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ARTIGOS

PENAL

PROCESSO PENAL

Intersecções entre psicologia forense e direito penal: entre loucos e culpáveis

DIREITO PENAL

MEDIDA DE SEGURANÇA

PERICULOSIDADE SOCIAL

POLÍTICA CRIMINAL

PSICOLOGIA FORENSE

Paulo César Busato

Paulo César Busato

30/08/2016

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RESUMO

O presente artigo busca demonstrar que o afastamento entre o Direito penal e a psicologia forense, ocorrido do fim do século XIX até a década de 1970, não inibiu práticas abusivas e embasadas em justificativas pseudocientíficas que tinham o fito de atingir com aumento/incremento de pena os alvos do sistema penal, dentre os quais estão os inimputáveis, os semi-imputáveis, os adictos em drogas e os traficantes, pontualmente tratados neste trabalho. Demonstra-se que a política-criminal desenvolveu-se e ainda se desenvolve, inclusive com base nos trabalhos de neurociências, no sentido de utilizar indevidamente o sistema penal para situações que demandam abordagens clínico-sanitárias, seja através da imposição de medidas de segurança sem relação com a condição psíquica do agente e por tempo indeterminado, ignorando-se o princípio da culpabilidade e a essencialidade do sistema vicariante, seja através da imposição de pena de modo a privar de liberdade certos grupos cuja aniquilação é o fim principal.

Palavras-chave: Política-Criminal. Periculosidade Social. Medida de Segurança.

ABSTRACT

This article intent to demonstrate that the clearance between the criminal law and forensic psychology, used from the end of the 19th century until the 1970, not inhibited abusive practices and based on pseudo-scientific justifications that had the aim to achieve with feather increasing targets of the penal system, among which the not responsable people, the drug addicts and traffickers, promptly treated. Demonstrates that the criminal policy developed and still develops, including on the basis of the work of neuroscience in order to use improperly the penal system for situations that require clinical health approaches, either through the enforcement of security measures unrelated to the mental condition of the agent and indefinitely, ignoring the principle of culpability and the essentiality of vicariance system, either by imposing penalty in order to deprive of freedom certain groups whose annihilation is the main purpose.

Keywords: Criminal Policy. Social Dangerousness. Security measure.

INTRODUÇÃO

O presente escrito pretende estabelecer alguns pontos de intersecção entre os pontos de interesse das questões relevantes da psicologia forense e da praxis penal.

A partir das fontes criminológicas etiológicas que arrancaram de Lombroso e seus seguidores[1] , no final do século XIX, o estudo clínico da figura do criminoso, dissociou-se completamente este do estudo normativo-jurídico.

Somente houve um retorno de conexão entre os dois saberes por volta dos anos 70 do século XX, quando o foco da criminologia passou a dirigir-se para o âmbito do sistema incriminador, detectando que a única causa real da criminalidade é o próprio sistema penal.

Por outro lado, esse divórcio de tão longo tempo não impediu que alguns conceitos de absoluto interesse das ciências duras fosse incorporado pelas instâncias jurídicas que os manejaram, quase sempre, abusivamente.

Talvez seja o momento de os juristas debruçarem-se sobre a psicologia forense em busca de ajuda para filtrar a seletividade do sistema penal.

Bem se sabe que todo instrumental teórico pode ser voltado para o sentido positivo ou negativo. Não se deve confiar nem acreditar em uma ciência anódina, em um estudo distanciado, desprovido de escolhas políticas e sociológicas. Esta certeza, porém, deve servir para que se depure a interpretação oferecida pela ciência, depurando-a dos seus preconceitos, e não para virar-lhe as costas, simplesmente.

O que se pretende demonstrar neste escrito é que o período de isolamento entre o conhecimento criminológico – especialmente o psicológico – e o direito não serviu para proteger os alvos do sistema penal do emprego abusivo de esquemas pseudo-científicos como justificativa de incremento/aumento da incriminação.

Um desses instrumentais preferenciais é o diagnóstico de psicopatia, que em termos jurídicos está quase sempre associado a um conceito de periculosidade que justifica certa classe de intervenção penal abusiva, conforme se verá.

Claro está que o presente escrito sofre – ele próprio – da miopia do óculo jurídico. Entretanto, como a postura é de crítica endêmica à postura dos juristas, não creio que derive desta má visão prejuízo maior do que aquele que se pretende denunciar.

O campo no qual se desenvolverá a discussão é a contraposição entre monismo e dualismo acerca da resposta penal, ou seja, as consequências que o direito penal faz derivar para quem pratica um injusto. Talvez o tema seja, entre os juristas, considerado um tanto naïf, coisa que se pretende refutar partindo-se do seguinte argumento: se o tema fosse tão irrelevante assim, Locos y culpables[2] não teria sido o título denunciativo escolhido por um catedrático espanhol do calibre de Gonzalo Quintero Olivares para nomear a monografia mais importante escrita sobre a situação daqueles que, não obstante clinicamente não se tenham demonstrado completamente cientes de que praticaram delito, têm ainda que arcar com a carga de um castigo.

1. A ORIGEM DO PROBLEMA: NASCIMENTO DA DUPLA VIA

De modo geral, os enfermos mentais foram tratados pela justiça como objetos e não como pessoas, até bem entrado o século XVIII. Foi bastante tardio o reconhecimento de que se tratavam de pessoas com seus direitos fundamentais garantidos, mas portadoras de uma enfermidade.[3]

De modo geral, os estudiosos de psiquiatria forense apontam como o precedente mais remoto de admissão da condição de uma alteração mental em uma pessoa reconhecida como sujeito de direito o caso da morte de Jean-Paul Marat.[4]

Charlotte Corday D’Armont foi acusada de matar Jean-Paul Marat, médico, filósofo, teorista político e cientista, crítico acérrimo do governo e defensor de reformas básicas para as camadas até então tidas como inferiores pela sociedade da Paris do período revolucionário.

No dia 13 de julho de 1793, Charlotte teria desferido uma punhalada no peito de Marat, em uma banheira. Diante do tribunal revolucionário, Chauveau-Lagarde, seu advogado, não teve outro meio de defendê-la a não ser alegando loucura. Em sua defesa, afirmou que uma obsessão tinha se apoderado dela. A tese era de que estava convencida de que o período do Terror afundaria a recém-nascida República, e que o único modo de salvar a França era matar Marat.

Naturalmente, o Tribunal Revolucionário da França de então era pouco afeito a esta classe de filigrana jurídica e rejeitou a tese, condenando-a à guilhotina apenas quatro dias depois da morte de Marat[5], e não tomando maior conhecimento da tese. Ou seja, a questão da enfermidade mental era completamente ignorada pelo direito. Este julgamento é simbólico na demonstração do quão pouco era levada em conta a questão psicológica na aferição da responsabilidade penal.

No período medieval, era hábito manter as regras impositivas de segregação impedindo a entrada das pessoas consideradas indesejáveis à comunidade nas cidades, obrigando-as a residirem nas suas imediações.[6] O objetivo, claramente, era impedir condutas consideradas antissociais, mas estas não se resumiam simplesmente a práticas criminosas, mas também incluíam tudo o que era considerado indesejado, como era o caso dos portadores de enfermidades físicas, como a lepra ou a peste, e também os portadores de enfermidades mentais.

Não é um acaso que estudiosos como Foucault[7] refiram constantemente a associação entre prisão e hospital.

Com isto, as imediações das cidades se converteram em “grandes núcleos e assentamentos de marginais, pobres e loucos, sobre os quais se ditou uma bateria de medidas assecuratórias e preventivas com o objetivo de proteger o reino de indesejáveis que ameaçavam a paz e a convivência cidadã”[8].

A preocupação não era outra além do simples afastamento das pessoas indesejadas, o que fica bem ilustrado pela narrativa feita por John Howard[9] em seu famoso escrito “The state of the prisons in England and Wales”, em que dava conta da catastrófica situação dos presídios britânicos, onde as condições dos detentos eram absolutamente desumanas, carecendo, inclusive, de assistência médica e, por óbvio, de tratamento para os deficientes mentais.

Esta é a razão pela qual “desde então o conceito de periculosidade caminharia unido ao das pandemias, e dos padecimentos incuráveis de certos males, ou seja, muito relacionado com as próprias saúdes física e psíquica, com a morte e a medicina, com o mundo escuro e das trevas”[10].

O amplo desenvolvimento da medicina e da psicologia no século XIX não foi devidamente aproveitado pelo direito, e o portador de psicopatia seguiu tendo, de regra, sua doença completamente desprezada como fator de responsabilidade jurídica.

