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Comentários e Estudos Aprofundados sobre a Lei n.º 13.654/2018
Joaquim Leitão Júnior
30/07/2018
Artigo escrito em coautoria com Marcel Gomes de Oliveira*
Entrou em vigor a Lei n.º 13.654/2018, que, entre outras alterações, modificou os arts. 155 e 157 do Código Penal, sob o pretexto de reprimir com maior gravidade condutas relacionadas à subtração de valores de caixas eletrônicos.
A lei em comento – além de dispor sobre os crimes de furto qualificado e de roubo quando envolveram explosivos e do crime de roubo praticado com emprego de arma de fogo ou do qual resulte lesão corporal grave – ainda alterou a Lei n.º 7.102, de 20 de junho de 1983, para obrigar instituições que disponibilizem caixas eletrônicos a instalar equipamentos que inutilizem cédulas de moeda corrente.
Vejamos detidamente ponto a ponto da Lei n.º 13.654/2018
ANÁLISE DO FURTO DIANTE DA LEI N.º 13.654/2018
Art. 155. Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:
Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.
§ 1.º A pena aumenta-se de um terço, se o crime é praticado durante o repouso noturno.
§ 2.º Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa.
§ 3.º Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico.
Furto qualificado
§ 4.º A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido:
I – com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa;
II – com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza;
III – com emprego de chave falsa;
IV – mediante concurso de duas ou mais pessoas.
Nota-se que o caput do art. 155 e os §§ 1.º ao 4.º não sofreram qualquer alteração legislativa. Observe que, topograficamente, as qualificadoras previstas no § 4.º dizem respeito aos meios empregados, utilizados para a prática do crime.
Dando sequência, avancemos ao novel § 4.º-A do art. 155 do Código Penal brasileiro que restou com a seguinte redação:
§ 4.º-A. A pena é de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos e multa, se houver emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum.
Como se observa, o § 4.º-A foi incluído pela Lei n.º 13.654/2018, portanto trata-se de novatio legis in pejus, produzindo seus efeitos para o futuro. Extrai-se que nessa modalidade qualificada o que se leva em conta é o emprego (uso) do artefato explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum. Seguiu, portanto, a topografia do § 4.º, porém com uma pena mais elevada, daí estar inserida umbilicalmente no § 4.º-A. Neste ponto, podemos dizer que se trata de uma hipótese de furto qualificado pelo rompimento de obstáculo pelo emprego de explosivo, afinal, estamos falando do emprego de explosivo com o objetivo de subtrair a coisa alheia móvel. Em resumo, qualifica o furto pelo modo/meio que se pratica.
Como era tratado o tema antes do advento da Lei n.º 13.654/2018? Suponha que uma associação criminosa se dirigisse até um banco e lá utilizasse de explosivos para arrombar caixas eletrônicos. Nesta hipótese, prevalecia na doutrina e jurisprudência o entendimento de que deveriam ser imputados aos agentes os delitos de furto qualificado pelo rompimento de obstáculo (art. 155, § 4.º, I, CP) e explosão (art. 251, CP), em concurso formal impróprio, sem prejuízo do delito do art. 288, CP.
Neste sentido, já havia se manifestado o Superior Tribunal de Justiça: “3. Demonstrado que a conduta delituosa expôs, de forma concreta, o patrimônio de outrem decorrente do grande potencial destruidor da explosão, notadamente porque o banco encontra-se situado em edifício destinado ao uso público, ensejando a adequação típica ao crime previsto no art. 251 do CP, incabível a incidência do princípio da consunção.4. Infrações que atingem bens jurídicos distintos, enquanto o delito de furto viola o patrimônio da instituição financeira, o crime de explosão ofende a incolumidade pública. 5. Recurso especial e agravo em recurso especial improvidos” (REsp 1647539/SP, Recurso Especial 2017/0007286-6, j. 21.11.2017).
A doutrina também não destoava do entendimento. Assim, sobre o tema, já lecionava Cleber Masson,[1] dizendo que “a explosão de caixa eletrônico para a subtração do numerário depositado em seu interior caracteriza esta qualificadora (rompimento de obstáculo). Contudo, se a conduta colocar em risco a vida, a integridade física ou o patrimônio de um número indeterminado de pessoas, estará configurado o concurso material entre o furto (simples ou com alguma qualificadora diversa da prevista no art. 155, § 4.º, inc. I, do CP) e o delito contra a incolumidade pública tipificado no art. 251 do Código Penal (explosão)”.
