, e com louvor. É isto o júri. Sua justiça é idêntica à dos dados na mesa verde. É mais aleatória que um trem da Central ou a fé do caloteiro. Justiça de víspora, justiça de roleta, justiça de loteria.

Caricatura de justiça

Justiça refletida em espelhos côncavos ou convexos. Absolve ou condena por mero “palpite”, por critérios apriorísticos, por simpatia ou antipatia, por fastio ou desfastio, por lhe ter agradado mais a prosopopéia da acusação que a da defesa, ou vice versa. Justiça tão incerta quanto bordoada de cego ou preço de turco. E que é pior: justiça de dois pesos e duas medidas. Com a constante renovação dos jurados nos conselhos de sentença, casos idênticos, julgados na mesma sessão do mês, têm solução diferente. Réus que merecem absolvição sofrem condenação, enquanto os mais cruéis sicários são mandados em paz e liberdade. Os conselhos de sentença que se sucedem, cada qual decidindo segundo o próprio arbítrio, sem qualquer preocupação de homogeneidade de critérios, pronunciam veredictos que, cotejados. espantam pelo ilogismo, pela incongruência, pela iniqüidade. O júri é como uma balança maluca, que não tem fiel ou escala de números no mostrador. O acaso intervém nos seus julgamentos como no tempo das ordálias ou juízos de Deus. Os acusados já não são amarrados de pés e mãos e atirados no tanque, a ver se são culpados ou inocentes, conforme afundem ou flutuem; mas os fatos mais insignificantes continuam a decidir da sorte dos réus no tribunal popular: há muito jurado que resolve condenar ou absolver conforme venha, ou não, a pousar-lhe na ponta do nariz a môsca que voeja em tôrno… Soberanos e irresponsáveis, os jurados não são contidos por freio algum. Não estão ligados à carreira funcional da justiça, não estão sujeitos a sanções disciplinares, são isentos de prestação de contas, não necessitam de granjear merecimento no ofício de julgar. O temor da censura, tão forte nos juízes profissionais, é nenhum em relação aos jurados, pois, terminada a sessão do júri, que para êles não passa de uma “estopada”, perdem-se na multidão anônima, como gotas d’água na caudal. Entram para o conselho de julgamento com tôda uma carga de apriorismos, de idéias tendenciosas, de paixões de momento, de gratuitas prevenções a favor ou contra os réus. Acessíveis a pedidos, comprometem seus votos, de antemão, como se se tratasse de um obséquio banal. Nas comarcas longínquas, como é sabido, o júri não é mais que um robot manejado pelo partido político dominante: aos seus julgamentos precedem os conciliábulos de véspera, em que os jurados recebem do mandão local o santo e a senha.

O grande argumento em prol do júri é o formulado por uma obsoleta cartilha democrático-liberal: o tribunal de jurados é o próprio povo distribuindo diretamente justiça. Ora, o júri representa o sentimento popular como um galho sêco representa a árvore de que foi destacado ou como um copo d’água apanhada na praia representa o mar. Não é exato que a democracia liberal, após a revisão de seus primitivos postulados, continue a exigir a participação direta de leigos na administração da justiça. O que ela reclama é que os cidadãos sejam bem julgados, com as garantias da publicidade e da amplitude da defesa. A democracia é baluarte dos “direitos do homem”, e já não mais dos “crimes do homem”. Seria verdadeiramente estranho que a democracia tivesse repelido a interferência direta do povo nos setores administrativos do Estado, e só abrisse uma exceção no tocante à administração da justiça. Aquêles que defendem, em nome da democracia, o tribunal popular, deviam, lògicamente, pleitear a instituição do plebiscito e do referendum popular para expedição das leis e dos atos governamentais. O mesmo interêsse que o novo pode ter na distribuição da justiça deve ter nos demais ramos da administração. E crasso ilogismo seria a limitação do julgamento popular direto aos crimes contra a vida: tôda a justiça, penal ou cível, deveria ser irrestritamente confiada aos jurados. Note-se que na Inglaterra, para salvar-se a coerência, é facultativo o judicium parum suorum mesmo para as questões cíveis; mas o sistema caiu em descrédito, pois sòmente apelam para o júri cível os que não têm o direito de seu lado… À parte os pescadores de águas turvas, a verdade, porém, é que o povo não se preocupa em que se lhe dê, ou não, a prerrogativa de julgar. O júri só lhe interessa como espetáculo, como show, como tablado de rink, em que promotores e defensores se defrontam para o gaudium certaminis, para os duelos de oratória. É uma peça teatral que o povo assiste de graça, e exclusivamente, por isso é que ainda desperta a sua simpatia. O “coronelismo” de aldeia e o unilateralismo interesseiro dos advogados criminais é que bradam pela manutenção do júri soberano, para que não cessem os seus proveitosos triunfos eleitorais ou profissionais.