O próprio conceito de cidadão doente para referir-se ao portador de enfermidade mental é relativamente recente, não obstante a área de contato entre insanidade e direito no aspecto criminal seja mais do que óbvia.

Consoante a isso, Agustín Jorge Barreiro[11] bem observa que somente no final do século XIX e no início do século XX o Direito penal vivia uma crise de crescimento, motivada, entre outras razões, pela conjugação de penas e medidas de segurança. É que a pena, ajustada à culpabilidade, não podia fazer frente a certo setor da delinquência, justamente aquele que tinha por autores os menores e os doentes mentais. Ou seja, só então se cogita uma solução dupla, que tivesse uma orientação punitiva para aquele que comete crime e sabe o que está fazendo e aquele que comete crime sem ter a menor ideia a respeito da ilicitude do que faz.

Cria-se uma ideia de dupla via, em que se prega a coexistência entre “uma forma de reação penal fundada na culpabilidade com formas de reação jurídica fundadas na periculosidade e fora dos limites de culpabilidade”[12].

Dirigida especialmente ao inimputável, aparece a medida de segurança, a partir dos estudos desenvolvidos pela escola positiva[13], em especial dos trabalhos de Enrico Ferri e Terza Scuola de Carnevale[14]. Nesse momento, a tutela social se torna o objetivo primordial, pregando a necessidade de custódia dos interesses coletivos a todo custo, ainda que em detrimento de garantias individuais.[15]

A escola positiva desdenha o livre-arbítrio e a culpabilidade do sujeito relacionados ao fato cometido e contrapõe a eles o determinismo, para explicar, com base em concepções naturalísticas, a causalidade dos fatos individuais.

A primeira fórmula de dupla via que logrou figurar legislativamente foi o projeto de Carl Stoos para o Código penal Suíço de 1893.

Admitia-se, então, que a pena, limitada pela culpabilidade – ou seja, de caráter proporcional em face do mal causado –, limitada no tempo, não seria capaz de fazer frente à periculosidade. O autor de delito que fosse, ao mesmo tempo, portador de psicopatias, não era capaz de compreender que teria violado a norma, portanto, tampouco seria capaz de compreender uma sanção que se pretendia traduzir em reprovação pelo que foi feito. Logo, a prognose de “mais cuidado da próxima vez” não tinha chance de ser cumprida.

Daí que a ideia fosse associar o nível de perigo patológico representado pelo enfermo mental e associar a reação penal a uma forma de contenção deste perigo.

2. AS MEDIDAS DE SEGURANÇA E O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DE UMA FRAUDE DE ETIQUETAS

Com toda a boa vontade dos clínicos e com toda a certeza empírica que norteava as conclusões psicológicas e psiquiátricas, o fato é que o Direito penal não lidou bem com tais descobertas.

Pouco a pouco, o que se instaurou foi uma fraude de etiquetas.

O suporte emprestado pela psiquiatria levou a uma revisão do perfil do Direito penal e da própria ideia de periculosidade. O Direito penal, até esse momento centrado no resultado do fato cometido, voltava seu interesse à pessoa do delinquente[16].

O temor de um crime passou a estar associado ao delinquente contumaz ou reincidente, bem como aos enfermos mentais que cometiam delitos graves, os quais eram apresentados como incorrigíveis e responsáveis, mesmo que não tivessem cometido qualquer delito.[17] Aparece, nesse contexto, a formulação de um conceito de periculosidade social e se estabelece como resposta a ela um mecanismo de atuação consistente na medida de segurança. A medida de segurança, com esse enfoque, relaciona-se com a periculosidade do sujeito e não com a culpabilidade. Com isso, as medidas de segurança logo se caracterizam por serem desproporcionais ao delito e indeterminadas no tempo.

Por outro lado, é interessante notar que nenhum dos códigos penais do século XX termina por definir o que é periculosidade, embora o conceito tenha sido fartamente esmiuçado no âmbito da medicina e suas especialidades.[18]

Na verdade, a construção de uma fórmula de medida de segurança derivou muito menos de um “reconhecimento” a respeito das descobertas psicológicas e psiquiátricas do que de uma necessidade sociológica de banimento e segregação de pessoas.

Tanto é verdade, que na legislação alemã as medidas de segurança se incorporaram ao Direito positivo com a Lei de delinquentes comuns, de 24 de novembro de 1933, com ideias que foram amplamente absorvidas e difundidas pelo regime nacional-socialista.[19]

Na Espanha, as medidas de segurança apareceram no Código Penal de 1928, cujo art. 97 não deixava claro o fundamento das medidas de segurança, mas a lei especial fez com que elas fossem aplicadas aos vagabundos, ébrios habituais, toxicômanos etc.

A regulamentação se complementou com a chamada Ley de Vagos y Maleantes, de 4 de agosto de 1933, e mais recentemente com a Ley de Peligrosidad y Rehabilitación Social, de 4 de agosto de 1970.

A adoção de um sistema relacionado com a periculosidade social e a defesa social implicou, em todos esses casos, a adoção das medidas de segurança pré-delituais. Ou seja, o castigo não derivava de prática delitiva alguma, mas da simples condição de “perigoso”.

O Brasil não ficou isento desse processo. O Código Penal de 1940, artigo inspirado pelo Código Rocco italiano, já previa a aplicação da medida de segurança aos “perigosos”, fossem eles imputáveis ou não.[20]

Aliás, convém referir que juntamente com o Código Penal foi editado o diploma que trataria dos delitos menos graves, as chamadas contravenções penais, dispostas no Decreto-Lei n. 3.688, de 3 de outubro de 1941, cujo objetivo era cuidar de situações que, malgrado não constituíssem crimes, deveriam ser tratadas de forma similar, ou ao menos deveriam constituir objeto da ação profilática complementar à pena de encarceramento.

No art. 13, previu-se aplicáveis aos autores de contravenções penais as medidas de segurança contidas no Código Penal, exceto o exílio, que hoje já não temos e é justamente uma herança do degredo medieval. O art. 14 estabeleceu uma fantástica presunção de periculosidade para diversas pessoas, entre elas os condenados por contravenção praticada por embriaguez, quando ébrios habituais, e até mesmo os condenados por vadiagem ou mendicância, tipos penais contidos no mesmo diploma, respectivamente nos arts. 59[21] e 60[22].

É fácil observar que o critério de defesa social e periculosidade social conduz a desvios e excessos. As medidas de segurança pré-delituais baseiam-se em um hipotético prognóstico delitivo e revelam uma tendência a um Direito penal do autor. Esta circunstância – dissociação entre a prática delitiva e a ideia de periculosidade – permitia abertura que comportava várias classes de abuso.

Do mesmo modo que não eram necessários a prática delitiva para a constatação, o reconhecimento e a imposição de uma medida de segurança, bastando a constatação da periculosidade, a dissociação completa entre periculosidade e culpabilidade permitia, entre outras coisas, a cumulação das duas. Ou seja, era possível ao juiz, em uma sentença condenatória por uma pena determinada, impor, uma vez cumprida a pena, a aplicação também de uma medida de segurança por prazo indeterminado, até que cessasse a periculosidade, bastando, para fazê-lo, declarar esta condição do réu – de perigoso – na sentença.

Como é fácil imaginar, esta estrutura de duplo binário permitia severos abusos judiciais, associados ao perfil ditatorial dos Estados. Enfim, a medida de segurança, de algo clínico, transformou-se em um instrumento político de discriminação.

Assim, com o disfarce da medida de segurança e do conceito de periculosidade social se construía uma fraude de etiquetas, capaz de ocultar penas de caráter perpétuo. A burla ao sistema de garantias foi evidenciada por Muñoz Conde:

Se a medida privativa de liberdade pode ser de maior duração que a pena propriamente dita, e inclusive de duração ilimitada, então está claro que o submetido a elas pode chegar a estar em pior condição que o condenado com uma pena. Mas se a medida privativa de liberdade pode além disso impor-se para ser executada uma vez cumprida uma pena da mesma natureza, então não só se prejudica mais o condenado, mas também se produz uma autêntica burla dos princípios e garantias do Estado de Direito.[23]

Mas o problema se situa mais além, como se verá a seguir.

3. UMA SEGUNDA ETAPA DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA: O FIM DO ABUSO?

No Brasil, a questão só começou a se alterar com a mudança da parte geral do Código penal, nos idos de 1984, quando se afirmou a adoção de um sistema vicariante. Nosso Código, em sua exposição de motivos, no item 22, referiu:

Além das correções terminológicas necessárias, prevê o projeto, no parágrafo único, in fine, do art. 26, o sistema vicariante para o semi-imputável, como consequência lógica da extinção da medida de segurança para o imputável. Nos casos fronteiriços em que predominar o quadro mórbido, optará o juiz pela medida de segurança. Na hipótese oposta, pela pena reduzida. Adotada, porém, a medida de segurança, dela se extrairão todas as consequências, passando o agente à condição de inimputável e, portanto, submetido às regras do Título VI, onde se situa o art. 98, objeto da remissão contida no mencionado parágrafo único, do art. 26.