Como será tratado o tema com o advento da Lei n.º 13.654/2018? Para o professor Rogério Sanches,[2] com o advento da Lei n.º 13.654/2018, nessa situação aventada o concurso formal impróprio deixa de existir. Vejamos como se posiciona o autor: “A partir de agora – independentemente da orientação antes adotada – o concurso entre os delitos de furto e de explosão deixa de existir para ceder lugar à qualificadora. E, neste ponto, se considerarmos que antes se aplicava o concurso formal impróprio, é possível apontar um deslize do legislador. Isto porque, antes, somando-se as penas do furto qualificado e da explosão majorada, resultava o mínimo de seis anos de reclusão (caso se tratasse, como normalmente ocorria, de dinamite ou de substância de efeitos análogos), mas a nova lei comina à qualificadora pena mínima de quatro anos, consideravelmente mais branda”.
A questão topográfica das qualificadoras dos §§ 4.º e § 4.º-A – aplicação simultânea. Imagine a seguinte situação: Tício e Mévio, mancomunados entre si, com emprego de artefato explosivo, rompem obstáculo e subtraem coisa móvel alheia, para si ou para outrem. Nesse caso, pergunta-se: haveria a incidência das três qualificadoras (rompimento de obstáculo, concurso de pessoas – § 4.º, I e IV, e emprego de artefato explosivo – § 4.º-A)? Nessa hipótese, será utilizada a qualificadora com a maior pena definida (emprego de artefato explosivo – § 4.º-A: 4 a 10 anos) e as demais qualificadoras (rompimento de obstáculo e concurso de pessoas – § 4.º: 2 a 8 anos) servirão de circunstância judicial (art. 59, CP) para o momento da fixação da pena-base.
Prosseguindo com as explanações, analisemos as redações dos §§ 5.º e 6.º, in verbis:
§ 5.º A pena é de reclusão de três a oito anos, se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior.
§ 6.ºA pena é de reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos se a subtração for de semovente domesticável de produção, ainda que abatido ou dividido em partes no local da subtração.
Facilmente, percebe-se que os §§ 5.º e 6.º também não sofreram qualquer alteração legislativa. Ao contrário do § 4.º e § 4.º-A (que qualifica o furto pelo meio utilizado para a subtração), nos §§ 5.º, 6.º, e 7.º, o furto será qualificado pelo objeto material subtraído, isto é, pessoa ou coisa sobre a qual recairá a conduta criminosa.
Em continuidade, o novel § 7.º, incluído agora pela Lei n.º 13.654/2018, restou delineado da seguinte forma:
§ 7.º A pena é de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos e multa, se a subtração for de substâncias explosivas ou de acessórios que, conjunta ou isoladamente, possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego.