Irresponsabilidade do votante

O júri, na realidade prática, é a anomalia de um sistema instituído e montado para violar impunemente as leis, sem estar obrigado, sequer, a fundamentar seus julgamentos. Uma das garantias da boa justiça, reclamadas entre os versículos do próprio credo democrático, é a motivação dos pronunciamentos judiciários. Tal motivação é indispensável para prestigiar a justiça no ânimo e confiança da coletividade ou educar o povo para o sentimento e idéia da justiça. Sòmente a justiça dos tiranos, com o sic volo, sic jubeo, sit pro ratione voluntas, é que não cuida de se justificar a si mesma. Pois bem; ao júri se permitem decisões monossilábicas, dogmáticas, sem qualquer explicação, e tomadas mediante voto secreto, para que se não afete a sagrada irresponsabilidade do votante ou o seu arbítrio de negar a verdade e a lei.

Afirma-se que os jurados, diversamente dos juízes de toga, calejados no oficio de julgar, têm a virtude da “lógica do sentimento” ou da “espontaneidade dos juízos”, de modo a evitar o summum jus, que redunda na summa injuria. Ora, não é exato que os juízes de profissão aridificam o coração no exercício cotidiano de sua função. Há muito mais sensibilidade e compreensão nêles do que nos juízes leigos. O que não fazem é tratar indistintamente os culpados – e os não-culpados, os facínoras e os inocentes. O continuado exercício da judicatura, dizia JHERING, em irrefutável libelo contra o júri de leigos (“Das Zweck im Recht), é a escola da justiça. O apurado sentimento da justiça depende de uma educação prévia, do mesmo modo que o de tôda virtude humana. A diferença primacial entre o juiz de carreira e o juiz ocasionar é que aquêle exerce a virtude como um dever e tem sua honra profissional à zelar, enquanto o juiz de ocasião só tem a guiá-lo a indisciplina do instinto. O que os jurados realmente levam para os seus veredictos é o sentimento sem lógica, o sentimento incerto e variável, o entendimento sem o contrôle da razão, o desgovêrno de consciências maleáveis e permeáveis a tôdas as impressões de momento. Seus lacônicos “sim” e “não” representam um autêntico jôgo de disparates ou respostas de surdos. As mais desmarcadas absurdezas, as mais estapafúrdias teses são por êles aceitas de boa mente. Admitem coação irresistível sem coator e legítima defesa contra uma pessoa dormindo ou a fugir; reconhecem doença mental em contraste com a perícia psiquiátrica e simples imprudência em homicídios friamente premeditados e executados. Segundo seus preconcebidos pontos de vista ou dominados pela farfalhante eloqüência da acusação ou da defesa dão maior mérito a testemunhas de auditu que a testemunhas de vista. Uma ousada, mas veemente alegação da defesa, acompanhada de punhadas no parapeito da tribuna, embora sem o mais leve apoio na prova dos autos, basta para fazer tabula rasa de cinco depoimentos presenciais ou a própria confissão do réu. Não posso esquecer um episódio muito significativo a tal respeito e que registrei no meu “diário” de antigo promotor numa remota comarca do meu Estado natal. Tratava-se do julgamento de um réu que matara de emboscada um seu vizinho, por questão de terras, e acabara confessando o crime, não perante delegado militar, mas livremente, na presença das várias testemunhas, quando interrogado pelo pacatíssimo subdelegado municipal. Seu, defensor era um rábula festejado por seus dotes oratórios e lastimado pela feiúra de sua mulher, de nome siá Rita, esgrouviada, mais chata de peito e de nádegas que tábua de pinho, sempre de prêto e de rosário à mão, a ir da casal para a igreja e da igreja para a casa, a se benzer tôda quando tinha de passar próximo à rua do Meio, que era a do meretrício local; em suma: um interdito proibi~ contra a luxúria. Pois bem; como a defesa se orientasse pela negação da autoria, dizendo extorquida à pancada a confissão do réu, procurei acentuar, em aparte, a inanidade de tal assertiva; mas o rábula, empertigando-se, solene, saiu-se com esta:

– Senhores jurados, se isto que estou afirmando não fôr verdade, quero ver siá Rita na rua do Meio!

Enquanto eu não continha um frouxo de riso, os jurados permaneceram comovidos e sisudos, e, afinal, absolveram o réu por unanimidade de votos.

O desgraçado art. 141, § 28, da Constituição

Foi em vão que o nosso Cód. Penal vigente cuidou de criar obstáculos à proverbial frouxidão do tribunal popular. Valiam êles ao tempo em que a lei substantiva e a lei adjetiva penais, entrosadas num sistema harmônico, que veio a ser rompido pelo desgraçado art. 141, § 28, da Constituição de 46, se completavam para a eficiência da repressão do crime. Atualmente, são preceitos inócuos, não passando, nos julgamentos do júri, de um caput mortuum. Que vale dizer o Cód. Penal, por exemplo, que a paixão ou a emoção não excluem a responsabilidade ou que não há irresponsabilidade sem perturbação mental de fundo mórbido, se os jurados, na sua soberania de fazer de quadro rotundumet de albo nigrum., podem negar o quesito de autoria imputada ao réu, abstraindo os depoimentos de oito testemunhas de visu? Uma primeira e única vez, o seu veredicto pode ser cancelado pelo tribunal da justiça togada; mas, quando do novo julgamento, pode decidir que gato é lebre e que ôvo é espêto.