Pode-se interpretar isso de várias formas. Em primeiro lugar, pode-se pensar que o legislador limitou o sistema vicariante aos casos de semi-imputabilidade, o que levaria a limitar o máximo da medida de segurança ao quantum da pena aplicada para o semi-imputável, ao ser substituída por medida de segurança na forma do art. 98 do CP. Neste caso, o semi-imputável teria uma medida de segurança limitada, e os inimputáveis teriam medidas de segurança ilimitadas, o que levaria a uma odiosa violação do princípio de igualdade. Seria possível pensar, também, que fenece completamente a ideia do sistema vicariante ao referir o legislador que o juiz, ao adotar a medida de segurança para o semi-imputável, faz com que ele receba o mesmo tratamento do inimputável, ou seja, medida de segurança com prazo indeterminado. Dessas hipóteses parece forçoso concluir que nosso Código fez meramente uma separaração entre pena e medida de segurança, mantendo a última ilimitada em seu quantum.

Em decorrência disso, nossa doutrina se inclina por apresentar o sistema vicariante como sendo simplesmente a opção por pena ou medida de segurança, esquecendo a questão da limitação da medida de segurança pelo total da pena[24], que tradicionalmente é requisito de tal sistema.

Segundo Muñoz Conde e García Arán, o sistema vicariante consiste basicamente em

evitar que a duração da pena e da medida se somem e incrementem assim a aflitividade da privação de liberdade. Em resumo, o sistema vicariante consiste em começar pela aplicação da medida e computar o período de internamento como cumprimento da pena; a aplicação da medida não poderá ultrapassar o tempo da pena prevista pelo Código penal para o delito.[25]

No mesmo sentido, a explicação de Maurach expõe que:

A dupla via condicional (ou sistema vicariante na execução) rege quando o autor é condenado a uma pena privativa de liberdade e se dispõe ao mesmo tempo sobre a substituição de sua internação por uma medida privativa de liberdade (com exceção da custódia de segurança). Neste caso, em geral deve executar-se a medida antes da pena (§ 57, inc. 1º), computando-se a execução da medida à pena […].[26]

Zugaldía Espinar refere que

A expressão “vicariante” procede do vocábulo voz ‘vicário’ que, em sua primeira acepção gramatical, significa “que tem as vezes de outro ou o substitui”: com efeito, o sistema vicariante se caracteriza porque nele a medida de segurança faz as vezes de (ou substitui) a pena.[27]

Por isso, pena e medida de segurança, nesse sistema, tornam-se magnitudes fungíveis (intercambiáveis), no sentido de que

a pena serve como medida de segurança (para continuar o tratamento se o da medida de segurança foi insuficiente) e a medida de segurança – com a garantia de um tempo máximo de duração – cumpre a função encomendada à pena (se computa como tempo de cumprimento da mesma).[28]

Apenas parte da doutrina brasileira apontou que um sistema vicariante é mais do que a simples separação entre pena e medida de segurança, e defendeu a limitação desta última pelo máximo da pena.[29]

A verdadeira garantia de um sistema vicariante não se traduz simplesmente no impedimento de aplicação de pena e medida de segurança simultaneamente. Na verdade, a garantia se encontra onde a medida de segurança não seja indeterminada, mas limitada pelo máximo da pena em abstrato. Dessa forma, e não simplesmente prevendo a aplicação de uma ou outra consequência, inviabiliza-se uma pena indeterminada disfarçada de medida de segurança, como se verá a seguir.

4. O QUE RESTA DO PERIGO: PERICULOSIDADE CRIMINAL COMO FUNDAMENTO DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA E ENFERMIDADES TRATADAS DE MODO PUNITIVO NOS DIAS DE HOJE

A mera alteração da parte geral do Código penal não foi suficiente para afastar os abusos punitivos. Dessa forma, a ciência psiquiátrica e psicológica seguiu avançando inexoravelmente na direção de mostrar mais e mais situações que evidenciam necessidade de tratamento, sem que tais perspectivas sejam incorporadas e entendidas pelo sistema punitivo. Diante desta cegueira e desta inércia do direito, as próprias ciências naturais têm construído um perigoso e vingativo discurso de apossamento do sistema de controle.

Estes são os quadros que se revelam no panorama de nossos dias, e que serão representados aqui por três pontos de inflexão: as medidas de segurança por prazo indeterminado e a situação atual dos semi-imputáveis; a falta de visão a respeito das questões da drogadicção; e as proposições neurocientíficas em matéria penal.

4.1 A PIOR POSIÇÃO FRENTE AO DIREITO PENAL DE MEDIDAS DE SEGURANÇA POR PRAZO INDETERMINADO: OS SEMI-IMPUTÁVEIS

Independentemente de que se nomine pena ou medida de segurança, a realidade é que o internamento por período ilimitado efetivamente contém uma condenação perpétua disfarçada e esse problema foi detectado faz muito tempo.

Com essa fraude de etiquetas se rompe evidentemente o limite do princípio de culpabilidade, como alerta Roxin[30]:

Um direito penal da culpa perde toda a sua credibilidade quando, através do simples fato de as rotular de “medidas”, impõe a seu bel-prazer enclausuramentos de longa duração sem qualquer respeito pelos limites do Estado de direito, em relação aos quais e só por eles é digno conservar-se o princípio da culpabilidade.

Independentemente de estarmos tratando de um sistema dualista puro, que permite a cumulação, ou de um sistema que exija alternatividade quanto à pena ou medida de segurança, enquanto esta última for ilimitada, está presente uma violação do princípio de culpabilidade (no âmbito da proporcionalidade) e do princípio de legalidade (no que se refere à certeza quanto ao conteúdo da incriminação – lex certa).

Assim, a admissão de situações dessa natureza evidencia um claro retrocesso na escala evolutiva do Direito penal e, portanto, é inadmissível. Mas isso não é o pior. O art. 26, parágrafo único, do Código Penal brasileiro faz referência a uma redução de pena para o considerado “semi-imputável” e, ao mesmo tempo, no art. 98, o mesmo diploma legal prevê a hipótese de que, sendo necessário um especial tratamento curativo, o mesmo réu semi-imputável seja submetido à medida de segurança por tempo indeterminado. Ou seja, para o semi-imputável, remanesce ainda a possibilidade de imposição de uma pena limitada, seguida de uma medida de segurança ilimitada.

Os casos de semi-imputabilidade são construções que não refletem uma realidade concreta. Quando muito, sejam quais forem os critérios que se utilizem para identificá-lo, o agente é motivável contra o fato delitivo em concreto ou não é. É lapidar, quanto ao tema, a lição de Quintero Olivares:

Sempre foi difícil o tratamento penal das situações de semi-imputabilidade, antes de tudo porque o próprio conceito de semi-imputável é bastante artificial, já que, em realidade, ainda com suas dificuldades conceituais, a imputabilidade existe ou não existe. Se é difícil, tal como em seu lugar vimos, buscar bases sólidas sobre as quais construir o conceito de imputabilidade, e isso se faz usando ideias tão hábeis como as de liberdade, motivação, atuação direcionada a um sentido, distinção entre significados positivos e negativos, resulta impossível a pretensão de construir um conceito como o de semi-imputabilidade que pretende reduzir parcialmente esses mesmos elementos. Em suma, pois, a semi-imputabilidade não tem outra explicação técnica além de servir de solução de pretendida justiça material e proporcional para aqueles casos em que os Tribunais penais abriguem dúvidas sobre a concorrência da imputabilidade, mas de modo algum é viável a construção de um conceito que, dito em palavras vulgares, etiquetaria penalmente o “meio louco” ou o “meio dependente de drogas” ou o “meio carente de consciência da percepção” […].[31]

É óbvio que não existe o meio louco ou o meio carente de consciência ou percepção. É também induvidoso que ou o sujeito sabe ou não sabe que realiza uma conduta criminosa. Ou ele pode reconhecer a antijuridicidade do fato concreto e, portanto, é motivável pela norma, ou ele não tem a capacidade genérica para reconhecer a ilicitude do fato que realiza e não pode, portanto, ser alcançado pela motivação normativa.

Os Tribunais optam pela solução intermediária de reconhecer a semi-imputabilidade devido a sua incapacidade de identificar, em alguns casos, o que efetivamente ocorreu.