Como mencionado, o § 7.º foi incluído pela Lei n.º 13.654/2018, portanto trata-se também de novatio legis in pejus, produzindo seus efeitos para o futuro. Observe que nessa modalidade qualificada o que se leva em conta é o objeto material sobre o qual recai a conduta criminosa prevista no núcleo do tipo, ou seja, a subtração (furto) de artefato explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum. Dito isso e analisando os §§ 5.º, 6.º e 7.º, percebe-se que tais qualificadoras recaem sobre o objeto material furtado (subtraído). Em resumo, qualifica o furto pelo objeto que se subtrai. Vejamos a tabela a seguir:
NÚCLEO DO TIPO | OBJETO MATERIAL | PENA | |
Art. 155, § 5.º | Subtrair | Veículo automotor | Reclusão de 3 a 8 anos. |
Art. 155, § 6.º | Subtrair | Semovente domesticável | Reclusão de 2 a 5 anos. |
Art. 155, § 7.º | Subtrair | Substância explosiva ou acessórios | Reclusão de 4 a 10 anos. |
Conceito de substância explosivas ou acessórios que promovam a montagem, fabricação ou emprego. O art. 3.º, III, IV, e LI, fornece os conceitos: Art. 3.º Para os efeitos deste Regulamento e sua adequada aplicação, são adotadas as seguintes definições: III – acessório explosivo: engenho não muito sensível, de elevada energia de ativação, que tem por finalidade fornecer energia suficiente à continuidade de um trem explosivo e que necessita de um acessório iniciador para ser ativado; IV – acessório iniciador: engenho muito sensível, de pequena energia de ativação, cuja finalidade é proporcionar a energia necessária à iniciação de um trem explosivo; LI – explosivo: tipo de matéria que, quando iniciada, sofre decomposição muito rápida em produtos mais estáveis, com grande liberação de calor e desenvolvimento súbito de pressão;
Furto qualificado (§ 7.º, art. 155 do CP) e posse ou emprego de artefato explosivo (art. 16, parágrafo único, III, Estatuto do Desarmamento). Inicialmente, vejamos a seguinte tabela para se ater à problemática:
Furto qualificado (art. 155, § 7.º, CP) | Posse ou emprego de artefato explosivo (art. 16, parágrafo único, III, Estatuto do Desarmamento) | |
Tipificação | Art. 155. Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: § 7.º A pena é de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos e multa, se a subtração for de substâncias explosivas ou de acessórios que, conjunta ou isoladamente, possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego. | Art. 16. […] Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem: III – possuir, detiver, fabricar ou empregar artefato explosivo ou incendiário, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar; |
Hediondo | Não | Sim – parágrafo único do art. 1.º da Lei n.º 8.072/1990 (embora haja controvérsia na doutrina).[3] |
Lei n.º 13.654/2018 | |
Antes | Depois |
§ 2.º A pena aumenta-se de um terço até a metade: | § 2.º A pena aumenta-se de 1/3 (um terço) até a metade: |
A nosso ver, mudança supérflua, pois se era para modificar a redação inserindo frações explícitas, a metade (1/2) também deveria ter sido acrescentada. Dando continuidade ao exame do § 2.º, temos o seguinte:
§ 2.º A pena aumenta-se de 1/3 (um terço) até metade:
I – (revogado); (Redação dada pela Lei n.º 13.654, de 2018.)
A questão da revogação do inciso I do § 2.º, art. 157, CP. A nosso ver, uma das mudanças mais drásticas operada no delito de roubo trata-se da revogação do inciso I do § 2.º do art. 157, CP. Deve-se se perceber que ocorreu a denominada novatio legis in melius (nova lei que beneficia o réu de alguma forma), portanto deverá retroagir ainda que o fato já esteja decidido por sentença condenatória transitada em julgado. Trata-se de postulado constitucional[5] e previsto expressamente no parágrafo único do art. 2.º do Código Penal,[6] portanto a lei penal nova que beneficia o réu de alguma forma deverá retroagir imediatamente.
Depreende-se que, com advento da lei em comento, os juízos das execuções penais terão trabalhos extras, reanalisando os processos (executivos de penas) em que presos foram condenados pelo delito de roubo majorado pelo emprego de arma (todas as armas, exceto arma de fogo).
O inciso I previa uma causa de aumento de pena quando o roubo era praticado com o emprego de arma.[7] Nesse conceito de “arma”, encontravam-se armas próprias (aquelas criadas para ataque e defesa) e impróprias (aquelas concebidas com finalidade diversa, mas que podem ser utilizadas em ataque e defesa). Exemplo de armas próprias: armas de fogo (ex.: revólver, pistola), arma branca (ex.: espada, baioneta) e até explosivos (granadas, minas terrestres). Exemplos de armas impróprias: cabo de vassoura, enxada, foice, facão, garrafa quebrada, estilete, tesoura etc. Ensinava Rogério Sanches Cunha[8] que o substantivo arma gerava “controvérsia na doutrina. Pra uns, a expressão abrange somente os objetos produzidos (e destinados) com a finalidade bélica (ex.: arma de fogo). Outros, realizando interpretação extensiva, compreendem também os objetos confeccionados sem finalidade bélica, porém capazes de intimidar, ferir o próximo (ex.: faca de cozinha, navalha, foice, tesoura, guarda-chuva, pedra etc.). Prevalece na doutrina e jurisprudência o sentido amplo, abrangendo as duas acepções […]”.