Fato e direito

Dizem os apologistas do júri que não faz mal a ignorância jurídica dos jurados, porque êstes apenas julgam de fato, e não também de direito. É o argumento que remonta ao século XVI: ad quaestionem facti non respòndent judices; ita ad quaestionem. juris non respondent juratores; mas não tem valor. Em primeiro lugar, fato e direito se conjugam de tal maneira, de tal modo se interpenetram, que é impossível a sua separação. Os jurados não ficam, e a impõem ao juiz-presidente, que é obrigado a sancionar os desconchavos e despautérios das respostas ao questionário. Não estarão êles acaso, decidindo de direito, quando reconhecem uma dirimente ou uma descriminante, quando negam o dolo ou afirmam a culpa? O direito estabelece princípios e formula definições, e o fato não tem sentido jurídico, não é suscetível de acarretar conseqüências jurídicas pela aplicação de um princípio, senão quando entra no quadro de uma dessas definições. E êste enquadramento, no tribunal popular, incumbe aos jurados. Perfilar o fato ou reconhecê-lo é estabelecer que um acontecimento da vida social pertence a tal ou qual categoria legal, ou apresenta tal ou qual caráter que o direito toma em consideração. Logo, os jurados necessàriamente julgam de direito, embora entendam disso como de aramaico. Em segundo lugar, ainda que fôsse viável a distinção entre fato e direito, qual a utilidade de se reservar a apreciação daquele ao júri, se, ao fim de oito horas de palavrório sonoro, o fato se apresenta à percepção e espírito dos jurados inteiramente outro do que realmente ocorreu, totalmente diverso do constante nos autos, não passando, já então, de um “ente de razão” criado, artificialmente, pela sofisteria e lances teatrais do defensor, que sempre merece do júri mais crédito que o promotor, contra quem há a prevenção de que sòmente acusa por dever funcional.

O exemplo da Inglaterra

Tôda vez que o júri profere absolvições escandalosas, preconiza-se, alarmadamente, a necessidade de sua remodelação; mas os nossos licurgos, comovedoramente fiéis aos sans-culottes da Revolução Francesa, fazem do júri um tabu sagrado. A reforma que em tão boa hora fôra realizada pelo legislador de 38 e 41 veio a ser anulada sumàriamente por uma emenda de afogadilho ao projeto da Constituição de 46, obtida pela cabala e a pressão dos advogados criminais nos, corredores do Palácio Tiradentes. Afirmou-se, insidiosamente, que a revogada possibilidade de alteração de meritis dos veredictos do júri pelo tribunal togado, segundo a lei nº 167, de 1938, e o Código de Proc. Penal, tinha côr fascista, ou cheiro de Estado totalitário. Pura invencionice, mero boato demagógico. O exemplo viera da Inglaterra, pátria do júri, como tutela do povo contra os antigos magistrados da Coroa e país do mais saudável clima democrático-liberal. Foi a Inglaterra que teve a iniciativa, nos tempos modernos, apesar do ferrenho conservantismo que a caracteriza, da reformabilidade das decisões do júri pela Côrte de Justiça, chegando a admitir, ainda quando o recurso seja do próprio réu, até mesmo a reformatio in pejus.

O júri, tal como o consagrou, num impacto de democracia romântica, a Magna Carta de 46, é uma ruína histórica, uma absurda relíquia de barbaria, uma primária confusão entre regime político e justiça. Êsse júri medieval ficou entre as modernas instituições sociais como uma construção rococó entre arranha-céus de cimento armado, como um lerdo carro de bois a competir com os autocaminhões, como uma lamparina de azeite a rivalizar com uma lâmpada elétrica. Não é pròpriamente uma tradição, mas uma superstição. Os democratas ortodoxos acreditam no júri como os supersticiosos acreditam em bruxas, em azar do número 13 ou em mandinga de macumbeiros. Julgam que democracia sem júri é como castelo inglês sem fantasma; perderia a sua característica ou o seu prestígio. Ora, o júri teve a sua razão democrática na época, já inteiramente superada, em que os juízes de ofício não eram mais que mandatários passíveis do Príncipe. Nos tempos hodiernos, depois que MONTESQUIEU demonstrou que a essência da democracia liberal está na separação dos poderes, ficando o Poder Judiciário abroquelado na sua independência, e vindo os juízes do seio do próprio povo, o júri perdeu a sua função política, a sua anteriormente proclamada razão de ser. Sobrevive, atualmente, como um resíduo de organismo que deixou de ser útil ou sòmente serve para atrapalhar a sinergia dos órgãos restantes. Está para a justiça penal como a antiga “guarda nacional”, de ridícula memória estava para o exército de linha. É uma falsa membrana, é um apêndice infeccionado no organismo da justiça, a reclamar urgente amputação cirúrgica. É um record de anacronismo. Há muito que já devia ter sido recolhido a um museu de curiosidades históricas, entre um bacamarte bôca-de-sino e a uma traquitana do tempo de D. João VI.

Nélson Hungria, Ministro do Supremo Tribunal Federal

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