Como não se logra demonstrar se, ao agir, o autor atuou sabendo ou não que praticava um delito e sendo ou não capaz de determinar-se de acordo com essa compreensão, adota-se uma solução intermediária. Não se pode esquecer que o processo é uma reconstituição do fato delitivo, que só é possível no plano objetivo, e que tudo o que pertence ao âmbito subjetivo da responsabilidade penal, inclusive a imputabilidade, só pode ser identificável através de análise do que há de objetivo. Muitas vezes, a análise dos psiquiatras ou psicólogos não pode afirmar com segurança a capacidade de motivação do sujeito. Desse modo, se não há uma base para sustentar as afirmações de inimputabilidade, mas há indícios de que o sujeito não processa a motivação de modo ordinário, reconhece-se a inimputabilidade ou a semi-imputabilidade como termo médio. Portanto, parece correta a observação de Muñoz Conde no sentido de que a chamada semi-imputabilidade “traduz mais as dúvidas e vacilações do tribunal do que uma autêntica realidade psiquiátrica”.[32]

A consequência é que não se pode aplicar a pena como se faz aos imputáveis, posto que se reconhece a periculosidade do sujeito decorrente de sua incapacidade de motivação agregada ao comportamento contrário ao Direito (prognóstico de futuros delitos). Por outro lado, no caso dos semi-imputáveis, tampouco é aplicável a medida de segurança, já que nesses casos não se trata exclusivamente de produzir o efeito de prevenção especial (entenda-se recuperação mental do que seria a capacidade de entendimento do sujeito), mas também, em certa medida, a prevenção geral negativa e positiva e, principalmente, a necessidade de controle social do intolerável.

Afinal, as soluções se encontram em uma mescla das duas situações. Matiza-se a aplicação da pena, seja em graus, nos sistemas em que existem, seja em frações da pena, onde manejam assim, mas sempre acrescentando – nos sistemas de duplo binário – a medida de segurança que corresponde a sua periculosidade. Com isso se produz uma contradição nas justificativas das consequências do delito:

A situação não pode ser mais paradoxal: primeiro se diz ao delinquente que a pena que se vai impor a ele vem limitada por sua culpabilidade e que esta pena, entre outros fins, tem como ‘fim primordial’ sua reeducação e reinserção social. Em seguida, se diz que para conseguir esta meta é necessário, além disso, uma medida superior, em gravidade e extensão, à pena propriamente dita.[33]

O fato de que aos semi-imputáveis se aplicam as mesmas soluções que aos imputáveis e inimputáveis (pena e medida de segurança no sistema do duplo binário e pena ou medida de segurança no sistema vicariante) demonstra que eles não são uma categoria diferente das outras duas, pois, se assim fosse, haveríamos de esperar uma terceira forma de consequência jurídica do injusto.

Isso destaca, desde logo, que a artificial criação do conceito de semi-imputabilidade leva inexoravelmente ao problema da consecução de uma resposta satisfatória às finalidades do Direito penal sem ultrapassar a barreira das garantias individuais.

4.2 A RIDÍCULA POSTURA ANTE A REALIDADE DA DROGADICÇÃO

Outro ponto cego do Direito penal é a forma como tem tratado a sensível questão da drogadicção.

É fato incontestável que vivemos em um mundo em que o uso indiscriminado de álcool e outras muitas substâncias entorpecentes faz com que boa parte da população esteja em estado de entorpecimento e exposição da própria saúde e da segurança dos demais, em inúmeras situações sociais.

A exponenciação das relações sociais nos dias de hoje faz com que seja muito mais frequente a interação e, igualmente, os atritos cotidianos. São estes atritos que, envolvendo pessoas sob efeitos de substâncias entorpecentes, causam a reação social que é convertida em matéria básica do Direito penal.

O uso de drogas e álcool ocorre com frequência e segundo distintas fórmulas que podem ser qualificadas basicamente entre uso recreativo e uso abusivo.[34] Naturalmente, como qualquer processo químico, a interação de entorpecentes com o organismo humano pode provocar distintas reações e a estrutura físico-psíquica de cada um, bem como sua situação social, pode converter o que é o uso recreativo em uso abusivo.

O curioso é que ainda se procure, em termos jurídicos, uma solução para o tema em termos de repressão penal e não se preste atenção nos estudos psicológicos e psiquiátricos sobre o tema.

A postura de centrar o foco na matéria penal, reduzindo as discussões a uma mera war on drugs é uma opção que conduz a um esquema já denunciado de tanatopolítica[35]. O que ocorre, na prática, é uma fórmula de aniquilação em uma ponta e abandono na outra.

A organização do sistema punitivo a respeito do traficante é voltada para a sua aniquilação, através da utilização de persecução policial de perfil militar, com invasões,  táticas de combate e morte; com técnicas de tipificação que reduzem sensivelmente a possibilidade de defesa, como é o caso dos delitos de posse (Besitzdelikte), onde apenas estar de posse de um objeto é suficiente para provar a incriminação; com penas altíssimas, cujo cumprimento inicia, como regra, em regime fechado, e cuja progressão de regime é mutilada em face dos delitos comuns e a execução de pena é realizada, por vezes, em formato de Regime Disciplinar Diferenciado, submetendo os condenados a uma verdadeira supressão comunicativa. Trata-se de uma clara orientação para promoção da morte.

No outro lado, a condição do usuário é marcada pelo abandono, pela falta de programas de integração que evitem a busca do entorpecente; pela falta de investimento em sistemas de saúde, acolhimento e desintoxicação; e pela falta de atenção à redução de danos. O tratamento empregado pelo poder público é simplesmente o de varrer da vista da população a escória humana gerada pelas graves dependências químicas. Trata-se claramente de deixar morrer.

Em síntese, a fórmula de enfrentamento da questão social da drogadicção, no Brasil, é de uma política de morte, consistente em matar os traficantes e deixar morrer os usuários.

Caso se prestasse mais atenção ao reconhecimento do que é a dependência alcoólica ou de outras drogas no âmbito psicológico e médico e aos avanços nos estudos desta área, já se teria descoberto que tratar a drogadicção como problema penal apenas promove uma máquina de moer gente.

A questão é obviamente um problema sanitário e não jurídico. Somente uma postura de alto investimento em um sistema de saúde que acolha o adicto a drogas permitirá uma saída dessa espiral negativa.

O raciocínio é óbvio. Existe uma diferença entre o usuário recreativo da droga e o adicto: este último não consegue controlar seu impulso em face do uso da droga e as dependências química e psíquica o conduzem para o uso mais e mais constante, destruindo, progressivamente, suas relações sociais, sua capacidade econômica e sua saúde.

É mais do que óbvio que a imensa maioria das pessoas que se vê envolvida na dependência de alguma droga – legal ou ilegal – passa por um volume enorme de agruras pessoais que não gostaria de ter vivido. Estas pessoas, se pudessem optar entre buscar a droga com os traficantes, pagando o preço que isso significa (prostituir-se, colaborar no tráfico, entregar os seus valores e os de sua família) ou buscá-la gratuitamente, e junto aos organismos de saúde, em um uso monitorado por médicos, progressivamente reduzido, visando a liberdade em face do vício, optariam pela segunda fórmula.

Outra vantagem desta fórmula seria a desestabilização do tráfico de drogas, visto que quem o sustenta economicamente é precisamente o usuário dependente, e não o ocasional e recreativo, pois é este que faz qualquer coisa e que paga qualquer preço pela droga. Assim, competindo com o traficante no plano econômico, o Estado o desarticularia no ponto mais sensível: o dinheiro.

A descapitalização do tráfico, por outro lado, impediria a sustentação de esquemas de corrupção, de tráfico de armas, aniquilando progressivamente o poder bélico e estrutural dos traficantes, dificultando sua atuação e resistência à interferência estatal.

O resultado disso seria uma economia enorme no gasto bélico e de estrutura dos organismos policiais, dinheiro este que seria melhor direcionado precisamente para o sistema de saúde de acolhimento dos viciados, em uma espiral positiva tradutora de um círculo virtuoso.

Remanesceria papel para o direito? Claro que sim. O tráfico poderia continuar sendo controlado juridicamente, até mesmo do ponto de vista penal. Apenas o uso que fosse realizado em programas de desintoxicação estaria justificado perante o direito.[36]

4.3 OS PERIGOS DA ORIENTAÇÃO DA NEUROCIÊNCIA

O terceiro problema derivado do abandono do direito em face dos avanços nos estudos de psiquiatria e psicologia se deu pelo avanço da neurociência.