Com a revogação do aludido dispositivo, conforme veremos adiante, o legislador inseriu o § 2.º-A, majorando o crime de roubo apenas quando a violência ou ameaça for exercida mediante o emprego de arma de fogo (inciso I, § 2.º-A).
Para ter dimensão do problema, devemos conceituar primeiramente o que vem a ser arma de fogo. Conforme o art. 3.º, XIII, do Decreto n.º 3.665/2000: “Art. 3.º, XIII – arma de fogo: arma que arremessa projéteis empregando a força expansiva dos gases gerados pela combustão de um propelente confinado em uma câmara que, normalmente, está solidária a um cano que tem a função de propiciar continuidade à combustão do propelente, além de direção e estabilidade ao projétil”.
Em resumo, se o assaltante abordar a vítima com granada, dinamite, mina terrestre (explosivos),[9] motosserra, espada, facão, enxada, foice etc. (outras armas próprias e impróprias), não estaremos mais diante de roubo majorado pelo emprego de arma, tendo em vista que a única forma de majorar o roubo pelo emprego de arma será com a arma de fogo (ex.: revólver, pistola, fuzil, carabina etc.). Do exposto, vejamos a tabela a seguir:
Lei n.º 13.654/2018 | |
Antes | Depois |
§ 2.º A pena aumenta-se de um terço até a metade: | § 2.º A pena aumenta-se de 1/3 (um terço) até a metade: |
I – se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma; | I – (revogado) (redação dada pela Lei n.º 13.654/2018). |
Conforme dito anteriormente, o emprego de arma de fogo foi inserido no inciso I do § 2.º-A que será analisado mais adiante.
Críticas à revogação do inciso I do § 2.º do art. 157, CP: quando falamos em direito penal, recordamo-nos daquilo que é essencialmente a base do direito penal: a pena. Aos estudarmos as penas, levamos em conta que elas devem ser proporcionais ao agravo da conduta. Analisando o princípio da proporcionalidade em matéria penal, observamos que a pena deverá ser proporcional no momento da criação do delito (pelo legislador), no momento da aplicação da pena (pelo juiz) e, por fim, no da execução da pena (juízo das execuções). Com a revogação do inciso supracitado, constata-se um vácuo enorme, em termos de proporcionalidade, entre um roubo praticado sem arma, um roubo praticado com arma que não arma de fogo (ex.: serra elétrica, granada etc.) e um roubo praticado com arma de fogo.
Ao falarmos de proporcionalidade da pena, implicitamente refere-se à lesividade no direito penal. Diga-se, condutas mais lesivas do ponto de vista penal merecem uma maior reprimenda. Ou seja, quanto mais lesiva a conduta do agente, maior reprimenda deve sofrer. É nítido que a conduta de praticar um roubo com arma de fogo é mais lesivo que se praticar um roubo com uma faca. No entanto, se praticar um roubo com uma faca, é nitidamente mais lesivo do que se praticar um roubo sem qualquer arma. Vejamos os exemplos a seguir para se ter uma dimensão do que propomos:
Primeiro exemplo: Tício empurra Mévio contra a parede e diz: passa tudo. Mévio então entrega a sua carteira e celular para Tício.
Segundo exemplo: Tício com uma serra elétrica ligada aborda Mévio e diz: passa tudo, senão corto suas pernas. Mévio então entrega a sua carteira e celular para Tício.
Terceiro exemplo: Tício com uma arma de fogo (revólver) aborda Mévio e diz: passa tudo, se não te mato. Mévio então entrega a sua carteira e celular.
Nos casos exemplificados, temos o seguinte:
- a conduta do primeiro exemplo sempre foi classificada como roubo simples (art. 157, caput, do CP – com pena de reclusão, de quatro a dez anos, e multa).
- A conduta do segundo exemploera classificada como roubo circunstanciado pelo emprego de arma (art. 157, § 2.º, I – em que se aumentava a pena de 1/3 até a metade). Entretanto, como visto, tal inciso foi revogado pela Lei n.º 13.654/2018. Desde então, a conduta do segundo exemplo, ainda que mais grave que a conduta do primeiro exemplo, será apenada com a pena do caput do art. 157 (reclusão, de quatro a dez anos, e multa).
- Por fim, a conduta do terceiro exemplo será classificada como roubo majorado pelo emprego de arma de fogo (art. 157, § 2.º-A, inciso I – em que a pena será aumentada em 2/3).
Dos três exemplos citados verifica-se que, em termos de proporcionalidade e lesividade da conduta, o primeiro e o terceiro exemplos estão encaixados em tais conceitos. Entretanto, a discrepância do segundo exemplo é nítida tanto em termos de proporcionalidade como de lesividade da conduta. Podemos dizer que há uma vacância de proporcionalidade lesiva, em que uma conduta mais grave é punida de forma mais simples.
A nosso ver, deveria ter sido criada uma majorante intermediária para os casos exemplificados no segundo exemplo. Ou então até mesmo permanecido o inciso I. Assim, teríamos dentro do art. 157 o roubo majorado pelo emprego de arma de fogo (§ 2.º-A, I – aumento de 2/3) e o roubo majorado por outras armas que não arma de fogo (§ 2.º, I – aumento de 1/3 até a metade).
Ademais, observe que o § 2.º do at. 157 estabelece que a pena será aumentada de 1/3 até a metade, se ocorrer uma das hipóteses previstas nos incisos II, III, IV ou V. Assim o “até” dá uma margem ao aplicador da lei para analisar, no caso concreto, qual seria o aumento da pena (na margem de 1/3 até ½) – óbvio que de acordo com a lesividade da conduta do agente. Assim, poderia o legislador, sem qualquer óbice, ter permanecido com o inciso I do § 2.º, em que a arma utilizada (que não arma de fogo), de acordo com o seu potencial lesivo, poderia ser avaliada pelo juiz no momento da aplicação da causa de aumento de pena. Portanto, quanto mais lesiva a arma (que não arma de fogo), poder-se-ia chegar a um aumento de metade (1/2) da pena. Nos casos de menor lesividade da arma (que não arma de fogo), poderia fixar o aumento mínimo (1/3).
Atualmente o § 2.º-A é peremptório (fechado), não oferecendo qualquer margem ao julgador. Portanto, independentemente da potencialidade lesiva da arma de fogo (revólver, pistola ou fuzil), se ela for empregada para a realização do roubo, a pena será aumentada em dois terços (2/3).
Lamentavelmente, mais uma vez o legislador, sob o pretexto de recrudescer as penas, abrandou o tratamento dispensado para evitar hipertrofia aos bens jurídicos tutelados (com fuga aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade). Portanto, os criminosos praticantes de roubo com o emprego de faca ou qualquer outro instrumento que pudesse configurar arma branca, por exemplo, canivetes, chuchos, barras de ferro, espetos, cacos de vidros etc., com exceção de arma de fogo, terão um tratamento aquém do aguardado e na contramão da própria crescente da criminalidade.
Poderíamos até acreditar que a nova lei é mais rigorosa no geral, uma vez que o legislador aumentou a pena para o roubo cometido com o emprego de arma de fogo.[10]
Todavia, mais uma vez, o legislador usa de artifício populista de que agravaria um tratamento rigoroso e implacável com o crime para afagar, de outro lado, os criminosos!!!
O legislador olvidou-se de que os efeitos nocivos e deletérios de quem é alvo do crime de roubo, seja por arma de fogo, seja por arma branca (faca e outros), possuem as mesmas dimensões de abalos psicológicos e isso, infelizmente, não se apaga com leis benignas.
Assim, o legislador benevolente com a criminalidade – que por sua vez não tem piedade da sociedade – ignorou que o poder lesivo de uma arma branca é semelhante ao de uma arma de fogo, porque ambas matam, cada uma a seu modo, e quem padece mais uma vez é a sociedade que fica à deriva e capricho de um legislador leniente e totalmente fora de sintonia com a realidade das ruas e os crimes que lhes afligem.