A postura dos juristas, ignorando deliberada e permanentemente os estudos neurocientíficos, impediu o desenvolvimento de um discurso crítico, oriundo das ciências sociais, capaz de contrapor-se às pretensões de interferência de lá oriundas.

Ocorre, nos dias de hoje, no plano da neurociência, um progressivo retorno ao determinismo. Este ocorre em sua fórmula mais visceral e recrudescente, de clara tendência lombrosiana[37], cujo legado histórico amplamente conhecido foram os programas de eugenia levados a cabo na primeira metade do século XX nos Estados Unidos da América e, principalmente, na Alemanha nazista.[38]

Já há mais de meio século os neurologistas e neurocientistas vêm estudando os mecanismos neurológicos que se encontram por trás dos processos cognitivos, tanto em âmbito da atividade elétrica do encéfalo quanto a nível molecular.

Mais recentemente, porém, surgiu um ponto de referência citado por muitos autores[39] como a fonte original das conclusões atualmente exploradas, que é o experimento de Benjamin Libet, na Califórnia, em 1979, que lhe permitiu descobrir que nos impulsos cerebrais dos sujeitos associados ao movimento há uma fração de segundo antes que os sujeitos estejam conscientes de sua própria intenção de fazer o movimento.[40] Segundo aponta[41], o experimento demonstrou que o potencial elétrico gerado pelo cérebro começa, em média, 0,8 segundos antes do ato motor que se suporia voluntário. Ou seja, a percepção consciente do ato como voluntário é precedida de uma atividade cerebral inconsciente.

Desse fato concluiu Libet que a decisão percebida como consciente não poderia escolher nem iniciar a ação, a qual estaria condicionada por um potencial de prontidão[42].

Tais experimentos foram depois repetidos e aperfeiçoados por Patrick Haggard e Martin Eimer no Reino Unido, por John-Dylan Heynes em Berlim[43], e Judy Trevena e Jeff Miller na Nova Zelândia, confirmando e detalhando os resultados obtidos por Libet[44].

Contudo, Libet ainda admitia que esforços conscientes da pessoa remanesciam com poder de veto sobre os impulsos inconscientes. Ele entendia que suas investigações pudessem afetar o conceito de vontade livre, porque o sujeito, mesmo que condicionado pelo potencial de predisposição, sempre poderia paralisar a ação, livremente rechaçando-a.[45]

Por outro lado, os experimentos de Alvaro Pascual-Leone[46] com estimulação não invasiva do cérebro demonstraram que, usando campos magnéticos, é possível influenciar a escolha das pessoas. Não obstante a estimulação externa, as pessoas experimentadas seguem relatando que acreditam que sua escolha da mão foi feita livremente. Daí se concluiu que é possível interferir na vontade sem que aquele que é influenciado perceba.

A partir disso pesquisas neurocientíficas teriam apontado que “a tomada de decisões acontece um ou dois segundos antes de que a percebamos de modo consciente, e tenhamos a vontade de realizar a ação. Esta recai nos gânglios basais e se determina pelo sistema límbico”.[47] Tal sistema, que se estende por muitas partes do cérebro, acumula as influências e experiências e constituiria o centro dos estados afetivos congênitos e os modos de comportamento.[48]

Demonstrou-se ainda que

se um sujeito é anestesiado em determinadas regiões do lobo pré-frontal lateral, terá muitas dificuldades para tomar uma decisão (acertada ou não) ante um complexo dilema. Pelo contrário, se lhe anestesia a região pré-frontal medial, terá muitos problemas em inibir seus comportamentos (corretos ou não) e para mostrar sua conduta social habitual.[49]

A partir disso, resultou opinião comum nesse cenário científico considerar que aquilo que usualmente se designa e especialmente se designou no Direito penal clássico como conduta é tão somente um produto de processos neuronais causalmente determinados.[50]

Especificamente no cenário alemão, três importantes cientistas da área – Wolf Singer, Wolfgang Prinz e Gerhard Roth – têm incitado a discussão sobre liberdade de vontade que subjaz àqueles experimentos.[51]

Assim, por exemplo, afirma o biólogo Gerhard Roth que “a aparição de estados de consciência deve ir precedida de processos inconscientes muito determinados”[52] e que “o ato voluntário aparece depois de que o cérebro já decidiu que movimento levará a cabo”.[53] Portanto, aquilo que se considera uma ponderação racional, na verdade estaria condicionada por uma predisposição neuronal específica.[54]

Na verdade, esta percepção da consciência seria uma mera ilusão provocada pelo próprio cérebro, mais ou menos equivalente à ilusão de que o ato de olhar é contínuo, não obstante pisquemos aproximadamente 15 vezes por minuto.[55]

Com outra abordagem, concorre, no mesmo sentido, a opinião de Wolfgang Prinz, para quem a liberdade de vontade é uma completa ficção, pois não pode ser cientificamente demonstrada de um ponto de vista psíquico. Prinz sustenta que nós “não fazemos o que queremos, mas sim queremos o que fazemos”.[56]

Para Wolf Singer[57], “a suposição que nós éramos totalmente responsáveis pelo que fazemos, porque nós também poderíamos ter agido, então, de outro modo, é insustentável do ponto de vista neurobiológico”. Portanto, não poderíamos supor que somos plenamente responsáveis do que fazemos, ou seja, “não há lugar para um agente mental como a liberdade de vontade”.[58] E, conclui, de modo contundente que, portanto, “devemos parar de falar em liberdade”.[59]

Ocorre que tais pretensas “novidades” científicas irrefutáveis não fazem mais do que ressuscitar antigos fantasmas que, pelas mais diversas vias, constantemente ressurgem para afirmar o determinismo, e não são outra coisa além de uma nova roupagem para um velho discurso.[60]

Os estudiosos da neurociência não titubeiam em estender os resultados de suas pesquisas para conclusões que afetam outros âmbitos para além das ciências naturais, como a vida de relação, a sociedade e especialmente os sistemas normativos[61], negando-se a própria possibilidade de falar em culpabilidade, pois se afirmaria, por exemplo, que “um assassino a sangue frio tem realmente a má sorte de ter um limite tão baixo de respeito pela vida”.[62]

A reação do sistema social, neste caso, não deveria ser a de imposição de uma pena, mas sim de uma “medida de custódia” ou “medida de proteção”.[63]

Nota-se, claramente, redivivo o sistema de medidas de segurança em sua fórmula mais básica em que a custódia se determina pela necessidade social de exclusão de pessoa determinada em função do seu perfil e não de seus atos, com os efeitos consequentes de perenidade e coerção de caráter clínico, afinal, o foco exclusivo passa a ser a prevenção de algo que, descontrolado, inexoravelmente produziria um resultado desvalioso.

Em síntese, reaproxima-se a ideia de prisão da de hospital, cujos aspectos negativos nevrálgicos foram bem explicitados principalmente por Foucault e possuem amplo potencial para a produção de consequências terríveis no plano político. Especialmente no político-criminal, Michel Foucault[64] sustentava que a prisão opera da mesma maneira que o hospital, como mecanismo de normalização e controle social.

Hoje em dia, também Wacquant[65] aponta a existência de uma relação entre instituições penais e psiquiátricas – a prisão e o hospital – no contexto dos Estados Unidos da América, demonstrando como muitas das pessoas que eram tratadas como doentes psiquiátricos passaram a ser reinstitucionalizadas na prisão, especialmente os toxicômanos e desabrigados.

Lolita Aniyar de Castro[66], em importante e recente trabalho, alerta para o que ela qualifica de “a ressurreição e gloriosa ascensão de Lombroso”. Refere, como exemplos, as pesquisas do professor Benigno di Tullio, que em 2006 apresentou em um congresso slides de cortes do cérebro para explicar que seu deterioro provocaria casos de homicídio em série!

Comparadas a aberrações como esta, a autora[67] qualifica as pesquisas de Gerhard Roth sobre a autodeterminação como “ainda mais temíveis”, uma vez que se referem à capacidade de autodeterminação e, portanto, aos controles que os pesquisadores consideram necessários para a periculosidade daí derivada. Assim, segundo ela, viria como consequência uma proposição: “é preciso fazer ressonâncias magnéticas em todos os suspeitos, e internar a todos os criminosos potenciais, da mesma maneira como se interna os portadores de enfermidades contagiosas”[68].