Do recente reconhecimento da inconstitucionalidade formal da Lei n.º 13.654/2018 (TJSP). Em recente decisão, a 4.ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo reconheceu a inconstitucionalidade formal de um dispositivo que excluiu o aumento de pena para roubo com o uso de arma branca.
Por conseguinte, os desembargadores suspenderam julgamento de um recurso até que o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo da Corte faça o controle difuso do art. 4.º da Lei n.º 13.654/2018.
O citado desembargador visualizou problemas na forma como Senado alterou o projeto de lei sobre uso de arma branca em roubos.
O problema é que, ao revisar o texto final da lei, a Comissão de Redação Legislativa do Senado incluiu a revogação do § 2.º, I, do art. 157 do Código Penal, quando na verdade o dispositivo determinava que a pena por roubo aumentava de um terço até a metade, se o crime fosse praticado com arma – que poderia ser branca ou de fogo.
A 4.ª Câmara concluiu que a comissão parlamentar encarregada de revisar texto de lei não poderia ter alterado o conteúdo da redação, pois esse tipo de prática viola o devido processo legislativo, tornando a norma inválida sob o aspecto formal.
A norma, que entrou em vigor no final do mês de abril, reformou o Código Penal para aumentar as penas quando furtos e roubos são cometidos com uso de explosivo ou arma de fogo. No caso do roubo, a pena deverá ser incrementada em dois terços.
Para a 4.ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, a comissão do Senado extrapolou suas funções de somente fazer alterações técnicas em textos de leis; os funcionários do órgão exerceram funções que só cabem aos parlamentares eleitos pelo povo.
Esse defeito no processo legislativo é tão grave que gera nulidade absoluta do processo legislativo dessas mudanças legislativas, e nada posteriormente poderia retificá-lo e convalidá-lo, nem mesmo a sanção presidencial da norma – que não teria o condão de sanear a irregularidade que oportunizou a revogação do dispositivo (reconhecendo a inconstitucionalidade formal do art. 4.º da Lei n.º 13.654/2018 (que excluiu o § 2.º, I, do art. 157 do Código Penal).
Dessa maneira, o relator votou por reconhecer a inconstitucionalidade formal do art. 4.º da Lei n.º 13.654/2018 – que excluiu o § 2.º, I, do art. 157 do Código Penal – e suspender o julgamento da apelação. Brandão também ordenou que o Órgão Especial do TJSP analise a questão. O voto foi seguido por unanimidade com o reconhecimento da inconstitucionalidade formal da Lei n.º 13.654/2018.
Roubo majorado pelo emprego de arma de fogo (art. 157, § 2.º-A, I) e a questão das armas de uso restrito (art. 16 do Estatuto do Desarmamento). Com o advento da Lei n.º 13.497/2017, o art. 16 da Lei n.º 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento), que trata da posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, tornou-se crime hediondo, isto é, passou a fazer parte do rol do art. 1.º da Lei n.º 8.072/1990 (Lei dos Crimes Hediondos).
A doutrina e os Tribunais sempre tratam do assunto dentro da análise do princípio da consunção. Em resumo, se os crimes ocorrem em um único contexto fático, o crime de roubo absorve (consome) o delito de porte ilegal de arma de fogo de uso restrito (respondendo o agente pelo delito de roubo majorado); se se dá em contexto diferente, o agente reponde por cada um dos delitos. Nesse sentido, já decidiu o STJ:
HC 178561/DF. Habeas corpus. Roubo majorado. Porte ilegal de arma de fogo de uso permitido. Delitos praticados em contexto fático distinto. Aplicação do princípio da consunção. Impossibilidade. Ordem denegada. 1. A conduta de portar arma ilegalmente é absorvida pelo crime de roubo, quando, ao longo da instrução criminal, restar evidenciado o nexo de dependência ou de subordinação entre as duas condutas e que os delitos foram praticados em um mesmo contexto fático, incidindo, assim, o princípio da consunção. 2. In casu, a instrução probatória apurou que o paciente encontrava-se portando arma como forma de se precaver de confrontos com desafetos de outras quadras da cidade e que não tinha a intenção de praticar o delito de roubo. E mais, a abordagem pelos policiais em outro local da cidade, que resultou na prisão do paciente, dera-se em razão de atitude suspeita por parte do acusado e outro, e não porque estavam apurando o delito de roubo, ficando evidente a distinção de contexto fático e a autonomia entre as condutas criminosas. 3. Habeas corpus denegado.