O problema silencioso e latente na questão determinista que deriva dos estudos neurocientíficos, que afinal não aparece explicitamente, é desvendada por Aniyar de Castro: “não sabemos se os delinquentes violentos que apresentam algumas deformações do cérebro podem ou devem ser reintegrados à vida social”[69]. Porém, a autora se preocupa com as consequências de tal constatação, perguntando, em seguida: “E isto significa prisão perpétua ou extermínio de perigosos irredimíveis?”[70]

Claro está que o atual sistema dualista deve ser posto em cheque[71], mas não para recuperar posturas soterradas de um sistema unitário perverso ancorado em um determinismo absoluto, mas sim para trasladar as garantias – especialmente as formuladas ao redor da ideia de culpabilidade – também àquele submetido a medidas de segurança, posição que já defendi há muito tempo[72].

Afinal, as garantias formuladas através do progressivo avanço das estruturas construídas pelo direito, os princípios e limites axiológicos determinados pelo reconhecimento da dignidade da pessoa humana não podem ceder ante uma pretensão de “tratamento” ancorada unicamente em um pretenso avanço científico.

O perigo destas concepções foi bem detectado por Klaus Günther[73], quando este referiu que “a história oferece muitos exemplos de regimes autoritários que trataram como doentes mentais cidadãos que se negaram a obedecer normas legais, mas ilegítimas”. E nessa toada, o autor aponta para os pontos a que podem levar a convicções deterministas:

[…] se a conduta delitiva é causada por processos cerebrais sobre os quais se pode influir, por que deveria a sociedade esperar até que o delito se cometa? Por que não ter um encefalograma geral de todos os cidadãos, de modo que pudesse individualizar-se quem possui uma predisposição ao comportamento delitivo para assim aplicar o tratamento que modifique o seu cérebro? Isto levaria a um amplíssimo controle social e a ulteriores restrições de liberdade individual.[74]

Nada disso pode ser esquecido por todos aqueles que, de um modo ou outro, aceitam os postulados deterministas, sejam eles provenientes ou não das neurociências.

A meu ver, a postura dos neurocientistas a respeito da teoria do conhecimento é radical, rasa, absolutista e inflexível e, o que é pior: ancorada em um erro categorial que a faz supor uma hegemonia inexistente de sua conceituação sobre liberdade de ação, conforme bem ilustra Hassemer:

Este erro consiste na suposição de que as ciências de me?todo empi?rico poderiam julgar cientificamente se outras ciências estão autorizadas a desenvolver um conceito de liberdade ou não, ou seja: se existe a liberdade ou não. Tal suposição tem como pressuposto necessário afirmar a existência de hegemonia entre as ciências, e esta hegemonia não existe. Tampouco existe um conceito geral de liberdade que flutue acima de todas as ciências, e muito menos haveria capacidade de disposição a favor das ciências empi?ricas se tal conceito existisse.[75]

Tanto o conceito de responsabilidade quanto o de imputação apoiam-se em diretrizes sociológicas, que somente tomam em conta aspectos ontológicos como elementos contextuais de valoração.[76]

Soma-se a esta estrutura de perfil marcantemente axiológico a verificação das circunstâncias pessoais e, através delas, a valoração da capacidade individual de compreender, na circunstância concreta, que se está produzindo um ilícito.

Nesse sentido, explica Muñoz Conde[77] que “a culpabilidade não é um fenômeno individual, mas social. Não é uma qualidade da ação, mas uma característica que se lhe atribui para poder imputá-la a alguém como seu autor, e fazê-lo responder por ela”, pelo que não possui um fundamento psicológico, nem é uma categoria abstrata, desconectada do contexto histórico-social em que se apura, senão que é produto de uma profunda elaboração conceitual que pretende explicar porque e para que, em um momento histórico determinado, impõe-se a alguém uma consequência tão grave como pode ser uma pena.

A liberdade de agir não é algo que se encontre no mundo físico, fora do sujeito, tampouco algo que se resuma a uma percepção interna ou faculdade metafísica. Trata-se, isso sim, de algo situado nos jogos de linguagem e práticas sociais que regulam nosso modo de vida, funcionando, ao mesmo tempo, como pressuposto e fundamento das ações enquanto tais.[78]

De qualquer modo, existe uma postura passiva dos cientistas sociais no que tange aos estudos de neurociência para estabelecer a necessária postura crítica diante dos fenômenos ali trabalhados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Direito penal tardou muito em ocupar-se dos fenômenos psicológicos e psiquiátricos, tanto que a própria consideração a respeito de que a prática de delitos por pessoas portadoras de enfermidades mentais era um problema que merecia ser objeto dos estudos jurídico-penais tardou muito. Data do final do século XVIII o primeiro precedente jurídico de insanidade mental. A própria construção de uma resposta penal pela medida de segurança foi tardia, tendo início somente no século XX.

Ainda assim, a introdução de uma perspectiva jurídica baseada em uma ideia de periculosidade social e não de periculosidade criminal serviu apenas para abrigar abusos da instância político-criminal, desviando as medidas de segurança para um instrumental de coerção sem qualquer relação com a condição psíquica do agente.

Mesmo mais tarde, a mera implantação de um sistema de periculosidade criminal, que associava o perigo a uma prática delitiva, e a separação entre pena e medida de segurança, reservada respectivamente para culpáveis e inimputáveis, não proporcionou a necessária e adequada aproximação entre o Direito penal e a psicologia forense.

Tanto é verdade que remanescem em várias áreas distintas efeitos desta falta de conexão. Um primeiro exemplo é a preservação de uma medida de segurança com aplicação por prazo indeterminado, que viola garantias individuais, tratando o inimputável como cidadão de segunda classe.

A questão assume maior relevância ainda nos casos dos semi-imputáveis, que são aqueles cujas perícias técnicas resultam inconclusivas, para os quais a dúvida técnica deveria gerar uma presunção em seu favor, mas o que se procede é exatamente ao contrário, aplicando-se pena, com possibilidade, ainda, de transformação desta em medida de segurança por prazo indeterminado, a posteriori.

O segundo exemplo é o descaso com uma abordagem sanitária do problema da drogadicção, pela via do tratamento médico e psicológico, insistindo em uma insana política de morte.

Finalmente, a falta de atenção aos trabalhos de neurociências, cujas conclusões geram temíveis consequências para a política criminal (que são solenemente ignoradas pelos juristas), arriscam a colocar em cheque a própria existência do sistema jurídico-penal, com sua substituição por um controle médico-clínico muito mais interventivo e perigoso, com caráter nitidamente eugênico.

Resta claro que o Direito penal deve voltar os olhos mais profundamente para a psicologia forense e procurar aproximar os saberes, mesmo ciente de que esta intersecção, em certa medida, será sempre polêmica, contraposta, conflitiva.

É da dialética que se podem gerar verdadeiros ganhos para ambos os campos do conhecimento


[1] LOMBROSO, Cesare. O homem delinquente. Trad. Maristela Bleggi Tomasini e Oscar Antonio Corbo Garcia. Porto Alegre: Ricardo Lenz, 2001; FERRI, Enrico. Princípios de direito criminal. Trad. Paolo Capitanio. Campinas: Bookseller, 1996; e GARÓFALO, Raffaele. La Criminología. Trad. Pedro Dorado Monteiro. Buenos Aires; Montevideo: B de F, 2005.
[2] QUINTERO OLIVARES, Gonzalo. Locos y culpables. Elcano: Aranzadi, 1999.
[3] As informações procedem de QUINTERO OLIVARES, Gonzalo. Op. cit., p. 50.
[4] A informação procede de QUINTERO OLIVARES, Gonzalo. Op. cit., p. 50. A respeito de Marat, existe interessante tradução para o espanhol de sua obra, com estudo prévio em que se analisa a importância de seus escritos para a época revolucionária: MARAT, Jean-Paul. Plan de legislación criminal. Traducción de Manuel de Rivacoba y Rivacoba. Buenos Aires: Hammurabi, 2000.
[5] Os detalhes do processo estão resumidos em QUINTERO OLIVARES, Gonzalo. Op. cit., p. 50.
[6] LEAL MEDINA, Julio. La historia de las medidas de seguridad. Cizur Menor (Navarra): Thomson-Aranzadi, 2006. p. 17.
[7] Veja-se FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. 30. ed. Trad. Raquel Ramalhete. Petrópolis: Vozes, 2005.
[8] LEAL MEDINA, Julio. Op. cit., p. 17.
[9] Ver HOWARD, John. The state of the prisons in England and Wales. New Jersey: Montclair, 1973.
[10] LEAL MEDINA, Julio. Op. cit., p. 20
[11] JORGE BARREIRO, Agustín. Crisis actual del dualismo en el Estado social y democrático de derecho. In: CEREZO MIR, José. Modernas tendencias en la ciencia del derecho penal y en la criminología. Madrid: UNED, 2001. p. 143-144.
[12] Nesse sentido, ZIFFER, Patricia. Medidas de seguridad. Buenos Aires: Hammurabi, 2008. p. 31-32.
[13] Nesse sentido: “O fracasso da pena concebida com um fim exclusivamente retributivo para taxar certa classe de delinquência – aquela que era obra dos habituais – ou a protagonizada pelos menores ou os inimputáveis, fez nascer, a finais do século XIX, um novo recurso punitivo baseado na prevenção de futuros delitos. Nascem assim as medidas de segurança conectadas à periculosidade do delinquente e concebidas para conjugar a possível comissão de novos fatos delitivos.” VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Comentarios al código penal de 1995. Valencia: Tirant lo Blanch, 1996. v. 1. p. 528-529. (Tradução livre do texto original).
[14] Vide, a respeito, os comentários de Marc Ancel, onde ele procura diferenciar os postulados da Escola Positiva de Defesa Social e de sua proposta de Nova Defesa Social, em ANCEL, Marc. A nova defesa social. Trad. Osvaldo Melo. Belo Horizonte; Rio de Janeiro: Forense, 1979. p. XVIII e ss.
[15] Nesse sentido o comentário de LEAL MEDINA, Julio. Op. cit., p. 17-18.
[16] Nesse sentido, anota RADBRUCH, Gustav. Filosofia do direito. Trad. L. Cabral de Moncada. 6. ed. Coimbra: A. Amado, 1979. p. 320: “Do mesmo modo que no moderno direito do trabalho se reconhece não ser a força do trabalho separável do homem, mas ser ela o próprio homem encarado sob certo ponto de vista, assim o moderno direito penal social igualmente reconhece não ser o crime algo de separável do criminoso, mas ser o próprio criminoso. Para o novo direito penal vigora também este lema: ‘não o crime, mas o criminoso’.”
[17] LEAL MEDINA, Julio. Op. cit., p. 22.
[18] Ibidem, p. 20.
[19] Nesse sentido, NAUCKE, Wolfgang. Derecho penal: una introducción. Traducción de Leonardo Germán Brond. Buenos Aires: Astrea, 2006. p. 116-119. Para que se tenha ideia do uso político das medidas de segurança pelos nazistas, basta referir que a internação em “casas de trabalho” (leia-se: campos de concentração) e a castração de delinquentes considerados perigosos (para evitar a propagação hereditária desta tendência), estiveram presentes no rol do § 42 do Código Penal da época, vindo a ser revogadas somente nos anos de 1969 e 1946, respectivamente.
[20] Vide sobre o ingresso da medida de segurança em nosso ordenamento jurídico em: HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1959. p. 9 e ss.
[21] “Art. 59. Entregar-se alguém habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho, sem ter renda que lhe assegure meios bastantes de subsistência, ou prover a própria subsistência mediante ocupação lícita.
Pena – prisão simples, de 15 (quinze) dias a 3 (três) meses. Parágrafo único: A aquisição superveniente de renda, que assegure ao condenado meios bastantes de subsistência, extingue a pena.” BRASIL. Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941. Lei das Contravenções Penais. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 3 out. 1941. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3688.htm>. Acesso em: 15 mar. 2016.
[22] “Art. 60. Mendigar, por ociosidade ou cupidez. Pena – prisão simples, de 15 (quinze) dias a 3 (três) meses.” BRASIL. Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941. Lei das Contravenções Penais. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 3 out. 1941. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3688.htm>. Acesso em: 15 mar. 2016.
[23] Tradução livre do texto original. MUÑOZ CONDE, Francisco. Derecho Penal y Control Social. Bogotá: Editorial Themis, 2004. p. 57. No mesmo sentido, DIAS, Jorge de Figueiredo. Questões fundamentais do direito penal revisitadas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 15; JORGE BARREIRO, Augustín. Directrices político-criminales y aspectos básicos del sistema de sanciones en el Código Penal español de 1995. Actualidad penal, Madrid, n. 23, jun. 2000. p. 507-508; ANTOLISEI, Francesco. Manual de derecho penal: parte general. Traducción de Juan do Rosal y Angel Torío. Buenos Aires: Uteha, 1960. p. 578-579.
[24] Nesse sentido, por exemplo, COSTA JR., Paulo José da. Direito penal: curso completo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 214; JESUS, Damásio Evangelista. Direito penal: parte geral. 23 ed. São Paulo: Saraiva, 1999. v. 1. p. 548; MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal: parte geral. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2003. v. 1. p. 361.
[25] MUÑOZ CONDE, Francisco; GARCÍA ARÁN, Mercedes. Derecho penal: parte general. 8. ed. Valencia: Tirant lo Blanch, 2010. p. 599.
[26] MAURACH, Reinhart. Derecho penal: parte general. Buenos Aires: Astrea, 1995. v. 2. p. 868.
[27] ZUGALDÍA ESPINAR, José Miguel. Fundamentos del derecho penal. 3. ed. Valencia: Tirant lo Blanch,
  1. p. 146-147. (Tradução livre do texto original).
[28] Ibidem, p. 146-147. No mesmo sentido, NAUCKE, Wolfgang. Derecho penal: una introducción. Traducción de Leonardo Germán Brond. Buenos Aires: Astrea, 2006. p. 121.
[29] Assim, FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte geral. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 388 e BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 743.
[30] ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de direito penal. 3. ed. Trad. Ana Paula dos Santos Luís Natscheradetz. Lisboa: Vega, 1998. p. 42.
[31] Nesse sentido: QUINTERO OLIVARES, Gonzalo; MORALES PRATS, Fermín; PRATS CANUT, Miguel. Manual de derecho penal: parte general. Pamplona: Aranzadi, 1999. p. 556. (Tradução livre do texto original).
[32] MUÑOZ CONDE, Francisco; GARCÍA ARÁN, Mercedes. Op. cit., p. 388.
[33] MUÑOZ CONDE, Francisco. Derecho penal y control social… Op. cit., p. 60. (Tradução livre do texto original).
[34] Criticamente sobre a falta de consciência do problema da droga em uma política de war on drugs, veja-se HART, Carl. Um preço muito alto. Trad. Clóvis Marques. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2014.
[35] O termo foi primeiramente usado e amplamente debatido em FRANÇA, Leandro Ayres. A genealogia da tanatopolítica, suas maquetes contemporâneas e os reflexos jurídicos no horizonte biopolítico desenvolvido pela medicina moderna. 2013. 180 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Criminais) – Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2013.
[36] Trata-se de uma fórmula de justificação procedimental, que já explorei dogmaticamente em estudo coletivo em BEBIANO, Dener Rocha et al. Justificação procedimental como opção de desenvolvimento de um Direito penal minimalista. Justiça e Sistema Criminal, Curitiba, v. 5, n. 8, p. 191-212, jan./jul. 2013.