HC 199031/RJ. Habeas corpus. Porte ilegal de arma de fogo com numeração suprimida. Roubo majorado pelo emprego de arma de fogo. Aplicação do princípio da consunção. Condutas autônomas. Não incidência. Constrangimento ilegal não evidenciado. Ordem denegada. 1. O princípio da consunção é aplicado para resolver o conflito aparente de normas penais quando um crime menos grave é meio necessário ou fase de preparação ou de execução do delito de alcance mais amplo, de tal sorte que o agente só será responsabilizado pelo último, desde que se constate uma relação de dependência entre as condutas praticadas (Precedentes STJ). 2. No caso em apreço, observa-se que o crime de porte ilegal de arma de fogo ocorreu em circunstância fática distinta ao do crime de roubo majorado, porquanto os pacientes foram presos em flagrante na posse do referido instrumento em momento posterior à prática do crime contra o patrimônio, logo, em se tratando de delitos autônomos, não há que falar em aplicação do princípio da consunção.
Sobre a questão do concurso de crimes entre roubo e porte ilegal de arma de fogo já lecionava Cleber Masson:[11] “se o roubo é praticado com emprego de arma de fogo, e o agente não tem autorização para portá-la, não incide o crime autônomo de porte ilegal de arma de fogo, de uso permitido ou de uso restrito, nos termos dos arts. 14 e 16 da Lei n.º 10.826/2003 – Estatuto do Desarmamento. Aplica-se, para a solução do conflito aparente de leis penais, o princípio da consunção, uma vez que o porte ilegal de arma de fogo funciona como meio para a prática do roubo (crime-fim). Entretanto, estará caracterizado concurso material entre os crimes tipificados pelos arts. 157, § 2.º-A, I do CP, e 14 (arma de fogo de uso permitido) ou 16 (arma de fogo de uso restrito) da Lei n.º 10.826/2003, quando depois da consumação do roubo, e fora do contexto fático deste crime, o sujeito continua a portar ilegalmente arma de fogo”.
Feita essa análise inicial (acerca do princípio da consunção e contextos fáticos), passamos ao exame da hediondez do delito de posse e porte ilegal de arma de fogo de uso restrito. Indaga-se: pode o delito de roubo (não hediondo) absorver o delito de porte ilegal de arma de fogo uso restrito (hediondo)?
Conforme os ensinamentos de Rogério Sanches,[12] “antes, entendia-se que, se o uso da arma estivesse inserido no mesmo contexto do crime patrimonial, este absorvia o crime de porte. Agora, no entanto, parece-nos inadequado aplicar o princípio da consunção para que o crime patrimonial absorva o crime hediondo, razão pela qual devem ser aplicadas as regras relativas ao concurso de delitos”. O mesmo entendimento é redigido pelos professores Henrique Hoffman e Eduardo Fontes,[13] em que afirmam que “entender o contrário seria chancelar que o crime não hediondo absorva delito hediondo. Destarte, deve o agente responder por porte ilegal de arma de fogo de uso restrito em concurso material com roubo simples (afastando-se a majorante de emprego de arma para evitar o bis in idem)”.
Compactuamos do mesmo entendimento dos nobres doutrinadores supra, pois, em resumo, independentemente do contexto fático, o agente deverá responder, em concurso material, pelos crimes de roubo (art. 157, caput, CP) e porte ilegal de arma de fogo de uso restrito (art. 16, Lei n.º 10.826/2003).
Ademais, observe que, uma vez adotado esse posicionamento, como forma de evitar o bis in idem, o agente não poderá responder simultaneamente pelo delito de roubo majorado pelo emprego de arma de fogo (art. 157, § 2.º-A, I, CP) em concurso com o delito porte ilegal de arma de fogo de uso restrito (art. 16, Lei n.º 10.826/2003).
Prosseguindo as análises, analisemos as redações dos incisos II, III, IV e V do art. 157:
II – se há o concurso de duas ou mais pessoas;
III – se a vítima está em serviço de transporte de valores e o agente conhece tal circunstância.