[37] Veja-se, a respeito, a impressionante e explícita menção à recuperação das ideias de Lombroso contida em RAINE, Adrian. The anatomy of violence: the biological roots of crime. New York: Vintage, 2014.
[38] Sobre o tema ver BLACK, Edwin. A guerra contra os fracos: a eugenia e a campanha norte-americana para criar uma raça superior. Trad. Tuca Magalhães. São Paulo: A Girafa, 2003.
[39] O experimento aparece referido, por exemplo, em DEMETRIO CRESPO, Eduardo. Compatibilismo humanista: una propuesta de conciliación entre derecho penal y neurociencias. In: DEMETRIO CRESPO, Eduardo (Dir.). Neurociencias y derecho penal. Madrid: Edisofer, 2013. p. 24; HIRSCH, Hans Joachim. Acerca de la actual discusión alemana sobre libertad de voluntad y derecho penal. In: DEMETRIO CRESPO, Eduardo (Dir.). Neurociencias y derecho penal. Madrid: Edisofer, 2013. p. 46; FEIJOO SÁNCHEZ, Bernardo. Derecho penal y neurociencias: ¿Una relación tormentosa? InDret: Revista para el Análisis del Derecho, Barcelona, n. 2, abr. 2011. p. 4; PÉREZ MANZANO, Mercedes. Fundamento y fines del Derecho penal. Una revisión a la luz de las aportaciones de la neurociencia. InDret: Revista para el Análisis del Derecho, Barcelona, n. 2, abr. 2011. p. 3; PÉREZ MANZANO, Mercedes. El tempo de la conciencia y la libertad de decisión. Bases para una reflexión sobre neurociencia y responsabilidade penal. In: DEMETRIO CRESPO, Eduardo (Dir.). Neurociencias y derecho penal. Madrid: Edisofer, 2013. p. 106; RAMOS VÁZQUEZ, José Antonio. La pregunta por la libertad de acción (y una respuesta desde la filosofia del languaje). In: DEMETRIO CRESPO, Eduardo (Dir.). Neurociencias y derecho penal. Madrid: Edisofer, 2013, p. 138; RUBIA, Francisco. Neurociencia y libertad. In: DEMETRIO CRESPO, Eduardo (Dir.). Neurociencias y derecho penal. Madrid: Edisofer, 2013. p. 185; WEI?ER, Bettina. ¿Refutan las ideas de la neurociencia el concepto de culpabilidad del § 20 del Código penal? In: DEMETRIO CRESPO, Eduardo (Dir.). Neurociencias y derecho penal. Madrid: Edisofer, 2013, p. 464; RAMOS VÁZQUEZ, José Antonio. Ciencia, libertad y derecho penal. Valencia: Tirant lo Blanch, 2013. p. 49 e ss; FRISCH, Wolfgang. Sobre el futuro del derecho penal de la culpabilidad. In: FEIJOO SÁCHEZ, Bernardo José (Coord.). Derecho penal de la culpabilidad y neurociencias. Madrid: Thomson-Reuters, 2012. p. 26 e ss. Christian Jäger chega a citar que o próprio Libet se baseou em experimentos prévios de Kornhuber e Deecke, em 1965. Cf. JÄGER, Christian. Libre determinación de la voluntad. In: DEMETRIO CRESPO, Eduardo (Dir.). Neurociencias y derecho penal. Madrid: Edisofer, 2013. p. 58.
[40] O processo é detalhadamente descrito pelo autor em: LIBET, Benjamin. Unconscious cerebral initiative and the role of conscious will in voluntary action. The Behavioral and brain sciences, New York, n. 8, p. 529-534, 1985.
[41] Ibidem, p. 529-530.
[42] O termo é uma tradução quase literal de readiness potencial, utilizado por Libet (Op. cit.). Christian Jäger chama isto de arranque de vontade prévio. In: JÄGER, Christian. Op. cit., p. 59.
[43] RUBIA, Francisco. Op. cit., p. 185.
[44] A informação aparece em JÄGER, Christian. Op. cit., p. 58; DEMETRIO CRESPO, Eduardo. Op. cit., p. 25.
[45] Cf. LIBET, Benjamin. Do we have free will? Journal of Consciousness Studies, v. 6, n. 8-9, p. 51-52, 1999 (comentando a ressalva de Libet, veja-se JÄGER, Christian. Op. cit., p. 59 e 62).
[46] Cf. TÚNEZ FIÑANA, Isaac; PASCUAL LEONE, Álvaro. Estimulación magnética transcraneal y neuromodulación: presente y futuro en neurociencias. Barcelona: Elsevier, 2014. Há uma breve descrição do experimento de Pascual Leone em RUBIA, Francisco. Op. cit., p. 186.
[47] Cf. HIRSCH, Hans Joachim. Op. cit., p. 44. Há um comentário no mesmo sentido, descrevendo a opinião de Roth, que aparece em HILLENKAMP, Thomas. Strafrecht ohne Willensfreiheit? Eine Antwort auf die Hirnforschung. Juristen Zeitung, Tübingen, n. 7, v. 60, Apr. 2005. p. 314.
[48] Cf. HILLENKAMP, Thomas. Op. cit., p. 314; HIRSCH, Hans Joachim. Op. cit., p. 44.
[49] Cf. DELGADO GARCÍA, José M. Hacia una neurofisiología de la libertad. In: DEMETRIO CRESPO, Eduardo (Dir.). Neurociencias y Derecho penal. Madrid: Edisofer, 2013. p. 10.
[50] Esta é a avaliação do cenário feita por Jakobs em: JAKOBS, Günther. Individuo y persona: sobre la
imputación jurídico-penal y los resultados de la moderna investigación neurológica. JAKOBS, Günther. In: CANCIO MELIÁ, Manuel; FEIJÓ SÁNCHES, Bernardo José (Coord.). Teoría funcional de la pena y de la culpabilidad. Madrid: Thomson-Civitas, 2008. p. 169-170.
[51] Apontando os três como principais autores alemães a cuidar do tema, HIRSCH, Hans Joachim. Op. cit., p. 43.
[52] Cf. ROTH, Gerhard. Fühlen, Denken, Handeln: Wir das Gehirn unser Verhalten steuert. Frankfurt: Suhrkamp, 2003. p. 251.
[53] Cf. Ibidem, p. 523.
[54] Nesse sentido ROTH, Gerhard. Op. cit., p. 526.
[55] O exemplo aparece em DELGADO GARCÍA, José M. Op. cit., p. 8. Mencionando também o autoengano, ver HIRSCH, Hans Joachim. Op. cit., p. 44.
[56] O jogo de palavras aparece citado em HILLENKAMP, Thomas. Op. cit., p. 314.
[57] Todas as citações entre aspas da ideia de Singer estão transcritas literalmente por Hillenkamp em HILLENKAMP, Thomas. Op. cit., p. 313, que aponta, como fonte de referência, SINGER, Wolf. Ein neues Menschenbild? Gespräche über Hirnforschung. Frankfurt: Suhrkamp, 2003. p. 12, 20, 42, 58 e ss.
[58] Como bem observa criticamente Hirsch, a abordagem de Singer “recorda o ponto de vista dos anatomistas de finais do Século XIX, de que não era possível falar de alma humana, já que não se poderia encontrar o órgão correspondente”. Cf. HIRSCH, Hans Joachim. , Op. cit., p. 46.
[59] A frase é citada por HILLENKAMP, Thomas. Op. cit., p. 314.
[60] Ramos Vázquez, com contundência, e em sentido crítico similar, afirma que “só se trata de encher novos odres com o velho vinho cartesiano, substituir mente (res cogitans) por cérebro e as velhas revelações filosóficas pelas novas revelações científicas”. RAMOS VÁZQUEZ, José Antonio. La pregunta por la libertad de acción… Op. cit., p. 142.
[61] Esta opinião é partilhada por Jakobs em JAKOBS, Günther. Op. cit., p. 177-778.
[62] Cf. SINGER, Wolf. Op. cit., p. 65.
[63] Ibidem, p. 65.
[64] Veja-se toda a história da constituição da prisão como instituição total em FOUCAULT, Michel. Op. cit
[65] Ver WACQUANT, Loïc. Punir os pobres. 3. ed. Trad. Sérgio Lamarão. Rio de Janeiro: Revan, 2007. p.
177 e ss.
[66] ANIYAR DE CASTRO, Lolita. El regreso triunfal de Darwin y Lombroso: las diferencias humanas en la criminología angloparlante presente en los simposios internacionales de criminología de Estocolmo. Capi?tulo Criminolo?gico, Maracaibo, v. 36, n. 4, p. 5-25, Oct./Dic. 2008. p. 11.
[67] Ibidem, p. 19-20.
[68] Ibidem, p. 20.
[69] Ibidem, p. 22.
[70] Ibidem, p. 22.
[71] Nesse sentido, a importante crítica de Quintero Olivares em: QUINTERO OLIVARES, Gonzalo. Monismo y dualismo. Culpables y peligrosos. In: DEMETRIO CRESPO, Eduardo (Dir.). Neurociencias y Derecho penal. Madrid: Edisofer, 2013. p. 651 e ss.
[72] Ver BUSATO, Paulo César. Fundamentos para um Direito penal democrático. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 312 e ss., cuja primeira edição é de 2003.
[73] GÜNTHER, Klaus. Acción voluntaria y responsabilidad criminal. Derecho penal de la culpabilidad y neurociencias. Madrid: Thomson-Reuters, 2012. p. 127.
[74] Ibidem, p. 127.
[75] HASSEMER, Winfried. Neurociencias y culpabilidad en Derecho penal. InDret: Revista para el Análisis del Derecho, n. 2, 2011. p. 8.
[76] De modo similar HASSEMER, Winfried. Op. cit., p. 10.
[77] MUÑOZ CONDE, Francisco; GARCÍA ARÁN, Mercedes. Op. cit., p. 353. De modo similar, esclarecendo que o conceito é inclusive permeável a um determinismo leve, SCHÜNEMANN, Bernd. La culpabilidad: estado de la cuestión. In: ROXIN, Claus et al. Sobre el estado de la teoría del delito. Traducción de David Felip i Saborit y Ramón Ragués i Vallés. Madrid: Civitas, 2000. p. 105.
[78] É também a opinião de VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos del sistema penal. 2. ed. Valencia: Tirant lo Blanch, 2011. p. 343; RAMOS VÁZQUEZ, José Antonio. La pregunta por la libertad de acción… Op. cit., p. 153.

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