IV – se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior;
V – se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua liberdade.
Numa leitura atenta, percebe-se que os incisos II, III, IV e V não sofreram qualquer alteração legislativa.
Em continuidade às abordagens, o inciso VI do § 2.º apresenta-se com a seguinte literalidade:
VI – se a subtração for de substâncias explosivas ou de acessórios que, conjunta ou isoladamente, possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego.
O inciso VI do § 2.º foi incluído pela Lei n.º 13.654/2018, portanto trata-se também de novatio legis in pejus, produzindo seus efeitos para o futuro. Observe que nessa modalidade majorada o que se leva em conta é o objeto material sobre o qual recai a conduta criminosa prevista no núcleo do tipo, ou seja, a subtração (roubo) de artefato explosivo ou de acessórios que, conjunta ou isoladamente, possibilitem a sua fabricação, montagem ou emprego. Em resumo, qualifica o furto pelo objeto que se subtrai. Vejamos a tabela a seguir:
Lei n.º 13.654/2018 | ||
Antes | Depois | |
§ 2.º A pena aumenta-se de um terço até a metade: | § 2.º A pena aumenta-se de 1/3 (um terço) até a metade: | |
Não havia previsão legal. | VI – se a subtração for de substâncias explosivas ou de acessórios que, conjunta ou isoladamente, possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego. |
Lei n.º 13.654/2018 | ||
Antes | Depois | |
Art. 157. […] | Art. 157. […] | |
Não havia previsão legal. | § 2.º-A. A pena aumenta-se de 2/3 (dois terços): I – se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma de fogo; II – se há destruição ou rompimento de obstáculo mediante o emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum. | |
Ressalta-se para a majorante de (1/3) até a metade (1/2), que era prevista no inciso I do § 2.º (atualmente revogado), em que, se o roubo fosse realizado com o emprego de arma (própria ou imprópria), seria majorado. | Novatio legis in pejus: prejudicial ao réu. Não retroage. Produz os efeitos para o futuro. |
Lei n.º 13.654/2018 | Crime de Extorsão | |
Antes | Depois | Sem alterações |
Art. 157. […] | Art. 157. […] | Art. 158. […] |
§ 2.º A pena aumenta-se de um terço até a metade: | § 2.º A pena aumenta-se de 1/3 (um terço) até a metade: | § 1.º Se o crime é cometido por duas ou mais pessoas, ou com emprego de arma, aumenta-se a pena de um terço até metade. |
I – se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma; | I – (revogado) (redação dada pela Lei n.º 13.654/2018.) | |
Não havia previsão legal. | § 2.º-A. A pena aumenta-se de 2/3 (dois terços): I – se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma de fogo; |
Lei n.º 13.654/2018 | |
Antes | Depois |
Art. 157. […] | Art. 157. […] |
§ 3.º Se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de sete a quinze anos, além da multa; se resulta morte, a reclusão é de vinte a trinta anos, sem prejuízo da multa. | § 3.º Se da violência resulta: I – lesão corporal grave, a pena é de reclusão de 7 (sete) a 18 (dezoito) anos, e multa; II – morte, a pena é de reclusão de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos, e multa. |
Lei n.º 13.654/2018 | |
Antes | Depois |
Art. 157. […] | Art. 157. […] |
Redação Original: § 3.º Se da violência resulta lesão corporal de natureza grave, a pena é de reclusão, de cinco a quinze anos, além da multa; se resulta morte, a reclusão é de quinze a trinta anos, sem prejuízo da multa. | § 3.º Se da violência resulta: I – lesão corporal grave, a pena é de reclusão de 7 (sete) a 18 (dezoito) anos, e multa; II – morte, a pena é de reclusão de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos, e multa. |
Redação dada pela Lei n.º 8.072/1990: § 3.º Se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de cinco a quinze anos, além da multa; se resulta morte, a reclusão é de vinte a trinta anos, sem prejuízo da multa. | |
Redação dada pela Lei n.º 9.426/1996: § 3.º Se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de sete a quinze anos, além da multa; se resulta morte, a reclusão é de vinte a trinta anos, sem prejuízo da multa. |